O QUE SIGNIFICA O TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS DO
ENSINO MÉDIO DO AMAZONAS?
Fabiana Soares Fernandes 1,
Carlos Manuel Gonçalves 2
Resumo
Este estudo integra-se numa investigação mais ampla que está a ser desenvolvida no
âmbito do Programa Doutoral em Psicologia na Universidade do Porto. Esta
comunicação apresenta os resultados do estudo a cerca dos Significados Atribuídos ao
Trabalho pelos alunos finalistas do Ensino Médio e sua variação em função do tipo de
ensino frequentado – se regular ou profissionalizante - e do tipo de escola – pública ou
privada. Participaram desse estudo 1446 adolescentes, sendo 663 (45.9 %) do gênero
masculino, 772 (53.4 %) do gênero feminino, com idades entre 15 e 24 anos (M = 17.1 e
DP = 1.0), provenientes de escolas públicas e privadas (46.1 % e 53.9 %
respectivamente), e do ensino regular e profissionalizante (73.9 % e 26.1 %
respectivamente) do Amazonas. O instrumento utilizado é a Escala de Significados
Atribuídos ao Trabalho -Abreviada - Versão Brasileira – ESAT-BR. Os resultados
indicam a existência de diferenças entre os alunos do ensino regular e profissionalizante
nas Dimensões Emocional Positiva e Econômica, e entre os alunos das escolas públicas
e privadas em três das quatro dimensões que compõem o instrumento, a saber,
Dimensão de Realização Pessoal, Dimensão Econômica e Dimensão Emocional
Positiva. Os dados sugerem que o contato com o mundo do trabalho, seja por meio de
estágio profissionalizante, seja por necessidade financeira vai influenciar os significados
que os alunos atribuem ao trabalho e corroboram a ideia de que o contexto macrossocial
de origem influencia a maneira de compreender, interpretar e construir significados ao
longo da vida.
Palavras-chave: significados do trabalho; ensino profissionalizante; ensino médio
O trabalho estabelece uma relação do homem com a natureza capacitando-o a
intervir, controlar e modificar a natureza, e “ao modificá-la, transforma, ao mesmo
tempo, a sua própria natureza” (Marx, 1996, p.297). É no trabalho, e através dele que o
homem se constitui enquanto ser humano e se diferencia dos demais seres vivos, ao
mesmo tempo que satisfaz suas necessidades, recria novas, complexificando assim o seu
existir (Magalhães & Silva, 2010).
1
Aluna do Programa Doutoral em Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade do Porto; Membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo
da Vida; Professora da Universidade Federal de Amazonas/Brasil-UFAM;.
2
Professor Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto;
Coordenador do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida
2
O trabalho faz parte da vida do ser humano desde o início dos tempos.
Entretanto, ao longo dos séculos, as formas de perceber e dar sentido ao trabalho vem se
modificando (Barreto & Aiello-Vaisberg, 2007; Gonçalves, 2008; Lassance & Sparta,
2003; Ribeiro & Léda, 2004). O significado atribuído ao trabalho representa a
importância deste e da carreira na vida do indivíduo. Para os jovens em especial, esse
significado representa a conexão com o mundo do trabalho e, portanto, a possibilidade
de exploração das profissões e tomada de decisão necessária para selecionar aquelas que
são congruentes com seu auto-conceito profissional (Super, 1980).
Em que consiste então o trabalho? Que Representações temos atualmente sobre
ele? Podemos afirmar, desde sempre e na atualidade, apesar da precarização e mesmo
crise do trabalho, que este se constitui como uma das dimensões fundamentais e
estruturantes do existir humano. Diante de inúmeras mudanças que ocorreram no
mundo do trabalho e nos significados atribuídos ao mesmo ao longo dos séculos,
visamos neste estudo conhecer os significados atribuídos ao trabalho por jovens
brasileiros.
Uma vez que nossas percepções são influenciadas pelo contexto macrossocial no
qual estamos inseridos, e que a escola é uma parcela importante desse contexto,
buscamos perceber se duas das modalidades do Ensino Médio - EM (regular e
profissionalizante) influenciam de forma difrenciada os significados atribuídos ao
trabalho pelos jovens que a frequentam, bem como se existem diferenças ente os jovens
provenientes das escolas públicas e privadas.
As mudanças no mundo do trabalho
De acordo com Ribeiro e Léda (2004) ao pensarmos em trabalho não podemos
deixar de considerar o contexto histórico, uma vez que, para além de toda a
subjetividade que o envolve, ele está inserido em um determinado momento político,
econômico e cultural, que modifica a maneira dos indivíduos vivenciarem e perceberem
esse trabalho. As autoras recordam que já na Grécia antiga o trabalho era desprezado
pelos cidadãos, ou seja, era realizado apenas pelos servos, os cidadãos livres
dedicavam-se à fruição do lazer pela arte e pelo saber. Ao longo da tradição judaicocristã, o trabalho foi percebido, durante séculos, como um fardo árduo e penoso, como
necessário à negação do ócio, e como forma de punição divina, consequência da
3
primitiva transgressão dos humanos primordiais (Vaz, 2011). A visão sobre o trabalho
irá transformar-se progressivamente a partir do Renascimento, quando o trabalho
passará então a ser visto como uma forma de construção da identidade do homem e de
sua realização.
As autoras sintetizam portanto, a ideia de termos duas perspectivas sobre o
trabalho, uma negativa (castigo, punição, fardo) e uma positiva (espaço de criação,
realização pessoal, marca identitária). O máximo da visão positiva teria ocorrido na
época da produção artesanal, quando o trabalhador acompanhava e interferia em todas
as etapas do processo e no produto final deixando nele a sua marca, a sua identidade.
Com a Revolução Industrial o trabalhador perde a emoção da construção ao participar
de apenas numa parte do processo sem poder imprimir-lhe a sua marca pessoal. O
trabalho, antes criativo e livre (artesão tinha tempo para criar, sem submeter-se a hora
exata para iniciar ou concluir sua obra), passa a ser repetitivo, com hora marcada para
ingressar e sair das fábricas.
As mudanças impostas a partir da Revolução Industrial e posteriormente da
Revolução Tecnológica da Informação (também chamada de 3ª. Revolução Industrial),
impõe às sociedades contemporâneas uma força de trabalho diferenciada, ou seja,
atualmente exige-se a qualificação cada vez maior dos trabalhadores, por mais simples
que seja a tarefa a executar. O novo trabalhador precisa ser mais dinâmico, deve ser
capaz de trabalhar em equipe, de tomar decisões rápidas, ter o pensamento abstrato mais
desenvolvido uma vez que já não realiza apenas o trabalho mecanizado, automatizado.
Espera-se que o trabalhador seja capaz de solucionar e diagnosticar problemas e saber
lidar com as constantes mudanças organizacionais; ou seja, um perfil muito mais
eclético, completamente diferente do que era exigido no modelo de produção fordista. O
trabalhador atual precisa ainda estar disposto a investir em sua constante
educação/formação e atualização profissional a fim de se manter competitivo.
O trabalho e a formação
As modificações ocorridas nos modos de produção refletiram (e continuam
refletindo) incontornavelmente na educação. Para compreendermos melhor como isso
se processou, façamos uma retrospectiva no tempo a fim de perceber que a relação
4
escola-trabalho não é nova, uma vez que a preparação dos indivíduos para o trabalho e
para a vida em sociedade há muito está associada às instituições de ensino e formação.
Essas instituições foram (ou será que ainda são?) responsáveis pela reprodução da
ideologia das classes dominantes. Determinavam ao mesmo tempo as aspirações e o
grau em que essas poderiam ser safisfeitas, permitindo assim a mantenção do status quo
vigente, de forma que a longo tempo é possível perceber que “os indivíduos não
esperam nada que não tenham obtido e não obtiveram nada que não tenham esperado”
(Bourdieu & Passeron, s/d, p.277).
No Brasil, desde a época colonial, a forma como é visto o trabalho tem
influenciado o nosso sistema educacional. De acordo com as transformações no perfil
do emprego, surgem novas demandas à educação para o trabalho. Na época da colonial,
por exemplo, a aprendizagem da agricultura, carpintaria ou sapataria não se dava em
escolas formais tal como as conhecemos hoje, mas em oficinas, que utilizam a
experiências de leigos europeus para ensinar aos homens livres, escravos ou índios
como produzir diversos utensílios.
Durante o império, após o estabelecimento da Família Real Portuguesa, deramse inicio as atividades industriais, o que promoveu a criação de oficinas específicas para
preparar a mão de obra necessária à nova economia. Foi durante a Primeira República
(1889-1930) que o sistema educacional e profissional ganharam um novo formato:
foram criadas as verdadeiras escolas técnicas.
Gomes et al (2006), ao realizarem uma viagem pela história da educação
brasileira abordam a mudanças acontecidas entre os anos de 1937-1945. O então
presidente Getúlio Vargas (que governou o Brasil ininterruptamente de 1930 à 1945, e
posteriormente de 1951 a 1954) produziu algumas leis que redesenharam os currículos
educacionais. A Constituição brasileira 3 de 1937 foi a primeira a tratar especificamente
do ensino técnico, profissional e industrial, de forma que a Lei 378 transforma as então
Escolas de Aprendizes e Artífices em Liceus Profissionais, destinados ao ensino
3
O artigo 129 estabelece que: “O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos
favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse
dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos
Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos
sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos
de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que
caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem
concedidos pelo poder público.”.
5
profissional, de todos os ramos e graus. Em 1941 o ensino profissional passou a ser
considerador de nível médio (MEC, 2009).
Avançando um pouco na história, chegamos ao ano de 1996 quando foi criada a
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), vigente
até hoje, que visava promover uma transição da escola para o mundo do trabalho em
níveis de ensino que se elevam sucessivamente, de uma educação inicial/básica,
passando para o ensino de nível técnico (ensino médio), o tecnológico (ensino superior)
e pós-graduação. Em 2004 o Decreto 5154/2004 permite a integração do ensino técnico
de nível médio ao ensino médio e em 2005 a Lei 11.195 lança um Plano de Expansão da
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, com a construção de novas 64
unidades de ensino (MEC, 2009).
Entretanto, a escola, que tradicionalmente forma os cidadãos para o trabalho
(como é possível constatar na legislação brasileira), ainda não é uma realidade acessível
a todos, embora continue sendo a porta de entrada para um emprego. Especialmente na
conjuntura atual, na qual cada vez mais é exigido do trabalhador níveis maiores de
escolaridade. Assim, é fundamental repensarmos o papel da escola e como ela tem
tratado do seu papel fundamental: “a preparação para o trabalho, que resulta na
obtenção de cidadania e de vida com mais dignidade” (Claudino & Lima Filho, 2010,
p.13).
Nesse contexto finalizamos essa discussão concordando com as colocações de
Arruda (2010) bem como de Monteiro e Gonçalves (2011) de que a escola não tem (ou
não deveria ter) o papel de ensinar profissões, de formar para o trabalho, mas sim de
capacitar os jovens à aprendizagem ao longo da vida, despertanto nele “valores de
pertença, comunidade e reponsabilidade. A escola pode até habilitar para o trabalho,
mas sua principal tarefa parecer ser preparar para a vida” (Arruda, 2010, p.15), ou seja,
para o pleno desenvolvimento pessoal e social (Monteiro & Gonçalves, 2011).
Capacitar os jovens para enfrentar os desafios dessa vida que se mostra tão antagonica,
que tem por um lado as vicissitudes do mercado de trabalho e por outro a insegurança
quanto ao futuro, uma vez que retira dos jovens a perspectiva de uma trajetória
profissional linear e ascendente, colocando em causa o trabalho seguro, além de originar
um efeito de desregulamentação, desnormativização e ‘flexibilização’ das relações
laborais que acentua sentimentos de incerteza, insegurança e incontrolabilidade.
6
Pensando nessa mudança e nas perspectivas de futuro, vamos conhecer a seguir
os significados atribuídos ao trabalho por jovens estudantes do Amazonas.
Método
Participantes
Participaram nesta investigação 1446 adolescentes, sendo 663 (45.9 %) do
gênero masculino, 772 (53.4 %) do gênero feminino e 11 (0.8 %) não responderam,
com idades entre 14 e 24 anos (M = 17.1 e DP = 1.0), finalistas do Ensino Médio,
provenientes de escolas públicas e privadas (46.1 % e 53.9 % respectivamente), e do
ensino regular e profissionalizante (73.9 % e 26.1 % respectivamente) do Amazonas.
Instrumento
Escala de Significados Atribuídos ao Trabalho (Abreviada) - Versão Brasileira –
ESAT-BR (Fernandes, Gonçalves e Oliveira, no prelo) é um instrumento de autorrelato
composto por 25 itens respondidos de acordo com uma escala do tipo Likert de 6 pontos
variando de (1) Discordo totalmente a (6) Concordo totalmente. Ela pode ser aplicada
individualmente ou coletivamente e não possui limite de tempo. Os participantes devem
avaliar em que medida concordam ou discordam com a combinação da frase inicial –
Para mim trabalhar significa... – com os itens sugeridos. Os 25 itens organizam-se à
volta de 4 dimensões a saber:
1. Dimensão da Realização Pessoal do Trabalho: refere-se ao modo como o
trabalho é fonte de satisfação pessoal, contribuindo para a realização do sujeito,
desafiando-o para atualizar os seus recursos e competências pessoais. Nessa Dimensão
ressaltam-se aspectos relacionados à aprendizagem, crescimento pessoal, competência,
motivação, realização.
2. Dimensão Positiva do Trabalho: refere-se ao modo como o trabalho permite
oportunidades pessoais e sociais satisfatórias, em termos de atividade positiva, criativa e
relacional.
3. Dimensão Negativa do Trabalho: refere-se ao impacto desgastante, em termos
pessoais e familiares, da atividade do trabalho como fonte de preocupação, stress,
monotonia, cansaço.
4. Dimensão Econômica do Trabalho: refere-se ao modo como o trabalho é um
instrumento para responder às necessidades fundamentais que são garantia da qualidade
7
de vida pessoal, familiar e a um reconhecimento social. Nessa dimensão ressaltam-se
aspectos relacionados ao lado financeiro do trabalho como salário, subsistência e
estabilidade financeira.
Coleta de Dados
A aplicação do instrumento foi realizada no início de 2012, com alunos finalistas
do Ensino Médio, em um tempo de aula, cujo dia e horário foi combinado com as
escolas. A ESAT-BR foi aplicada de forma coletiva pela investigadora principal. Foram
tomados todos os cuidados éticos em relação aos participantes e a pesquisa contou com
a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) CAAE
n. 2281.0.000.115 -11.
Resultados
O significado mais atribuído ao trabalho em nossa amostra foi o Trabalho como
fonte de Realização Pessoal (M = 5.3, SD = .68). O segundo significado mais atribuído
foi o Trabalho como fonte Econômica (M = 5.1, SD = .95). No que diz respeito às
dimensões Emocional Positiva e Emocional Negativa, o trabalho é percebido de uma
maneira mais positiva do que negativa (M = 4.5 e M = 2.9 respectivamente).
Ao analisarmos os Significados Atribuídos ao Trabalho pelos alunos em relação
ao tipo de EM frequentado, encontramos diferenças estatisticamente significativas entre
os alunos do EM regular e do EM profissionalizante, nas dimensões Emocional Positiva
e Econômica do trabalho. Quando verificamos o tipo de escola, se pública ou privada,
encontramos diferenças em três das quatro dimensões (Realização Pessoal, Emocional
Positiva e Econômica), que detalhamos a seguir:
Os alunos do EM regular percebem o trabalho de maneira mais positiva que seus
pares do ensino profissionalizante (p < .01). Depois de considerar o efeito do tipo de
ensino médio (EM) frequentado nos significados atribuídos ao trabalho, é possível
afirmar que o EM regular teve um efeito estatisticamente significativo e de pequena
dimensão (F (1,23) = 25,437; p = 0.017; n2p
= 0.017; potencia = 0,99) sobre a
dimensão Emocional Positiva do trabalho. Os alunos do EM regular (M = 4.6, SD =
0.93; n = 1069) apresentaram maiores médias que seus pares do EM profissionalizante
(M = 4.3, SD = 1.01; n = 377).
8
Os alunos do EM regular atribuem um valor mais econômico ao trabalho do que
os alunos do ensino profissionalizante (p < .01). De modo semelhante, depois de
considerar o efeito do tipo de ensino médio (EM) frequentado nos significados
atribuídos ao trabalho, é possível afirmar que o EM regular teve um efeito
estatisticamente significativo e de pequena dimensão (F (1,67) = 7,42; p = 0.007; n2p =
0.005; potencia = 0.77) sobre a dimensão econômica do trabalho. Os alunos do EM
regular (M = 5.2, SD = 0.93; n = 1069) apresentaram maiores médias que seus pares do
EM profissionalizante (M = 5.0, SD = 1.02; n = 377).
Não foram encontradas diferenças entre os alunos do EM regular e alunos do
EM profissionalizante nas dimensões de Realização Pessoal do Trabalho e Emocional
Negativa.
No que diz respeito às diferenças entre os alunos provenientes das escolas
públicas e privadas, verificamos que na dimensão de Realização Pessoal do Trabalho os
alunos das escolas privadas apresentam médias superiores as dos alunos das escolas
públicas (p < .01). Depois de considerar o efeito do tipo de escola frequentada (se
pública ou privada) nos significados atribuídos ao trabalho, é possível afirmar que a
escola privada teve um efeito estatisticamente significativo e de média dimensão (F
(1,5) = 11,391; p = 0.001; n2p = 0.08; potencia = 0,92) sobre a dimensão de Realização
Pessoal do trabalho. Os alunos das escolas privadas (M = 5.4, SD = 0.66; n = 780)
apresentaram maiores médias que seus pares das escolas públicas (M = 5.3, SD = 0.70;
n = 666).
Dimensão Emocional Positiva: os alunos das escolas privadas percebem o
trabalho como mais positivo do que seus pares das escolas públicas (p < .01). De modo
semelhante, depois de considerar o efeito do tipo de escola frequentada nos significados
atribuídos ao trabalho, é possível afirmar que a escola privada teve um efeito
estatisticamente significativo e de pequena dimensão (F (1,7) = 7,906; p = 0.005; n2p =
0.05; potencia = 0,80) sobre a dimensão Emocional Positiva do trabalho. Os alunos das
escolas privadas (M = 4.55, SD = 0.92; n = 780) apresentaram maiores médias que seus
pares das escolas públicas (M = 4.41, SD = 0.99; n = 666).
Dimensão Econômica: os alunos das escolas privadas novamente apresentam
médias superiores a dos alunos de escolas públicas (p = .02). Mais uma vez, após
considerar o efeito do tipo de escola frequentada nos significados atribuídos ao trabalho,
9
é possível afirmar que a escola privada teve um efeito estatisticamente significativo e de
pequena dimensão (F (1,4) = 5,007; p = 0.02; n2p = 0.03; potencia = 0,60) sobre a
dimensão de Econômica do trabalho. Os alunos das escolas privadas (M = 5.2, SD =
0.91; n = 780) apresentaram maiores médias que seus pares das escolas públicas (M =
5.1, SD = 0.99; n = 666).
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os alunos
da rede privada e da rede pública de ensino na dimensão Emocional Negativa do
Trabalho.
Discussão
Os nossos dados demonstram que o trabalho é visto maioritariamente como uma
fonte de Realização Pessoal, ou seja, uma fonte de satisfação pessoal que contribui para
a realização do sujeito, desafiando-o para atualizar os seus recursos e competências
pessoais, permitindo ainda a aprendizagem, o crescimento pessoal, a competência e a
motivação.
O segundo significado mais atribuído foi o do Trabalho como fonte Econômica,
ou seja, ao modo como o trabalho é um instrumento para responder às necessidades
fundamentais que são garantia da qualidade de vida pessoal, familiar e a um
reconhecimento social. Nessa caracterização são ressaltados aspectos relacionados ao
lado financeiro do trabalho como salário, subsistência e estabilidade financeira. Essa
valorização vem sendo percebida em alguns estudos recentes (Chaves et al, 2004;
Gonçalves & Coimbra, 2003; Gonçalves e Coimbra, 2004; Gonçalves, 2008).
No que diz respeito às dimensões Emocional Positiva e Emocional Negativa, o
trabalho é percebido pelos jovens amazonenses de uma maneira mais positiva do que
negativa (resultado encontrado também por Chaves et al, 2004).
Os alunos do EM regular percebem o trabalho como uma forma de realizar
atividades positivas, criativas e como promotor de oportunidades pessoais satisfatórias.
A diferença encontrada entre esses e seus pares do EM profissionalizante pode estar
relacionada ao contato dos alunos com o mercado de trabalho. Os alunos do EM
profissionalizante, ao longo dos anos de estudo, ou vão tendo contato com a realidade
10
do mercado de trabalho ou já são trabalhadores que voltaram aos bancos escolares em
busca de uma qualificação para melhorar sua condição nos empregos que possuem,
concluindo assim seus estudos ao mesmo tempo em que se qualificam. Desta forma,
esses alunos (jovens e adultos) tem uma percepção mais real do trabalho enquanto que
seus pares do ensino regular podem estar percebendo o trabalho de uma forma mais
positiva por idealizar, em parte, o trabalho que terão no futuro.
Em relação à visão mais econômica do trabalho pelos alunos do EM regular,
entendemos que os alunos do ensino profissionalizante fizeram duas grandes escolhas
antes de ingressar no EM: primeiro decidiram por cursar o EM na modalidade
profissionalizante; segundo, optaram por qual curso/profissão queriam obter a
formação, com vistas ao ingresso no mercado de trabalho. Ou seja, essas escolhas não
foram pautadas unicamente em uma abordagem extrínseca e instrumental do trabalho,
pelo contrário, houve nesses casos uma visão intrínseca uma vez que a possibilidade de
realização pessoal, possibilidade de exercer a criatividade e responsabilidades futuras
estão subentendidas. Talvez, devido ao fato dos alunos do EM regular não terem
precisado tomar essa decisão, tenham uma visão mais instrumental do trabalho, focando
os aspectos financeiros deste.
A percepção do trabalho como oportunidade de realização pessoal nos jovens da
rede de ensino privada nos leva a pensar na relação existente entre o nível
socioeconômico (NSE) dos jovens que frequentam cada uma dessas escolas. Os alunos
de escolas privadas, em sua maioria de NSE médio e alto, são jovens que seguirão para
um curso de nível superior e não necessariamente para o mercado de trabalho ao
finalizaram o EM. Uma vez que tem intenção de se formar no curso superior que
escolheu, percebe que o trabalho que irá realizar na altura será de plena realização dos
seus sonhos e desejos juvenis, será a concretização dos projetos profissionais (dessa
etapa do desenvolvimento). Em contraste, os jovens de escolas públicas, em sua maioria
de NSE inferiores, ingressam no mercado de trabalho para suprir suas necessidades
básicas de sobrevivência e não necessariamente para realizar seu sonho e/ou projeto
profissional. Talvez por essa razão não consigam, em sua maioria, perceber o trabalho
como uma oportunidade de realização pessoal (nossos dados vão de encontro com os
constatados por Blustein et al, 2002; Blustein, Schultheiss e Flum, 2004; Philips,
Blustein, Jobin-Davis e White, 2002).
11
As diferenças na percepção do trabalho como mais positiva pelos alunos de
escolas privadas pode estar relacionada ao seu poder econômico. A maioria dos alunos
de escolas privada possuem um NSE mais elevado, o que lhes permite contar com os
pais para a manutenção do seu sustento durante a continuidade dos estudos (a maioria
desses jovens seguirá para os cursos de formação superior). Já os alunos de NSE
inferiores além de frequentarem escolas com poucos recursos e consequentemente
acesso limitado à orientação profissional, se deparam desde muito cedo com a realidade
do trabalho (o que leva muitos jovens, inclusive, a desistirem dos estudos perante a
necessidade de trabalhar). Esse contato com o mundo do trabalho por via da sua
inserção precoce no mercado de trabalho pode restringir o autoconceito profissional e
concomitantemente as expectativas profissionais e a saliência do trabalho (Diemer et al,
2010). O distanciamento dos jovens das escolas privadas do mercado de trabalho e das
reais dificuldades nele existentes pode estar favorecendo essa idealização mais positiva
do trabalho.
A relevância dado pelos alunos de escolas privadas à dimensão econômica do
trabalho, quando comparados com seus pares de escolas públicas demonstra que esses
jovens valorizam mais a dimensão extrínseca e instrumental do trabalho, ou seja, os
aspectos relacionados ao dinheiro, poder e prestígio social (Chaves et al, 2004;
Gonçalves e Coimbra, 2003; Gonçalves e Coimbra, 2004; Gonçalves, 2008; Mattos e
Chaves, 2006).
Conclusões
O trabalho é ainda hoje considerado uma das dimensões fundamentais do existir
humano, conforme tivemos a oportunidade de discutir anteriormente. Diante de
inúmeras mudanças que ocorreram no mercado de trabalho e nos significados atribuídos
a ele ao longo dos séculos, tivemos a oportunidade de conhecer por meio desse estudo
os significados atribuídos ao trabalho por jovens brasileiros. Para contextualizar
buscamos compreender se o tipo de ensino médio frequentado (regular ou
profissionalizante) e o tipo de escolas (pública ou privada) influenciaram nesses
significados.
12
Da análise dos resultados sobre os significados atribuídos ao trabalho
pelos jovens finalistas do ensino médio, percebemos que os alunos do EM regular
atribuem um significado mais positivo e econômico ao trabalho que seus pares do EM
profissionalizante. A explicação possível destes resultados pode ter se dado, no primeiro
caso pelo contato ou não com o mercado de trabalho. Os jovens que já trabalham (ou
trabalharam) tem uma visão mais realista do trabalho do que aqueles que ainda não
ingressaram no mercado. De maneira geral, os alunos do ensino profissionalizante já
trabalham ou fazem estágios, o que lhes permite ter uma noção real do trabalho,
enquanto que muitos jovens do ensino regular vão buscar seu ingresso no mercado de
trabalho após a conclusão do ensino médio, podendo assim, ter uma visão um pouco
mais idealizada do trabalho. Ao mesmo tempo, a escolha pelo curso profissionalizante
envolve o desejo e interesse por determinado curso/área de atuação antes do ingresso no
EM, o que pode ter proporcionado à esses alunos uma visão menos economicista do que
seus pares do ensino regular que tiveram mais tempo para pensar nas suas escolhas para
o pós médio – cursar uma faculdade, trabalhar ou tentar conciliar os dois.
No que diz respeito ao tipo de escola – se publica ou privada, os alunos das
escolas privadas apresentam uma representação mais elevada do trabalho como
oportunidade de realização pessoal, atribuem um valor mais positivo ao trabalho
enquanto possibilidade de convivência e de enfrentar novos desafios, e percebem o
trabalho de uma maneira mais instrumental e extrínseca do que os alunos das escolas
públicas.
Nesse caso, a explicação possível destes resultados parece estar
intimamente relacionada ao NSE que está por trás das escolas públicas e privadas. De
um modo geral, os jovens que frequentam as escolas privadas proveem de um contexto
econômico mais favorecido. Essa condição, ao mesmo tempo em que possibilita aos
jovens a continuidade dos estudos sem a preocupação imediata com o seu sustento, os
afasta, ou melhor, adia o contato com a realidade do mercado de trabalho. A
consequência é uma percepção mais idealizada do trabalho quando comparada com a
dos jovens provenientes de escolas públicas e NSE menos favorecidos. Esses por sua
vez tem um contato mais precoce com o mundo do trabalho, seja pelas dificuldades
encontradas pelos pais (e/ou familiares) em suas experiências, seja pelo seu próprio
ingresso no mercado de trabalho.
13
Os nossos dados reforçam a ideia de que construímos significados a
partir da interpretação que fazemos do contexto sócio-econômico-cultural no qual
estamos inseridos. Ou seja, nossas experiências pessoais aliadas ao contexto histórico
que partilhamos nos dão as ferramentas necessárias para enfrentarmos os desafios que a
vida nos apresenta. Desta forma, os significados que atribuímos ao trabalho estão
embrenhados em nossas famílias, na região que moramos, nas escolas que
frequentamos, nas condições econômicas que temos, além do contexto histórico no qual
vivemos. As oportunidades de estudo e de trabalho não são iguais para todos (Blustein,
2001; Chaves, 2004; Richardson, 1993), portanto, os significados atribuídos ao trabalho
também não poderão o ser.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, M. da C. C. (2010). A Relação Trabalho Educação no cenário
contemporâneo. Anais do VII Seminário do Trabalho: Trabalho, Educação e
Sociabilidade. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii-7-seminariotrabalho-ret-2010/trabalhos-completos-viist-2010.html
BARRETO, M. A. & Aiello-Vaisberg, T (2007). Escolha profissional e dramática do
viver adolescente. Psicologia & Sociedade, 19(1), 107-114.
Blustein, D. L. (2001). Extending the reach of vocational psychology: Toward an
inclusive and integrative psycology of working. Journal of Vocational Behavior, 59,
171-182.
BLUSTEIN, D. L., CHAVES, A. P., DIEMER, M. A., GALLAGER, L. A.,
MARSHALL, K. G., SIRIN, S. & BHATI, K. S. (2002). Voices of the forgotten half:
The role of social class in the school-to-work transition. Journal of Counseling
Psychology, 49, 311-323.
BLUSTEIN, D. L., SCHULTHEISS, D. E. P. E FLUM, H. (2004). Toward a relational
perspective of the psychology of careers and working: A social constructionist analysis.
Journal of Vocational Behaviour, 64, 423-440.
BOURDIEU, P., & PASSERON, J-C. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Editorial Vega, Lisboa, trad. C. Perdigão Gomes da Silva. (sem
data).
BRASIL (1937). Constituição Brasileira, de 10 de novembro de 1937.
14
BRASIL. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20
de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília,
DF.
BRASIL (2004). Decreto 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36
e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
BRASIL (2005). Lei 11.195, de 18 de novembro de 2005, dá nova redação ao§5º. do
artigo 3º. da Lei nº. 8.948 de 08 de dezembro de 1994.
CHAVES, A. P., DIEMER. M. A., BLUSTEINS, D. L., GALLAGHER, L. A.,
DEVOY, J. E., Casares, M. T. & Perry, J. C. (2004). Conceptions of Work: The View
From Urban Younth. Journal of Counseling Psychology, v.51, n. 3, 275-286. DOI:
10.1037/0022-0167.51.3.275.
CLAUDINO, J. C., & LIMA FILHO, D. L. (2010). Da Relação entre o Homem, o
Trabalho, a Escola e Vice-Versa. Anais do VII Seminário do Trabalho: Trabalho,
Educação e Sociabilidade. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii7-seminario-trabalho-ret-2010/trabalhos-completos-viist-2010.html
DIEMER, M. A., WANG, Q., MOORE, T., GREGORY, S. R., HATCHER, K. M. &
VOIGHT, A. M. (2010). Sociopolitical Development, Work Salience, and Vocational
Expectations Among Low Socioeconomic Status African American, Latin American,
and Asian American Youth. Developmental Psychology, vol. 46, n. 3, 619-635. DOI:
10.1037/a0017049
FERNANDES, GONÇALVES e OLIVEIRA (no prelo). Adaptação e Validação da
Escala dos Significados Atribuídos ao Trabalho – ESAT.
GOMES, C. A., CAPANEMA, C. F., CÂMARA, J. S., & CABANELAS, L. C. (2006).
Educação e trabalho: representações de professores e alunos do ensino médio. Ensaio:
aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 11-26, jan./mar.
GONÇALVES, C. M. (2008). Pais aflitos, filhos com futuro incerto? Um estudo
sobre a influência das famílias na orientação dos filhos. Portugal: Fundação Calouste
Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
GONÇALVES, C.M. & COIMBRA, J. L. (2003). Significados construídos em torno da
experiência profissional/trabalho. Actas do Congresso Internacional de Norte de
Portugal/Galiza, 4, 353-366.
15
GONÇALVES, C.M. & COIMBRA, J. L. (2004). Que significa trabalhar? ESAT,
uma escala para avaliar os significados do trabalho. Comunicação apresentada na X
Conferência Internacional sobre “Avaliação Psicológica: Formas e Contextos. Braga,
Universidade do Minho, 15-18 de Setembro de 2004.
LASSANCE, M.C., & SPARTA, M. (2003). A Orientação Profissional e as
Transformações no Mundo do Trabalho. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, 4 (1/2), p.13-19, 2003.
MAGALHÃES, B., & Silva, G. (2010). Capitalismo, trabalho, gênero e educação.
Anais do VII Seminário do Trabalho: Trabalho, Educação e Sociabilidade. Disponível
em: http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii-7-seminario-trabalho-ret2010/trabalhos-completos-viist-2010.html
MARX, K. (1996). O Capital – crítica da economia política. Vol I. São Paulo: Nova
Cultural (versão digital).
MATTOS, E. E CHAVES, A. M. (2006). As representações sociais do trabalho entre
adolescents aprendizes-um estudo piloto. Rev. Bras. Crescimento Desenvol. Hum. 16
(3), 66-75
Ministério da Educação Cultura (2009). Histórico da Educação Profisisonal. Disponível
em:http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/centenario/historico_educacao_profissional.p
df
MONTEIRO, A, & GONÇALVES, C. M. (2011). Desenvolvimento vocacional no
ensino superior: satisfação com a formação e desempenho académico. Revista
Brasileira de Orientação Profissional, Vol 12, nº1, 15-27.
PHILIPS, S. D., BLUSTEIN, D. L., JOBIN-DAVIS, K., e WHITE, S. F. (2002).
Preparation for the school-to-work transition: The Views of High School Students.
Journal of Vocational Behavior, 61, 202-216.
RIBEIRO, C. V. dos S., & LÉDA, D. B. (2004). O Significado do Trabalho em Tempos
de Reestruturação Produtiva. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, Ano 4, N.
2, 2º semestre.
RICHARDSON, M. S. (1993). Work in people’s lives: a location for counseling
psychologists. Journal of Cousenling Psychology, 40, 425-433.
Super, D. E. (1980). A life-span, life-space approach to career development. Journal of
Vocational Behavior, 16,282-298.
16
VAZ, A, S (2011). Em vez de “história de Adão e Eva”: o sentido último da vida
projectado nas origens. Marco de Canaveses: Edições Carmelo.
Download

O QUE SIGNIFICA O TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS