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ENSINO CONTINUADO • 1996/97 • OS SIGNOS DO GOZO · II
Os signos do gozo II – 1997
O que vem primeiro? O significante? O objeto?
Márcio Peter de Souza Leite
Março de 1997
No capítulo VII Miller vai pensar ontologicamente: O que vem primeiro? O significante? O objeto?
Nada vem primeiro. Mas como pensar a origem? De onde parte a significação da qual o sujeito
será um recorte? Como falou pela primeira vez este sujeito, o analisante, que ora me fala? Essa é
a forma de encontrar as origens, esses S1, e a relação desses S1 com o objeto, relação que
continua se repetindo na situação analítica.
Miller começa a pensar na origem da fala num sujeito e remete a Lacan em “Subversão do
sujeito”, onde constrói o grafo a partir do animal humano, o proto-sujeito, antes deste aceder à
linguagem. A cadeia começa, quando o sujeito acede à linguagem. No primeiro grafo, o ∇ designa
o proto-sujeito, antes do falante. O grito não é um significante, é uma pura emissão vocal a que a
resposta do A dá uma significação e transforma em apelo. É isso que engarça o proto-sujeito na
linguagem dando origem ao sujeito. Aí surge a cadeia. É preciso ter primeiro a cadeia para depois
ter um sujeito. Quando Lacan formula isso em “Subversão do sujeito” ele ainda não tinha
formalizado a cadeia significante em termos de S1 →S2, só vai fazer isso em 1964.
As fórmulas da sexuação
Lado Homem
∀ x φ x - Todo homem está submetido à função fálica - portanto é castrado.
∃ x φ x - Existe o Um que não está submetido a função fálica - é a exceção, não é castrado.
Lado Mulher
∃ x φ x - Não existe nenhuma mulher que não seja submetida a função fálica, portanto todas são
castradas.
∀ x φ x - Não toda a mulher está submetida a função fálica, portanto a mulher, é não toda.
É a mulher que coloca limite ao UM; se existe no lado Mulher o ∀ x φ x, então não existe a relação
sexual, não existe a completude.
Lacan está afirmando ao mesmo tempo que Existe o Um e que Não existe a relação sexual, como
podemos entender isso? Não existe a relação sexual, isto é a completude, embora exista o UM,
porque há um limite para esse Um, que é o não todo da mulher. A mulher é não-toda. O Um não
castrado, que goza de todas as mulheres, não pode gozar da mulher toda, porque a mulher é
não-toda.
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Então, Existe o Um e também existe a falta, o importante são as maneiras pelas quais o sujeito
tenta completar a falta, pelo significante e objetalmente. O que está escrito nas fórmulas da
sexuação são os modos de gozo, as formas do sujeito tentar se completar, tentar ser Um.
O nó borromeano, não articula a questão da sexuação, o nó dá conta do parlêtre e da relação
entre os registros. A clínica lacaniana depois dos anos 70 se ocupa do gozo, dos modos de gozo,
atua nos modos de gozo que são diferentes no homem e na mulher. Nas fórmulas da sexuação o
que está do lado Homem se complementa objetalmente e a Mulher tem dois modos de gozo, o
gozo fálico da complementação da falta e o Outro gozo próprio da Mulher.
Clinicamente pode-se colocar as questões: a falta é igual angústia? Por que o gozo feminino é
gozo e não angústia?
O grito e o apelo
A partir da pág. 109 Miller começa a introduzir a questão do grito e do apelo, que ele chama de
mutação significante, de elevação de uma realidade ao significante, que é o que está em questão
no próprio surgimento da insígnia. Na transformação do grito em apelo o que Lacan introduz é o
reconhecimento do A.
S1
∇
O que temos aqui de novo, é a colocação do A, em S1 ou S2?
S2
Quando Lacan formula isso em 1960 ele ainda não tinha a cadeia S1 - S2, e essa idéia de cadeia é
que é importante, porque estamos falando na relação S1 - a.
Para formar a cadeia, Lacan separa um significante que é o S1 que é o que interessa. O que
parece aqui é que a cadeia se inicia pelo S2, e não pelo S1.
∇ significa a origem mítica que não se deve substancializar. O ∇ é o proto-sujeito, emite um grito
que é material, mas na medida que é um apelo, é um significante. O grito tem o elemento material
e o elemento significante. O interessante aqui é que é o S2 que constitui o S1, mas é o S1 que está
relacionado com o ∇ que não se deve substancializar. Remetendo ao texto de Miller,
“Considerações sobre a clínica psicanalítica” quase que se poderia colocar no ∇ o D.M. e em S1 o
Pai, e aí poderíamos entender o objeto ‘a’, como o resto dessa operação. Essa é a relação do
objeto ‘a’ que nesse caso do grito e do apelo, o objeto, é a voz. Toda emissão vocal terá o
elemento significante, o que faz apelo ao Outro e um resto material.
Fica uma pergunta: Tudo o que vem do A marca? Toda materialidade que produz uma resposta no
A marca? O que marca é a resposta que satisfaz uma pulsão. É a satisfação da pulsão que vai
constituir a marca no sujeito. É o modelo freudiano, só que mais sofisticado. Na clínica o que
realmente opera é a voz enquanto objeto ‘a’ e não o significado.
S2 - a preexistência da linguagem. O grito torna-se apelo porque a linguagem existe, só que isso
vai produzir o S1 o traço unário. A resposta produz um efeito de satisfação, aí o S1 produz o sujeito.
É um esquema circular:
∇ - o grito → S2 resposta → S1 traço unário → $ sujeito
Depois, de novo o $ vai se referir a S2 e quando vamos escrever a cadeia, temos S1 → S2. Primeiro
tem-se a resposta do A, o S2, resposta que produz uma insígnia, uma marca, um signo, o S1. Mas
para que isso aconteça é preciso que exista a linguagem, o S2, para dar significação ao grito. A
insígnia é a marca das respostas do A sobre o sujeito.
A partir do Seminário da Identificação (Seminário 9,1961-62), há um questionamento: se a
linguagem é causa do inconsciente, qual a causa da linguagem? É a escrita, é a Letra, isso já está
em Instância da Letra (1957), texto no qual Lacan estabelece um diálogo com J. Derrida. Aí o
termo instância é usado no sentido jurídico, a instância da Letra seria a primeira. Derrida diz que a
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linguagem é mais do que Logos, é mais do que fonemas, é mais do que o sentido. O
estruturalismo também sai do sentido e vai para a estrutura. A palavra, a linguagem, o verbo não
são os primeiros, porque há algo que os antecede, é a escritura, é a Letra. Existe a linguagem, a
fala, porque há a escrita como conseqüência de uma causa.
Concluímos:
A causa do sujeito é a verdade , S1.
A causa da verdade é o significante.
A causa do significante é a Letra (escrita).
A causa da Letra é o objeto ‘a’?
A condição da escrita, é a existência da resposta do A.
Se se tem o grito e o apelo, se um é S1 e outro S2, se um é o eu-ideal e o outro o Ideal do eu, se
um é Imaginário e o outro é Simbólico, o que de Real há no grito? Onde está o Real entre o S1 e o
S2?
O grito se inscreve quando se transforma em apelo, aí vira marca. É o S2, I (A), que vai condicionar
o S1 (i (a)), que vai se dirigir novamente ao S2.
A como Eu-puro-prazer = Eu ideal, sem falta, com a completude do A, Eu imaginário, fora do plano
da linguagem. No segundo momento, intervém a linguagem, até aí só há o registro do primeiro
modelo, aí aparece o ideal do eu como modelo de completude, já é simbólico.
O I (A), é o registro dessa completude no A, o todo completo é o A, é o que sabe o que falta ao
outro, por isso é Simbólico.
O Eu-ideal, o eu-puro-prazer, é o eu-sem-falta no sentido da completude com o A, que Lacan
coloca como sinônimo do Imaginário. É a situação narcísica da criança com a mãe, é o que Lacan
fala no Estádio do Espelho, modelo do Édipo. Num segundo momento intervém a linguagem, o
Simbólico, aí já não temos uma situação concreta mas apenas um registro dessa primeira situação
narcísica; esse registro é o Ideal do eu.
O eu-ideal pertence ao Imaginário, e o Ideal do eu ao Simbólico.
O eu-ideal pertence a um tempo mítico, ao primeiro Narcisismo. O Ideal do eu já pertence ao
campo da linguagem, não elimina o eu-ideal, mas o supera. O eu-ideal, o eu-puro-prazer foi para
Freud um construto teórico necessário para pensar o narcisismo.
S2 como Identificação é um dado clínico apontado por Freud, no entanto num nível mais biológico,
o nível da incorporação do objeto associada à fase oral.
Lacan começa dizendo que identificação não é imitação, não é mimetismo, não é incorporação,
mas que se trata de um fato de linguagem. A identificação não é a um objeto, mas a um
significante, a um traço significante do outro visto como completo, isto é como A. Por exemplo: a
tosse de Dora. Lacan usa como modelo de identificação a identificação histérica, enquanto Freud
tem três modelos, a incorporação oral, a identificação ao Pai (Totem e Tabu) e a identificação
histérica.
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Miller aqui fala em identificação constituinte e constituída. O sujeito começa a existir no S1 ou no
S2? O proto-sujeito torna-se sujeito a partir do A, que transforma o grito em apelo, a partir do real
condicionando o Simbólico.
No Estádio do Espelho Lacan pensa a constituição do sujeito em relação ao Eu, nos Seminário I e
II pensa em narcisismo primário e primeira identificação (completude da captação gestáltica pela
imagem do A).
Mito de criação da psicanálise
O primeiro S2 tem Letra? É a Letra? A causa material do sujeito é o significante na sua vertente
literal, tem a ver com a verdade. Mais tarde Lacan chama S1 como verdade enquanto causa
material. A causa do sujeito, é o objeto ‘a’. Qual sua relação com a Letra?
A causa do sujeito é o significante, a causa do significante é a Letra, a causa da Letra é o objeto
‘a’. Há duas formas do sujeito se completar: pelo significante e pelo objeto. Qual a relação entre
ambas? A identificação tem a ver com o significante (traço unário, Letra) e não com o objeto.
Registro do Imaginário
(D.M. ou 1º narcisismo)
Eu puro prazer
i (a) ou S1
Registro do Simbólico
I (a) ou S2
Registro do Real
Objeto ‘a ‘
Significantes
As relações do I, do S, do R, a partir do “Existe o UM”
Para falar do mito das origens Miller se refere às duas identificações, constituinte e constituída.
A partir do grito que vira apelo por intervenção do A, esse apelo constitui uma marca. Ele vai
articular essa idéia com o eu ideal, i(a) e com o Ideal do eu, I(A) e no fim fica a idéia da
identificação constituinte como sendo um modelo da completude, onde se veria a ficção da mãe, a
função materna, o S2, e a idéia da identificação constituída, o S1, seria a marca, o traço unário.
Então o constituinte seria a mãe, seria o eu-ideal (i (a)), o eu-puro-prazer e o constituído seria o
ideal do eu (I (A)), da função paterna, da palavra, da linguagem, S1, aonde vai se situar o traço
unário.
Nesse capítulo resumo, o capítulo 8 do Seminário, Miller está articulando questões já
anteriormente colocadas. Na verdade trata-se da articulação do Simbólico com o Imaginário, isto é,
como o ideal do eu se articula com o eu-ideal, ou seja, como o Simbólico se articula com o
Imaginário, e Miller está buscando responder à questão: Onde entra o Real?
O que é o real? O grito? Ou o apelo?
Na constituição de um sujeito o real vem antes ou vem depois? Onde localizar o real?
Miller está situando o lugar do Real frente ao Imaginário e ao Simbólico. O Real lacaniano, que não
é a realidade, é sempre pensado como o que condiciona o simbólico, é o traço unário que
determina a Letra, a Letra que determina o significante, então a questão é: nessa ficção das
origens qual é o lugar do Real? A resposta não é uma ordenação aritmética 1º, 2º, 3º. Isso seria
uma psicogênese, um desenvolvimento do sujeito, idéias abandonadas por Lacan.
Essa questão na verdade, só pode ser respondida pela topologia que não supõe uma ordenação,
até mesmo subverte isso. Precisamos de uma outra referência. Aqui temos o I e o S, mas é claro
que também temos o Real, porque não há um sem o outro. Ler Lacan de trás para a frente, ler
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Lacan pelo avesso, ler para trás a partir do R.S.I, implica isso, porque antes do Seminário R.S.I se
buscava a ordem dos registros que foi algo que preocupou Lacan por muito tempo. O R.S.I é uma
subversão disso, não há uma ordenação dos registros, a ordenação é qualquer uma.
A resposta é topológica, é o nó borromeano. Os registros se amarram segundo as propriedades do
nó borromeano, não existe um sem os outros. É a relação do Simbólico com o Imaginário que dá o
lugar do Real, do Simbólico com o Real que dá o Imaginário, do Real com o Imaginário que dá o
Simbólico.
Por isso no Seminário R.S.I Lacan passa para o nó com quatro elos, no lugar do nó com três elos.
É o quarto nó que vai dizer a relação dos registros, o quarto nó é o da nominação, é também o da
função paterna. De acordo com a amarração é que se estabelece o que é cada elo, um elo não é
originariamente I, S, ou Real. Ele passa a ser de acordo com a nominação. O grito não é
originariamente nem I, nem S, nem R. Ele passa a ser em função da nominação, passa a ser I ou
S ou Real. A nominação é o quarto nó que também recebe o nome de sinthome.
O grito portanto pode estar na posição de I, de S, ou de Real. J. Allouch afirma que esse é o
paradigma do segundo Lacan, que só pode ser compreendido a partir dessa formalização, senão
fica-se na psicologia. Há contestações e essa idéia não é aceita unanimemente. Segundo os
leitores mais radicais de Lacan, a idéia de uma origem e a partir dessa origem destacar certos
elementos não é psicanálise, é psicologia. Essa idéia revolucionária, só pode ser entendida a partir
do R.S.I e da topologia. Miller aceita a idéia mas não usa a topologia, ele formaliza de forma
diferente pela lógica. Ele toma o Real e o Simbólico como mutuamente determinados, o que supõe
a leitura do R.S.I. (Ler Jean Allouch: Freud, puis Lacan).
O esquema L (Escritos pág. 53)
$
a
‘a’
A
Miller está tentando formalizar a mesma idéia do Esquema L pela lógica, sem usar a topologia. Ele
responde à questão: como se imbricam o I e o S? Imbricam-se porque há uma relação entre eles,
porque eles são representados por essas linhas e essa relação entre eles é que seria o Real. Miller
percebeu que a representação só pela topologia, tornaria difícil a aceitação da psicanálise para
muita gente, então adota uma outra formalização mais simples e mais aceita sem passar pela
topologia. Então qual é afinal a relação do Simbólico com o Imaginário e com o Real? Aonde se
constitui o Real lacaniano? É o ponto fundamental desse capítulo. O Real se constitui pela
foraclusão. O Real lacaniano é o forcluído no Simbólico.
A produção psicótica por exemplo, é Real no sentido de que não está no Simbólico, não é que não
tenha realidade. Na produção psicótica não há relação entre os elementos, ela não é simbolizável.
O Real é o que está fora do Simbólico. Miller parte dessa noção para dizer qual é a relação entre
Imaginário e Simbólico, colocando a idéia de foraclusão condicionando um elemento fora do
Simbólico, que determina o que é o Imaginário. É a isso que apontam esses esquemas de Miller.
Na pág. 131 o grafo aponta a foraclusão, porque se a significação fálica é o que produz a inscrição
do sujeito no Simbólico, então se há algo que está fora da significação fálica, tem-se o Real e
portanto a foraclusão. Mais tarde Miller vai retomar essa questão, e vai falar em foraclusão
generalizada.
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-ϕ
A teoria da foraclusão generalizada, é a peça fundamental da constituição do Real. Existe o Real
porque necessariamente para que haja o Simbólico há uma foraclusão. No Seminário XXIII, Le
Sinthome, Lacan fala da foraclusão generalizada, da orientação do real.
Qual é afinal a constituição do nó borromeano? O furo, a ex-sistência e a consistência.
A ex-sistência como real, o furo como simbólico e a consistência do Imaginário. Essa ex-sistência
seria a foraclusão generalizada.
Antes do R.S.I, o imaginário era definido como completude. A partir desse pensamento dos
registros como inter-relacionados deixa de haver a completude. No R.S.I há a reformulação do
Imaginário.
A partir do grito que é transformado em apelo, Miller está articulando Imaginário e Simbólico, como
vemos nestas figuras. Essa articulação Imaginário e Simbólico abrange a teoria de Lacan durante
o período 1953 - 1960. Não há então a noção de Real, que foi introduzida com a noção de objeto
‘a’.
Essas linhas (p.126) que aqui estão como Imaginário e Simbólico, tomados como o Ideal do eu e o
eu ideal são o grito e o apelo, esse é o desenvolvimento lógico desse capítulo.
Se há o S1 e o S2, se há o Imaginário e o Simbólico, se há o S2
produzindo o S1, isso se dá por uma imbricação dos dois elementos,
essa imbricação tem uma sustentação material, isso é o Real, é um
Real necessário.
A pergunta é: Onde está o Real? Miller aqui situa o Real como point de capiton.
A relação do Real com o Simbólico é a consistência que é do Imaginário. Qualquer coisa pode
estar no lugar do Real, do Simbólico e do Imaginário, isso vai ser determinado pelo quarto nó, o
sinthome. Para cada sujeito, há formas diferentes e fixas de produzir o R, o S, e o I. O particular de
cada sujeito é como ele produz esse parlêtre, que é uma conseqüência do nó borromeano.
Ainda no capítulo 8 continuando sobre a questão das identificações, Miller nos remete ao Esquema
R que devemos ver juntamente com a Nota de Rodapé (ambos na pág.553 dos Escritos), porque
é o momento em que Lacan, voltando atrás na sua obra, vai falar do lugar do Real em relação ao
Imaginário e ao Simbólico, que é o eixo do que estamos vendo aqui. Se há o grito e o apelo, se um
é o eu ideal, e o outro o Ideal do eu, se um é o S1 e o outro S2, o que de Real há no grito? Eu ideal
como o Todo completo é esse do grito, que o Outro (A) lê e vê o que falta ao outro (a). O grito é o
Imaginário, porque é o registro da completude no A. Aqui não está o Real. O Real como fora do
Simbólico, tem uma relação de exterioridade.
Miller está fazendo uma releitura de Lacan para dizer como ele teria falado do Real, mesmo sem
tê-lo dito explicitamente. O apelo está no lugar do Simbólico, vira marca, vira S1, e o S2 fica no
lugar do Imaginário; Imaginário e Simbólico como ideal do eu e eu ideal.
Nota: Lambda - a 11ª letra do alfabeto grego - correspondente ao L.
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R de Lacan
Esquema R - do Real - é um desenvolvimento do esquema
Lambda (Escritos, pág.548). É um esquema plano, onde dois
eixos se cruzam, um esquema que dá conta das posições do
sujeito do inconsciente, ou da estrutura do sujeito do
inconsciente que é quadripartida porque contém quatro
elementos: o S do ser, o Outro, A, o ego, a, e seus objetos, a’ .
A estrutura do sujeito é quadripartida. Essa noção de estrutura
quadripartida, Lacan tira de Lévi-Strauss que a usa para
explicar os mitos, construídos em pares de dois que são igual
a quatro. Lévi-Strauss usa a estrutura de quatro elementos
para demonstrar que os mitos têm uma estrutura de linguagem (Estrutura é o que estabelece uma
relação de elementos).
O esquema Lambda é um Z, tem eixo Simbólico S ← A e o eixo imaginário a → ‘a ’. É disso que
Lacan dá conta no primeiro momento do seu ensino, momento do Estádio do Espelho. Lacan dá
conta da constituição da imagem em relação à imagem do outro, a → a’ (Depois dos anos 60, esse
a’ vira o próprio objeto ‘a’).
Como o sujeito é estruturado, é constituído?
O sujeito é conformado a partir da cadeia significante e se
constitui a partir do significante do A. Do A vai para o moi (a), do
moi vai para o i(a), (a’), do i (a) vai para o sujeito (S). Trata-se
de um percurso, é isso que está escrito nesse esquema: o eixo
imaginário vai do moi para o i (a) e o eixo do simbólico vai do S
ao A. Esse eixo, também se chama o eixo da linguagem, o eixo
do inconsciente estruturado como linguagem. A prática analítica
tem a ver com esse eixo, a prática que fica no eixo imaginário
não é análise, é psicoterapia.
Na psicoterapia o analista fica na posição de completar o outro, na análise o analista, ao sair dessa
posição, produz uma báscula para o eixo simbólico, privilegiando os efeitos do A na constituição do
sujeito. Lacan introduz o esquema L, no Seminário II, um texto que depois é retomado nos Escritos
(Seminário sobre “A carta roubada”), que dá conta do seu ensino, que diz que a psicanálise tem a
ver com o eixo Simbólico e não com o Imaginário.
No Seminário II, pág.284 e nos Escritos, pág.53, o esquema L é igual. No Seminário III, pág.22
também Lacan repete o mesmo esquema. O esquema L passa a ser chamado esquema Lambda,
a partir do Seminário III das Psicoses e a partir do Escrito “De uma questão preliminar a todo
tratamento possível da psicose”, resenha do Seminário III, de Dezembro de 195 (Escritos,
pág.548), no qual Lacan inverte os lugares a - a, moi e i(a).
Quando Lacan propõe esse esquema nele não estava incluído o objeto ‘a’, não estava incluída a
noção de Real. O esquema L só traz as noções de Imaginário e Simbólico. A noção de Real se
impõe a Lacan pela clínica da psicose, aí ele tem que incluir no esquema a noção de Real e
inventa o esquema R (esquema L + Real).
Primeiro ele inverte os lugares do a(moi) e do a’{i(a)}, porque na psicose não se tem esta estrutura,
a estrutura do sujeito não está constituída por causa da foraclusão do N.P. A relação do sujeito
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com o outro, não se dá segundo a estrutura do esquema L. Na psicose o moi toma o lugar do S, o
semelhante (a’) toma o lugar do A, não há a estrutura quadripartida do sujeito, ficam só dois
elementos, S junto com o moi (a) e A junto com o i(a).
Lacan demonstra via Schreber, pelo Esquema I, Escritos pág.571, que na psicose não funciona a
estrutura do sujeito e que o delírio é a forma pela qual o paciente tenta reconstruir sua estrutura de
sujeito.
Pela inversão do a → a’ Lacan está demonstrando que, na psicose, o grande Outro e o pequeno a
estão juntos, o psicótico em vez de dizer que tal fulano falou, ele escuta o outro falando. O mesmo
acontece com o sujeito e o moi (a) juntos: aí trata-se da questão do Ideal, que é o que estrutura o
delírio, o sujeito passa a ser aquilo que ele idealiza.
Na clínica não se faz o diagnóstico de psicose pelo discurso, aí tem-se que fazer a distinção entre
delírio e idéias deliróides, o que caracteriza o delírio é a sua irredutibilidade, é que a suposição do
saber no A é uma certeza, o psicótico é o sujeito da certeza. O neurótico tem dúvidas, tenta
explicar, o psicótico não está aberto à significação fálica, ele não questiona, ele tem certeza. A
metáfora delirante, é a forma do psicótico dar sentido ao que está fora do sentido.
Diz-se que um paciente é psicótico, quando apresenta fenômenos elementares, ao menos um
fenômeno elementar. Para Lacan, delírio é um fenômeno elementar, isso fala de uma estrutura
psicótica, que pode estar ou não desencadeada, surtada. Por isso para Lacan não há os
borderlines, porque trata-se de uma questão de estrutura. A característica do psicótico é a não
suposição do saber no A, por isso ele não faz a transferência, por isso não é analisável, essa é a
questão preliminar.
Nesse esquema R Lacan inclui o Real mas ainda não inclui o objeto ’a’. Quando formaliza o objeto
‘a’, Lacan acrescenta uma Nota de Rodapé ao Escrito Questão Preliminar (pág.553) e inclui o
objeto ‘a’ no esquema R. No espaço entre I e M, no lugar de i(a), no campo do Real, Lacan coloca
o objeto ‘a’. Depois Lacan vai amarrar esse esquema borromeanamente, para fazer a relação
desses elementos entre si.
Miller está se ocupando desse esquema R porque é o momento em que Lacan, revendo sua obra,
vai falar do lugar do Real em relação ao Imaginário e ao Simbólico, que é o eixo do que estamos
vendo: se temos o grito e o apelo, se um é S1 e outro é S2, se um é o Eu ideal e o outro o Ideal do
Eu, o que de Real há no grito?
Lacan está sempre desenvolvendo o mesmo esquema. Do esquema Lambda passa para o
esquema R, depois para o Grafo do Desejo que é um desenvolvimento do esquema R. É um
desenvolvimento cronológico. Quando ele passa para um esquema não volta mais para o anterior.
Vai tornando a idéia cada vez mais precisa. O Grafo do Desejo é baseado nos mesmos elementos
do esquema Lambda ao qual acrescenta novos elementos. A estrutura é sempre a mesma. Depois
do grafo vai para os Quatro Discursos que contém os mesmos elementos, só que aí já não se trata
da estrutura do sujeito. Depois são as Fórmulas Quânticas da Sexuação que resultam do
desenvolvimento do quadrante de Peirce. Afinal a topologia.
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O Real em momentos diferentes do ensino de Lacan
Márcio Peter de Souza Leite
Abril de 1997
No capítulo 9, na pág. 141, Miller está propondo nos fornecer um pequeno guia de referência sobre
os diferentes momentos do ensino de Lacan sobre o Real e explica que ele não toma esses
momentos com uma preocupação cronológica mas que o que busca sempre é a constância da
orientação de Lacan.
Ele começa por lembrar que o termo Real em Lacan, e é o começo do estruturalismo lacaniano, é
o que está que está além do místico e antes da linguagem, é o que está foracluído da estrutura da
linguagem.
A estrutura é o que estabelece uma relação de elementos. Para a psicanálise a estrutura de que se
trata é sempre de linguagem. O Real está fora da linguagem, não pode ser expressado por
nenhuma forma de linguagem, embora a condicione. Define-se o Real por exclusão, como o que
não está na linguagem, como o que condiciona a linguagem. Essa é a noção mais ampla. Depois
Lacan vai entrar no mérito dessa definição: será uma Letra, uma Escrita, um Traço?
Aqui ele já não está pensando o Real como necessidade, como instinto, mas como o que
condiciona a significação que entretanto, como o instinto também está fora da linguagem. É o Real
que está além do organismo, do instinto, da necessidade, mas que também está fora da
linguagem.
A Letra, a Escrita estão fora da linguagem? Lacan tenta responder com alíngua, com lingüisteria.
A linguagem até então era pensada apenas como o que produz sentido, a alíngua não produz.
Esses termos, alíngua e lingüisteria só eram úteis quando a prática analítica estava condicionada à
idéia de sentido, tornaram-se caducos com o último Lacan. No primeiro Lacan o modelo para se
pensar a prática analítica enquanto condicionada à idéia de sentido era o esquema binário,
saussuriano, o A e o sujeito ($), a significação fálica.
No segundo Lacan o que interessa é a produção da cadeia e não o vínculo discursivo entre $ e A
que têm em comum a significação fálica, têm um código comum. Agora, a prática analítica se dá
com o analista na posição de objeto ‘a’ e não de A, onde não é importante a significação, o sentido,
muito pelo contrário. O analista não está lá como código e não há a significação fálica na posição
de dirigir o tratamento. O que vai interessar de agora em diante é a produção da cadeia e não o
vínculo discursivo $ - A. O que interessa é a relação do objeto com a cadeia, o analista na posição
objetal é pensado como causa da produção da cadeia e não vai se vincular pela significação fálica,
pelo código.
A partir dessa terceira formalização do Real Lacan vai se questionar como se dá a produção da
cadeia, sobre o que condiciona o $ a passar de um S1 para S2. Por aí chegamos no objeto ‘a’
como Real, mas será que a Letra é Real, o traço unário é Real? Me parece que esta última noção
de Real está ligada à noção de nó borromeano, os registros dependem da articulação na qual se
encontram.
O Simbólico pode estar na posição de Real, o Imaginário pode estar na posição do Simbólico.
Essas diferentes articulações é que vão produzir as dimensões “as ditas mansões” do ser. Não se
trata de categorias fixas. Não se pode dizer que tal dimensão seja Real ou Simbólica ou
Imaginária, isso vai depender do quarto nó; será R. S. ou I dependendo dos outros registros e
dependendo de um quarto elemento que ao colocá-los numa certa relação, produz esse efeito. O
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quarto elemento, o quarto nó é a função paterna, é o que decide o que é Real, o que é Simbólico, o
que é Imaginário.
Toda neurose, toda psicose é uma característica particular do sujeito de buscar uma suplência
para essa amarração. Lacan acha que o nó borromeano serve para explicar o parlêtre, é uma
forma que ele acha que explica, uma forma um pouco mística pela referência implícita à
Santíssima Trindade. Esse é o Real do último Lacan. De que maneira o Real condiciona o
Simbólico? A ação do analista intervindo como N.P. produz um efeito de separação diferente, que
modifica a estrutura do sujeito.
Podemos distinguir no ensino de Lacan três momentos diferentes na elaboração da noção de Real:
(pág. 143 do Seminário).
R1 - O real concomitante com a noção de Imaginário.
R2 - O real do esquema R, articulado com o Imaginário e o Simbólico.
R3 - O real além do Simbólico, do último Lacan.
Parece que ao não usar o nó borromeano Miller não pensa o Real nessa interdependência, ele
toma do segundo Lacan, não a interdependência dos registros, mas o Real em si, porque não usa
a topologia. A teoria só é útil para explicar a prática. É muito mais fácil pensar a relação $ - A do
que pensar topologicamente. Miller vai propor escrever “de que forma o Real determina o
Simbólico”, porque não adianta procurar a causa do sentido, ela vai estar numa materialidade que
está fora do sentido, então não adianta tentar compreender, não é por aí e sim pela materialidade.
Essa é a prática que opera a partir do analista como presença, como causa do discurso e que
quando atua, atua fora de um saber. Saber isso autoriza nossa prática. Conclui-se que não há um
saber sobre o sintoma, mas pode-se presumir que haja um saber sobre a fantasia, essa é a
questão clínica que se impõe, é a forma pela qual Miller prefere abordar a questão.
O conceito de real evolui no ensino de Lacan, mas há uma invariante nessa evolução, o real é o
que volta sempre ao mesmo lugar. Miller vai articular essa invariante com a insígnia que ele define
como um significante imaginário ou imagem utilizada como significante que aparece principalmente
no lugar da significação (pág.145).
No primeiro conceito de Real , R1, o que Lacan toma do Real para constituir o sujeito é a gestalt, a
forma. Gestalt é um termo de uma teoria psicológica usada inicialmente por Lacan, que toma o
corpo humano, como gestalt, como forma. Na teoria da gestalt o Imaginário vale por si mesmo.
Conformação inata, formas geneticamente esperadas.
O segundo Real , R2, é a realidade psíquica, é o Real da psicose; o que foi forcluído no Simbólico
retorna pelo Real, define Lacan. O que o psicótico vivencia como Real é a realidade psíquica,
enquanto que, no neurótico é a fantasia, no psicótico é o delírio. A diferença é que para o neurótico
aquilo tem um sentido, o neurótico acede ao Simbólico, pode expressar o conteúdo, o psicótico
não acede ao Simbólico, o delírio não tem sentido. No segundo Real há um significante na psicose,
por exemplo, a alucinação também está no Simbólico.
O terceiro conceito do Real, R3, para Lacan é o que está o tempo todo fora do Simbólico, é a
condição material que determina o delírio. A realidade psíquica freudiana, diz que a realidade para
a psicanálise não é o biológico; Freud chegou até esse ponto e Lacan especifica: o real é o que
existe na realidade psíquica e que está fora do Simbólico, é o objeto a ; porque a característica do
objeto a também é estar fora do Simbólico.
Na realidade psíquica freudiana ainda existe o Simbólico. Lacan está fazendo a diferença, dentro
da realidade psíquica, do que é o Real e do que não é Real. O Real é o que está fora do Simbólico,
não é o discurso significante: $ - A. No terceiro conceito: existe algo fora do Simbólico, que o
causa.
O terceiro Real não é um significante, é o objeto ‘a’ causa do sujeito enquanto causa do desejo; a
causa do sujeito é o significante. O sujeito evanescente é um efeito do significante que busca se
10
complementar noutro significante. Existe uma tendência para a completude que Freud chamou de
pulsão. Pulsão é a demanda do A de ser completo.
Em Freud sempre houve uma tendência biologizante mas em Lacan - D ◊ $, a pulsão não tem
nada a ver com o biológico. D significa a demanda do Outro ao sujeito para ser completo, o que é
verificável clinicamente, pois o sujeito sempre tende a ser completo. Freud chama isso de pulsão e
tenta explicar pela biologia. Lacan vai dizer que não se trata do biológico. A pulsão é a tendência
ao Um, que não é homeostática, mas é causada pela estrutura da linguagem, que parte do Um
que fica faltante e tende a voltar a ser completo, o Um que é igual ao Todo. O sujeito busca
sempre isso que ele desconhece, é a idéia de inconsciente; isso que mesmo que ele encontre, não
serve para nada, é o gozo. Quando Lacan chega aí começa a pensar nos outros gozos. O que a
psicanálise tenta é influir nessa condição do sujeito, para que ele não se aliene nessa busca,
porque ele não encontrará jamais a completude. É a destituição subjetiva.
Nesse capítulo IX Miller introduz esse R3 porque está falando da relação S1 e S2, da questão da
origem de S1 - S2, a origem da cadeia e de como se dá a passagem de S1 para S2. É disso que a
idéia do R3 tenta dar conta.
O que é constante na passagem do Imaginário para o Simbólico e do Simbólico para o Real é o
Real, que é o que articula Imaginário e Simbólico. O Real é o que é constante nos registros, é o
que determina o Simbólico e o Imaginário e é por isso que Miller vai falar da insígnia - Exemplo do
bigode do Hitler (pág.145).
O terceiro Real é o que determina o Simbólico, mas se determina o Simbólico também determina o
Imaginário. É o Real enquanto causa, por isso J.A.Miller fala da insígnia, um significante imaginário
que ao mesmo tempo é simbólico e real. Miller está todo o tempo procurando o real. Entre o grito e
o apelo, onde está o real? O real não está nem no grito, e nem no apelo, é o que cruza um com o
outro.
Esse grito quando significado pelo Outro, tem um registro - o S1 - que pode ser chamado de
Simbólico. O S1 no último Lacan está ligado ao Existe o Um, isso está ligado a um Real diferente
do anterior. O Real está entre o grito e o apelo, como Lacan propõe no esquema R, o Real entre o
Simbólico e o Imaginário. Miller usa também o modelo do grafo do desejo para dizer que o Real é o
ponto de capiton.
O que é o Real, enquanto objeto ‘a’?
O objeto ‘a’ é a causa do desejo, mas a falta não é o objeto ‘a’, a falta é um conceito ligado ao
Simbólico, o objeto ‘a’ é do Real. A falta é uma coisa o objeto é outra, pode-se pensar a falta do
objeto da completude e pode-se também pensar o objeto que completaria a falta, mas não se pode
confundir o objeto ‘a’ e a falta.
A falta é uma forma de nomear algo que a prática analítica evidencia, trata-se de um efeito
significante, a falta escrita como - ϕ é da ordem do significante. O objeto ‘a’ é o que não é
significante, portanto não dá para pensar a falta como objeto ‘a’.
A questão seria: quais as maneiras de completar a falta?
Uma das maneiras é com outro significante pela associação livre, pela significação fálica; a outra
maneira é objetalmente pela presença do analista, apenas pela presença o analista intervém na
significação.
O analista produz esse efeito pela fantasia, porque o analisante lhe atribui um saber. O analista
sabe que o paciente produz fantasias também fora da sessão, essa complementação ilusória que
não é só pelo significante também se produz fora, é isso que Lacan vai chamar de objeto. A
angústia por exemplo, não é da ordem significante, a angústia é um efeito corporal, é a falta
sentida no corpo, é a presentificação do objeto ‘a’.
11
Diferença entre sentido e significação.
No primeiro Lacan toda significação é fálica. Depois Lacan divide significação fálica em gozo fálico
e sentido. Quando ele fala em gozo fálico está falando de significação fálica, um gozo fora do
corpo não precisa ser compreendido.
O sentido tem a ver com a compreensão, com a completude, com o outro imaginário. Lacan em
L’Étourdit diz que “a interpretação vai contra o sentido e a favor da significação”. Essa significação
aqui não é a significação fálica, ela se superpõe ao gozo fálico. Portanto temos: de um lado
sentido, significação fálica, compreensão, e do outro lado, significação fora do sentido e gozo
fálico, um gozo diferente do gozo do sentido que é do Imaginário. Portanto temos no Imaginário:
sentido, completude com o outro, compreensão, entendimento e fora do Imaginário o puro gozo
fálico, Joyce por exemplo.
Na pág.147, Miller fala do matema da interpretação. “Espera-se que os significantes trazidos pelo
analista se associem aos significantes associados pelo sujeito e produzam um certo número de
efeitos. A isso chamamos interpretação”. Porque uma interpretação não visa o sentido, não visa a
relação entre Imaginário e Simbólico, não tem como objetivo compreender de que forma o
Imaginário e o Simbólico se complementam. Então o que é interpretar quando se leva em conta o
fato de que o Real condiciona a ligação entre o Imaginário e o Simbólico? “A interpretação é o que
responde à associação”. No modelo freudiano a interpretação é pelo sentido, busca sempre o
significante que falta para dar sentido à associação, este também foi o primeiro modelo de
interpretação em Lacan. “Não se pode negar que a experiência nos mostra que muito do que se
diz na análise funciona nesse esquema e permite ao sujeito demarcar sua representação”
(pág.148). “Isso comporta o analista como ideal do eu.
O que comanda uma cadeia é sempre um Ideal. Aqui Miller está articulando a identificação e o
Ideal, está usando como sinônimos. Mas existe um que comanda o outro, por isso está fora do
sistema, é o S1, o Um todo só. O que é a interpretação que aponta o S1, e não à relação S1 - S2?
Miller diz na pág.150 que há aí uma dificuldade conceitual, porque não dá para pensar o S1 todo
só, já que só se chega ao S1 pelo S2 e inventa uma solução interessante: existiriam dois S1, o S1
todo só e o S1 que se relaciona com o S2. Como seria isso na clínica? Miller usa o exemplo da
tosse de Dora. Seria um S1? Uma insígnia?
O que faz insígnia?
Para localizar o termo insígnia é preciso tomá-lo em seu valor contraditório: ao nível da articulação
a insígnia é o significante da mediação do sujeito em relação ao Outro, enquanto no nível em que
está sozinha a insígnia tem um valor exatamente contrário: é um significante redutor do Outro, um
significante que se instala, paradoxalmente, fora do sistema significante.
Miller está partindo do princípio que existe o S1 todo só, entretanto isso lhe
parece ao mesmo tempo absurdo, porque só se pode chegar ao S1
enquanto relacionado com o S2. Então ele escreve o conjunto do S1 todo
só e o conjunto do S1 articulado ao S2, e conclui que o S1 todo só é uma
invenção a partir do S1 articulado ao S2. Na pág. 157 diz: “O S1 sozinho,
isto é fora da cadeia, tem que se opor ao estatuto que ele recebe ao se
inscrever na cadeia significante por sua articulação ao S2. É como
significante sozinho que ele é insígnia”. Um significante sozinho é um
significante que, a partir das diacronias aponta uma sincronia, é aquele
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significante que repete, é aquele significante do qual posso perceber essa característica dele não
depender de outros, mas dele condicionar os outros. O S1 que condiciona os S2, daí vai sair a idéia
de Letra. Então S1 é uma inferência da cadeia, ele é uma exceção, quando se mexe nele se atinge
os S2. O S1 não está no sistema, é uma inferência teórica, não é possível demonstrar.O que se tem
fenomenicamente é a sincronia, a diacronia é uma inferência que comanda a sincronia, que é a
cadeia S1 S2 ... Sn. Uma representação é para alguém, é para o S2, implica cadeia; se não é uma
representação, então é uma coisa que é em si.
Poderíamos resumir: em Freud temos deslocamento
Lacan freudiano, são pensados com as categorias
segundo Lacan, o Lacan lacaniano, as categorias
pensadas como alienação e separação e a ênfase
temporal.
e condensação que no primeiro Lacan, o
da lingüística, metáfora e metonímia. No
lingüísticas da diacronia e sincronia são
é colocada sobre a questão da pulsação
Miller se pergunta como é possível na clínica inferir a existência de um S1, se a clínica é a
associação livre, a cadeia S1 - S2, e na clínica não se tem o S1 sozinho. O modelo de S1, um
significante que não chama outro significante, é o fenômeno elementar. Então na clínica da
neurose, como pode o analista pensar que há um significante diferente, o S1? Miller vai
desconstruir o modelo da causação do sujeito, vai usar as categorias da causação do sujeito para
pensar a clínica.
Então, como saber sobre o S1 articulado?
Existe um eixo, que é o eixo sincrônico - a fala do paciente S1 → S2 → Sn, e existe um eixo
diacrônico, que significa através :
S1 → S2 - Sn
S1 → S2 - Sn
(Escritos pág.593).
Lacan usa isso no seu trabalho “A Direção do Tratamento” quando fala da interpretação. Miller
sugere que se pode chegar ao S1 todo só a partir da sincronia da cadeia significante, da qual se
pode inferir essa diacronia pela repetição. A idéia que se pode tirar do discurso do Miller é que
quando Lacan começa a falar em causação do sujeito ele teria abandonado a lingüística.
Sincronia e diacronia são termos da lingüística ligados diretamente à metonímia e à metáfora, ao
deslocamento e à condensação. Me parece que quando Lacan introduz a causação do sujeito, ele
substitui esses termos por alienação e separação.
Como se descobre o S1 sozinho? Miller diz que é pela metáfora (ou diacronia, ou separação), pela
repetição, algo que insiste pela sua materialidade, que não é do sentido, o que desmancha a idéia
da metáfora como condensação de sentido, porque não se trata mais da via do sentido, isso muda
tudo, vai contra o Lacan do Simbólico. A lingüística, a linguagem, a metáfora e a metonímia,
continuam existindo mas não é isso que opera numa cura psicanalítica, a lingüística diz Lacan, é
condicionada pela alíngua, que é anterior. O que interessa, é o condicionamento material da
metáfora e não o seu efeito de significação, como critério da direção da cura. Freud pensa os
limites da Interpretação em “Adição Metapsicológica a Teoria dos sonhos”.
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Alienação e separação, e a separação do ‘a’ do S1
Márcio Peter de Souza Leite
Maio de 1997
Nos capítulos X e XI Miller apresenta várias idéias importantes: a alienação e a separação e ainda
a separação do ‘a’ do S1 e a constituição do sujeito. Nesse momento o que está em questão é a
formação da cadeia do S1 sozinho, e o porque da chamada ao S2, com a conseqüente extração do
objeto ‘a’ e a produção do $. É a formalização do momento graficado:
No Seminário da Angústia Lacan falava da relação do sujeito ao A e da divisão subjetiva, mais
tarde, a partir do Seminário 11 começou a falar em termos de cadeia significante S1 - S2, e nas
operações de “Causação do sujeito” alienação e separação.
S2 é o A, o que tem de novo é o S1 que não é o sujeito, é algo anterior, o sujeito é um efeito do
S1 - S2. O sujeito é um efeito da fala pois por si mesmo o sujeito não tem consistência. O modelo
da cadeia é o de dois significantes, S1 S2 e o que nos interessa do sujeito é a cadeia significante
que ele produz, é o que o analista escuta na cadeia, um significante diferente do outro.
Como se introduz a falta na cadeia? A instalação da falta se dá a cada invocação pulsional, não é
que a falta já esteja instalada desde a infância de um sujeito mas em cada momento da vida, frente
a um ato psíquico (o que motiva esse ato psíquico é a pulsão, que é a Demanda do A, D ◊ A), o A
se funda como faltante ou barrado, como dizemos, e o sujeito será sempre faltante ou barrado, $,
porque decorre do A. Essa teoria explica o processo psíquico. Se o A não for faltante não há saber,
não há cadeia, não há suposição de saber no A.
Na situação analítica em que um sujeito fala para um A, o analista, trata-se de um processo
psíquico onde se destaca, se particulariza a noção de inconsciente e de sujeito do inconsciente. A
primeira operação de causação do sujeito é a fala, é a alienação (aliens - termo hegeliano).
À cadeia associativa se superpõe a alienação que pressupõe dois significantes: um significante S1
se relacionando com outro significante S2 produz, em um outro lugar que não é nem S1 nem S2, um
sujeito. Miller articula o S1 como necessidade lógica da formação da cadeia e o S1 articulado ao S2.
São dois conjuntos que ele pensa, como Lacan no Seminário 11, a partir de duas operações da
teoria dos conjuntos: reunião ou alienação e separação. Diz Miller na pág.158 que, na alienação ou
reunião não se trata simplesmente de adição de um elemento ao outro na medida que percebemos
que com o significante vem também o lugar no qual ele se inscreve. Não pensamos sobre o S1 e
depois sobre S1 e S2; pensamos sobre conjuntos: o conjunto E’ do qual o S1 é o único elemento, e
o conjunto E’’ de dois elementos, S1 e S2 e é por isso que não estamos no registro da adição de
elementos mas no registro da reunião, que é o termo apropriado na teoria dos conjuntos.
Quando raciocinamos a partir dos conjuntos
percebemos não apenas o elemento mas
também o Outro, na medida que o significante,
para nós, é do Outro.
O que articula o S1 com o S2 é colocar o S1 na
intersecção dos dois conjuntos. Se o S1 estivesse
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colocado no outro círculo não haveria a relação S1 S2. Os dois conjuntos se articulam na zona de
intersecção e Miller coloca o S1 no ponto de articulação, enfatiza o S1 na articulação com S2. Uma
vez que isolamos esses dois conjuntos podemos escrever sua reunião da seguinte forma:
O resultado visível desse gráfico é que aparece um espaço vazio que separamos como o conjunto
E, que separa a função $, espaço que estava presente no conjunto E'’, mas escondido. A operação
de reunião, por subtração, isola o espaço subjetivo. Percebe-se aqui o que significa dizer que o
sujeito torna-se um significante; no primeiro tempo dessa pulsação o sujeito confunde-se com o
significante S1 que ao mesmo tempo cria o sujeito e o apaga. Se tomamos o que aparece ao nível
da identificação fundamental percebemos que o sujeito está constituído por duas partes, pelo
significante em que se torna, S1 e pelo conjunto vazio invisível, parte do conjunto acima descrito, E.
É o que Lacan chama de afânise do sujeito ou fadding do sujeito sob o significante que o constitui
(pág. 160).Dizer fadding constituinte significa que antes do sujeito não há nada senão a linguagem;
esse S1 lhe vem do Outro e a partir disso, Lacan diz “Isso fala dele (do sujeito) e é a partir daí que
ele se apreende.” Lacan diz também, falando do sujeito: “Ele desaparece como sujeito sob o
significante em que se transforma” (Escritos, pág.835).
A operação de separação utiliza o que a operação de alienação isolou, a saber o conjunto vazio, o
conjunto E, do qual foi subtraído seu único elemento significante .
Miller começa fazendo a articulação dos conjuntos E’ e E’’ e agora articula o conjunto vazio E e o
conjunto de dois elementos S1 S2. A separação vai incidir sobre o conjunto vazio, que ficou isolado
pela reunião ou alienação. A operação de separação resulta do confronto direto entre o vazio de E’
e o conjunto E’’. No conjunto E’’ o vazio também está presente a título de parte: a separação leva à
uma intersecção na qual a falta que resultou da reunião ou alienação corresponde com a falta
presente no conjunto binário E’’. A falta tem portanto a ver com a falta, sua formulação é lógica e
não biológica. Essa intersecção entre o $ e o A barrado que é o S2 pode ser escrita: $ ∩ A barrado
e o resultado dessa intersecção é o objeto ‘a’. O que o $ e o A barrado têm em comum é a falta e o
objeto ‘a’ causa do desejo, é o resto que não pode ser significantizado. O conjunto E’’, S1 S2, é o A
barrado, portanto existe a falta no E’ (o vazio) e a falta no E’’ porque o A é barrado. Na separação,
Miller está explicando, pela operação de intersecção, como os conjuntos se articulam pelo vazio,
pela falta (pág.164).
Na intersecção aparece a falta no A e a falta no $ que se recobrem nesse espaço onde surge um
resto, o objeto ‘a’. A falta seria uma negativação, enquanto o objeto é a positivação da falta. Miller
diz: “Consideramos que desta parte tomada da falta à falta resulta uma positivação que
denominamos objeto a” (pág.164), com o que fica explicada a separação do objeto ‘a’ do S1.
O objeto ‘a’ presentifica uma ausência, “amar é dar o que não se tem”. Nessas fórmulas
encontramos o resumo de toda a psicanálise: 1) a noção do A faltante, barrado; 2) tudo parte do
significante, que obedece a certas leis; 3) o que condiciona o funcionamento dos significantes é um
significante particular, o significante da falta, o falo; 4) para que este exista é preciso que haja a
falta, que é a castração.
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A fórmula $ ◊ A barrado foi o que Lacan, no seu grafo escreveu $ ◊ D dando ao A o valor da
demanda. Este é o matema da pulsão e é precisamente ao título de pulsão que Lacan introduz a
operação de separação. Articular o $ com a falta no A seria essa segunda operação, a separação.
Para justificar isso Miller coloca o corpo como o A, como o S2. A conseqüência do A barrado é o $,
o sujeito do inconsciente que, pela via do falo, tende a apresentar-se ao A como completo. Tudo
isso já está em Freud.
A falta é uma questão lógica; o objeto ‘a’ tem uma consistência lógica, se fundamenta no corpo
mas não é o corpo. Decorre do fato do corpo sustentar uma cadeia significante, um sujeito do
inconsciente e os efeitos disso têm a ver com a falta. O A é o corpo, diz Lacan, o A é o corpo
enquanto conjunto vazio onde vão ser inscritos os significantes. Foi o primeiro tempo dessa
emergência na psicanálise, o corpo significante da histérica. A segunda emergência foi a
descoberta que o organismo não é redutível ao corpo significante; há uma parte que aí não está
incluída, é a pulsão.
No capítulo XI Miller retoma o esquema em função do grito, S1 e do apelo, S2. Se a linguagem
parte do S2, do A, então é o S2 que funda o S1? Então o S2 é anterior ao S1? Mas como, se é o S1
que causa o S2?
Para responder, Miller usa a teoria dos conjuntos como a mais adequada para explicar. Temos
primeiro o grito que precisa do A para significar, o que transforma o grito em apelo. O A que
transforma o grito em apelo produz a marca que é registrada como S1, mas ao mesmo tempo o S1
é condição de S2, senão não haveria significação, não haveria marca; então o S2 seria o S1 ?
Miller resolve essa aporia pela teoria dos conjuntos: o conjunto dos S2, que é o A, que significa o
grito, e o conjunto dos S1, que é o registro da significação dada pelo A, e vai raciocinar isso pelas
operações de reunião e intersecção, que são funções que não pressupõem anterioridade, mas
podem se dar concomitantemente. É o que mostram as operações de alienação e separação . Se
há a separação, há o sujeito.
Depois na pág.186 vai articular com identificação que é o que faz com que na cadeia haja uma
direção na articulação desses significante.
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Os Signos do Gozo II