Metodologia de negociação coletiva do
trabalho em saúde*
David Braga Júnior*
Douglas Gerson Braga**
Introdução
Este texto foi solicitado pela Representação da OPAS/Brasil, por intermédio da
Coordenação da Cooperação em DRH, para compor o Projeto de Capacitação em
Processo de Negociação entre Gestores e Trabalhadores nos Serviços de Saúde nos
Estados da Região Nordeste.
Considerando a existência de estudos anteriores que vêm sendo realizados
pelos autores sobre o mesmo tema e com objetivos semelhantes, optamos pela
utilização desses estudos na elaboração deste trabalho. Em conseqüência, o texto a
ser apresentado está baseado no livro Conflitos, Eficiência e Democracia na Gestão
Pública, de nossa autoria, publicado pela Editora FIOCRUZ.
O trabalho está organizado e dividido em quatro partes. Na Parte1 reunimos
conteúdo para responder às seguintes indagações:
•por que a negociação coletiva é importante para a área da saúde;
•que modelo de negociação coletiva seria mais apropriado para esta área?
Procuramos demonstrar, nesta primeira parte, as necessidades objetivas que
demandam a instalação de processos de negociação na área de saúde e apresentar
um modelo que possibilite a sistematização e a institucionalização desses processos.
Na Parte 2 procuramos contribuir para solucionar as seguintes questões:
•que vantagens teriam sindicatos e administradores públicos em introduzir convênios de negociação voltados para a qualidade dos serviços?
•como trabalhar projetos mais complexos de negociação considerando-se a diversidade de condições e de realidades existentes na área da saúde?
* Texto transcrito do livro Negociação Coletiva do Trabalho em Saúde, Natal: Ministério da Saúde,
OPAS/OMS, NESC/UFRN, 1998.
** Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas-SP, servidor público federal especializado
em planejamento e ações de governo. Diretor de Planejamento e Gestão da Secretaria Municipal de
Saúde de Campinas.
*** Advogado especializado em Direito do Trabalho e Seguro Social. Servidor público federal, coordenou diversas experiências no campo das negociações coletivas de trabalho no setor público.
402
CADRHU
A contribuição para responder a essas indagações é apresentada na forma de
análise comparativa de algumas concepções adotadas sobre o assunto e também de
um pequeno roteiro para implantação de sistemas em unidades de tipo diferenciado.
A indagação a ser respondida na Parte 3 é:
•como introduzir novas propostas de gestão no setor público? O que pretendemos aqui é facilitar, aproveitando experiências anteriores, a implantação do
sistema de negociação proposto na primeira parte do texto.
Por fim, a Parte 4 apresenta as dúvidas mais comuns sobre o tema, na forma
de perguntas e respostas.
Parte 1
a) P
or que a negociação coletiva é importante para a área da saúde;
Por
b) Que modelo de negociação coletiva seria mais apropriado para
esta área?
Sistemas de negociação, eficiência dos serviços públicos e cidadania
Viabilizar o Estado como provedor das condições essenciais ao exercício da cidadania é tarefa que incumbe ao conjunto da sociedade brasileira. Por constituir imperativo ético, moral e legal, servidores e administradores públicos devem buscar
com absoluta prioridade a consecução desse objetivo.
Saúde, Previdência Social e Educação, entre outras, constituem peças essenciais ao exercício da cidadania. Cabe-nos, portanto, especialmente a nós servidores
públicos e às instituições voltadas ao aprimoramento da democracia social em nosso país, uma parcela considerável de responsabilidade na condução dessa tarefa.
Nesse contexto, inserem-se diversas iniciativas para instituir sistemas de gestão que priorizem o desenvolvimento das relações de trabalho no setor público,
combinado com a consecução de metas e objetivos comuns, que atendam, sobretudo, aos interesses dos cidadãos usuários do sistema.
Tais sistemas têm por substrato promover o envolvimento, a integração e a
participação do conjunto dos servidores nos assuntos de interesse comum, por intermédio da participação organizada de suas entidades sindicais. E também buscam estimular o crescimento das taxas de controle social e de exigência de qualidade por parte da comunidade, usuária dos serviços.
Contudo, seu propósito fundamental é promover e direcionar o desenvolvimento das relações de trabalho e o tratamento dos seus conflitos, utilizando como
referência o objetivo comum de prestar e atender, com qualidade, eficácia e democracia, aos serviços e às demandas da cidadania, em seu benefício e em benefício
da dignidade da pessoa humana.
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Texto de apoio/Unidade 3
Para o presente caso, o sistema de gestão proposto com essas características é
o Sistema de Gestão Qualificativa das Relações de Emprego, de Trabalho e dos Serviços
do SUS – SGQ/SUS, a ser introduzido por intermédio de convênio.
Sob o aspecto jurídico-doutrinário, esta forma auxiliar de administração
de recursos humanos configura-se como decorrência natural da aplicação do
princípio participativo. Este princípio, por sua vez, integra o conceito de democracia participativa, contemplado na Constituição Federal.
O princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da
cidadania na formação dos atos de governo, assevera José Afonso da Silva (1992). O
autor registra ainda diversas ocasiões em que há determinação constitucional expressa de aplicação deste princípio. Entre elas, cita a instituição dos conselhos e
órgãos colegiados . E faz referências ao Título VIII, Capítulo II, da Constituição
1
Federal, o qual determina que a organização da Seguridade Social deve observar o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. Especialmente dirigido à saúde, a Constituição Federal estabelece, ainda, que ... As
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com a seguinte diretriz: “... III –
2
participação da comunidade”.
Já o Código de Ética do Servidor Público estabelece como dever dos servidores
...participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melhoria do exercício
3
de suas funções...
Sistemas de negociação: uma necessidade vital para a Saúde
A negociação coletiva é instrumento de ação para intervir no campo da resolução
de conflitos de interesse. Conflitos não administrados contribuem para a ineficiência, baixa produtividade e má qualidade dos serviços. Juntos, esses sintomas provocam a frustração de servidores e a insatisfação dos usuários.
Os conflitos decorrentes das expectativas dos clientes, dos interesses dos
prestadores de serviço e das capacidades dos gestores são inevitáveis: os usuários
desejam acesso aos serviços de forma permanente, com facilidades e amenidades
no trato; que os trabalhadores do serviço de saúde, preferencialmente na forma de
equipes multiprofissionais, os atendam com responsabilidade e que os procedimentos sejam realizados com eficácia e qualidade. E que tudo isso não lhes custe
dinheiro no ato do atendimento ou em qualquer outro momento. Por sua vez, os
trabalhadores dos serviços de saúde, com todo direito, desejam trabalhar em jornadas agradáveis, cumpridas de acordo com suas próprias preferências, em condições
1
Constituição Federal, Arts.10 e 194, Parágrafo Único, VII.
Constituição Federal, Art. 198,)
3
Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal - Dec. n. 1.171,
de 22/06/94, XIV, letra o.
2
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CADRHU
confortáveis e tecnicamente seguras; receber remuneração adequada e crescente,
com estabilidade, segurança e com garantia de carreira e satisfação profissional.
Para garantir essas expectativas e cumprir o que a Constituição, as Leis Orgânicas, a NOB 96, as regras do direito administrativo, as leis estaduais, municipais,
os estatutos da CLT, as leis das cooperativas de trabalhadores, os dispositivos legais
para realizar convênios e contratos, a lei das licitações, as relações políticas com o
Governo e com a Câmara, as demandas dos Conselhos Locais de Saúde, entre outras, os gestores do SUS contam com instrumentos de ordem técnica, organizacional
e política e com recursos limitados de natureza orçamentária próprios ou transferidos pelo SUS, padronizações e especificações de produtos e procedimentos, controle , avaliação e auditoria.
Os instrumentos disponíveis na administração pública são pouco flexíveis para
atuar sobre o conflito que tende a se agravar na medida em que os cidadãos tornam-se mais conscientes de seus direitos e, portanto, mais exigentes. Na
contrapartida, a crise econômica e social limita a disponibilização de recursos e
tende a prejudicar a qualidade dos serviços ofertados.
A tendência deste modelo é a de induzir ao individualismo exacerbado, o que
acarreta, conseqüentemente, uma competitividade cada vez maior no ambiente de
trabalho. Essa visão de mundo traz consigo o isolamento e a deterioração das relações sociais. A lenta desintegração da vida em comunidade e a necessidade de
auto-afirmação estão acontecendo, paradoxalmente, num momento em que as pressões econômico-sociais estão a exigir maior cooperatividade e envolvimento entre
os indivíduos.
Para a flexibilização das regras e dos instrumentos de intervenção em ambientes geradores de conflitos, propomos a instalação de sistemas de negociação coletiva e permanente das relações de trabalho que, buscando convergência ou consenso
e dentro dos princípios legais e éticos, promovam a solução ou a atenuação dos
conflito, permitam uma melhor distribuição de recursos e estabilizem políticas públicas de Saúde. Trata-se, pois, da introdução de mecanismo que atua no campo
das relações de trabalho do setor, com expectativas voltadas para o desenvolvimento sócio-econômico das comunidades envolvidas.
Uma proposta de modelo de negociação coletiva para a saúde
A proposta apresentada a seguir assume a forma de convênio a ser celebrado
entre a administração pública e entidades sindicais. Ela depende exclusivamente
da vontade política dos dois principais atores que interagem na administração pú4
blica: os servidores públicos e os administradores locais.
4
Uma outra forma, depende da vontade política de outros atores, especialmente do Congresso Nacional e do comprometimento mais profundo da administração pública central. Trata-se de iniciativa no
campo legislativo, ou seja, proposta de projeto de lei.
405
Texto de apoio/Unidade 3
Antes da apresentação do modelo de convênio sugerido para a área da Saúde,
queremos destacar alguns pontos que podem auxiliar na compreensão da proposta:
O que é o Convênio do Sistema de Gestão Qualificativa das R
elações
1.O
Relações
rabalho e dos Serviços sugerido para a Saúde?
Trabalho
de Emprego, de T
O convênio é um documento, uma espécie de contrato a ser firmado entre as partes
para introduzir o sistema de negociação coletiva e permanente que se propõe;
2.Quem
Quem são as partes?
Normalmente são os órgãos da administração pública que pretendem instituir esse
modelo de negociação e as entidades sindicais representando seus servidores;
3. O que estabelece o convênio?
Estabelece as bases sobre as quais as partes se propõem a negociar suas demandas
e seus conflitos de interesses;
4. O que são essas bases?
Podem ser divididas em três blocos: um estabelece as finalidades e os objetivos a
que se propõem as partes; outro fixa um conjunto de princípios éticos e legais que
devem nortear as relações dos participantes; um terceiro bloco, de caráter
operacional, estabelece as regras de funcionamento do sistema;
5. Quais são as finalidades visadas por meio da celebração do convênio?
O sistema se propõe a ser uma ferramenta para auxiliar na consecução das finalidades administrativas. Essas finalidades são consensualmente definidas como sendo
a prestação e o atendimento, com qualidade, eficácia e democracia, dos serviços públicos e das demandas da cidadania, em seu benefício e em benefício da dignidade da
pessoa humana.
6. E os objetivos?
Os objetivos são vários, devendo ser destacado, a título de objetivos gerais, a consecução das finalidades administrativas e, a título de objetivos específicos, o desenvolvimento das suas relações de emprego e de trabalho, o tratamento dos conflitos que
insurgem em seu curso e a instituição de mecanismos de controle social sobre o
gerenciamento dos serviços.
7. Basicamente como funciona o Sistema proposto pelo convênio?
Funciona por intermédio da instituição do sistema de Mesa de Participação e Negociação Permanente, assim entendido o processo de realização de reuniões conjuntas, sistemáticas e regradas, conduzidas para a apreciação, análise e tratamento de conflitos, e
para a discussão de assuntos de interesse comum, notadamente relacionados ao desenvolvimento das relações de emprego e de trabalho no setor, em benefício da qualidade e
da eficiência do serviço.
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CADRHU
8. Como a sociedade pode participar desse sistema?
A sociedade pode participar por intermédio da Comissão Consultiva de Usuários e de
Contribuintes.
Todas essas perguntas e outras mais podem encontrar respostas no corpo do
convênio, pois as definições conceituais básicas da proposta estão contidas em suas
cláusulas constitutivas. Vejamos, portanto, em que termos o sistema de negociação
pode ser instituído.
Convênio do Sistema de Gestão Qualificativa das Relações de Emprego, de Trabalho e dos Serviços Públicos
Constituição
Cláusula Primeira. Por intermédio da celebração do presente Convênio, seus partícipes,
......................., órgão da Administração Pública ..............., vinculado ao ...................,
e a entidade ...................., por seus representantes legais infra-assinados, instituem o
Sistema de Gestão Qualificativa das R
elações de Emprego, de T
rabalho
Relações
Trabalho
e dos Serviços da ...................................................... – SGQ
SGQ, nos termos ora estabelecidos.
Cláusula Segunda. O Sistema de Gestão Qualificativa constitui-se em um conjunto de
postulados, princípios, regras e procedimentos, capaz de motivar o envolvimento e
promover a participação efetiva dos servidores deste órgão e dos usuários dos serviços,
em sua realização.
Parágrafo Primeiro. O Sistema de Gestão Qualificativa configura-se enquanto instrumento de auxílio e de apoio à consecução das finalidades administrativas do órgão e
de democratização do seu processo gerencial.
Parágrafo Segundo. Entende-se por finalidade administrativa a prestação e o atendimento, com qualidade eficácia e democracia, dos serviços públicos e das demandas da
cidadania, em seu benefício e em benefício da dignidade da pessoa humana.
Parágrafo Terceiro. O SGQ não se constitui em co-gestão administrativa; não repassa
responsabilidades administrativas a terceiros; não impõe limitações ao exercício constitucional da atividade sindical e não restringe a autonomia e a legitimidade de interesses dos partícipes.
Postulados, objetivos e metas
Cláusula Terceira. Constituem postulados do Sistema de Gestão Qualificativa:
a) Perseguir, a título de objetivos gerais, a consecução das finalidades administrativas
do setor e, a título de objetivos específicos, o desenvolvimento das suas relações de
emprego e de trabalho, o tratamento dos conflitos que insurgem em seu curso e a
instituição de mecanismos de controle social sobre o gerenciamento dos serviços;
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Texto de apoio/Unidade 3
b) Obter melhorias no âmbito da resolutividade, da produtividade, do desempenho, da
qualidade e da eficácia profissional dos servidores e dos serviços públicos oferecidos;
c) Propugnar, pela dignificação, motivação e qualificação profissional dos seus quadros;
d) Promover a democratização do processo de tomada de decisões em sua esfera de
competência;
e) Renovar, modernizar e democratizar procedimentos gerenciais pertinentes à área
de recursos humanos;
f) Regulamentar, democraticamente, a participação organizada e dirigida dos servidores e dos usuários dos serviços, por intermédio da atuação direta da(s) entidade(s)
subscritora(s).
Parágrafo Único. Para alcançar os objetivos gerais e específicos estatuídos neste artigo, os partícipes estabelecem, entre outras, as seguintes metas: (exemplos)
a). ..........( informatização);
b). ..........( concurso público);
c). ..........( treinamento, qualificação e reciclagens);
d). ..........( realocação de servidores);
e). ..........( estabelecimento de metas de produtividade);
f). ..........( adoção de sistema conjunto e integrado de avaliação dos serviços);
Princípios
Cláusula Quarta. O Sistema de Gestão Qualificativa das Relações de Emprego, de
Trabalho e dos Serviços ................ reger-se-á pelos seguintes princípios:
a) Da legalidade, segundo o qual faz-se necessário o escopo da lei para dar guarida
às ações do administrador público;
b) Da moralidade, por meio do qual se exige probidade administrativa;
c) Da impessoalidade, finalidade ou indisponibilidade do interesse público, pelos
quais o administrador não pode omitir-se ou emitir providências que contrariem os
interesses dos cidadãos usuários e da Administração Pública;
d) Da liberdade sindical, que assegura o livre exercício da atividade sindical no
setor público e a legalidade e legitimidade de representação e de defesa de interesses dos servidores junto à Administração Pública;
e) Da democratização, decorrente da aplicação do princípio participativo no
gerenciamento dos serviços públicos e no desenvolvimento das relações de trabalho.
Procedimentos
Cláusula Quinta. O funcionamento do SGQ observará os seguintes procedimentos,
dentre outros que poderão ser estabelecidos :
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a) Instituição do sistema de Mesa de P
Participação
Permanenarticipação e Negociação P
ermanente
te, a ser integrado por ............ representantes da .............. e por ........... representantes do .................,, assim entendido o processo de realização de reuniões conjuntas,
sistemáticas e regradas, conduzidas para a apreciação, análise e tratamento de conflitos, e para a discussão de assuntos de interesse comum, notadamente relacionados
aos desenvolvimento das relações de emprego e de trabalho no setor, em benefício
da qualidade e da eficácia dos serviços.
b) Descentralização e combinação deste sistema, considerando-se os diversos níveis de competência e de organização do órgão e das entidades sindicais, assegurando-se, prioritariamente, o seu funcionamento nos locais de trabalho, onde são
realizados serviços ao público;
c) Direito de obter respostas escritas e arrazoadas, fixação de prazos para os procedimentos, dados, números e informações não confidenciais pertinentes ao objeto do Sistema;
d) Prerrogativas e liberdade de pauta para todos os partícipes, observados os objetivos específicos e gerais, ora definidos.
e) Formalização e exposição de motivos e de razões das questões tratadas em pedidos, respostas, réplicas ou tréplicas.
f) Registro das discussões e formalização dos resultados por intermédio da assinatura
de protocolos.
Cláusula Sexta. Caberá à Mesa de Participação e Negociação Permanente, afora outras atribuições que estabelecer:
a) Aprovar o seu Regimento Interno; definir níveis de competência e formas de representação e de funcionamento; regular coordenar e adotar as providências necessárias
a sua implantação e funcionamento nos diversos locais de trabalho
b) Segundo os postulados, princípios, procedimentos e as regras de funcionamento
previstas neste convênio, dar tratamento aos conflitos insurgentes , de forma a atender aos objetivos previstos.
Cláusula Sétima. A aprovação das matérias submetidas ao Sistema de Gestão Qualificativa dependerá da posição consensual dos seus partícipes, não se considerando
obstativas para esse fim as abstenções ou ausências de representantes à reunião, desde
que regularmente convocados.
Cláusula Oitava. As decisões decorrentes da aplicação do Sistema de Gestão Qualificativa, para alcançarem efeitos legais, deverão ser encaminhadas na forma e nas condições previstas na legislação referente à Administração Pública.
Parágrafo Único.. Reconhece-se o efeito legal dos protocolos assinados pelo administrador, resultantes de acordos obtidos nas Mesas de Participação e Negociação Permanente.
Cláusula Nona. Nos locais de trabalho, definidos de comum acordo pelos convenientes, fica assegurada a eleição, quando não houver, de um representante sindical para
integrar o Sistema de Gestão Qualificativa.
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Texto de apoio/Unidade 3
Parágrafo Único.. As ausências ao trabalho, decorrentes da participação no Sistema
de Gestão Qualificativa, de servidores representantes e/ou dirigentes sindicais serão
justificadas, considerando-os como se em exercício normal de suas atividades funcionais estivessem, para todos os fins e efeitos legais.
Cláusula Décima. A seu critério e dependendo da disposição das entidades convidadas, a
Mesa de Participação e Negociação Permanente poderá promover a constituição de Comissão Consultiva de Usuários e Contribuintes representados por entidades da
sociedade civil, a quem poderá submeter consultas sobre assuntos de interesse comum.
Parágrafo Primeiro. Existindo comissões de usuários e/ou de contribuintes, estas poderão fazer-se representar nas reuniões da Mesa, com direito a voz, ficando-lhes assegurada a prerrogativa de requerimento formal, sobre assuntos diretamente relacionados aos interesses que representam.
Parágrafo Segundo. Os partícipes se comprometem a estimular a criação e a participação de organismos representativos dos usuários dos serviços prestados pela unidade.
Clausula Décima Primeira. Ao objetivarem o aprimoramento da qualidade, da eficácia e do nível de resolutividade no atendimento às demandas da cidadania, por intermédio da melhoria da qualidade das condições de realização dos serviços públicos, os
partícipes declaram-se aptos e desimpedidos para a celebração do presente Convênio,
que é firmado, por prazo indeterminado, em ......... vias de igual teor.
Parte 2
a). Que vantagens teriam sindicatos e administradores públicos em
introduzir convênios de negociação voltados para a qualidade dos
serviços? b). Como trabalhar projetos mais complexos de negociação, considerando-se a diversidade de condições e de realidades existentes na área da saúde?
A) Vantagens Comparativas em Relação a Outras Modalidades de Administração
das Relações de Trabalho
Apresentadas as propostas, certas dúvidas costumam surgir nesta etapa do trabalho e dizem respeito à insegurança que os protagonistas experimentam, em razão
da adoção de novo modelo e das novas posturas diferentes daquelas convencionalmente praticadas. Os dois principais atores que atuam neste modelo são os sindicatos
de servidores e os administradores públicos. Tradicionalmente, as relações entre ambos
são conflituosa. Talvez – arriscaríamos dizer – sejam relações intrinsecamente
conflituosas, dado o papel que cabe aos sindicatos. Mas é necessário que sejam apenas conflituosas? Afinal, que linha de ação e que modelo de relacionamento administração-sindicato são mais adequados aos interesses envolvidos?
410
CADRHU
O modelo apresentado para a área da saúde constitui-se, antes de mais nada,
em instrumento de regulação das relações administração - sindicato, no qual a
referência para intermediar a resolução dos conflitos passa a ser o interesse indisponível dos usuários. O Convênio é um documento que contém regras sobre a forma de relacionamento adotada por ambos.
Diante das dúvidas já conhecidas em razão de experiências anteriores, analisar outros modelos e compará-los com a opção sugerida torna-se imprescindível
para quem deseja formar um juízo de valor equilibrado sobre essa questão. Para
esse fim, propusemo-nos a analisar as três concepções mais discutidas e conhecidas
de tratamento dos conflitos decorrentes das relações de trabalho no setor público e
da forma de relacionamento administração-sindicato, a saber:
•Burocratismo e a linha de confronto sindical;
•Clientelismo e o favoritismo administrativos;
•A co-gestão administrativa.
Burocratismo e a linha de confronto
A característica desta forma de administrar conflitos é a concentração excessiva e
muitas vezes despótica de poder e o seu exercício de maneira arrogante e
intimidatória. Este modelo afasta qualquer tipo de participação e acredita na imposição de ordens como único meio de solução de conflitos, ainda que estes reapareçam na forma de confronto ou de ineficiência administrativa.
As características das relações administração/sindicato, nestes casos, são de
confronto ou meramente burocráticas. Ou seja, ou a entidade sindical arregimenta
forças e assume o confronto, ou sua atividade se resumirá, praticamente, em encaminhar eventuais medidas judiciais e a publicar, em seus boletins, ofícios e notas de
protestos. Distorções na linha de ação sindical também podem contribuir para a
adoção desta concepção autoritária de administração de conflitos.
Clientelismo e o favoritismo administrativos
Trata-se da velha fórmula sustentada na troca de favores, na negociata de cargos e
no apadrinhamento político. Administração e entidades de classe passam a ser
dirigidas praticamente pelas mesmas pessoas. São perseguidos interesses pessoais
e não os interesses-fim da instituição pública ou os legítimos interesses da entidade
sindical. É o sistema que mais se aproxima da cooptação de um pelo outro.
Os conflitos de interesses são discutidos e negociados sem regras claras e sem
mecanismos de controle, tudo com sabor de concessão pessoal e despótica. Há forte
injunção política externa neste sistema e pouco espaço para a adoção de critérios administrativos, técnicos e transparentes. Os interesses da Instituição e da sociedade podem
até ser preservados, desde que não afetem os interesses pessoais dos participantes.
A co-gestão administrativa
São pouquíssimas as experiências conhecidas de co-gestões administrativas, adaptadas
às limitações legais e às características do setor público. De caráter eminentemente
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Texto de apoio/Unidade 3
político, sua fórmula exige, necessariamente, a co-participação no exercício das funções incumbidas da execução do programa. Ou seja, implica a divisão e a ocupação de
cargos administrativos. Se conduzido de forma implícita ou velada, este sistema se
confunde bastante com modelos de corte clientelista.
Há, neste sistema, por um lado, delegação, transferência ou divisão de responsabilidades administrativas e, por outro, perda relativa da autonomia sindical.
Sua adoção poderá acarretar, portanto, distorções de finalidades, pois, não raro, a
atividade administrativa exige providências que nem sempre são de interesse
corporativo. E não necessariamente as demandas sindicais estarão sempre voltadas
à consecução de interesses específicos da administração pública.
Ao administrador compete, legal, obrigatória e exclusivamente, praticar todos os atos necessários à consecução das finalidades administrativas, ainda que
firam interesses corporativos. Já os sindicatos não podem agir contra interesses
corporativos, pois a defesa desses interesses constitui a sua essência.
Comparações com o modelo proposto
O Convênio do Sistema de Gestão Qualificativa não transfere atribuições do administrador público, nem impõe limitações à autonomia sindical, distanciando-se,
desta forma, substancialmente do modelo de co-gestão.
As responsabilidades pela consecução das finalidades administrativas continuam de exclusiva competência do administrador. A defesa dos interesses
corporativos é feita de forma incondicional pela entidade. A participação da entidade sindical é pontual e não genérica. É conduzida a partir de proposições expressas e fundamentadas.
O que acontece neste modelo é, em primeiro lugar, a percepção da existência
de um vasto campo de interesses comuns que podem ser coadunados. Uma vez
estabelecidos enquanto interesses comuns, reconhecemos que ambas as partes detêm legitimidade para deles tratarem.
A busca da qualidade, por exemplo, deve ser bandeira de todos e não de parte
dos envolvidos. Surge daí a natureza participativo-propositiva que tanto caracteriza este modelo. Esse caráter participativo-propositivo confere maior credibilidade
e autoridade às ações administrativas e maior legitimidade e espaço de ação para
atividades sindicais.
Para tratar de assuntos específicos de interesse comum é preciso discutir propostas pontuais e concretas, cuja viabilidade contribua também para a consecução das
finalidades gerais da Administração. É neste reforço da credibilidade e da viabilização
das finalidades administrativas que repousa o interesse maior do administrador em
adotar este modelo. E é na ampliação do espaço para o exercício da atividade negocial
e sindical, e no acréscimo da legitimidade decorrentes do exercício da função propositiva
que a entidade sindical vê vantagens substanciais em sua adoção.
De resto, o modelo evita a concentração excessiva de poderes, o despotismo, os
privilégios, os apadrinhamentos, as omissões ou a transferência de responsabilidades
412
CADRHU
(características dos demais modelos analisados). Evita também a prática de um
sindicalismo inconseqüente, burocrático, de adesão ou de confronto, características
que não condizem com o perfil da categoria dos servidores públicos. O Convênio do
Sistema de Gestão Qualificativa, proposto neste trabalho, é um conjunto de regras e de
critérios de solução de conflitos, fixados transparentemente, de comum acordo, para a
defesa de interesses específicos.
Entretanto, é certo que sistemas de negociação, tais como o sugerido neste
trabalho, não podem ser apresentados como panacéias para todos os males. A necessidade de abertura e de aprofundamento político da discussão acerca do caráter
das relações sindicato-administração, junto aos servidores, é fundamental. Estes
devem escolher se essa relação deve ser pautada pela atuação combativa e crítica,
mas também propositiva das suas entidades sindicais, pela linha de confronto exclusivo, por uma relação baseada na troca de favores, ou pela co-gestão, baseada
na ocupação de cargos, para ficar nos modelos comentados. E saber que para cada
modelo há um custo a ser arcado por eles próprios. Por exemplo: linha exclusiva de
confronto, para obter resultados, exige grande capacidade de mobilização e de
pressão, com muita disposição para a greve. No extremo oposto está a co-gestão
administrativa que implica, praticamente, despojar o Sindicato do seu papel crítico
e combativo.
A existência de um convênio do tipo sugerido não garante, por si só, a obtenção de resultados. Estes dependem da capacidade das partes em conquistá-los na
negociação, usando como pressão todos os instrumentos legais disponíveis (inclusive a greve, no caso do Sindicato). O Convênio estabelece apenas a forma, as
regras da negociação. Até mesmo nas grandes guerras, em que a humanidade se
envolve, há regras de negociação, decorrentes da existência de interesses comuns,
como ocorre com as regras de respeito à vida, à integridade física e de troca de
prisioneiros entre os beligerantes.
A decisão sobre a linha de relacionamento e o compromisso de respaldar a
ação da entidade sindical constituem responsabilidades de cada servidor.
O sindicato, sem esse comprometimento, pouco poderá realizar. A administração, sem a colaboração esforçada do seu corpo funcional e o envolvimento dos
demais interessados, não será capaz de viabilizar, com qualidade, eficiência e democracia, os serviços e as demandas da cidadania.
b) Implantação de Processos de Negociação em Condições Objetivas Diferenciadas
Ao sugerir um modelo de sistema de negociação buscou-se, com base em
experiências anteriores, fixar uma referência concreta acerca das possibilidades de
ordenar e institucionalizar procedimentos que já são corriqueiros na administração
pública: as inúmeras tentativas de compor soluções para os conflitos que emergem
no dia- a- dia do serviço.
Trata-se, portanto, fundamentalmente, de sistematizar regras que conduzam
essa maneira incipiente, desorganizada e esporádica de negociação, que sempre
ocorre onde há situações de conflitos, para uma condição mais adequada, que seja
413
Texto de apoio/Unidade 3
capaz, principalmente, de prevenir situações conflituosas, de estabelecer possibilidades convergentes de solução de conflito, de obstar que conflitos se acumulem e
passem para o campo do confronto e de promover a participação de todos os interessados nos processos decisórios.
O conflito é, portanto, o aspecto determinante a demandar a implantação
desses sistemas. Por outro lado, entendemos que há ambientes objetivamente submetidos a uma certa condição intrinsecamente conflituosa. E que, em níveis toleráveis, não são essas condições as geradoras da inépcia ou da má qualidade dos
serviços, da frustração de servidores e administradores públicos e da insatisfação
dos usuários. A inadequação do tratamento a ser conferido a essas condições
conflituosas é que geram a exacerbação dos conflitos com seus sintomas nefandos
para todos.
Assim, é importante entender o modelo de convênio sugerido como uma das
possibilidades de tratamento dessas condições conflituosas. Uma possibilidade que
direciona esse tratamento para objetivos importantes, amarrados aos interesses
dos usuários. Interesses estes que demandam uma nova cultura de serviços, referida na qualidade e nos direitos de cidadania.
Obviamente o sistema sugerido não é a única possibilidade e também não
dará conta de todas as situações que requeiram esse tipo de intervenção. As maneiras pela quais a comunidade resolve suas questões poderão ser de grande utilidade
na formulação de sistemas de negociação semelhantes ao sugerido.
Uma importante questão apresentada dentro do projeto Capacitação em Processos em Negociação Coletiva do Trabalho em Saúde nos Estados da Região Nordeste é: havendo interesse da administração local, uma pequena comunidade onde
inexista organização de servidores e de moradores tem possibilidades de instituir
processos de negociação com as características apresentadas no modelo proposto?
Entendemos que sim. Outra questão: seria possível traçar alguns caminhos para
auxiliar essa tarefa?
Vamos tentar juntos?
O primeiro passo deve ser incumbir uma pequena equipe, ou agentes comunitários,
ou um coordenador para a execução da tarefa. Isto poderia ser conduzido dentro do
projeto em curso. Supondo que haja Conselho Municipal de Saúde, o segundo passo
seria encaminhar o assunto para debate e deliberação dessa instância. Caso não haja
Conselho estamos diante de uma grande oportunidade para criá-lo. Existindo Conselho, passa a ser fundamental sua posição favorável à implantação do projeto.
A partir da decisão do Conselho, um terceiro passo pode ser a pesquisa para
verificar se há na comunidade setores ou pessoas, servidores ou não, que apresentam algum tipo de preocupação com questões relacionadas à qualidade ou à forma
de execução dos serviços de saúde ou com questões relacionadas aos serviços públicos de um modo geral. Podemos procurar entidades sindicais do setor privado,
entidades beneficentes, comunidades religiosas, etc., inclusive participantes do pró-
414
CADRHU
prio Conselho. Neste terceiro passo, inexistindo sindicato local de servidores públicos – aliás uma boa oportunidade para sua criação –, podemos identificar funcionários com capacidade de liderança, espírito solidário ou sensibilidade para esse tema.
Identificar, ainda, as entidades sindicais de servidores públicos mais atuantes, que
guardem alguma relação com os servidores locais e sensibilizá-las para auxiliar na
organização e na representação dos servidores locais (uma federação ou confederação, por exemplo). Caso não sejam encontradas pessoas ou entidades com esse
perfil, faz-se necessário promover atividades voltadas à conscientização da comunidade sobre a importância do tema e procurar, por esse caminho, despertar o
interesse desses segmentos.
Um quarto passo pode ser a organização dos setores interessados. Isto pode
ser conduzido por meio de atividades patrocinadas pelo Conselho Municipal. A
organização dos setores da comunidade pode se dar sob a forma de Comissão
Participativa de Usuários da Saúde Pública. Quanto aos servidores públicos, se puderem contar com algum tipo de representação sindical melhor. Neste caso, a entidade sindical deve ser convidada a participar. Caso não haja sindicato, ou até que
seja criado um, os servidores poderão eleger representantes para constituir uma
Comissão de Negociação dos Servidores Públicos. Aos membros dessa comissão deve
ser assegurada estabilidade no emprego e possibilidade de ausência justificada ao
serviço para realização de tarefas. Esta comissão poderá solicitar assessoria, por
exemplo, jurídica ou econômica, para auxiliar seu trabalho.
Quinto passo: o Conselho poderá patrocinar a negociação e a celebração de
um Protocolo de intenções, objetivando a implantação de um sistema nos moldes
sugerido na terceira parte deste trabalho. Neste caso, quem seriam os signatários
desse protocolo? Poderiam ser: o Conselho Municipal de Saúde, a administração
pública local (prefeito, secretário, etc.), a Comissão Participativa de Usuários da
Saúde Pública, a Comissão de Negociação dos Servidores Públicos ( se não houver
sindicato local) e ainda, uma federação, confederação e/ou central sindical que
esteja interessada.
Vamos aqui fazer uma pausa para reflexão: uma pequena comunidade que
tenha chegado até esta etapa do processo já terá realizado discussões importantíssimas a respeito da situação da saúde pública, das suas expectativas, de propostas
para melhorar, etc. Enfim, terá participado e exercido sua cidadania. Isto, acreditamos, por si só gerará algum resultado em relação aos aspectos que estamos discutindo aqui. E este resultado pode ser algo bem mais adequado do que o proposto
como modelo em nosso trabalho. É fundamental acreditarmos nessa possibilidade
para não engessarmos processos dinâmicos e heterogêneos como são as negociações coletivas com modelos pré-concebidos. Nosso propósito é estimular a
flexibilização dos instrumentos de ação administrativa na esfera da gestão dos recursos humanos e da execução dos serviços e não o contrário.
Também é presumível que esses processos desencadeiem a criação de Conselhos e de sindicados, estes com capacidade jurídica para firmar convênios. Nesta
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Texto de apoio/Unidade 3
hipótese, constituindo-se a pessoa jurídica na forma de sindicato, esta passa a deter
prerrogativas legais para a celebração de convênios, nos moldes sugeridos neste
trabalho. Caso seja esta a opção, a seqüência para implantar o Sistema de Gestão
Qualificativa encontra-se no roteiro apresentado na Parte III deste texto. No entanto, a permanecer a situação de inexistência de representação sindical dos servidores, a solução poderá ser a seguinte: o protocolo de intenções mencionado acima,
patrocinado pelo Conselho Municipal, poderá conter, em seu próprio corpo, os
princípios fundamentais e o conjunto de regras de funcionamento do sistema de
gestão qualificativa, com algumas poucas alterações.
Por fim, acreditamos que a grande maioria das organizações públicas de saúde (de porte médio ou grande) apresentam diferenças que não demandam alterações substanciais em relação ao modelo básico proposto para implantação do Sistema de Gestão Qualificativa. Esta impressão vem respaldada por experiências conhecidas, aplicadas em organizações de características bem diferentes, como o
IAMSPE – Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo e o INSS/CAF,
órgão da Previdência Social, responsável pela arrecadação das contribuições
previdenciárias no Estado de São Paulo. São organizações de porte e características
bastante díspares e que aplicaram experiências, na essência, bastante semelhantes.
Cumpre registrar, para encerrar este assunto, que a área da Saúde, pelas suas
características, proporcionaria a formulação de um sistema de negociação, de qualificação das relações de trabalho e dos serviços prestados, integrado e articulado
em vários níveis. Mas isto seria assunto para outros estudos.
Parte 3
Como introduzir novas propostas de gestão no setor público?
R oteiro em Seis P
assos para Implantação de Sistemas de Gestão
Passos
Aos interessados em dar alguma aplicabilidade aos conceitos apresentados,
ou em introduzir sistemas com base nas experiências sistematizadas, ou apenas em
conhecer melhor essas experiências, elaboramos o Roteiro em seis passos ,
com o qual pretendemos oferecer uma contribuição um pouco mais didática sobre
a matéria. Contribuirá, em muito, para o êxito da sua aplicação se observar as
seguintes condições prévias:
•que o modelo a ser construído conte com a co-participação dos diversos atores desde o início da sua confecção;
•que o processo seja precedido de diagnóstico para possibilitar conhecimento
científico da realidade na qual se deseja intervir;
•que as partes fixem objetivos iniciais claros e precisos;
•que sejam identificados, desde logo, os diversos campos de interesse e de
conflitos;
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CADRHU
•que sejam definidas as unidades para introdução setorizada e combinada
desses instrumentos.
Primeiro passo:
Diagnóstico e definição de premissas para introdução de mudanças
Diagnóstico: O Consenso da Insatisfação
Para desenvolver reflexões, propostas ou projetos sobre a introdução de mudanças em profundidade no setor público, torna-se oportuno compartilhar certas
inquietações de ordem prática, sempre presentes em discussões e estudos que se
realizam sobre o assunto e que podem ser sintetizadas nas seguintes indagações :
•Estariam os administradores públicos satisfeitos com os resultados obtidos
por suas administrações?
•E os servidores? Estão satisfeitos com o que realizam e com as condições
salariais e de trabalho que recebem?
•Os usuários estão sendo atendidos em suas demandas? Estão satisfeitos com
os serviços pelos quais pagam para receber?
A regra geral, salvo raras exceções, é a insatisfação dos diversos segmentos
envolvidos com a administração dos serviços públicos no Brasil. Assim, o primeiro
consenso obtido nesta verificação preliminar é negativo. É o consenso do Não.
Neste caso, perguntaríamos: legisladores e doutrinadores que formulam determinada legislação e sustentam determinado modelo administrativo cujos resultados deixam a todos insatisfeitos podem estar satisfeitos?
O bom senso indica um Não
Não, novamente.
Ora, se ninguém está satisfeito, não será possível Mudar alguma coisa ? Em
áreas sociais, como a Saúde, a Educação e a Previdência Social, caso a resposta a
esta última indagação venha a ser novamente um Não
Não, então estaremos muito
mais próximos do fim da inserção do Estado na defesa dos interesses essenciais da
cidadania do que imaginamos.
Com efeito, as questões pertinentes aos campos das necessidades vitais e da inteligência humana se sobrepõem, no geral, a certas questões ditas de princípio. Ou seja,
com os custos elevados desses sistemas, a sociedade que os financia não os defenderá
apenas por questões de princípios, mas sim e principalmente por questões de eficácia..
Em conseqüência, salvo melhor juízo, a permanecer esta situação, os únicos
interessados que defenderão estes setores serão seus servidores, por motivos óbvios.
Pressupondo, pois, que haja acordo quanto à necessidade de invertermos o
Consenso do Não
Não, o próximo desafio seria saber o que precisamente desejaríamos mudar e o que precisaria ser feito para provocar e introduzir mudanças?
417
Texto de apoio/Unidade 3
A definição de premissas para introdução de mudanças
Desde logo é preciso ter clareza e acordo quanto às finalidades e quanto aos objetivos a serem perseguidos pela Administração Pública. Como já foi dito, são objetivos que não podem estar dissociados dos interesses maiores da população. E as
reflexões que a sociedade brasileira realiza, hoje, impõem os desafios de repensarmos o caráter do Estado e das suas formas de gerenciamento.
Isto para assegurar-lhes os papéis de provedores de regras e de providências
que garantam o efetivo exercício dos direitos elementares da cidadania. Assim,
inaugura a lista das premissas a serem estabelecidas para a implantação de projetos como este, a fixação do objetivo maior de buscarmos: a plena satisfação às
demandas da cidadania.
Havendo, portanto, acordo quanto ao entendimento - simplificado -, ético e
legal dos papéis do Estado e da Administração Pública, e considerando que,
inacreditavelmente perdemos a consciência quanto a estes objetivos, a primeira
mudança fundamental a ser inserida buscaria instituir instrumentos capazes de
resgatar, junto aos interessados, esta noção de finalidade.
A instituição de instrumentos desse tipo buscaria contribuir, desde logo, para
o desenvolvimento de novas mentalidades. E, conseqüentemente, para a adoção de
novas concepções de realização dos serviços públicos, em que buscaríamos preservar, sempre, os interesses da cidadania, aqui entendida como o conjunto da sociedade, especialmente quando em conflito com outros segmentos específicos.
Trata-se, pois, de produzir um esforço capaz de reverter a sobreposição de
interesses-meio ou periféricos aos interesses-fim da Administração Pública. O núcleo central dessa premissa seria: resgatar a noção de finalidade.
Percebemos, claramente, que a efetivação de projetos deste tipo pressupõe
mudanças comportamentais e dependem de alterações em posturas culturais fortemente arraigadas em nosso meio.
Operar mudanças nesta área, por sua vez, pressupõe, necessariamente, desenvolver ações no campo subjetivo dos diversos atores presentes, proporcionando, por intermédio de processo de conscientização, de envolvimento e de participação, as condições para provocar as alterações comportamentais desejadas. Ou seja,
quando buscamos responder a indagações do tipo “como provocar mudanças”, três
procedimentos conjuntos compõem a premissa: educação, envolvimento e
participação direta.
Ao lado dos aspectos volitivos – dependem exclusivamente da vontade das
partes – de evidente caráter subjetivo, há também aspectos objetivos, essenciais,
envolvidos em mudanças dessa natureza. São condições já dadas ou estabelecidas
que condicionam ou impedem a implantação de um projeto. As preocupações tratadas neste parágrafo podem ser representadas por meio da premissa: condições
objetivas.
Há, contudo, um terceiro aspecto envolvido que transita entre a subjetividade dos atores e a objetividade das condições. Trata-se da criação de novos instru-
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CADRHU
mentos de ação administrativa. Para os fins desejados, deverão ser instrumentos de
caráter participante, jurídica e doutrinariamente sustentáveis e que possam funcionar de forma complementar ou alternativa aos procedimentos já aplicados. Aqui,
as premissas são: criatividade e legalidade dos instrumentos.
A síntese desta reflexão, com as premissas desenvolvidas, até o momento,
assume a seguinte forma: a plena satisfação às demandas da cidadania constitui o
objetivo primordial a ser perseguido. Para sua consecução, faz-se necessário resgatar a noção de finalidade da administração pública, junto aos seus atores. Este
resgate deve ser operado por intermédio de processos de educação, de envolvimento
e de participação direta, dos interessados.
Tais processos dependem de condições objetivas a serem verificadas, da
criatividade dos agentes e da legalidade dos instrumentos a serem introduzidos.
Segundo passo:
Definição de atores e de seus papéis
Considerando as premissas estabelecidas, torna-se necessário definir os atores que
interagem nesse processo. Quem são eles?
Os protagonistas são três: os usuários, os servidores e os administradores públicos.
Os coadjuvantes poderiam ser vários, destacando-se: os Poderes Legislativo e
Judiciário como os principais.
Qual será efetivamente o grau de vontade que dispõem esses atores para perpetrar mudanças? Salvo melhor juízo, entendemos que se não houver vontade política clara de pelo menos dois desses protagonistas – administradores e servidores públicos – não será possível iniciar qualquer processo de mudança em
profundidade na administração pública, questão que será tratada mais à frente.
Terceiro passo:
Constituição de grupo de trabalho e coordenação técnica do projeto;
definição orçamentária e infra-estrutura básica para sua implantação;
promoção de atividades e aglutinação de núcleos e entidades interessadas; pesquisas e estudos de experiências desenvolvidas sobre o assunto
O conjunto de iniciativas sugeridas no terceiro passo do Roteiro tem caráter
técnico e não apresenta maiores dificuldades conceituais para sua implementação
e execução. Contudo, nas experiências estudadas, os graus de organização, convencimento e de convergência em torno das linhas gerais dos modelos adotados
somente puderam ser alcançados após a fruição do tempo necessário à maturação
da idéia, preenchido por inúmeras reuniões, estudos, debates, seminários, etc.,
razão pela qual esses tópicos não podem ser menosprezados.
419
Texto de apoio/Unidade 3
Quarto passo:
Caracterização e formulação das linhas gerais do Sistema; aferição do
grau de disposição política dos interlocutores para sua introdução
(protocolos prévios de intenções)
Pressupondo a constituição de grupo técnico ou coordenadoria dos trabalhos, a
realização de reuniões entre as partes, a sistematização de estudos sobre o tema e
a promoção de atividades envolvendo órgãos, entidades e setores interessados, a
continuidade do processo de implantação do projeto passa a exigir a definição
expressa das linhas básicas do modelo que pretendemos introduzir.
É necessário, portanto, que os termos desse modelo sejam redigidos conjuntamente e apresentados em um documento básico. Esta redação conjunta exigirá
negociação e proporcionará uma primeira aferição do grau de convergência existente entre os partícipes e a sua disposição real em envolver-se com o projeto.
Ultrapassadas as etapas preliminares, o entendimento mínimo sobre o que se
deseja introduzir será demonstrado por intermédio da redação conjunta de documento específico. Este processo de configuração do sistema geralmente é submetido à ratificação de instâncias superiores, como, por exemplo, das assembléias dos servidores,
no caso dos sindicatos e dos superiores hierárquicos, no caso dos administradores.
Obtidas as aprovações necessárias, o documento ganha a forma de protocolo
prévio de compromisso ou de protocolo prévio de intenções e será assinado pelos
participantes, podendo receber adesões posteriores. Por esta razão, a celebração de
protocolos desse tipo constitui-se, ao mesmo tempo, em documento básico de configuração do processo e procedimento objetivo para a medição do grau de seriedade e compromisso das partes para com o projeto.
Há experiências que dispensaram a etapa de celebração de protocolos prévios
de compromisso e passaram diretamente das discussões preliminares para a celebração dos instrumentos reguladores e formalizadores do Sistema, como, por exemplo, aconteceu no IAMSPE (obra citada).
É no curso desses processos iniciais que ocorrem os principais entraves à
viabilização de projetos dessa natureza, representados, muitas vezes, por pareceres e análises técnicas, especialmente de caráter jurídico, contrários à sua instituição. Daí ser necessário fundamentá-los teórica e doutrinariamente para que ganhem sustentação consistente e tomar precauções para que o modelo escolhido
não afronte a legislação vigente sobre a matéria.
Quinto passo:
Formulação de instrumento constitutivo do Sistema, contendo postulados, princípios e regras de funcionamento (contratos e convênios)
Os protocolos prévios de intenção ou de compromisso são fundamentais para o
registro da vontade e da decisão política de adotarmos um novo modelo de interrelacionamento no setor. Contudo, seu significado é mais político do que prático e
420
CADRHU
esgota-se no ato de sua assinatura. Se nada além disso for feito, nada de novo
acontecerá.
A celebração de um protocolo desse tipo não significa a instituição de instrumentos reais de ação capazes de intervir na realidade que desejaríamos mudar. E
não melhora, necessariamente, sequer a qualidade do relacionamento entre as partes, a exemplo do que ocorreu na Prefeitura do Município de São Paulo.
Em conseqüência, faz-se necessário avançar as discussões e produzir instrumentos concretos de intervenção que possibilitem a elucidação e a releitura de
direitos e obrigações no campo das relações de emprego e de trabalho no setor
público.
Esses instrumentos são materializados por intermédio da celebração de convênios ou de contratos, ou da instituição de legislação ordinária específica sobre a
matéria, ou, ainda, por meio do emprego combinado desses procedimentos.
Sexto passo:
Formalização de resultados decorrentes da aplicação de contratos e
convênios (protocolos de resultados, atas de reunião, encaminhamentos administrativos etc.)
Sobre este tópico é importante reforçar alguns esclarecimentos preliminares. Os
resultados das negociações decorrentes da aplicação dos modelos analisados serão
formalizados de acordo com as regras e procedimentos previstos nos respectivos
contratos, convênios ou legislação reguladora, conforme for o caso. Assim, de um
modo geral, a forma a ser conferida aos itens negociados deverá observar o que
estiver prescrito no modelo adotado e dependerá, substancialmente, do conteúdo
da matéria negociada.
Para fins didáticos, podemos dividir o conteúdo dessas matérias, objeto de
acordo na mesa de negociação, em dois tipos, a saber: a) matérias cuja competência para tomar decisões é de alçada exclusiva do administrador que negocia; b)
matérias que dependam da interveniência de outro(s) órgão(s) da administração
ou de outro Poder. Exemplos do primeiro tipo: mudanças em escalas de plantões de
médicos; introdução de novos padrões de atendimento ao público; introdução de
procedimentos de avaliação de servidores; introdução de mecanismos de controle
de qualidade e de produtividade; mudanças na organização do trabalho e na execução de tarefas e até mesmo algumas hipóteses de interpretação de normas que
envolvam pequenos acréscimos de despesas. Exemplos do segundo tipo: acordo
sobre jornada de trabalho e decisões que impliquem aumento de despesas com a
folha de pagamento. Nesta última hipótese, por exemplo, caso não haja previsão
orçamentária, a decisão dependerá de autorização legislativa e envolverá, portanto, as mais altas instâncias da administração pública e o Poder Legislativo.
Em qualquer caso, no entanto, o acordo entre as partes poderá ser registrado
em protocolos de resultados da Mesa de Negociação ou apenas em atas de reunião.
421
Texto de apoio/Unidade 3
A diferença fundamental será verificada quanto à qualidade e quanto aos efeitos
que geram. Nas hipóteses do primeiro tipo os efeitos são imediatos, uma vez que o
administrador detém competência para transformar a decisão negociada em ato
administrativo específico, revestido das exigências prescritas pelas normas da administração pública. Já para as negociações do segundo tipo registra-se, no protocolo de resultados ou em atas de reunião o compromisso, a intenção, o empenho
das partes quanto ao objeto do acordo e os encaminhamentos necessários à
efetivação dos entendimentos havidos na Mesa de Negociação.
Encerrando o roteiro em seis passos
Por tudo o que foi exposto, fica claro que a preocupação central das sugestões
contidas no Roteiro em seis passos consistiu em envolver segmentos e dividir responsabilidade pela viabilização das mudanças desejadas. Isto poderá ser obtido por
intermédio da criação de mecanismos que, pressupondo a natureza intrinsecamente conflituosa das relações nesse setor, permitam a participação direta dos diversos
atores, o controle social sobre seus atos e a solução negociada desses conflitos, em
torno de um objetivo comum: prestar e atender, com qualidade, eficácia e democracia, os serviços e as demandas da cidadania, em seu benefício, e em benefício da
dignidade da pessoa humana.
Parte 4
Perguntas e Respostas
Para esta quarta parte reunimos um rol de questões persistentes que sempre surgem quando o assunto é gestão pública democrática e negociação de conflitos,
devidamente acompanhado de respostas curtas e sintéticas, encerrando esta etapa
do trabalho com uma espécie de “memória rápida” de alguns tópicos tratados nos
capítulos anteriores.
1. O administrador público não pode ser submetido a sistemas
decisórios que venham a impeli-lo a praticar atos não previstos em
lei. Nos sistemas que adotam a gestão participativa, como se dá o
processo decisório diante dos princípios que regem a Administração
Pública ?
Em todas as experiências desenvolvidas, o sistema decisório adotado foi o da convergência de posições, ou seja, da composição entre partes. Por esse sistema não há
como impelir o administrador a praticar um ato não respaldado em lei. É bom
lembrar, contudo, que o sistema não é contra as regras da administração. Não é
contra o administrador. Nem contra as entidades sindicais. Muito menos contra os
interesses dos usuários. É a favor da democratização dos processos decisórios. No
422
CADRHU
setor privado o processo de negociação também é resolvido por intermédio de
composição das partes, nunca por votação entre capital e trabalho.
2. Não há o risco de uma das partes, especialmente a Administração,
ficar em minoria nos processos de negociação ?
Já que o sistema decisório é por consenso, as decisões não são tomadas por maioria
de votos, razão pela qual não há motivo para preocupações quanto ao fato do
administrador encontrar-se em minoria ou em maioria na Mesa de Negociação.
3. Como conduzir a participação e a tomada de decisões se houver
vários órgãos da Administração participando?
Havendo mais de um órgão administrativo representado e ocorrendo divergência
entre eles, podemos optar pelas seguintes alternativas : suspendem-se os procedimentos e aguardamos o consenso da administração, a favor ou contra. Ou, então,
adotam-se as providências aprovadas apenas em relação ao órgão acordante.
4. E quanto à participação concomitante de entidades sindicais,
sobreposições ou disputas de representação de bases entre elas, como
são resolvidas?
Disputas de base sindical ou divergências de fundo acabam sendo resolvidas na
Mesa. Contudo, o Sistema pode prever critérios para sua solução, a exemplo das
providências adotadas na experiência do IAMSPE que estabeleceu, para o caso de
dúvidas, a observância aos princípios da legitimidade de representação e da vontade majoritária dos interessados. Ou seja, a assembléia do segmento afetado decide.
Ainda assim, permanecendo questionamentos, critérios de aferição do grau de legitimidade podem ser aplicados, como, por exemplo, o número de filiados das entidades, sua tradição de luta no setor, o comprometimento com o processo, etc.
5. Não há o perigo de se tornar o sistema inoperante pelo excesso de
participantes ?
Primeiro é preciso lembrar que ao sistema interessa um ganho sempre maior de legitimidade. Quanto mais setores estiverem envolvidos e quanto maior for o grau de legitimidade das entidades que os representem, maior será a capacidade do sistema para
envolver e obter compromissos junto às suas decisões. No IAMSPE e na Prefeitura
Municipal de São Paulo integraram os procedimentos tanto as associações locais de
funcionários quanto os sindicatos, como o Sindicato dos Médicos e o dos Trabalhadores na Saúde. A maioria das entidades participantes era filiada à CUT, mas nem todas.
Contudo, desconhecemos a ocorrência de problemas maiores nessa área.
6. Há inúmeros questionamentos sobre a legalidade de sistemas deste tipo. A
final, órgãos públicos podem introduzir ou participar de
Afinal,
procedimentos paritários de decisão ?
Considerando tudo o que já foi dito sobre consenso e democratização do processo
de tomada de decisões, importa registrar que o Sistema assemelha-se à participa-
423
Texto de apoio/Unidade 3
ção da Administração Pública em inúmeros fóruns, nos quais também participam
instituições de direito privado. Mesmo em fóruns de participação obrigatória, previstos em lei, como os Conselhos, por exemplo, onde há inclusive votação e as
decisões não são tomadas necessariamente por consenso, o administrador somente
encaminhará decisões que não firam as normas da Administração Pública. A mesma vigilância do administrador vale para as negociações, sendo mais fáceis, nestes
casos, em vista da forma consensual de decidir.
7. Qual a força das decisões adotadas nestes sistemas de gestão negociada?
Primeiro há a força moral. Aquela decorrente do assentimento do administrador
sobre a necessidade e a validade de adotarmos determinada medida. Este compromisso moral e político é muito mais importante do que imaginamos. Com base
nele, os petroleiros sustentaram, no ano de 1995, uma das mais longas greves da
história sindical do país.
8. Somente a força moral não altera direitos. As decisões paritárias
não têm forma prevista na legislação administrativa. Como proceder ?
As formas das decisões dependerão dos seus conteúdos. Decidida a matéria, as
partes darão os encaminhamentos pertinentes às prerrogativas que detém. Exemplo: determinada decisão implica em findar uma greve. Caberá ao sindicato encaminhar os procedimentos necessários para efetivar esta decisão. Caso o conteúdo
implique em aumento de vencimentos, o acordo estabelecerá o compromisso da
administração específica em empenhar-se junto às instâncias competentes para efetivar a medida. Aumento de vencimentos depende de iniciativa das instâncias superiores do Poder Executivo e de aprovação de lei. Aparece, portanto, um coadjuvante que é o Poder Legislativo. Assim, na prática, a decisão da Mesa consiste,
nesses casos, em encetar negociações para, através do envio de projeto de lei do
Executivo ao Legislativo, obter a forma legal necessária para dar escopo à decisão.
9. P
odemos dizer
oder Legislativo se consPodemos
dizer,, em conseqüência, que o P
Poder
titui em uma terceira parte nas negociações?
Quando o conteúdo da negociação envolver sua competência legal, sim. Caso contrario, não. Há matérias sobre as quais o Legislativo detém competência legal para
propor projetos de lei. Outras, a iniciativa é do Executivo. Mas há uma infinidade
de assuntos que podem ser tratados por meio de ordens de serviços, portarias,
circulares internas, regulamentos, regimentos, decretos ministeriais, etc. E são assuntos que estão na base de muitos conflitos no setor público. Concluindo, a decisão da Mesa gera o compromisso moral e político do administrador em introduzir
a providência aprovada. O veículo a ser utilizado será aquele mais adequado às
normas do direito administrativo.
424
CADRHU
10. No caso do IAMSPE, as decisões são registradas em protocolos.
Como isto é processado internamente na administração. E com relação aos servidores, os protocolos geram, de fato, direitos ?
No IAMSPE, a quase totalidade dos servidores era regida pelo regime da CLT. Os
conflitos eram dirimidos apenas por intermédio de reclamações trabalhistas. Isto
foi alterado. Os Protocolos da Mesa de Negociação trouxeram menção expressa da
sua natureza contratual. Seu conteúdo adere ao contrato de trabalho. Também
estabeleceram que os direitos e obrigações gerados poderão ser legalmente exigidos. Portanto, os protocolos geram, claramente, direitos e obrigações. É por meio
da sua celebração que a negociação ganha caráter permanente, fugindo do vício
exclusivista das campanhas salariais anuais. Os procedimentos internos da administração para processar as decisões adotadas são realizados na conformidade das
normas legais de caráter administrativo.
11. O que dizer sobre a decisão do Supremo T
ribunal F
ederal de proiTribunal
Federal
bir o regime de negociação coletiva de trabalho no setor público ?
A decisão do Supremo foi no sentido de esclarecer que a Justiça do Trabalho não
detém competência legal para apreciar dissídios coletivos de trabalho do setor público. Não se aplicam, portanto, ao setor público, os conceitos clássicos da negociação coletiva de trabalho do setor privado, com todas as suas implicações. Isto está
muito longe de significar que os administradores públicos não possam realizar negociações para compor conflitos que interfiram na consecução das finalidades administrativas. Ora, uma vez assegurados aos servidores públicos o mais corporativo
dos instrumentos organizativos ( sindicatos ) e o mais extremo dos recursos de
pressão de que dispõem os assalariados ( greve ), não seria crível que o legislador
ou o Poder Judiciário viessem a inibir a adoção de instrumentos capazes de compor
conflitos e harmonizar as relações de trabalho.
12. Não há necessidade de suporte legal específico para instituir
mecanismos de negociação de conflitos no setor público ?
Depende do sistema que se deseja instituir. Entendemos que há, ao menos, cinco
maneiras distintas de instituir sistemas de gerenciamento de conflitos. Uma é através da legislação. Outra, através de convênios. Uma terceira, por meio de contratos. Uma quarta que mistura a primeira com uma das demais. E a quinta
que combina todas as citadas. É necessário proceder a análises jurídicas minuciosas para encontrarmos a forma legal adequada aos instrumentos de gerenciamento
de conflitos que desejamos introduzir.
13. Que assuntos podem ser tratados nas Mesas de P
articipação? P
or
Participação?
Por
que este Sistema é chamado de mão dupla ?
Em princípio, qualquer assunto pode ser apreciado nas mesas de negociação, desde
que relacionados aos objetivos conveniados. As partes estabelecerão, previamente, no
documento que conterá as regras de funcionamento do Sistema, a sua competência
425
Texto de apoio/Unidade 3
material. É claro que decisões sobre matérias não afeitas ao âmbito de competência
legal das partes terão efeitos meramente políticos. O Sistema é chamado de mão dupla
porque, ao contrário das características do setor privado, ambas as partes podem apresentar questões para serem apreciadas na Mesa, possibilidade que permite ao administrador buscar ampliar as taxas de legitimidade e de credibilidade para suas decisões.
Lembremos, sempre, que o objetivo maior desses sistemas é a busca da qualidade dos
serviços e a plena satisfação às demandas da cidadania.
Considerações Finais
Espera-se que as discussões travadas no presente texto, sirva como estímulo e
visualização de possibilidades aos diversos segmentos interessados nas questões
relacionadas com os serviços públicos. Sendo a realidade bem mais dinâmica e
complexa do que a que pudemos aprisionar nestas páginas, temos plena consciência de que novas experiências certamente encontrarão seu rumo próprio e conseguirão atingir patamares de qualidade e de eficiência superiores aos verificados nas
experiências aqui sistematizadas. O que importa é que a sociedade, por meio dos
canais que cria, não abra mão de desenvolver projetos de reformulação do papel do
Estado e da sua administração, para que estes sejam colocados efetivamente a serviço dos mais elevados interesses da cidadania.
Referência Bibliografica
SILVA, J.A. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 1992.
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Metodologia de negociação coletiva do trabalho em saúde*