Agronegócio em Análise
Julho de 2015
Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos
Apesar do cenário de consumo retraído no curto prazo, a atividade leiteira
atrai investimentos de olho no potencial do mercado brasileiro
Regina Helena Couto Silva
O consumo doméstico por produtos lácteos,
principalmente para itens com maior valor
agregado, segue retraído neste ano, refletindo
a piora das condições do mercado de trabalho.
Mas nos anos à frente, o segmento deverá atrair
investimentos, incentivados pelo potencial de
expansão do mercado brasileiro, que ainda tem
baixo consumo, comparativamente aos mercados
desenvolvidos. Ainda no curto prazo, em que
pese o câmbio mais depreciado, as exportações
continuam enfraquecidas por dificuldades nos
mercados de destino e as importações seguem
em expansão, favorecidas pelos baixos preços
internacionais do leite.
Em sentido contrário ao que era esperado em um
cenário de câmbio mais depreciado, a balança
comercial de laticínios está mais deficitária neste
ano, resultado da ampliação de 38% dos volumes
importados no primeiro semestre do ano, ante
o mesmo período do ano passado, enquanto as
exportações caíram 37% no mesmo período.
As importações de leite em pó, o principal produto
lácteo importado pelo Brasil, respondendo por 53%
da pauta, cresceram 107% no primeiro semestre
deste ano, oriundas principalmente do Uruguai e
da Argentina. O recuo dos preços internacionais do
leite, que segundo o USDA1 caíram 43% neste ano
até junho, ante o mesmo período do ano passado,
favoreceu a importação de leite em pó, a despeito
do câmbio mais depreciado. Com isso, os preços
médios de importação de leite em pó caíram 35%.
Os preços internacionais de leite estão em queda,
refletindo de um lado o recuo de importações por
parte da China e de outro a ampliação da oferta
no principal exportador global, a Nova Zelândia.
Segundo o USDA as importações chinesas neste
ano deverão cair 40% ante o volume médio
1
importado nos últimos dois anos. A China importa
pouco mais de 30% do seu consumo doméstico,
que continua em expansão, devendo crescer pouco
mais de 7% neste ano, na avaliação do USDA.
No entanto, os estoques elevados na China estão
provocando redução das compras externas. No
final do ano passado, os estoques chineses de leite
em pó chegaram a 300 mil toneladas, o equivalente
a 16% do consumo interno, ante uma média de
80 mil toneladas nos últimos cinco anos, ou 6%
do consumo. Do lado da oferta, a Nova Zelândia,
que responde por 60% das exportações globais
de leite, deverá ter expansão de 2% da produção.
Já as exportações recuaram 37% no primeiro
semestre do ano, como resultado da queda de
volumes embarcados para a Venezuela, na mesma
proporção. Lembrando que os embarques de
outros produtos agrícolas para o país também
estão em queda – no mesmo período de análise,
as exportações de carnes bovina e avícola caíram
47% e 63% em volume para o país –, em função
da perda de receita com a queda dos preços do
petróleo.
Assim, mesmo em um cenário de câmbio mais
depreciado, não deveremos observar reversão do
quadro de déficit da balança comercial de lácteos
neste ano, já que as importações continuarão
incentivadas pelos baixos preços internacionais
do leite e as exportações continuarão sendo
desfavorecidas pelo recuo dos embarques para
a Venezuela, que responde por mais de 50% da
pauta brasileira.
Outro fator que não contribui para o avanço
das nossas exportações de produtos lácteos é
a baixa competitividade brasileira no mercado
internacional, em função da combinação de
custos logísticos elevados e baixa produtividade
USDA – Sigla em inglês do Departamento de Agricultura dos EUA.
1
(explicada, entre outros motivos, pelos reduzidos níveis
de mecanização e profissionalização da atividade e
falta de investimentos em genética e tecnologia). A
média brasileira de produção é de 4,3 litros de leite
fluido por dia por cabeça de vaca leiteira, frente à média
de 11 litros na Nova Zelândia e de 32 litros nos EUA.
No Sul do Brasil, a produtividade média alcança 7 litros
de leite fluido por dia por cabeça de vaca leiteira, abaixo
da média mundial de 15 litros, porém acima da média
brasileira. A atividade nessa região tem características
mais parecidas com as norte-americanas, como o uso
de rebanho especializado e com boas características
genéticas, ordenha mecanizada e a assistência técnica
Na grande maioria das fazendas brasileiras, nem por parte da indústria de laticínios e de órgãos públicos
sempre a ordenha é a atividade principal do produtor de pesquisa como a Emater 3. O clima também é
e por isso mesmo, não há raça definida 2 para a favorável ao crescimento de pasto forrageiro. Além
produção leiteira. Nas fazendas brasileiras em que há disso, o sistema de produção familiar garante o baixo
rebanho definido, a produtividade alcança os níveis custo da mão-de-obra. Ao contrário do segmento de
norte-americanos. De fato, a elevada produtividade grãos, que migrou para grandes propriedades de
nos EUA tem origem na utilização de raças definidas terra no Centro-Oeste do País nos últimos 20 anos,
para a produção leiteira, melhoramento genético, favorecendo a profissionalização e os ganhos de
na profissionalização das fazendas e no sistema de produtividade, a pecuária leiteira manteve a produção
PRODUTIVIDADE DA PRODUÇÃO DE LEITE POR ESTADO – 1996 – 2013 FONTE:
confinamento.
em IBGE
pequenas propriedades familiares.
ELABORAÇÃO: BRADESCO Em litros por vaca ordenhada
3.300
Brasil
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Paraná
São Paulo
Minas Gerais
Goiás
2.800
2.900
2.577
2.534
Produtividade da produção
de leite por estado – 1996
– 2013
(em litros por vaca
ordenhada)
2.300
1.805
1.800
1.686
1.591
1.492
1.387
1.450
1.300
1.205
1.158
1.022
800
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
O perfil da região Sul está atraindo investimentos
de empresas, inclusive estrangeiras, no segmento
de queijos. O interesse de estrangeiros no mercado
brasileiro vem crescendo dado que o potencial de
Preços do Leite em pó integral Fonte: USDA
expansão nos países desenvolvidos
é baixo, devendo
5.600
Oceania
Agronegócio em Análise
5.100
4.838
4.617
4.600
4.100
3.963
3.925
4.033
3.600
3.804
2.725 2.756
2.600 2.550
2.169
Preços do Leite em pó
integral
(US$ por tonelada métrica)
4.925
3.994
3.458
3.100
crescer apenas a taxas próximas à reposição da
população. Já no Brasil, o consumo per capita de
produtos lácteos ainda é baixo, girando em torno de
5,5 quilos ao ano, ante 16 quilos per capita ao ano
US$ por tonelada métrica
consumidos nos EUA e 20 quilos na média da Europa.
5.350
União Européia
Fonte: IBGE
Elaboração: BRADESCO
3.269
3.550
2.388
3.000
2.400
2.100
2
3
1.850
2.013
jul/08
set/08
nov/08
jan/09
mar/09
mai/09
jul/09
set/09
nov/09
jan/10
mar/10
mai/10
jul/10
set/10
nov/10
jan/11
mar/11
mai/11
jul/11
set/11
nov/11
jan/12
mar/12
mai/12
jul/12
set/12
nov/12
jan/13
mar/13
mai/13
jul/13
set/13
nov/13
jan/14
mar/14
mai/14
jul/14
set/14
nov/14
jan/15
mar/15
mai/15
jul/15
1.600
Fonte: USDA
Elaboração: BRADESCO
Raças definidas: holandesa, girolandesa, Jersey e pardo-suíça.
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
DEPEC
2
Assim como vários segmentos ligados à renda, o
consumo de laticínios no Brasil registrou forte expansão
nos últimos anos, beneficiado pelo processo de
mobilidade social. O brasileiro agregou na sua cesta de
consumo uma gama maior de produtos, como alimentos
industrializados, queijos, requeijão, iogurtes e leite
em pó. A ampliação da oferta de produtos inovadores
como iogurtes funcionais, enriquecidos com vitaminas
e minerais, fibras e ômega 3 também favoreceu a
demanda por produtos lácteos. Segundo dados do
USDA, o consumo nacional subiu de 126 litros per
capita em 2003 para 168 litros per capita em 2015. O
indicador do IBGE que mensura a quantidade de leite
industrializado nos estabelecimentos de laticínios sob
inspeção
federal no Brasil expandiu em média 5,5%
Fonte: IBGE Elaboração: Bradesco
nos últimos dez anos. A recomendação do Ministério da
Em milhões de litros
Saúde é de 200 litros per capita ano, o que mostra que
ainda há potencial de expansão. Assim, acreditamos
que superado o atual enfraquecimento da economia
brasileira, o consumo deve voltar a acelerar.
Para atender ao incremento de demanda, investimentos
foram feitos na ampliação da produção leiteira do País,
que cresceu 52% nos últimos dez anos, enquanto
o número de vacas ordenhadas cresceu 30%. A
produtividade melhorou bastante, saltando de 3,2 litros
de leite fluido por dia por cabeça de vaca leiteira para 4,3;
uma ampliação de 33%. No Sul do País, que concentra
35% da produção nacional de leite, a produtividade
deu saltos mais relevantes, com expansão de 24% em
Santa Catarina, 43% no Paraná e 50% no Rio Grande
do Sul. Nos estados de Minas Gerais e São Paulo, que
juntos somam 37% da produção brasileira de leite, a
produtividade avançou 11% e 16%, nessa ordem.
PRODUÇÃO DE LEITE FLUIDO DE VACA (INDUSTRIALIZADO PELOS LATICÍNIOS SOB INSPEÇÃO FEDERAL) 1997 – 2011
26.000
24.669
23.469
24.000
22.284
21.749
20.873
22.000
19.22119.498
20.000
17.801
18.000
16.221
16.000
14.000
12.000
14.436
13.568
13.150
12.051
11.097
10.623
Produção de leite fluido de
vaca (industrializado pelos
laticínios sob inspeção
federal)
1997 – 2011
(em milhões de litros)
10.000
8.000
6.000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: IBGE
Elaboração: BRADESCO
1,20
1,15
1,12
1,10
1,04
1,00
0,99
0,95
0,89
0,90
0,85
0,80
0,80
0,76
0,75
0,80
0,77
0,65
0,73
0,67
0,59
0,57
0,60
0,60
0,58
0,55
0,52
0,50
0,50
0,92
0,88
0,83
0,71
0,70
0,47
0,45
dez/15
jan/15
jan/14
jan/13
jan/12
jan/11
jan/10
jan/09
jan/08
jan/07
jan/06
0,42
jan/05
0,40
Preços pagos ao produtor
de leite tipo B Brasil
2004 – 2015
(em R$ por litro)
1,10
1,05
jan/04
Agronegócio em Análise
De forma resumida, no atual cenário de piora do pese o câmbio mais depreciado. Nesse sentido, ao
mercado de trabalho neste ano, deveremos observar contrario do que poderíamos esperar, as exportações
contenção do consumo de produtos lácteos de maior não deverão reagir, dado que o principal mercado
valor agregado, como queijos e iogurtes, mas o consumo comprador, a Venezuela, continuará retraído. Apesar
de leite fluido deverá se manter, até mesmo porque os desse cenário controverso no curto prazo, o segmento
preçosPREÇOS
estão
desacelerando,
refletindo
queda deFonte:leiteiro
deverá continuar atraindo investimentos, com
Cepea Esalq
PAGOS
AO PRODUTOR DE LEITE TIPO
C BRASIL 2004a– 2015
Elaboração e projeção: Bradesco
preços
internacionais.
Isso
também
continuará
sendo
vistas
no
potencial de consumo brasileiro e no aumento
em R$ por litro
favorável à continuidade das importações, em que da produtividade.
Fonte: Cepea Esalq
Elaboração e projeção: BRADESCO
DEPEC
3
Perfil do setor
• As exportações e as importações de produtos lácteos são pouco representativas para o segmento de laticínios,
respondendo por 0,5% do volume total produzido de leite no País.
• Os principais produtos exportados são:
• 46% leite
• 41% leite condensado e creme de leite
• 7% manteiga
• 3% queijos
• Os principais países de destino das vendas externas são: 55% Venezuela, 11% Argélia.
• As importações giram em torno de 3% do consumo doméstico. Os principais produtos importados são:
• 53% leite
• 22% soro de leite
• 20% queijos
• Os principais países de origem são: 52% Argentina e 28% Uruguai.
• Cerca de 80% da produção de leite no Brasil é realizada pelo sistema de confinamento e semi-confinamento
do gado.
• A produção de leite é levemente maior no período de chuvas, que vai de outubro a fevereiro, e pouco menor
no período de seca, que se estende de maio a setembro. Em média no período de chuvas a produção é 6%
maior do que o período de seca.
• Os custos de produção de leite são:
• 50% ração
• 24% mão-de-obra
• 5% transporte
• 3% medicamentos
•
• O consumo de laticínios tem forte dependência da renda da população e das condições do mercado de
trabalho.
Agronegócio em Análise
• A produção de leite tem a seguinte distribuição regional
• 40% Sudeste
• 36% Sul
• 14% Centro-Oeste
• 5,5% Norte
• 5% Nordeste
• O Brasil é o 4º maior produtor global de leite em pó integral, com participação de 12% no mercado, e é o
2º maior consumidor, com participação de 17%, precedido pela China, que responde por 51% do consumo
mundial.
• Os maiores exportadores mundiais de leite integral em pó são: 67% Nova Zelândia, 18% União Europeia,
7% Argentina e 4% Austrália.
DEPEC
4
Agronegócio em Análise
Equipe Técnica
Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos
Marcelo Cirne de Toledo - Superintendente executivo
Economia Internacional:
Economia Doméstica:
Pesquisa Proprietária:
Análise Setorial:
Estagiários:
Fabiana D’Atri / Felipe Wajskop França / Thomas Henrique Schreurs Pires
Igor Velecico / Andréa Bastos Damico / Ellen Regina Steter / Myriã Tatiany Neves Bast / Ariana Stephanie Zerbinatti
Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo / Leandro de Oliveira Almeida
Fernando Freitas / Leandro Câmara Negrão / Ana Maria Bonomi Barufi
Thomaz Lopes Macetti / Victor Hugo Carvalho Alexandrino da Silva / Davi Sacomani Beganskas / Ives Leonardo Dias Fernandes / Henrique Neves Plens / Mizael Silva Alves
O DEPEC – BRADESCO não se responsabiliza por quaisquer atos/decisões tomadas com base nas informações disponibilizadas por suas publicações e projeções. Todos os
dados ou opiniões dos informativos aqui presentes são rigorosamente apurados e elaborados por profissionais plenamente qualificados, mas não devem ser tomados, em nenhuma
hipótese, como base, balizamento, guia ou norma para qualquer documento, avaliações, julgamentos ou tomadas de decisões, sejam de natureza formal ou informal. Desse modo,
ressaltamos que todas as consequências ou responsabilidades pelo uso de quaisquer dados ou análises desta publicação são assumidas exclusivamente pelo usuário, eximindo o
BRADESCO de todas as ações decorrentes do uso deste material. Lembramos ainda que o acesso a essas informações implica a total aceitação deste termo de responsabilidade
e uso. A reprodução total ou parcial desta publicação é expressamente proibida, exceto com a autorização do Banco BRADESCO ou a citação por completo da fonte (nomes
dos autores, da publicação e do Banco BRADESCO).
DEPEC
5
Download

Apesar do cenário de consumo retraído no curto