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16/3/2008 11:44:15 O exemplo de eficiência que vem do Sul Como os Estados da região conseguem condenar e manter presos os suspeitos de falcatruas Quando foram presos pela polícia Federal na Operação Zapatta, em julho de 2006, Lucio Rueda Bustos e Roberto Carlos Castagnaro eram acusados de cometer um crime de difícil investigação: a lavagem de dinheiro. Os dois tinham bons advogados e articularam um esquema de proteção que ultrapassava as fronteiras brasileiras. Tudo levava a crer que os criminosos ficariam pouco tempo atrás das grades. O caso deles, porém, tornou­se o modelo de uma Justiça rápida e eficiente. Em apenas oito meses, foram julgados e condenados. Seus bens, avaliados em mais de R$ 10 milhões, foram confiscados. Apesar de os advogados terem contestado a decisão, a Justiça negou aos acusados recorrerem em liberdade. Bustos continua preso. Castagnaro conseguiu a suspensão do processo ao provar que não sabia da lavagem de dinheiro do tráfico. Pagou uma multa de R$ 200 mil por um crime menor, a tentativa de ocultar patrimônio. Bustos e Castagnaro montaram uma intrincada rede que movimentava cerca de R$ 200 milhões por mês, vindos do tráfico internacional de cocaína. Quando foram a julgamento, tinham a esperança de encontrar um juiz pouco familiarizado com o tema. Não foi o que ocorreu. "Uma coisa é o juiz julgar um roubo, um furto. Outra é ter de entender um complexo esquema de lavagem de dinheiro. Esse juiz precisa de uma assessoria especializada e formação adequada", diz Rodrigo Collaço, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A condenação de ambos só foi possível graças a um avanço celebrado como um dos mais importantes do Judiciário brasileiro: os tribunais especializados. "A experiência dos tribunais especializados é uma inovação na América Latina no combate a crimes contra o sistema financeiro e a administração pública e à lavagem de dinheiro", diz Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça. No Paraná, onde os dois foram julgados, há uma corte só para analisar processos de lavagem de dinheiro. "A especialização da vara foi fundamental para que o processo fosse julgado em tão pouco tempo", afirma o procurador da República Orlando Martello, responsável pelas denúncias contra os envolvidos na Operação Zapatta. "Como os recursos são limitados, é importante ter foco", diz o juiz federal Sérgio Moro, da Vara Federal Especializada em Lavagem de Dinheiro de Curitiba. Os tribunais paranaenses ficaram em evidência por ter desmontado grandes esquemas de lavagem de dinheiro e por ter condenado à prisão vários doleiros, na maioria das vezes cúmplices de esquemas de corrupção. O caso mais célebre, deflagrado por uma investigação de 1997, deu origem à CPI do Banestado, entre 2003 e 2004. As investigações desbarataram um gigantesco esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior por intermédio do banco oficial do Estado do Paraná. Durante a CPI, os juízes e os métodos usados pela Justiça no Sul do país ganharam visibilidade. No Rio Grande do Sul, desde 1994 há varas e câmaras que julgam apenas s crimes cometidos por integrantes do Executivo, como prefeitos e vereadores. Elas são preparadas para analisar fraudes em licitações e outros crimes contra a administração pública. Um estudo divulgado em julho pela AMB indicou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) como modelo a ser seguido no combate à impunidade no país. "Os benefícios advindos da especialização já são bastante conhecidos no âmbito do Poder Judiciário e o exemplo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que criou uma câmara especializada no julgamento de crimes que envolvam prefeitos, vem mostrando resultados significativos em termos de eficiência", afirma o estudo. Um exemplo é a condenação do ex­prefeito de Novo Hamburgo José Airton dos Santos por fraude à licitação. No dia 15 de março de 2007, a 4a Câmara Criminal TJRS negou a apelação criminal e manteve a pena de 2 anos e 8 meses de detenção por um crime ocorrido dez anos antes: o superfaturamento na confecção de 2 mil folhetos para divulgar o município. A sentença fixou o regime aberto para o cumprimento da pena. As varas especializadas em crimes contra o sistema financeiro e em lavagem de dinheiro nasceram de um estudo feito em 2002 pelo Conselho de Justiça Federal. Não foi uma simples coincidência que as primeiras cidades a seguirem a recomendação do órgão e a implantar os tribunais especializados tenham sido Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. O bom desempenho do Judiciário do Sul não é fruto apenas da existência de tribunais especializados em julgar casos de lavagem de dinheiro ou corrupção. O desbaratamento e a condenação de praticamente todas as quadrilhas de corruptos envolveram um trabalho harmonioso entre policiais, procuradores e juízes. "É essencial que Polícia Federal, Ministério Público e juízes cooperem", diz Dipp, do STJ. O caminho até que se consiga levar um corrupto para trás das grades é longo e burocrático. Tudo começa com uma investigação da PF, que resulta num inquérito. Esse documento, no qual são identificados os acusados e os crimes cometidos, é enviado ao Ministério Público, que analisa e decide se denuncia os acusados. O próximo passo é enviar as conclusões dos procuradores para a Justiça, onde os acusados serão julgados. Uma fissura em um dos elos dessa corrente significa impunidade. "No Rio Grande do Sul, no Paraná e em Santa Catarina, a relação entre o Ministério Público e o Judiciário é menos conflituosa que no Nordeste. Por isso, no Sul a Justiça é mais eficiente", afirma a cientista política Maria Tereza Sadek, especialista em Judiciário e uma das maiores estudiosas da corrupção no Brasil (clique aqui e leia a entrevista). O trabalho conjunto da PF com o Ministério Público foi essencial para que o processo da operação Bala Doce, desencadeada pela Polícia Federal do Paraná contra traficantes, fosse julgado seis meses após a operação. Dos 18 denunciados pelo Ministério Público, 15 foram condenados. "Tivemos facilidade porque o Ministério Público acompanhou todo o trabalho da Polícia Federal", diz o juiz Marcos César Romeira Moraes, titular da Vara Federal Criminal de Maringá, no Paraná. "Se os acusados não fossem presos, poderiam se reorganizar ou até fugir." Na prática, a prisão dos acusados acelera o processo, pois se ganha prioridade na fila para o julgamento. Para conseguir soltar o cliente preso, os advogados evitam postergar o julgamento. Segundo a lei, um suspeito pode ficar preso para uma investigação por até 81 dias, mas o prazo é prorrogável indefinidamente. "Em vários países, como França e Estados Unidos, os criminosos do colarinho branco respondem aos processos na cadeia, com base na gravidade do crime", diz o juiz federal Sérgio Moro. O êxito da Operação Zapatta, contra lavagem de dinheiro, se deveu em parte à decisão de manter os acusados na cadeia durante a investigação. Mas não é comum que isso aconteça. "Existe uma certa leniência do Judiciário brasileiro com os crimes do colarinho branco", afirma Moro. Uma das estratégias usadas pelo Judiciário paranaense foi a delação premiada, um instrumento por meio do qual um réu revela o que sabe em troca de alívio na pena. Obter informações de um integrante da quadrilha foi importante para conseguir desvendar os complexos esquemas de remessas de dinheiro para o exterior. Muitos juristas criticam a delação premiada. Dizem, entre outras coisas, que ela premia quem, além de bandido, é traidor. Nos Estados Unidos, a delação premiada é amplamente usada no combate ao crime organizado. Há até casos em que um acusado cujo papel é crucial para o desmantelamento de uma quadrilha acaba sendo absolvido. Um exemplo bem­sucedido de delação premiada aconteceu na Itália, nos anos 80. Foi graças aos depoimentos do mafioso Tommaso Buscetta, então refugiado no Brasil, que a Máfia italiana foi desarticulada. Exemplos internacionais como esse, tema da reportagem que começa na página a seguir, ajudam a iluminar ainda mais o longo caminho que o Brasil tem de percorrer para combater a corrupção de modo eficaz. _________________________ No Paraná, o Judiciário recorre à delação premiada para atacar o crime organizado 
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