UNIDADE 1
FILOSOFIA: UM CONVITE AO PENSAR
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta Unidade você será capaz de:
perceber
que a discussão e o debate são os pressupostos
fundamentais do pensar filosófico;
compreender
profissional;
que a Filosofia é parte integrante da vida social e
desenvolver
uma consciência de sujeito nas diferentes situações
da vida social e profissional;
ter
atitudes filosóficas perante as diversas circunstâncias da vida;
perceber a influência das novas tecnologias no processo produtivo
e nas relações sociais.
refletir
sobre a cultura dos povos colonizados na formação de sua
consciência.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em seis tópicos, sendo que, no final
de cada um deles, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a
ampliar os conhecimentos adquiridos.
TÓPICO 1 – FILOSOFIA NOS TEMPOS MODERNOS
TÓPICO 2 – CONCEITO E REFLEXÃO SOBRE O QUE É A
FILOSOFIA
TÓPICO 3 – CONSCIÊNCIA HUMANA E FILOSOFIA
TÓPICO 4 – O OLHAR DA FILOSOFIA SOBRE AS ROTINAS
ORGANIZACIONAIS
TÓPICO 5 – FILOSOFIA GREGA E AS ORGANIZAÇÕES
TÓPICO 6 – TECNOLOGIA E SER HUMANO
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FILOSOFIA NOS TEMPOS MODERNOS
1 INTRODUÇÃO
A Filosofia é tida como mãe da Ciência, por ser um conhecimento que antecedeu e
proporcionou as muitas descobertas e esclarecimentos que hoje acumulamos. Ela surgiu
na praça pública, com a interação de pessoas que discutiam questões do cotidiano e da
existência humana. Em cada tempo, a Filosofia se reorganiza e amplia seu papel provocativo,
questionador e reflexivo. Nos “tempos modernos”, ela se apresenta ainda mais necessária e
acessível. Necessária para o entendimento dos dilemas modernos e acessível pelos recursos
tecnológicos de informação.
Neste tópico, trataremos de quatro pressupostos modernos fundamentais para filosofar,
sendo eles: virtualidade, hipertextualidade, auto-organização, aprendizagem cooperativa.
2 VIRTUALIDADE
Em sua origem, a Filosofia nasce na ágora, praça pública, que era em sua época o
espaço de interação entre as pessoas. Este lugar proporcionou à Filosofia uma experiência
de reflexão radical e democrática sobre as questões do homem a respeito de si mesmo e do
mundo. Hoje, os espaços de interação filosófica encontraram uma nova ágora, um novo espaço
público e democrático para o exercício da razão sobre as questões humanas.
A!
NOT
Segundo o Dicionário Houaiss, ágora significa praça principal
das antigas cidades gregas, local em que se instalava o mercado
e que muitas vezes servia para a realização das assembleias do
povo; formando um recinto decorado com pórticos, estátuas e
um centro religioso.
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FIGURA 1 – VIRTUALIDADE
FONTE: Disponível em: <http://www.eb23-s-torcato.rcts.pt/Imagens/emprego.jpg>. Acesso em: 3 jul. 2008.
A ágora, como espaço virtual, simboliza para o nosso tempo um novo instrumento de
encontro para o exercício da troca de ideias e ampliação da nossa capacidade racional de
indagar e compreender o mundo em que vivemos. Por outro lado, a virtualidade exige cautela
dos participantes, para não caírem numa mera relação instrucionista, técnica, fria e distante.
A virtualidade reserva grande potencial de dialogicidade, interação e aproximação que
se efetiva num esforço contínuo de construção coletiva deste novo espaço.
3 HIPERTEXTUALIDADE
Dentre as muitas mudanças que a era digital promoveu nas áreas tecnológicas, ocorreu
uma significativa transformação dos antigos modelos lineares que o mundo analógico permitiu
conhecer. O novo modelo, denominado de hipertexto, permitiu-nos conhecer uma forma livre
e criativa de interação com o mundo da informação. Nesta estrutura, o navegador pode tomar
rumos diferentes para sua leitura, conforme necessidade, interesse ou circunstância.
O mundo da informação se entrelaça numa constante visita às muitas possibilidades
de descoberta. Para Assmann (1998, p. 134), “[...] as interações formam, em seu conjunto, um
sistema aprendente, cujos fluxos não podem ser reduzidos ao puramente informacional [...]”
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FIGURA 2 – HIPERTEXTO
FONTE: Disponível em: <http://www.estudar.org/pessoa/internet/ images/
hipertexto.jpg>. Acesso em: 2 jul. 2008.
Os hipertextos apresentam conexões tanto entre si como também para outros sites de
interesse localizados em áreas livres da rede mundial de computadores. “O hipertexto contém
um convite à navegação e, mais do que isso, um convite a ser usado como plataforma para
outras navegações. No bojo da técnica hipertextual brotou uma oferta de liberdade, que, aliás,
está surgindo desde a própria contextura técnica de diversas tecnologias da informação e da
comunicação” (ASSMANN, 1998, p. 154). Desta forma, o hipertexto representa um rompimento
com a sequencialidade linear de escrita e de leitura, permitindo ao estudante ser sujeito ativo
no processo de aprendizagem. O hipertexto redescoberto na virtualidade se potencializa no
desenvolvimento da auto-organização.
4 AUTO-ORGANIZAÇÃO
Como já apreciamos, a virtualidade em si mesma não passa de um recurso de informação
que se transforma em conhecimento no processo de interação entre os sujeitos envolvidos,
entre sujeito e hipertexto. Esta interação se vincula à auto-organização que empiricamente
sugere a autonomia organizativa de cada pessoa envolvida. O conhecimento se torna fecundo
quando a informação é organizada.
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Passear e ver panoramicamente o mundo é uma forma de despertar nossa curiosidade
investigativa. Porém, contentar-se apenas com esta atitude torna-nos meros turistas. Ser
explorador, arqueólogo, garimpeiro do conhecimento permite descobrir, revelar e desvelar o
mundo. A aventura é segura quando nos auto-organizamos, o que nos dá liberdade para fazer
o caminho e aprender caminhando.
FIGURA 3 – AUTONOMIA
FONTE: Disponível em:<http://www.esd.org.uk/esdtoolkit/image/news/humantargetweb.JPG>.
Acesso em: 2 jul. 2008.
Assmann (1998, p. 134) lembra que “[...] a auto-organização supõe uma certa plasticidade
adaptativa e implica frequentemente escolhas estratégicas”. Pense nisto!
5 APRENDIZAGEM COOPERATIVA
As novas tecnologias de informação possibilitam o desenvolvimento de um espaço de
ampla interação entre pessoas e, por sua vez, permitiram maior cooperação no processo de
construção do conhecimento. Em decorrência deste novo espaço surgiu uma área de pesquisa
denominada Aprendizagem Cooperativa. Dentre os estudos desta área podemos destacar o
groupware, que é composto por softwares e hardwares que permitem a interação e produção
de conhecimentos em grupo.
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O conceito cooperação foi proposto por Piaget, que previa uma aprendizagem
construtiva, fruto das relações compartilhadas. Trata-se de um modelo de desenvolvimento
do conhecimento humano que é construído coletivamente em superação ao “cada um por si e
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Deus por todos”. Neste modelo, cada membro de um determinado grupo de interação exercita
as seguintes responsabilidades:
• Respeito à diversidade de opiniões.
• Compartilha questionamentos, pensamentos, soluções e insights.
• Participa no debate e permite ter suas ideias questionadas.
• Trabalha para atingir objetivos comuns.
• Interagir nas atividades agendadas, contribuindo para a construção do conhecimento.
De acordo com Palloff e Pratt (2002 apud KOSLOSKY, 2004, p. 72),
[...] o uso da tecnologia abre novos horizontes para que os alunos construam
novos conhecimentos, aprendam sobre si próprios, sobre seus estilos de
aprendizagem e sobre como trabalhar em conjunto em equipes distribuídas
geograficamente. Todas essas habilidades são transferíveis ao mundo do trabalho e adquiridas da participação em comunidades de aprendizagem virtuais.
Neste sentido, pode-se dizer que este modelo de aprendizagem cooperativa caminha
para o exercício de uma inteligência coletiva que permite uma ação conjunta entre pessoas
que compartilham um mesmo objetivo. Referência esta que converge para o papel da Filosofia
na construção de um pensar crítico, criativo e coletivo.
LEITURA COMPLEMENTAR
UMA ÁGORA VIRTUAL PARA O PLANETA
As redes de computadores, como internet, proporcionam ao ser humano uma
recuperação das características primordiais da democracia.
Ágora era a praça pública onde os antigos gregos atenienses reuniam-se para debater e
deliberar acerca de suas questões políticas. Era ali que tomava corpo a ecclesia, a assembleia
dos cidadãos, para decidirem sobre os destinos de sua polis, da sua cidade. Este ensaio defende
a ideia de que entramos em uma época na qual, a partir da emergência das novas tecnologias
intelectuais, poderemos reviver o sentido político daquela ágora.
A democracia é uma forma de governo a respeito da qual se diz existirem três princípios
fundamentais. Em primeiro lugar, a democracia é uma forma de governo em que o povo exerce,
ele mesmo, o poder. A própria formação da palavra “democracia” indica a definição. Demos
significa povo e cracia significa poder, logo, democracia é o poder do povo. A democracia busca
o interesse da maioria e é governada pela maioria. Em segundo lugar, a democracia é um regime
que se define conforme a liberdade, diferentemente da aristocracia e da oligarquia, as quais
se definem respectivamente pelo mérito e pela riqueza. A democracia é um governo no qual
governam as pessoas livres em maioria. A democracia tem, pois, como fundamento a liberdade.
É preciso que os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente. [...] A alternância no mando e
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na obediência é o primeiro atributo da liberdade. O segundo é viver como se quer. Em terceiro
lugar, a democracia é um regime de igualdade de direitos, ou, como diz Aristóletes, o princípio
segundo o qual “unanimemente se fundam” as democracias, “é o direito que fazem resultar
da “igualdade numérica”. Sem este princípio da igualdade é impossível falar de democracia,
pois o poder deve ser exercido por todos e cada um deve ter o mesmo peso na deliberação.
Entretanto, o fato de que a maioria participe das deliberações públicas não significa
necessariamente que tais decisões sejam automaticamente as melhores. Duas, pelo menos, são
condições indispensáveis para dar forma a uma cidadania capacitada a tomar boas decisões.
Em primeiro lugar, é preciso que os cidadãos possuam tempo livre para debater e deliberar.
Em segundo, é preciso que eles possam dedicar-se à sua paideia, à sua formação.
Assim, formação e tempo livre são condições indispensáveis na ecclesia, na assembleia
deliberativa. A deliberação implica análise, reflexão, debate. Sem tempo livre, o cidadão é
impedido de ouvir e argumentar, suas decisões são naturalmente precipitadas, instintivas.
Da mesma forma, um cidadão pouco ou malformado tem maiores dificuldades de raciocínio
e clareza; sem esclarecimento, a tendência é fazer deliberações imprudentes, erradas. [...]
Nossa atualidade anuncia uma época até então insondável para a civilização. Estamos
entrando no marco de uma sociedade na qual o computador, como principal meio técnico do
fazer e do pensar social, está transformando grande parte das relações sociais, políticas,
culturais, econômicas, imemoriais.
As fronteiras não são mais facilmente delimitadas. As noções tradicionais de tempo e
espaço estão se alterando. A memória e o conhecimento ganham uma dimensão cibernética
universal. Podemos nos comunicar com o mundo todo de nossas casas. A antiga praça pública
está se transformando em praça virtual planetária. Toda a questão, do ponto de vista político,
será como organizar os debates e as tomadas de decisões a partir destes meios cibernéticos
que são os computadores em rede, tais como a internet, por exemplo.
A médio prazo, o fluxo de informações pela internet será tão intenso e ela será
provavelmente o principal lugar de comunicação e informação da cidadania. Com os novos
meios técnicos digitais interativos de comunicação e informação, o antigo sujeito passivo da
informação de massa passa a ser ativo neste novo ambiente eco intelectual - cada um é um
emissor e receptor de informação. Trata-se da informação do conhecimento “interessado”.
O grande impacto acontecerá, pois, quando o computador for para cada um o que são
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hoje, ou foram, por exemplo, o rádio e a televisão.
Aqueles países, estados ou cidades que enfrentarem com lucidez tais questões não
poderão deixar de tomar iniciativas imediatas no sentido de promover esta superestrada,
condição tecno-intelectual do que estamos chamando a Ágora Virtual. Com efeito, esta praça
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pública digital oferecerá não só a possibilidade do exercício direto do poder público. [...]
colocará à disposição de todos grandes riquezas culturais, tais como a “memória cibernética”
e o “conhecimento acumulado” de todas as gerações, condições sem as quais a democracia
mesma jamais poderá ser uma boa forma de governo.
FONTE: Cândido (1997, p. 6)
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:

Os pressupostos que norteiam o ensino a distância de Filosofia relacionam-se com a ágora
grega e a nova ágora virtual.
 Ágora
grega é o espaço público em que se reuniam os pensadores da antiguidade para discutir as questões sociais, políticas, religiosas e humanas.

A ágora virtual é aqui apresentada como um ciberespaço, que apresenta a possibilidade de
democratizar o acesso ao conhecimento.

Hipertextualidade caracteriza-se como a possibilidade de acesso a diferentes links de interesse
no processo de estudo e investigação.

Auto-organização é o desafio que cada estudante enfrenta ao se deparar com a necessidade
de organizar-se com as leituras, pesquisas e atividades individuais.
• A Aprendizagem cooperativa baseia-se no exercício de uma inteligência coletiva que permite
uma ação conjunta entre pessoas que compartilham um mesmo objetivo.
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Este assunto rende boas reflexões. Gostaríamos de partilhar algumas questões
mais intrigantes para que você possa tirar suas conclusões ou discutir com algum
interlocutor. Será que a “ágora virtual” permitirá maior participação política? Poderá um
dia o espaço virtual se transformar num lugar para deliberação de necessidades públicas?
Será que a internet só revolucionou as formas de comercialização?
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CONCEITO E REFLEXÃO
SOBRE O QUE É A FILOSOFIA
1 INTRODUÇÃO
Admirar-se com a realidade é estar em contínua contemplação e reflexão sobre o
mundo que nos circunda. Tomar tudo como rotineiro, natural e comum é estagnar a mente e
entrar numa atividade costumeira, onde nada causa espanto e pouco faz refletir. Como adverte
Sócrates, uma vida sem reflexão não merece ser vivida. Ver o mundo como novidade desperta
para a curiosidade e convida ao saber.
2 SURGIMENTO DA FILOSOFIA
A Filosofia surge no século VI a.C., quando alguns pensadores resolveram duvidar das
explicações mitológicas e começaram a pensar na possibilidade de explicar a realidade a partir
da razão, sem recorrer à fé.
A palavra Filosofia é de origem grega: philos = amigo e sophia = sabedoria. Filósofo
é aquele que é amigo do saber. A origem do pensar filosófico se dá pelo espanto, admiração
e perplexidade. Filosofar é questionar, refletir sobre a realidade humana e formar conceitos
capazes de traduzir essa realidade para ser pensada, comunicada e repensada.
O conhecimento filosófico surgiu gradativamente em substituição aos mitos e às
crenças religiosas, na tentativa de conhecer e compreender o mundo e os seres que nele
habitam. A formação do pensamento filosófico se deu na passagem do Mito para a Razão.
A principal característica está justamente na superação da visão cosmogônica para uma
explicação cosmológica sobre a ordenação do universo. Da cosmogonia para a cosmologia
– surge a Filosofia. As crenças cedem lugar à razão, que se utiliza dos elementos físicos
presentes na natureza para compreender a existência.
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O Surgimento da Filosofia se dá na Jônia, cidade-estado da Magna Grécia, no século
VI a.C., com os pré-socráticos. Os pré-socráticos procuravam a arché – o princípio primeiro
de todas as coisas. Por isso, a Filosofia, na sua origem, caracteriza-se especialmente por tratar
de questões cosmológicas, especulando a respeito da origem e da natureza do mundo físico.
Movido pelo espanto e pela admiração, o homem abandona a crença cega para despertar uma
consciência crítica sobre a realidade.
3 O PAPEL DA FILOSOFIA
Desenvolver a consciência é uma das características e potencialidades da Filosofia, o
que não quer dizer que seja sua propriedade particular, mas define bem sua responsabilidade e
compromisso. Desenvolver a consciência implica uma necessidade existencial, para tomarmos
controle do movimento histórico, da ciência e da tecnologia, que há muito tempo vem sendo
ditado pelo pensamento burguês. No pensamento de Leão (1991, p. 28):
Na era atômica, em que a técnica e a ciência desenvolvem um vigor planetário, a
missão da Filosofia não é corrigir ou substituir-se à ciência. É apenas ser a catarsis de uma
autoconsciência. Na reflexão sobre as condições de possibilidade da própria ciência, ela
recorda que todo conceito humano é sempre configuração histórica da verdade do ser, em
cujo dinamismo se articulam as manifestações existenciais das várias épocas da humanidade.
Na terra dos homens, não há previdência nem providência escatológica. O homem nunca
é o alto-falante do absoluto. De antemão não sabe aonde vai chegar, nem mesmo se vai
chegar. É que não nos podemos despir de nossa finitude, como de um manto vergonhoso,
para revestirmo-nos da clareza meridiana de um saber sem sombras. O homem não é um
Deus mascarado que nas vicissitudes históricas da existência fosse desmascarado em sua
divindade. A Filosofia permanecerá sempre a reflexão finita do mais finito dos entes, por ser
o único cônscio de sua finitude. Assim, os filósofos serão sempre os aventureiros que se
afastam da terra firme dos entes e se lançam nas peripécias da história em busca da verdade
do homem. Os argonautas do ser.
Ao referenciar este pensamento, queremos ilustrar a ideia que vínhamos desenvolvendo,
que tem por intenção desvendar a necessidade da Filosofia para emancipar o homo sapiens
sapiens que somos, conscientes da própria finitude e sempre aventureiros no desbravamento
contínuo de nossas realidades tão finitas e de mistérios tão infinitos. A Filosofia é hoje o
instrumento racional para despertar a humanidade de seu sono profundo, das ilusões, das
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manipulações, da verdade ofuscada. A Filosofia comporta esta missão, de auxiliar as pessoas
a saírem da caverna para pensar, questionar e refletir de forma infinita sobre aquilo que é
aparentemente finito. A Filosofia resgata o desejo de saber que germina a partir da paixão pelo
desconhecido e nos torna amantes eternos do saber infinito sobre uma realidade tão finita.
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Além da dúvida e da reflexão, a missão da Filosofia também se revela no processo
de criação do conceito, pois é a partir de conceitos que pensamos. Em Filosofia, o conceito
expressa o conjunto de ideias que formam um juízo acerca de algo. Na ciência, o conceito
se resume em expressar (explicar) aquilo que é observado pela experiência. Desta forma, o
conceito é um signo determinado para um objeto. O conceito passa a ser uma adequação
da relação de significação entre o signo e o objeto. Diverso disto, o conceito em Filosofia
manifesta a subjetividade da interpretação do sujeito que interage, em consciência crítica,
com sua realidade.
FIGURA 4 – CONCEITOS
FONTE: Disponível em: <http://nehistemf.com.sapo.pt/conceitos.jpg>.
Acesso em: 02 jul. 2008.
Para Deleuze e Guattari (1997, p. 13), “a filosofia [...] é a disciplina que consiste em
criar conceitos”. Os conceitos elaboram o conjunto mutável de entendimentos que se pode
elaborar sobre uma dada realidade. Nele, o filósofo encontra o instrumento que lhe possibilita
pensar sobre seu contexto em contínua transformação.
Os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos celestes.
Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou
antes criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam.
Nietzsche determinou a tarefa da Filosofia quando escreveu: ‘os filósofos não
devem mais se contentar em aceitar os conceitos que lhes são dados, para
somente limpá-los e fazê-los reluzir, mas é necessário que eles comecem
por fabricá-los, criá-los, afirmá-los, persuadindo os homens a utilizá-los. Até o
presente momento, tudo somado, cada um tinha confiança em seus conceitos,
como num dote miraculoso vindo de algum mundo igualmente miraculoso’,
mas é necessário substituir a confiança pela desconfiança, e é dos conceitos
que o filósofo deve desconfiar mais, desde que ele mesmo não os criou [...]
(DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 13-14).
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Ao conceituar, pensamos a singularidade das coisas no seu convívio com a totalidade.
Nem fragmentos, nem definições, nem verdades absolutas são suficientes para filosofar,
somente nos conceitos o filósofo encontra as razões para seu pensar. O conceito é, para a
Filosofia, um instrumento de dúvida, questionamento e reflexão.
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DICA
Quando precisar saber mais sobre um determinado conceito, pesquise
em dicionários de Filosofia. Um bom dicionário é o de Nicola Abbagnano.
4 CARACTERÍSTICA DA FILOSOFIA
A Filosofia difere da religião e da ciência. A religião busca as causas e princípios
primeiros nos dogmas, crenças e respostas dadas pela fé. Difere também da ciência por não
depender apenas da experiência. Contudo, a Filosofia se relaciona com ambas, refletindo
sobre seus princípios e métodos.
A grande característica da Filosofia, que a torna distinta das demais formas de conhecer
o mundo, é o questionamento, a dúvida e a reflexão. O questionamento gera reflexão, que por
sua vez gera novos questionamentos, impulsionando para um contínuo prosseguir. Existem
pontos de partida que surgem do próprio contexto humano, mas não há um ponto de chegada
como resposta absoluta para o que se busca. Para o filósofo, a pergunta é mais importante
que a própria resposta. Como bem lembra Sautet (1997, p. 42), “[...] o filósofo não é aquele
que detém a resposta para todas as perguntas. É aquele a quem as respostas já dadas, as
respostas que predominam, ou as rivais delas, intrigam. É aquele que interroga, aquele que,
stricto sensu, repõe em questão o que se faz passar por solução.”
A ciência e a religião, ao contrário, assumem por meta uma resposta final, absoluta e
verdadeira. A dúvida é, para a Filosofia, uma possibilidade de reflexão. Quando nos encerramos
em uma verdade absoluta, impedimos a possibilidade da dúvida e da reflexão.
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S!
DICA
Assista a Giordano Bruno: baseado em uma história
real, é considerado um dos mais extraordinários filmes
que retrata a vida do astrônomo, matemático e filósofo
italiano, frade dominicano, Giordano Bruno. Assista ao
filme e procure relacioná-lo com este tópico. GIORDANO
BRUNO. Direção de Giuliano Montaldo. Itália: 1973, 1 DVD
(114 min): legenda, color.
Como vimos, a Filosofia desenvolveu-se a partir da religião (da passagem do mito para
a razão), mas se tornou distinta quando os pensadores buscaram refletir sobre a realidade,
independentemente das considerações mitológicas. Até o século XIX, o termo “Filosofia” incluía
o que hoje conhecemos como “ciência”. Cada ciência passou a ter um objeto específico para
investigação. A Filosofia permaneceu como mãe de todas as ciências e como tal faz uma
investigação paralela, tendo sempre por ponto de partida o questionamento, a reflexão e a
investigação, elementares para a construção do verdadeiro saber.
!
ROS
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No Tópico 1 da Unidade 2 abordaremos com mais profundidade a questão
do tipo de conhecimento e suas características.
LEITURA COMPLEMENTAR
Leia atentamente o texto que segue, extraído do livro “Introdução à Filosofia”, de Batista
Mondin (1980, p. 5-6). O autor apresenta o que vem a ser a filosofia.
AFINAL, O QUE É A FILOSOFIA?
O homem, diz-se, é naturalmente filósofo, “amigo da sabedoria”. E é verdade. Ávido de
saber, não se contenta em viver o momento presente e aceitar passivamente as informações
fornecidas pela experiência imediata, como fazem os animais. Seu olhar interrogativo quer
conhecer o porquê das coisas, sobretudo o porquê da própria vida.
Mas enquanto o homem comum, o homem da rua, formula estas interrogações e
enfrenta estes problemas de maneira descontínua, sem método e sem ordem, há pessoas
que se dedicam a essas pesquisas todo o seu tempo e todas as suas energias, e propõem-se
a obter uma solução concludente para todos os ingentes problemas que espicaçam a mente
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humana, através de uma análise aprofundada e sistemática. São estas as pessoas a que
costumamos chamar “filósofos”.
Mas, então, o que é exatamente a filosofia?
É um conhecimento, uma forma de saber e, como tal, tem sua esfera particular de
competência; sobre esta esfera busca adquirir informações válidas, precisas e ordenadas. Mas
enquanto é fácil dizer qual é a esfera de competência das várias ciências experimentais, não é
igualmente cômodo delimitar o campo de pesquisa próprio da filosofia. É sabido, por exemplo,
que a botânica estuda as plantas, a geografia os lugares, a história os fatos, a medicina as
doenças etc. Mas, a filosofia, que estuda ela? No entender dos filósofos, ela estuda tudo.
Aristóteles, o primeiro a pesquisar rigorosamente e sistematicamente a natureza desta disciplina,
diz que a filosofia estuda “as causas últimas de todas as coisas”. Cícero define a filosofia como
sendo “o estudo das causas humanas e divinas das coisas”. Descartes afirma que a filosofia
“ensina a bem raciocinar”. Hegel concebe a filosofia como “saber absoluto”. Whitehead julga
que seja tarefa da filosofia “fornecer uma explicação orgânica do universo”. Poderíamos citar
muitos outros filósofos que definem a filosofia quer como estudo do valor do conhecimento,
quer como pesquisa sobre o fim último do homem, quer como estudo da linguagem, do ser,
da história, da arte, da cultura, da política etc. Com efeito, coerentes com estas definições
discrepantes, os filósofos estudaram todas as coisas. Devemos, pois, concluir que a filosofia
estuda tudo? Sem dúvida. Isto por duas razões.
Em primeiro lugar, porque todas as coisas, além de poderem ser examinadas a nível
científico, podem sê-lo também a nível filosófico.
Assim, os homens, os animais, as plantas, a matéria, já estudados por muitas ciências
e sob diferentes pontos de vista, são suscetíveis também de uma pesquisa filosófica. Com
efeito, os cientistas se interrogam sobre a constituição da matéria, perguntam-se o que é a vida,
como estão estruturados os animais e o homem, mas não chegam a enfrentar certos problemas
também referentes ao homem, aos animais, às plantas, à matéria: por exemplo, o que seja o
existir. Especialmente com relação ao homem, do qual as ciências estudam múltiplos aspectos,
são muitos os problemas que nenhuma delas enfrenta (enquanto os supõe já resolvidos), como
o valor da vida e do conhecimento humano, a liberdade, a natureza do mal, a origem e o valor
da lei moral. Somente a filosofia se ocupa destes problemas.
Em segundo lugar, porque, enquanto as ciências estudam esta ou aquela dimensão da
realidade, a filosofia tem por objeto o todo, a totalidade, o universo tomado globalmente.
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Eis, pois, a primeira característica que distingue a filosofia de qualquer outra forma de
saber: ela estuda toda a realidade ou, de algum modo, procura apresentar uma explicação
completa e exaustiva de um domínio particular da realidade.
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Mas há também outras três qualidades que contribuem para dar ao saber filosófico um
caráter próprio e específico: o instrumento de pesquisa, o método e o escopo.
O instrumento de trabalho, de pesquisa, de análise de que a filosofia se utiliza é a razão,
a razão pura, o “raciocínio puro”, como diz Platão. Ela não dispõe de microscópios, telescópios,
máquinas fotográficas, etc. Não pode estabelecer controles com instrumentos materiais nem
apressar suas operações recorrendo a computadores. Mesmo os instrumentos cognitivos de
que se utiliza todo homem e todo cientista, os sentidos e a imaginação, ao filósofo só servem
na fase inicial, para conseguir alguns conhecimentos do real, para o qual depois volta o olhar
penetrante da razão. O trabalho verdadeiro e próprio de pesquisa filosófica é realizado apenas
pela razão; esta, para subtrair-se a todo tipo de distração, encerra-se em seu sagrado recinto,
longe do barulho das máquinas, da sedução dos prazeres e da práxis, da confusão dos sentidos,
em solitária companhia com o próprio objeto.
O método da filosofia é essencialmente raciocinativo, embora não exclua algum momento
intuitivo (quer na fase inicial, quer na final). Mas os processos raciocinativos são múltiplos, e os
mais importantes dentre eles são a indução e a dedução. A filosofia utiliza ambos: o primeiro,
para ascender dos fatos aos princípios primeiros; o segundo, para descer de novo dos primeiros
princípios e iluminar posteriormente os fatos, para compreendê-los melhor.
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DICA
Outro filme interessante é O nome da rosa, adaptação
do célebre romance de Umberto Eco, que retrata uma
biblioteca medieval e a relação com o conhecimento
naquele período.
A!
NOT
Para aprofundar suas leituras sobre o que é a filosofia, indicamos o seguinte
site: http://www.dialogosfilosóficos.com.br. Ali, você encontrará links de
filosofia com comentários.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:
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Filosofia surgiu no século VI a. C.

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significado da palavra Filosofia tem origem grega – philos = amigo e sophia = sabedoria.

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papel da Filosofia está em desenvolver a consciência, a capacidade de questionar, de
conceituar e de refletir sobre a realidade.

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conhecimento filosófico tem seu critério na razão, o conhecimento religioso depende da
fé e o científico depende da experimentação.
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1 Como surgiu a Filosofia?
2 Ao pensar sobre o papel da Filosofia, Leão (1991) propôs a seguinte reflexão: “na
era atômica, em que a técnica e a ciência desenvolvem um vigor planetário, a missão
da Filosofia não é corrigir ou substituir-se à ciência. É apenas ser a catarsis de uma
autoconsciência”. O que o pensador está sugerindo?
3 Qual a principal diferença entre Filosofia, Ciência e Religião?
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UNIDADE 1
TÓPICO 3
CONSCIÊNCIA HUMANA E FILOSOFIA
1 INTRODUÇÃO
Em nossa vida fazemos perguntas, afirmamos, negamos, repetimos frases,
cumprimentamos, aceitamos, rejeitamos, enfim, tomamos várias atitudes e não nos damos
conta de que, muitas vezes, agimos mecanicamente, sem tomar consciência dos nossos atos.
Agimos como se as coisas já estivessem predeterminadas ou programadas em nossa mente,
não nos dando conta de que somos seres que têm a capacidade de transformar e modificar
as ações, dando a elas um sentido diferente.
Se observarmos as atitudes das pessoas na sociedade também vamos encontrar certas
semelhanças com as nossas atitudes. Isto pode ser constatado nos locais de trabalho, nas
filas dos bancos, nas praças e ruas de nossas cidades. As pessoas são impulsionadas a seguir
um padrão de vida, como sendo o ideal ou o almejado pela sociedade. Com isto, acabam não
levando em consideração que são seres históricos, capazes de modificar o seu espaço e não
agirem apenas como máquinas programadas para executar uma determinada atividade.
Estas são atitudes imersas nos afazeres do cotidiano e são marcadas pela falta de
consciência, tanto das ações individuais quanto das sociais. Estas atitudes estão relacionadas
à consciência que se tem de mundo. Portanto, este tópico quer discutir a consciência humana
como um dos elementos formadores do pensamento filosófico.
2 A CONSCIÊNCIA HUMANA
Um bom começo para iniciarmos nossa discussão é refletir sobre: o que significa ser
Humano? O que significa ter consciência? A partir destas duas indagações é que vamos procurar
compreender a Consciência Humana.
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UNIDADE 1
Uma das primeiras respostas para a pergunta “o que significa ser Humano?” vem da
expressão Homo sapiens (do latim homem sábio), parece ter surgido há mais de 150 mil anos,
na região dos grandes lagos africanos.
Observe, na figura que segue, a evolução histórica do ser humano.
Figura 5 – HOMO SAPIENS
Fonte: Disponível em: <http://www.fizyka.umk.pl/~duch/Wyklady/img/01homo-ew.jpg>. Acesso em: 10
maio 2010.
Além do Homo sapiens sapiens, uma outra ideia que define o ser humano é a questão
racional. Esta racionalidade significa a “[...] nossa capacidade de pensar sobre as coisas, de
refletir sobre nossa própria existência e de modificar nossas ações à luz dessa reflexão, de
planejar e organizar nossas vidas, de controlar nossas emoções e desejos – enfim, de sermos
‘racionais’.” (MATTHEWS, 2007, p. 9). A partir destes dois aspectos apresentados – homem
sábio e homem racional – podemos iniciar nossa reflexão sobre o que é ser humano.
OS!
TUR
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Na Unidade 3 do nosso Caderno de Estudos você irá aprofundar
os estudos sobre o ser humano.
A segunda questão de discussão é: o que significa ter consciência? De maneira geral, a
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palavra consciência é entendida como a capacidade humana de prever e planejar as próprias
atividades, de refletir sobre elas no decorrer da ação, e de aferir os resultados, seja com os
planos, seja com princípios e ideais teóricos ou práticos.
Diversas ciências procuraram dar uma resposta para a palavra consciência, mas foi
UNIDADE 1
TÓPICO 3
25
principalmente com a psicologia, a sociologia e a filosofia que teve início uma reflexão mais
sistemática sobre esta expressão denominada consciência.
Tanto a psicologia quanto a sociologia têm uma compreensão diferenciada para a
consciência. A psicologia procura compreender as atitudes do ser humano enquanto indivíduo.
Nesta perspectiva, a consciência é entendida como o conjunto de fenômenos e dados psíquicos
que a pessoa é capaz de verbalizar reflexamente. Já a sociologia procura estudar as relações
sociais do ser humano em seu meio. Sob este prisma, a consciência está relacionada com o
social, que é a “[...] conformidade de ideias, opiniões, sentimentos e ações que caracterizam
os componentes de determinado grupo ou sociedade” (OLIVEIRA, 2000, p. 236).
A filosofia procura investigar os fatos em sua profundidade e compreendê-los em
sua totalidade, dando um sentido para o mundo. A consciência não pode ser compreendida
unicamente como uma dimensão psicológica e nem como uma dimensão puramente social.
Ela se manifesta a partir de ambas: a consciência abrange o psicológico e o social. Neste
sentido, a consciência humana tem a capacidade de prever e planejar as próprias atividades,
de refletir sobre elas no decorrer da ação, e de aferir os resultados, seja com os planos, seja
com princípios e ideais teóricos ou práticos.
Para Cotrim (2002, p. 42), “[...] a consciência pode centrar-se sobre o próprio sujeito,
sondando a interioridade, ou sobre os objetos exteriores, sondando a alteridade (do latim
alter, ‘outro’)”. Podemos, então, identificar duas dimensões complementares no processo de
conscientização do ser humano: a consciência de si e a consciência do outro. No entendimento
de Cotrim, a consciência de si é a “concentração da consciência nos estados interiores do
sujeito, exige reflexão”, enquanto que a consciência do outro é “a concentração da consciência
nos objetos exteriores, exige atenção”. A reflexão e a atenção se manifestam pelo processo
de inventar, raciocinar, apresentar, inovar, levado pela consciência de si ou pelo processo de
absorver, reformular, ouvir, rever e reconstruir, levado pela consciência do outro.
A junção destas duas atitudes, consciência de si e consciência do outro, dá origem à
consciência crítica, que é uma das funções primordiais da filosofia na sociedade atual. Assim,
a filosofia desenvolve nas pessoas a capacidade de julgar os fatos e distinguir aqueles que
melhor correspondem à sua consciência.
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UNIDADE 1
Em suma, quando o homem tem consciência de si e do outro, ele tem uma consciência
filosófica, atribuindo novos significados às coisas.
S!
DICA
REMISSÃO A LEITURAS
Para aprofundar os seus conhecimentos ou adquirir novas
informações sobre a consciência, leia o livro O Crepúsculo dos
Ídolos, de Nietzsche, citado nas referências.
Neste livro Friedrich Nietzsche (2006, p. 15-16), que viveu entre
os anos 1844 a 1900, destaca quatro casos de consciência:
• Tu corres à frente? Tu fazes isto como pastor? Ou como exceção?
Um terceiro caso seria o desertor... Primeiro caso de consciência.
• Tu és autêntico? Ou apenas um ator? Um representante? Ou o
próprio representado? Por fim, talvez tu não passes da imitação
de um ator... Segundo caso de consciência.
• Tu és alguém que observa? Ou que coloca as mãos à obra? - Ou
que desvia o olhar e se põe de lado?... Terceiro caso de consciência.
• Tu queres acompanhar? Ou ir à frente? Ou ir por sua própria
conta?... É preciso saber o que se quer. Quarto caso de consciência.
Até agora vimos o que é consciência e como ela pode ser compreendida pelo pensamento
filosófico. A seguir, apresentamos um fragmento do texto Com Nietzsche, a Consciência da
Fragilidade, escrito pelo professor de Ética e Filosofia Política da USP, Renato Janine Ribeiro
(2000, p. 9), no qual apresenta a ideia de Nietzsche sobre a questão da consciência e faz uma
relação com a realidade atual. Após a leitura deste texto, responda às autoatividades propostas.
COM NIETZSCHE, A CONSCIÊNCIA DA FRAGILIDADE
Para ele, o essencial é assumir por completo a insegurança de nossa condição
Que papel teve Nietzsche na cultura, estas décadas? [...] Nosso tempo é de crítica
sistemática a tudo o que passava por aceito. As verdades antes acolhidas são postas em
xeque e não porque sejam substituídas por novas verdades. É contestada a própria ideia de
verdade, de valor.
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Durante séculos, deu-se o valor à consistência do ser. Isto é: valores como o bem, o
belo, a verdade, que justamente por se chamarem “valores” só funcionam enquanto valem para
alguém (enquanto são afirmados por seres humanos), foram apresentados como se fossem
seres, independentes de nós, ancorados em Deus ou na natureza. Ora, o que Nietzsche
UNIDADE 1
TÓPICO 3
27
[...] mostra é que por trás dos valores há uma vontade humana, um projeto, muitas vezes
inconfesso.
[...]
Assumir a filosofia nietzschiana, hoje, não é só uma escolha intelectual. Significa uma
opção de vida. Mas o que pode aprender quem lê Nietzsche com atenção é a consciência de
sua, de nossa fragilidade. E é mais difícil, embora mais rico, viver sabendo-se frágil do que
quando se acredita na própria superioridade.
Renato Janine Ribeiro é professor de
Ética e Filosofia Política na USP
1 A consciência não pode ser compreendida unicamente como uma dimensão puramente
psicológica e nem como uma dimensão puramente sociológica. Como a Filosofia explica
esta situação?
2 Que tipo de consciência predomina na filosofia nietzschiana? Explique-a.
3 A CONSCIÊNCIA RACIONAL
Muitos são os sentidos dados à palavra razão em nosso cotidiano. Por exemplo,
afirmamos que o mundo é racional, que o homem é um ser racional, que os meios que se
utilizam são racionais. Quer significar que o mundo pode ser compreendido, que o homem é
um ser inteligente e que os caminhos utilizados são válidos e eficazes, transmitindo uma certa
segurança. Também a expressão racional aparece em afirmações mais particulares, como, por
exemplo: ele não tem razão, eu estou com a razão, ele perdeu a razão. Quer significar que ele
não está com a verdade, que eu estou com a verdade ou que ele agiu opondo-se à verdade.
Estes são alguns dos sentidos dados à racionalidade. A palavra racional vem de
razão, que tem sua origem no latim ratio e no grego logos. Tanto a expressão ratio quanto a
expressão logos significam juntar, calcular, separar, contar, reunir, medir. Querem expressar
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UNIDADE 1
que conhecimento segue um método, uma ordem, que pode ser demonstrado, calculado e
medido com certa clareza.
O que significa ter uma consciência racional? Segundo Chauí (1997, p. 59), significa
ter “[...] a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente”, ou seja,
expressar como as coisas se apresentam seguindo uma forma de pensar e de dizer as coisas
como elas são. Isto não significa dizer que haja apenas uma forma de pensar racionalmente.
Podemos identificar, de maneira mais abrangente, duas formas diferentes de manifestação da
razão: a racionalidade científica e a racionalidade filosófica.
A racionalidade científica tem como base a universalidade e a demonstração dos fatos
que se caracterizam por desenvolver métodos experimentais que partem da: observação dos
fenômenos na realidade, formulação de hipóteses, experimentos ou aplicação das hipóteses
e a formulação de uma lei ou teoria. Já a racionalidade filosófica tem como base a reflexão
e a análise dos fatos na sua universalidade, sem se ater a uma aplicação prática, mas procura
dar uma resposta às grandes questões que são colocadas ao ser humano.
A!
NOT
Racionalidade: é a capacidade intelectual de expressar um
conhecimento seguindo um método, uma ordem, que pode ser
demonstrado, calculado e medido com uma certa clareza.
Ciência: é uma forma de conhecimento que procura compreender
como são as coisas através de enunciados, mais ou menos gerais
e sistematicamente articulados entre si.
Ciência e filosofia seguem a razão. “Enquanto a ciência procura, principalmente,
compreender o que são as coisas, ou seja, fornecer a chave de compreensão da realidade,
a filosofia, através da razão crítica, é capaz de ‘estranhar’ essa realidade cotidianamente e,
assim, proceder à análise em busca de seus fundamentos, percebendo o que ela é e propondo
o que ela deveria ser” (COTRIM, 2002, p. 46).
4 A CONSCIÊNCIA CRÍTICA
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A consciência crítica não é mais um tipo de consciência que podemos identificar em
nossa sociedade, mas uma atitude perante a realidade social que se apresenta. Primeiramente,
uma das características principais da atitude crítica é olhar o mundo de forma negativa,
ou seja, dizer um não aos fatos, aos preconceitos, aos valores, ao que todo mundo diz. Uma
segunda característica da consciência crítica é positiva, procura questionar, interrogar e
UNIDADE 1
TÓPICO 3
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buscar saber o porquê e o para quê das coisas. “Estas duas ações, a negativa e a positiva,
constituem para o pensamento filosófico o que chamamos de atitude crítica e pensamento
crítico” (CHAUÍ, 1997, p. 12).
A consciência crítica nasce do confronto dos diferentes pontos de vista que se pode ter
das coisas ou da nossa realidade. Consequentemente, a atitude crítica não se forma de uma
hora para outra, ela depende de um processo histórico e de informações para que se desenvolva.
Além disso, a consciência crítica se caracteriza por identificar as segundas intenções ou as
verdadeiras intenções que se tem com as ações.
Neste contexto, a formação de uma consciência crítica passa diretamente pela filosofia,
que se caracteriza por desenvolver nas pessoas um pensamento próprio e crítico sobre a
realidade do cotidiano, de questionar os dogmas ou as doutrinas religiosas que se impõem,
de superar a explicação mitológica da realidade, de discutir a validade dos métodos e critérios
adotados pelas ciências.
S!
DICA
Como atividade complementar deste tópico,
sugerimos que você assista ao filme Sociedade
dos Poetas Mortos, que apresenta o processo
de formação da consciência nas suas diferentes
circunstâncias.
Sociedade dos Poetas Mortos leva as pessoas
a pensar por si sós. Este é o objetivo do
professor de literatura que apresenta uma
nova metodologia de ensino dentro de um
colégio conservador.
SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS. Direção
de Peter Weir. EUA: Touchstone Pictures:
1989, 1 DVD (129 min), color. Legendado.
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:
● As pessoas são seres históricos capazes de modificar o seu espaço e não agirem apenas
como máquinas programadas para executar uma determinada atividade.
● A Psicologia procura entender o ser humano a partir de sua individualidade (consciência de si),
enquanto que a Sociologia procura entender o ser humano a partir do seu meio (consciência
do outro). A junção destas duas atitudes dá origem à consciência crítica.
● A consciência mítica caracteriza-se pela falta de criticidade e o indivíduo não se reconhece
em si, mas como parte do grupo.
● A consciência religiosa tem como base a fé e a aceitação de uma doutrina.
● A consciência racional caracteriza-se pela capacidade intelectual de pensar que se manifesta
na racionalidade científica e filosófica.
● Nietzsche criticou todo tipo de verdade e afirmou que devemos assumir por completo a
insegurança de nossa condição.
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1 Quais os aspectos que caracterizam a consciência crítica?
2 Leia o texto que segue:
Em Os Condenados da Terra, Fanon escreve: “é o colonizador quem tem feito
e continua a fazer o colonizado. O colonizador tira sua verdade, isto é, seus bens, do
sistema colonial” (24). Este antagonismo é acentuado pelo racismo contra o colonizado,
tido como preguiçoso, impulsivo e selvagem. O colonizado introjeta a dominação vivendo
um complexo em que passa a negar-se como negro a fim de se pretender um “negrobranco”. Escreve Fanon:
“Todo povo colonizado, isto é, todo povo no seio do qual se instala um complexo
de inferioridade por ter sido destruída a sua identidade cultural, fica em oposição à
linguagem da nação civilizadora, ou seja, da cultura metropolitana. Quanto mais o
colonizado se amoldar aos valores culturais da metrópole, tanto mais se afastará da
sua própria cultura. Ele será tanto mais branco quanto mais tiver rejeitado sua negrura...
(...) O professor Westermann, em The Africain Today, escreve que existe um sentimento
de inferioridade dos negros - que experimentam, sobretudo, os evoluídos -, e que, sem
cessar, eles se esforçam por dominar. A maneira empregada para tanto é, acrescenta,
frequentemente ingênua: ‘Vestir os trajes europeus ou as roupas da última moda, adotar
as coisas de que os europeus fazem uso, suas formas exteriores de civilidade, florir a
linguagem com expressões europeias, usar frases pomposas em línguas europeias,
falando ou escrevendo, tudo isso é feito para tentar atingir um sentimento de igualdade
com o europeu e seu modo de existência’”
Fonte: MANCE, Euclides André. As Filosofias Africanas e a Temática de Libertação. Disponível em:
<http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/africa.htm>. Acesso em: 25 maio 2010.
A partir dos estudos deste tópico e da leitura deste fragmento “Os
Condenados da Terra”, que consciência prevalece entre a cultura do colonizado,
principalmente entre os negros?
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O OLHAR DA FILOSOFIA SOBRE AS
ROTINAS ORGANIZACIONAIS
1 INTRODUÇÃO
Como vimos no primeiro tópico, a Filosofia é um conhecimento milenar e sua importância
não se reduz a uma condição funcionalista. As informações que os filósofos organizaram no
decorrer da história dizem respeito ao contexto social, político, econômico, religioso e moral
do tempo em que viveram. O que caracteriza cada pensador são as questões que se fizeram
ao olhar para o seu mundo com alguma estranheza. Neste sentido a Filosofia ajuda a indagar
sobre o contexto das organizações de nosso tempo.
Filosofar é exercitar a estranheza e exercitar a estranheza é ver o mundo além de
suas rotinas. O olhar comum, corriqueiro e rotineiro, pouco identifica as contradições ou
necessidades que estão à sua volta. É um olhar treinado para ver e fazer conforme o protocolo,
é adestrado para repetir e pouco pensar. O que fazer para descobrir e ter um olhar crítico e
criativo? A resposta é: filosofar. E o que é filosofar? Filosofar é pensar. E se nos perguntarmos:
de que adianta a filosofia nas diferentes organizações? A esta pergunta teremos o curso para
demonstrar, mas de antemão poderemos verificar que é pela filosofia que ampliamos nossa
visão de mundo e de ser humano.
A!
NOT
Vários homens de negócios já diziam, na década de 1930, que os
executivos de alto nível são pagos para serem filósofos, e que esses
homens procuram descobrir a razão por que as instituições sobrevivem
e prosperam, ou definham e declinam. Esses mesmos homens já me
disseram inúmeras vezes, durante meus estudos, que o filósofo da
instituição é o homem mais prático e também o mais necessário da
organização (MARSALL; DIMOCK, 1967, p. 17).
É conhecido o adágio que diz: “diz-me com quem andas e eu direi quem tu és”.
Parafraseando o ditado poderíamos também dizer: “diga-me qual é a sua visão de homem
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e de mundo que eu direi como você age”. Qual foi a visão de homem e de mundo que Hitler
teve e que ação tomou? Que visão de homem e de mundo Jesus cultivou e que ação tomou?
Qual a visão de Bush e que ação tomou? Qual a sua visão de homem e de mundo e quais
são suas ações?
Da mesma forma, cada organização alimenta uma visão sobre o mundo, sobre a
clientela, sobre seus produtos, sobre seus colaboradores, sobre a vida e o ecossistema. Ligado
a esta visão ordena-se uma filosofia. É este o desafio deste tópico: pensar em ordem concreta
sobre a Filosofia nas Organizações.
A!
NOT
Para você aproveitar melhor o texto, vou lhe ajudar antecipando algumas
palavras:
Funcionalismo - termo empregado para definir ações e ideias que
supervalorizam a função. Uma ideia ou algo só é verdadeiro e válido se
funciona.
Utilitarismo - visão pragmática sobre as coisas; considera-se válido o
que é útil.
Missão - enunciado que explicita a filosofia de uma empresa e define o
que ela faz para realizar sua visão e assim chegar a uma meta futura.
Visão - enunciado que faz parte da filosofia da empresa e explicita a
meta de longo prazo. É o lugar onde se pretende estar, como referência
para as ações cotidianas.
Organização - entidade que serve à realização de ações de interesse
social, político, administrativo etc.; instituição, órgão, organismo...
2 FILOSOFIA ORGANIZATIVA
A Filosofia se aplica na investigação de diferentes questionamentos, seja nas áreas da
ciência, da política, da arte, da estética, da ética, do direito, da matemática, da administração
etc. Nesta última a filosofia tem uma relação direta com a cultura da empresa. “A cultura de
uma empresa implica seus padrões de comportamento, as ideias centrais transmitidas por
suas ações, e o conjunto de seus valores primordiais” (MATTAR NETO, 1997, p. 229). As
preferências, escolhas e ações da empresa tornam-se referência de sua cultura e, portanto,
das ideias que cultiva e dos valores que prima.
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Robert Hayes e Steven Wheelwright fazem a seguinte referência ao que entendem por
filosofia de uma empresa:
Definimos a filosofia de uma empresa como o conjunto de princípios e forças diretivos,
e de atitudes que ajudam a comunicar as metas, os planos e as regras para todos os
UNIDADE 1
TÓPICO 4
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empregados, e que são reforçados através do comportamento, consciente e inconsciente,
em todos os níveis da organização (apud MATTAR NETO, 1997, p. 228).
Se o valor maior de uma empresa é a produção e o lucro, que espaço ocupa a pessoa
que lá trabalha? Se em primeiro plano está a oferta de um produto de baixo custo, como fica a
garantia da qualidade? Se o cliente é prioridade, como são lembradas e tratadas as pessoas
que colaboram cotidianamente na empresa diante de um cliente oportunista? A resposta
transparente a cada pergunta dará referências para pensar como a empresa se organiza no
conjunto de seus princípios e forças diretivas, que metas possui, que regras estabelece aos
funcionários e que relações se estabelecem no espaço da empresa.
Contudo, as organizações nem sempre explicitam sua filosofia, ela só é percebida
através das atitudes que toma. Há também empresas que anunciam uma filosofia arrojada,
humana, democrática, ecológica e, em contradição, as atitudes denunciam valores de
lucratividade extrema, desrespeito às pessoas e ao planeta. Desta forma, podemos identificar
que a filosofia de uma empresa passa a ser verdadeira e eficiente quando aparece na soma
de uma ideia norteadora e uma prática inspiradora.
Para Masayuki Nakagawa (1993, p. 24-25), “embora seja diferente de uma empresa
para outra, e até mesmo na própria empresa, em função do tempo ou da evolução dos ideais,
crenças e valores de seus principais executivos ou proprietários, sua filosofia deveria ser
explicitada claramente, em termos de missão e finalidades ou propósitos básicos”. Para melhor
clareza desta ideia estudaremos os conceitos de visão e missão das empresas.
3 VISÃO E MISSÃO DAS ORGANIZAÇÕES
Os conceitos de visão e missão variam de acordo com a concepção de cada
autor. Assim, procuraremos assentar um conceito de referência que permita uma reflexão
fundamentada sobre o tema. Alguns autores associam os dois termos e entendem que ambos
dizem a mesma coisa. Outros autores diferenciam visão de missão, por verificarem funções
distintas a cada meta.
3.1 VISÃO
A visão está relacionada com a forma de entendimento, com um ponto de vista, com a
meta de longo prazo. A visão é a imagem que uma organização faz e projeta ter em seu futuro.
Para Karl Albrecht (apud MATTAR NETO, 1997, p. 229):
Deve ser algo que você possa descrever e que as pessoas possam imaginar. É um
quadro mental da empresa, funcionando num ambiente, desempenhando de acordo com algum
critério de excelência e sendo apreciado pelas contribuições que oferece.
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A visão de uma organização pode ser apresentada na forma de um enunciado que
deve ser claro, conciso, objetivo, simples, acessível a todos, fácil de memorizar e que possa
ser descrito e que todas as pessoas envolvidas possam imaginar. A melhor visão é aquela
que envolve ou toca os funcionários, clientes e sociedade e que se torna parte do imaginário
coletivo, tanto na instância local quanto global, dependendo, é claro, de cada organização.
Toda visão remete-se ao futuro da empresa e, segundo João Augusto Mattar Neto (1997,
p. 230), algumas perguntas são fundamentais na elaboração da visão:
•O que a empresa deseja tornar-se?
•O que a empresa quer que as pessoas falem como resultado do trabalho?
•De que modo a visão representa os interesses dos clientes e os valores que a empresa deve
preservar?
•Qual o papel de cada pessoa na visão do futuro?
•Nos exemplos que seguem poderemos verificar como cada empresa enfatiza e caracteriza
sua visão de empreendimento:
Visão da Ericsson:
Acreditamos em um mundo “todo comunicado”. Voz,
dados, imagens e vídeo convenientemente integrados a
qualquer hora e lugar do mundo, aumentando a qualidade
de vida, produtividade e tornando possível um mundo que
aproveite melhor seus recursos. Somos uma das grandes
forças progressivas, trabalhando em todo o mundo,
direcionados para que esta comunicação avançada aconteça.
Somos vistos como modelo de uma rede organizada,
trabalhando com inovadores e empreendedores em times
globais. (ERICSSON, 2008).
No enunciado que explicita a visão da Ericsson verificamos que se enfatiza o futuro
tecnológico, como empresa multinacional que se pretende modelo de uma rede organizada,
trabalhando com inovadores e empreendedores em times globais.
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Visão da Goodyear
Ser a empresa referência no âmbito da responsabilidade
social. (GOODYEAR, 2007)
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Verifique que o enunciado faz uma referência genérica à responsabilidade social e
pouco clarifica sobre como seu negócio pretende manter o compromisso social. Sabemos que
muitas empresas fazem uso da responsabilidade social como uma forma oportunista de fazer
marketing. Será este o caso da Goodyear?
Visão da Bob’s
Ser reconhecido como a melhor escolha entre os
restaurantes de fast food no Brasil, com os produtos mais
gostosos e com um serviço diferenciado. (BOB’S, 2007)
Explicita em que quer ser reconhecido e qual a forma como quer que se lembre de seus
produtos e serviços. Nesta visão há um propósito claro da necessidade de envolvimento dos
fornecedores e funcionários.
Vale lembrar o provérbio que diz: “Não há ventos favoráveis para quem não sabe onde
quer chegar”. A visão é o lugar onde se quer estar.
3.2 MISSÃO
Enquanto a visão faz referência ao futuro, a missão aponta para o presente. Na visão
a empresa projeta a imagem de seu futuro, é um objetivo de longo prazo, mas que só será
possível se a missão estiver orientada para o mesmo alvo. É uma relação direta entre o querer
e o fazer. A visão manifesta o querer, enquanto que na missão concretiza-se o fazer.
Adrew Campbell (apud MATTAR NETO, 1997, p. 232) propõe uma definição de missão
que englobe quatro elementos:
•Finalidade: os motivos de existência da empresa
•Estratégia: a diferença competitiva
•Valores: em que a empresa acredita
•Padrões e comportamentos: competência distinta.
A missão indica o compromisso e a atitude cotidiana no mundo dos negócios. Mais do
que saber onde se quer chegar (visão), é preciso saber como e o que fazer para chegar lá
(missão). Ao que ampliamos o provérbio supracitado: “Não há vento suficientemente favorável
para quem não sabe velejar”.
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Pode constar da missão a atitude para com fornecedores, clientes, funcionários,
intermediários, sociedade, que a empresa pretende ter.
Para Lee Krajewski e Larry Rizman (apud MATTAR NETO, 1997, p. 233), determinar a
missão de uma organização requer responder às seguintes questões:
•Em que negócio estamos? Onde devemos estar daqui a 10 anos?
•Quem são nossos clientes?
•Quais são nossos conceitos e crenças básicos?
•Quais são os objetivos-chave de performance, como crescimento ou lucro, pelos quais nós
medimos nosso sucesso?
Na missão define-se qual o negócio da empresa, a quem deve dirigir seu produto, que
necessidades irá suprir, as crenças fundamentais e seus critérios para avaliar o sucesso de seus
procedimentos. A missão é o caminho e a caminhada, ao que logo se lembra que “o caminho
se faz caminhando”. Pela missão orientamos cada passo na direção da visão.
Vejamos alguns exemplos que nos permitam fazer uma verificação mais concreta dos
enunciados que pretendem dar conta da missão de diferentes empresas:
Missão da Ericsson:
Entender as necessidades e oportunidades de nossos
clientes e oferecer soluções de comunicação mais rápidas
e melhores do que qualquer outro competidor. Conduzir os
negócios de forma rentável para sustentar nosso crescimento
contínuo e gerar lucro para os nossos acionistas. Buscar
a satisfação dos nossos colaboradores e contribuir para o
bem-estar da comunidade. (ERICSSON, 2008).
A missão evidencia sobre a qualidade dos serviços, crescimento, lucratividade e
satisfação dos colaboradores. Ao falar em colaboradores pretende-se, provavelmente, dar
conta do envolvimento dos fornecedores, funcionários e clientes, mas em singular sublinha-se a
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necessidade de gerar lucro para os acionistas. Talvez uma forma transparente de dizer como as
coisas funcionam no mundo dos negócios. Seria sinônimo dizer: “vamos trabalhar para engordar
os tubarões”?
UNIDADE 1
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Nossa missão é reunir esforços e trabalhar como
um time, visando atingir os objetivos propostos, de forma
ética, proporcionando um ambiente de trabalho saudável,
superando as expectativas da empresa, funcionários e
comunidade.
Veja como a Goodyear acentua a importância do trabalho quando fala em “trabalhar
como um time”, trabalhar “de forma ética” e “ambiente de trabalho saudável”. O enunciado
provoca a participação dos funcionários apresentando um grande respeito aos mesmos. Utopia
ou realidade?
Missão da Bob’s:
Satisfazer nossos clientes, com os produtos mais
gostosos do mercado, com qualidade, em uma atmosfera
agradável, sempre servidos por uma equipe motivada, atendendo
às expectativas dos nossos investidores. (BOB’S, 2007).
Clientes, funcionários e investidores foram contemplados nesta missão, bem como a
qualidade do produto e do ambiente.
ESTUDO DE CASO
Primeiro caso: visão e missão do Instituto Souza Cruz
Visão
Uma organização e duas transformações
O Instituto Souza Cruz quer ser uma organização conhecida e reconhecida
por sua ação social transformadora levada à frente pela educação:
1. No âmbito da realidade social brasileira, pela promoção e desenvolvimento
de programas e ações que façam diferença, gerem impacto e agreguem valor à
sociedade;
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2. No âmbito interno de sua mantenedora, pelo empenho permanente na
ampliação dos compromissos da Souza Cruz no campo da responsabilidade social
corporativa.
Missão institucional
Contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável do Brasil,
atuando nos campos da Educação para Valores, Educação para o Meio Ambiente, Educação
para o Empreendedorismo e Educação para o Turismo, tendo como marco referencial de
sua ação a experiência acumulada da Souza Cruz no campo da responsabilidade social
corporativa e o Paradigma do Desenvolvimento Humano.
Disponível em: <http://www.institutosouzacruz.org.br>. Acesso em: 16 jul. 2005.
Segundo caso: visão e missão da Avon
Visão de Recursos Humanos
Avon quer ser a empresa escolhida por seus funcionários, clientes, revendedoras,
fornecedores e acionistas.
Missão de Recursos Humanos
A nossa missão está baseada em três pilares estratégicos:
ATRAIR - Identificar e recrutar tanto internamente como no mercado, os profissionais mais
capacitados para as diversas funções existentes na empresa.
DESENVOLVER - oferecer programas de treinamento e desenvolvimento para que
as pessoas atinjam seus objetivos pessoais, bem como os objetivos de negócio da
empresa.
RETER - Através dos nossos processos de:
* Remuneração e Benefícios
* Conduta e Ética nas Relações de Trabalho
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* Qualidade de Vida
* Responsabilidade Social
Disponível em: <http://pr.avon.com.br/PRSuite/info/jobs.jsp>. Acesso em: 16 jul. 2005.
UNIDADE 1
TÓPICO 4
41
CATEGORIAS PARA ANÁLISE
A partir da visão e da missão do Instituto Souza Cruz e da Avon, aplique as
seguintes categorias de análise:
Quanto à visão da empresa, ela:
•Meta - estabelece um ponto de referência para seu futuro?
•Simplicidade - a visão permite imaginar o futuro?
•Participação - define o papel de cada pessoa na visão do futuro?
Quanto à missão da empresa, ela contempla os critérios de:
•Negócio - define o negócio de forma clara sem cair na estreita descrição de seu
produto?
•Simplicidade - a missão é simples, concisa, fácil de lembrar e é motivadora?
•Legitimidade - corresponde aos valores da empresa e à visão que possui?
S!
DICA
Para aprofundar-se, use os sites de procura www.google.com.br e
pesquise mais sobre a visão e missão de outras empresas.
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UNIDADE 1
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico você pôde verificar que:
•A Filosofia
também é importante ao empreendedor que, ao administrar, exercita sua
capacidade de ver o mundo além de suas rotinas.
•Visão e missão das empresas são conceitos da Filosofia administrativa.
•Visão – ponto de vista, meta de longo prazo.
•Missão – concretiza-se no fazer que garante a realização do idealizado na visão.
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Que tal fazer uma simulação? Imagine que você começou um
novo negócio e que precisa definir qual a Visão e qual a Missão da sua
empresa. Escolha uma área de sua afinidade e procure pensar a filosofia
da sua empresa a partir dos critérios apresentados neste tópico.
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TÓPICO 5
FILOSOFIA GREGA E AS
ORGANIZAÇÕES
1 INTRODUÇÃO
Uma das principais finalidades da Filosofia no Ensino Superior é a de ampliar os
conhecimentos das diferentes disciplinas e apontar semelhanças e diferenças entre elas. Além
de ampliar o conhecimento sobre todas as diferentes áreas de estudos, a Filosofia é a ciênciamãe das outras disciplinas, ou seja, foi a partir da filosofia que surgiu a história, geografia,
biologia, matemática, contabilidade, administração, direito e outras. Diante disto, a filosofia é a
base e o fundamento dos vários campos do conhecimento, e serve como crítica aos saberes
isolados e dogmatizados.
O estudo da filosofia, juntamente com a influência dos inúmeros filósofos, ajuda-nos a
compreender e a questionar os modelos e os padrões que são utilizados nas organizações,
bem como formular outras visões que possam ser condizentes com o seu ambiente.
Este tópico tem como finalidade apresentar as principais ideias dos filósofos gregos
Sócrates, Platão e Aristóteles e relacioná-las com a área das organizações. Fazer filosofia é
estar sempre a caminho e não acreditar que os saberes estejam prontos e acabados, cabendonos apenas ter o seu domínio, mas é ir à busca do saber e não de sua posse.
2 SÓCRATES: O DIÁLOGO COMO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Apesar de não deixar nada por escrito, Sócrates (469-399 a.C.) é considerado uma das
figuras mais importantes para a história do pensamento ocidental. Suas ideias estão presentes
nas diferentes situações de nossa vida. Neste sentido, apresentamos duas de suas ideias
que são importantíssimas para o nosso trabalho, que são: o autoconhecimento e o método
socrático de investigação.
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2.1 O AUTOCONHECIMENTO
Contrariando as ideias dos sofistas, Sócrates desenvolveu uma filosofia baseada no
autoconhecimento, que consistia na investigação e no questionamento de sua própria vida.
“Conhece-te a ti mesmo” é uma de suas expressões que melhor representa o seu pensamento
e está diretamente relacionada com os seus ensinamentos. Segundo Sócrates, ao invés
de questionar o mundo, deveríamos questionar as nossas atitudes, adotando a expressão
“Conhece-te a ti mesmo”.
A!
NOT
Sofistas eram filósofos que defendiam a arte da argumentação
como forma de comprovar a verdade dos fatos. Segundo Chauí
(1997, p. 37), “os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para
os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A,
depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa
assembleia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra
uma opinião e ganhassem a discussão”.
FIGURA 6 – MAFALDA
FONTE: Disponível em: <http://www.ccmn.ufrj.br/extensao/material/SEE_portugues_EM_ v2_1_168.
pdf>. Acesso em: 10 jul. 2008.
2.2 O MÉTODO SOCRÁTICO DE INVESTIGAÇÃO
Sócrates desenvolve um método prático de investigação baseado no diálogo, na
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conversa, na dialética, que tem por finalidade desenvolver nas pessoas um conhecimento
mais seguro sobre as coisas e não apenas das aparências, como defendiam os sofistas. Este
método se dá a partir de dois pontos principais: a ironia e a maiêutica.
UNIDADE 1
TÓPICO 5
47
2.2.1 A Ironia
A primeira etapa do método socrático consistia em reconhecer a sua própria ignorância.
Ou seja, ter consciência de que não sabemos tudo, reconhecer os limites e as contradições de
nossos pensamentos através da interrogação e do questionamento. Do grego, ironia, significa
interrogação. De fato, Sócrates interrogava as pessoas sobre aquilo que elas pensavam saber.
2.2.2 A Maiêutica
Somente quando reconhecemos a ignorância é que estamos preparados para reconstruir
as nossas ideias. Neste sentido, Sócrates propunha a maiêutica, que, em grego, significa
“parto das ideias”. A finalidade da maiêutica é levar as pessoas a desenvolverem as suas
próprias ideias. A origem da expressão maiêutica está relacionada à sua mãe, que, sendo
parteira, ajudava as mulheres a darem à luz a seus filhos. Neste sentido, Sócrates coloca-se
como parteiro, que tem a finalidade de dar à luz a novas ideias aos seus discípulos através do
diálogo e do questionamento (COTRIM, 2002).
Portanto, em vez de seguir a prática habitual de ensino em que o aluno pergunta e o
professor responde, Sócrates fazia o contrário; era ele quem lhe perguntava. Isto os levava ao
questionamento e a terem suas próprias ideias.
Assim como Sócrates, que utilizou a ironia e a maiêutica como métodos para desmascarar
os sofistas e os que se diziam possuidores da verdade, acreditamos que este mesmo método
possa ser utilizado nas organizações para questionar o dogmatismo das ciências, a autoridade
dos que se dizem especialistas em suas áreas de conhecimento e que levam em consideração
apenas os aspectos tecnológicos, excluindo o lado humano e ético. Sócrates, em seu tempo,
foi capaz de “trazer a racionalidade às questões humanas, rompendo definitivamente com
explicações mitológicas e/ou metafísicas” (COLTRO, 1999, p. 67).
O!
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VAMOS CONVERSA
Se você tiver qualquer dificuldade ou dúvida com relação a este
ou outros tópicos, entre em contato nos dias agendados ou envie
sua mensagem por e-mail.
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UNIDADE 1
Leia atentamente o texto que segue:
AS TRÊS PENEIRAS
“Augustus procurou Sócrates e disse-lhe”:
- Sócrates, preciso contar-lhe sobre alguém! Você não imagina o que me
contaram a respeito de...
Nem chegou a terminar a frase, quando Sócrates ergueu os olhos do livro que
lia e perguntou:
- Espere um pouco, Augustus. O que vai me contar já passou pelo crivo das
três peneiras?
- Peneiras? Que peneiras?
- Sim. A primeira, Augustus, é a da verdade. Você tem certeza de que o que vai
me contar é absolutamente verdadeiro?
- Não. Como posso saber? O que sei foi o que me contaram!
- Então suas palavras já vazaram a primeira peneira. Vamos então para a
segunda peneira: a bondade. O que vai me contar, gostaria que os outros também
dissessem a seu respeito?
- Não, Sócrates! Absolutamente, não!
- Então suas palavras vazaram, também, a segunda peneira. Vamos agora para
a terceira peneira: a necessidade. Você acha mesmo necessário contar-me esse fato,
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ou mesmo passá-lo adiante? Resolve alguma coisa? Ajuda alguém? Melhora alguma
coisa?
- Não, Sócrates... Passando pelo crivo das três peneiras, compreendi que nada
me resta do que iria contar.
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E Sócrates conclui:
- Se passar pelas peneiras, conte! Tanto eu, quanto você e os outros iremos
nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos
para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos. Devemos ser a
estação de qualquer comentário infeliz! Da próxima vez que ouvir algo, antes de
ceder ao impulso de passá-lo adiante, submeta-o ao crivo das três peneiras, porque:
Pessoas sábias falam sobre ideias;
Pessoas comuns falam sobre coisas;
Pessoas medíocres falam sobre pessoas”.
(Autor desconhecido)
FONTE: Disponível em: <http://juniormadrigal.multiply.com/journal/item/3>. Acesso em: 27
maio 2007.
Este texto é um exemplo de desenvolvimento da maiêutica socrática.
Seguindo o exemplo do texto, relacione cada um dos conceitos – Verdade, Bondade
e Necessidade – com sua vida ou organização em que você trabalha ou estuda.
3 PLATÃO E A ORGANIZAÇÃO
Um dos grandes filósofos gregos que tem contribuído com a compreensão da realidade
foi Platão. Considerado um dos grandes expoentes do conhecimento, Platão é lembrado pelas
suas ideias e por seus feitos por mais de dois mil e trezentos anos.
O objetivo desta seção é apresentar a teoria e as ideias que marcaram seu pensamento
e relacioná-las com a organização. Portanto, vamos explorar dois pontos que consideramos
relevantes: a teoria dos dois mundos e o mito da caverna.
3.1 A TEORIA DAS IDEIAS
Platão desenvolveu uma teoria que procura explicar nossa realidade. Esta teoria ficou
conhecida como a teoria dos dois mundos. Ou seja, o mundo das ideias e este mundo.
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UNIDADE 1
O mundo das ideias é o mundo ideal, onde as coisas são perfeitas, eternas, imutáveis,
verdadeiras, únicas e que só existem no mundo das ideias. O segundo mundo pensado por
Platão é este mundo, onde as coisas são imperfeitas, mortais, mutáveis, marcadas pelas falsas
impressões e por sua multiplicidade. Este mundo não passa de uma cópia do mundo das ideias.
Para facilitar a sua compreensão sobre a teoria dos dois mundos de Platão, apresentamos
o seguinte esquema.
Esta representação quer explicar a forma como as pessoas e as coisas são. Imaginamos
uma pessoa perfeita (existe apenas no mundo das ideias), mas encontramos, neste mundo,
uma multiplicidade de pessoas que não passam de uma cópia do verdadeiro homem.
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Provavelmente você já ouviu a expressão “Amor Platônico”.
Filosoficamente, esta expressão quer significar que “há,
na doutrina platônica sobre a alma, um outro elemento
importante: Eros, o amor. Platão ensinava que Eros é uma força
que instiga a alma para atingir o bem; ele não cessa de mover
a alma enquanto essa não for satisfeita. O bem almejado é
determinado pela parte da alma que prevalecer sobre as outras.
Se fosse a sensual, por exemplo, a alma não buscaria um bem
verdadeiro, pois procuraria a satisfação dos desejos que Platão
julgava os mais baixos, como o apetite e a ganância. Segundo
o filósofo, o melhor é que a alma seja conduzida por sua parte
racional e que utilize a energia inesgotável do amor para se
dirigir ao bem verdadeiro – que compreende a justiça, a honra,
a felicidade; em suma, as virtudes supremas” (CHALITA, 2005,
p. 56). Portanto, o amor platônico apresenta-se como perfeito,
verdadeiro e eterno.
UNIDADE 1
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3.2 O MITO DA CAVERNA
Para melhor elucidar a relação entre o mundo das ideias e este mundo, Platão utiliza o
mito como uma das formas de explicação de seu pensamento. Acompanhe, a seguir, um dos
mitos platônicos mais conhecidos, o “Mito da Caverna”. Este mito é extraído e adaptado do
livro “A República”, livro 7 de Platão (1996, p. 317-321).
Imagine um grupo de pessoas vivendo como prisioneiros dentro de uma caverna, desde
a infância, acorrentados pelos pés e pelo pescoço. Deste modo é impossível que movam
suas cabeças para os lados e para trás, eles podem direcionar o olhar somente para frente.
A única imagem de luz é a que vem de uma fogueira que fica do lado de fora da caverna e é
projetada atrás dos prisioneiros. Entre a fogueira e os prisioneiros há um longo caminho, no
qual se construiu um pequeno muro.
Imagine também que, através desse muro, existam pessoas que transportam objetos
sobre a cabeça, tais como estatuetas de homens e animais feitas de pedra ou de madeira.
Neste caso, os prisioneiros seriam capazes de ver apenas as sombras dos objetos projetados
na parede, em frente às suas cabeças e acreditariam que o mundo fosse baseado somente
naquelas imagens.
Agora pense o que aconteceria se um desses prisioneiros fosse libertado das correntes
e obrigado a sair da caverna. No primeiro impacto, lhe doeriam os olhos em virtude da claridade
e, provavelmente, ele cobriria os olhos com as mãos, impedindo assim que pudesse ver o
mundo ao seu redor. Ao retirar as mãos dos olhos ele conseguiria ver melhor as sombras,
depois as imagens de humanos e da natureza refletidas na água e finalmente conseguiria
olhar para a imagem concreta dos seres que habitam o mundo. Mais tarde ele conseguiria
olhar o que há no céu durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da lua com mais
facilidade do que se fosse olhar o brilho do sol durante o dia.
Após toda essa experiência do prisioneiro liberto, pense o que aconteceria se ele
voltasse junto aos outros prisioneiros que ficaram na caverna escura. Se ele sentasse ao
lado deles, provavelmente não conseguiria enxergar como antes e os demais prisioneiros
ririam dele. Na tentativa de convencer os demais de que o mundo real estaria fora da caverna,
lhes diriam que a ida dele ao mundo lá fora lhe estragara a visão, por isso não era válida a
tentativa de sair de lá.
Nesta narrativa mitológica, o mundo das ideias corresponde o lado externo da caverna,
enquanto que o interior da caverna seriam as impressões e as aparências que temos deste
mundo. Segundo Platão, a verdadeira realidade está no mundo das ideias e não neste mundo.
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Relacionando com a organização, podemos afirmar que a caverna é uma empresa
que tem uma visão limitada da realidade e que enxerga apenas as sombras da verdadeira
realidade. Não percebe que as modernizações, as inovações tecnológicas e as novas ideias
podem contribuir para o desenvolvimento da organização. Sair da caverna é libertar-se da visão
ultrapassada (sombras, visão ofuscada da realidade) e ir à busca de novos conhecimentos e
de novas ideias sobre a organização (a luz do sol).
Leia a história em quadrinhos de Maurício de Sousa:
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A partir da leitura desta seção, procure relacionar a história em quadrinhos
escrita por Maurício de Sousa, inspirada na história do Mito da Caverna de Platão,
com a nossa realidade pessoal ou profissional.
1 Quem é o personagem Piteco na história em quadrinhos?
2 Como é a vida dentro da caverna?
3 Como é a vida fora da caverna?
4 Que relação se pode fazer entre a história em quadrinhos e a realidade?
5 Que outros aspectos você descobriu?
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4 ARISTÓTELES: UMA “MÁQUINA DE PENSAR”
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu na cidade de Estagira, na Macedônia. Há informações
de que teria escrito mais de 100 obras, sobre os mais variados temas: (biologia, anatomia,
UNIDADE 1
TÓPICO 5
57
lógica, política, moral, etc.).
Após a morte de Platão, Aristóteles fundou sua própria escola, chamada de Liceu. Esta
escola ficou conhecida por desenvolver um método próprio de ensino, o peripatético, que surgiu
devido ao hábito de caminhar em volta do Liceu. Ou seja, peripatético é aquele que ensina
caminhando.
Uma das curiosidades do pensamento aristotélico é a classificação hierárquica das
coisas. Aristóteles dividiu as coisas da natureza em reino animal, vegetal e mineral. O reino
animal é superior ao vegetal, o vegetal é superior ao mineral. Dentro de cada um destes reinos
as coisas também eram subdivididas em tipos e espécies. Esta forma de raciocínio foi aplicada
na organização social, ao estabelecer uma hierarquia entre os subordinados.
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Outras contribuições importantes de Aristóteles estão nas áreas
da política, ética, lógica, que serão abordadas nas Unidades 2 e 3.
4.1 FRASES E PENSAMENTOS DE ARISTÓTELES
Considerado um dos grandes pensadores gregos, Aristóteles influenciará o mundo
com suas ideias na sua forma de pensar e agir. Na sequência são apresentados alguns dos
pensamentos de Aristóteles que marcaram a história da humanidade e servem de reflexão em
nossa vida (FRASES famosas, 2008).
• O homem é, por natureza, um animal social e político.
• O Estado se coloca antes da família e antes de cada indivíduo, pois o todo deve forçosamente
ser colocado antes das partes.
• Aquele que não pode viver em sociedade, ou que de nada precisa para bastar-se a si próprio,
não faz parte do Estado; ou é um bruto ou um deus.
• O hábito de mudar facilmente as leis é um mal. O cidadão ganhará menos com a mudança
do que perderá, adquirindo o hábito da insubordinação.
• As virtudes formam-se com a prática dos atos.
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• A virtude é o meio-termo, sendo que os vícios acontecem na falta ou no excesso.
• Somos potencialmente bons e maus e temos a faculdade de escolher racionalmente o que
desejamos ser.
• O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser.
• Toda arte e toda indagação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer.
• As pessoas dividem-se entre aquelas que poupam como se vivessem para sempre e aquelas
que gastam como se fossem morrer amanhã.
• A coragem é a primeira das qualidades humanas, porque garante todas as outras.
• Quanto à virtude, não basta conhecê-la, devemos tentar também possuí-la e colocá-la em
prática.
• Que vantagem têm os mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade.
• Os inferiores rebelam-se para serem iguais, e os iguais rebelam-se para serem superiores.
Esse é o estado de espírito que gera as revoluções.
• Sendo assim, as revoluções não concernem a pequenas questões, mas nascem de pequenas
questões e põem em jogo grandes questões.
• A felicidade não se encontra nos bens exteriores.
• Em todas as coisas da natureza existe algo de maravilhoso.
• É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.
• Realizando coisas justas, tornamo-nos justos, realizando coisas moderadas, tornamo-nos
moderados, fazendo coisas corajosas, tornamo-nos corajosos.
• Devemos comportar-nos com os nossos amigos do mesmo modo que gostaríamos que eles
se comportassem conosco.
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• O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra.
• A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora, o julgamento
é a aplicação da justiça.
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• A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces.
• O começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são.
• O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.
• A dúvida é o princípio da sabedoria.
• O homem prudente não diz tudo quanto pensa, mas pensa tudo quanto diz.
• Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência.
Poucos filósofos receberam tantos elogios e críticas quanto Aristóteles. As frases
expressam a abrangência e a diversidade de pensamento. Ainda hoje suas ideias continuam
vivas em meio aos dizeres ou expressões que são ditas pelas pessoas e na forma como as
ciências estão divididas.
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RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico você pôde verificar que:
• A filosofia serve como elo entre os vários campos do conhecimento.
• Para Sócrates, o autoconhecimento (conhece-te a ti mesmo) é uma das atitudes mais
importantes antes de fazermos qualquer julgamento.
• O método socrático consistia em fazer as pessoas reconhecerem a sua ignorância e as
contradições do seu pensamento através da ironia e da maiêutica.
• O crivo das três peneiras é constituído pela: verdade, bondade e necessidade.
• Para Platão existem dois mundos: o Mundo das Ideias, onde as coisas são perfeitas, eternas,
imutáveis, verdadeiras, únicas, e este mundo, onde as coisas são imperfeitas, mortais,
mutáveis, marcadas pelas falsas impressões e por sua multiplicidade.
• Platão elabora a alegoria do mito da caverna, que é uma explicação melhor da relação entre
o mundo das ideias e este mundo.
• Aristóteles é considerado uma máquina de pensar, por ter escrito mais de 100 obras, sobre
os mais variados temas (biologia, anatomia, lógica, política, moral, etc.).
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1 A expressão “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates, está relacionada a:
a) ( ) Conhecer os próprios limites, ou seja, o autoconhecimento.
b) ( ) Reconhecer o amor platônico do mundo das ideias.
c) ( ) Conhecer o interior e o exterior das coisas através da meditação e da reflexão.
d) ( ) “Penso, logo existo”, que é a única certeza de nossa vida.
2 Analise as seguintes afirmações:
I – O método socrático está baseado no diálogo, na conversa, na dialética, que tem
por finalidade desenvolver nas pessoas um conhecimento mais seguro sobre as
coisas e não apenas das aparências.
II – Ninguém melhor do que Platão racionalizou a teoria dos dois mundos. Para ele,
as coisas que vemos e percebemos neste mundo não são a realidade. Tudo o que
existe, neste mundo, não passa de aparência, reflexo, cópia, sombra da verdadeira
realidade. É no mundo das ideias que encontramos as coisas verdadeiras: as ideias
eternas, imóveis, verdadeiras, necessárias e absolutas.
III – Segundo Aristóteles, “O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo
exprime o ser”.
Estão corretas:
a) ( ) I e II.
b) ( ) I e III.
c) ( ) II e III.
d) ( ) I, II e III.
3 Platão procurou mostrar com o mito da caverna que, assim como os prisioneiros
não suspeitavam da existência das coisas que eram as causas das sombras que
eles viam, nós também vivemos num mundo de coisas materiais sem suspeitar da
existência de uma realidade além da natureza sensível, que só pode ser percebida
pelo intelecto.
A doutrina platônica sobre a relação entre o mundo sensível e o inteligível é conhecida
como:
a) ( ) Empirismo.
b) ( ) Racionalismo.
c) ( ) Teoria dos dois mundos.
d) ( ) Teoria das quatro causas.
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UNIDADE 1
4 Considerando a reflexão filosófica de Platão com relação ao mito da caverna,
analise as afirmativas:
I- O conhecimento do filósofo assemelha-se ao de alguém no fundo da caverna.
II- No fundo da caverna percebemos apenas as sombras e não as coisas como elas
são na realidade.
III- O mito da caverna é uma explicação de como ocorre a relação entre o mundo
das ideias e este mundo.
Estão corretas:
a) ( ) I, II e III.
b) ( ) II e III.
c) ( ) I e II.
d) ( ) I e III.
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TÓPICO 6
TECNOLOGIA E SER HUMANO
1 INTRODUÇÃO
O filme Matrix, entre outros, descreve de forma pessimista o futuro da humanidade na
relação com as máquinas. Especula-se que a tecnologia pode se transformar numa arma contra
a humanidade. São muitos os motivos que nos fazem pensar sobre os benefícios e malefícios
das tecnologias para o ser humano. Perguntamo-nos: onde estamos e para onde vamos?
E!
NT
RTA
IMPO
A nova revolução industrial é, pois, uma espada de dois gumes.
Pode ser usada em benefício da humanidade, mas somente se a
humanidade sobreviver o bastante para ingressar num período
em que tal benefício seja possível (WIENER, 1970, p. 159).
Muitos são os motivos que causam preocupação: poluição, esgotamento de fontes
de energia, esgotamento de matéria-prima, esgotamento das fontes de combustíveis
fósseis, escassez de água potável, catástrofes ambientais. Problemas que são visivelmente
consequência do uso indevido da natureza e da obcecada intenção de progresso tecnológico.
Numa visão pessimista, o que se visualiza para o futuro da humanidade são guerras, miséria,
fome, epidemias, novas doenças incuráveis, atentados.
Por outro lado, não podemos negar nosso fascínio sobre as inovações tecnológicas.
Há bem pouco tempo ninguém imaginaria um forno micro-ondas, telefone celular, computador,
internet, etc. São tecnologias que se tornaram símbolo de desejo e, para muitos, uma
necessidade profissional ou mesmo pessoal. Contudo, nos tornamos mais felizes? A tecnologia
escraviza ou liberta o ser humano? Devemos produzir pessoas doentes a fim de termos uma
economia sadia, ou podemos usar nossos recursos materiais, nossas invenções, nossos
computadores para servir aos propósitos do homem?
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TÓPICO 6
A!
NOT
UNIDADE 1
Tecnologia - refere-se à aplicação prática das descobertas da
ciência; trata-se das artes em geral; conjunto de processos
relativos à indústria ou arte.
2 ONDE ESTAMOS
Mais fácil nos parece dizer onde não estamos. Não estamos na sociedade harmoniosa,
pensada por Thomas More, em a “Ilha da Utopia”. Não alcançamos a desejada cura, anunciada
pela revolução da medicina. Nem tudo compreendemos, como prometia a ciência. Reflexão
parecida fez o filósofo Erich Fromm, quando afirma:
Não estamos a caminho da livre iniciativa, mas estamo-nos afastando dela
rapidamente. Não estamos a caminho de maior individualismo, mas estamos
nos tornando uma civilização das massas cada vez mais manipulada. Não
estamos a caminho de lugares para onde nossos mapas ideológicos nos dizem
que estamos indo. Estamos marchando numa direção totalmente diferente.
(FROMM, 1975, p. 42).
A!
NOT
Utopia - sistema ou plano que parece irrealizável; trata-se de
um sonho idealizado sobre o futuro humano; pode ser visto
ainda como uma ilusão ou fantasia.
Com a Revolução Industrial aprendemos a substituir a energia viva (animais e homens)
pela energia mecânica (a vapor, petróleo, eletricidade...). O capitalismo marchou a passos
largos e, em poucos anos, tomou velocidade que nos causa espanto. Para onde vamos?
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3 PARA ONDE VAMOS
Da forma como utilizamos as tecnologias, caminhamos para a libertação do ser humano
ou para uma gradativa escravidão?
UNIDADE 1
TÓPICO 6
65
Os otimistas afirmam, de forma utópica, que a máquina está e irá substituir
gradativamente o homem nas atividades mais desumanas, liberando o ser humano para
atividades dignas. Para Schaff (1993, p.153), a tecnologia nos “conduzirá a uma sociedade
em que haverá um bem-estar sem precedentes para o conjunto da população, como também
alcançará um nível sem precedentes do conhecimento humano do mundo”. É uma visão
que apresenta uma expectativa de maior liberdade ao ser humano no que diz respeito ao
trabalho. Supõe-se que o ser humano terá mais tempo livre, o que o tornará mais predisposto
à criatividade, ao lazer e ao estudo.
Domenico de Masi, ao escrever sobre a busca do ócio, afirma que:
Para nós, homens pós-industriais, há uma terceira alternativa. Sísifo vai
construir um mecanismo eletrônico ao qual delegará a canseira do realizar o
transporte inútil e banal e se sentará no alto do morro para contemplar o seu
robô em função, saboreando enfim a felicidade do ócio prazeroso. (MASI,
1993, p. 49).
A ideia de que a tecnologia dará ao ser humano mais tempo livre já é explorada em
comerciais de lava-louça, produtos de limpeza quase mágicos, equipamentos práticos e de
pouca manutenção. É o mundo da tecnologia prometendo liberar o trabalhador das tarefas
mais pesadas e rotineiras.
Por outro lado, os pessimistas anunciam uma verdadeira distopia. Alguns fenômenos
já podem ser constatados e, dentre eles, podemos citar a invasão de privacidade, seja pelas
filmadoras espalhadas pelas ruas e lojas, seja pela internet, em que você é controlado em suas
preferências, pelo spam, pelos telefonemas de premiação enganosa, etc. Além disso, anunciase que o ser humano estará cada vez mais escravo da máquina. Nesta visão, salienta-se que
estamos saindo de uma sociedade disciplinar e caminhamos para uma sociedade de controle.
Para Enguita, a tecnologia representa o uso interesseiro da ciência em uma sociedade
orientada pela busca do lucro empresarial. “Seus efeitos, contudo, não são já positivos, mas
negativos; ela destrói lugares de trabalho, condena os trabalhadores a empregos desqualificados,
monótonos e rotineiros, induz ao consumismo, desumaniza as relações sociais e, enfim, nos
conduz ao holocausto universal” (ENGUITA apud MARIA; SOUZA, 1995, p. 235).
A!
NOT
Só para ajudar: Distopia - visão pessimista sobre o futuro;
anuncia de forma drástica o que está por vir; pode ser visto
como fantasia, como pode ser entendido como uma visão
realista.
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TÓPICO 6
UNIDADE 1
De forma parecida, Erich Fromm (1975, p. 44) fez a seguinte previsão: “o ano 2000
poderá não ser o cumprimento e a culminação feliz de um período em que o homem lutou
pela liberdade e pela felicidade, mas o começo de um período em que o homem deixa de ser
humano e se transforma numa irrefletida e insensível máquina”.
4 INCLUSÃO DIGITAL REDUZ
EXCLUSÃO SOCIAL?
Se olharmos de forma panorâmica para a história da humanidade, com atenção aos
modelos de produção e de comunicação, perceberemos que a organização social gerou grupos
incluídos e grupos excluídos. De forma geral, incluídos os que possuíam direitos políticos e
decidiam conforme seus interesses e excluídos os que não tinham direito à participação. Hoje,
fala-se em inclusão digital, mas questiona-se: será que ela reduzirá a exclusão social?
Há quem afirme que não existe cidadania sem garantir a inclusão das pessoas nas
redes informacionais. Qual sua opinião sobre este assunto? Antes de prosseguir, registre sua
opinião no espaço que segue:
Ótimo, vamos continuar nossa reflexão. A inclusão digital é uma forma de proporcionar
um espaço de informação e participação. É um espaço fundamental para as atividades da
economia e já tem demonstrado que é muito importante para a política e para a educação. Por
isso, este processo tecno-social é uma ótima ferramenta para a manutenção e permanência
da democracia. Neste sentido, vale lembrar o argumento Tarapanoff, Suaiden e Oliveira (2004)
de que não existirá uma sociedade da informação sem uma cultura da informação e que o
problema maior da inclusão digital é o analfabetismo digital e não prioritariamente a falta de
acesso ou a falta de computadores. Desta forma, o desafio para a inclusão digital pode ser
representado no esquema que segue:
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UNIDADE 1
TÓPICO 6
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FIGURA 7 – INCLUSÃO DIGITAL
FONTE: Os autores
Nesse contexto, os grupos sociais digitalmente analfabetos e que não possuem acesso
a esta rede de comunicação ficam na periferia da democracia e têm sua cidadania prejudicada.
O pressuposto é que a exclusão digital aumenta a exclusão social e que, por sua vez, a inclusão
digital aumenta a inclusão social.
O direito à comunicação em rede é uma garantia para a liberdade de expressão. Além
disso, o acesso às informações públicas é uma excelente arma contra a corrupção. Na figura
que segue você observa o slogan da campanha que defende uma lei de acesso à informação
pública.
FIGURA 8 - CAMPANHA
FONTE: INESC, 2010. (INESC. Disponível em: < www.inesc.org.br>. Acesso
em: 20 maio 2010.)
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UNIDADE 1
TÓPICO 6
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DICA
QUER ACOMPANHAR O TRABALHO DOS NOSSOS
REPRESENTANTES? Acesse:<http://www2.camara.gov.br/
www.senado.gov.br>.
LEITURA COMPLEMENTAR
O ÚLTIMO DISCURSO
De “O grande ditador”
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo
governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, os
gentios... negros... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos
viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e
desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode
prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça
envenenou a alma dos homens... Levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito
marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas
nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado
em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e
cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos
de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas
virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é
um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de
todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora...
milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura
seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!
A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da
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amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam
desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao
povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos
UNIDADE 1
TÓPICO 6
69
escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias
e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma
alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de
canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas!
Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo
de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem
ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o
poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta
vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia –
usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom
que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam!
Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam
o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância,
ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o
progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol
vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando
num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio
e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a
voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!
FONTE: Chaplin (2007)
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TÓPICO 6
UNIDADE 1
RESUMO DO TÓPICO 6
Neste tópico você pôde verificar que:
• Refletimos sobre uma intrigante questão: onde estamos e para onde vamos?
• A velocidade do desenvolvimento tecnológico não confirmou o desenvolvimento de uma
sociedade mais humana e justa.
• Para os otimistas – caminhamos para uma sociedade que gradativamente substituirá o trabalho
desumano pelas máquinas e promoverá maior bem-estar social.
• Para os pessimistas – perderemos a privacidade, o emprego, a saúde e a tranquilidade.
• Inclusão digital é: ter acesso às redes de informação, equipamentos e tecnologias ao alcance
de todos e alfabetização digital.
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Depois de estudar este tópico, organize sua opinião e registre-a nas linhas que seguem.
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TÓPICO 6
UNIDADE 1
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Prezado(a) acadêmico(a), agora que chegamos ao final da
Unidade 1, você deverá fazer a Avaliação referente a esta unidade.
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UNIDADE 2
ÁREAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta Unidade você será capaz de:
identificar
as diferentes teorias do conhecimento e as formas de
conhecer o mundo;
reconhecer
racional;
distinguir
a filosofia enquanto pensamento lógico, sistemático e
raciocínio dedutivo e indutivo;
identificar
as diferentes formas de argumentação falaciosas;
identificar
as principais concepções de ética que se formaram ao
longo da história do pensamento filosófico;
identificar
as principais semelhanças e diferenças entre a ética e
conhecer
os principais dilemas que compõem a filosofia da arte.
a lei;
PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em quatro tópicos, sendo que, no
final de cada um deles, você encontrará atividades que o(a) ajudarão
a fixar os conhecimentos adquiridos.
TÓPICO 1 – TEORIA DO CONHECIMENTO
TÓPICO 2 – LÓGICA
TÓPICO 3 – ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
TÓPICO 4 – ESTÉTICA: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA
SOBRE A ARTE
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TÓPICO 1
TEORIA DO CONHECIMENTO
1 INTRODUÇÃO
O que é o conhecimento, como se dá e quando é verdadeiro são questões antigas
tratadas pela Filosofia. Ao mesmo tempo, são questões atuais e que dizem respeito ao nosso
cotidiano, seja pessoal ou profissional. Constantemente nos deparamos com informações que
não sabemos ao certo se são verdadeiras ou enganosas. Ficamos incertos na provisoriedade
do conhecimento e, por vezes, nos enganamos pelas evidências, fazemos confusões de causa,
tomamos nossas opiniões por conhecimento, acreditamos em algumas certezas, suspeitamos
de nossa fé, duvidamos de nossos sentidos, pensamos sobre o que pensamos. São dúvidas
que nos desafiam a compreender o conhecimento.
A!
NOT
Para muitos filósofos, a dúvida foi mencionada e utilizada como recurso
e método de inquietação e investigação sobre o cotidiano.
A teoria do conhecimento é uma área da Filosofia que se aplica na investigação sobre
a natureza e a origem do conhecimento. Este debate já iniciou entre os gregos antigos, que
problematizaram o assunto sob vários aspectos, e que se desdobra em várias perspectivas
no decorrer da história da humanidade. São questões que chegam ao nosso contexto e nos
auxiliam a pensar sobre o conhecimento da ciência, da religião, da economia, da política, das
teorias e práticas da administração, da própria filosofia.
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UNIDADE 2
UNI
A atitude do filósofo em relação à totalidade dos objetos é uma atitude
intelectual, uma atitude do pensamento. Cabe ao filósofo conhecer, saber.
O filósofo é um conhecedor por natureza (HESSEN, 1999, p. 5).
Quando se desenvolvem as teorias gerais sobre cada área, organizam-se informações
que se relacionam com o estado da arte, com os modelos antigos e modernos, com as
informações clássicas e novas. São teorias do conhecimento específicas que traduzem o
movimento da consciência humana, na tentativa de solucionar problemas.
2 O QUE É O CONHECIMENTO?
A dúvida, a inquietação, o desejo de conhecer e de transcender-se sempre foi, desde o
mais primitivo dos seres humanos até o mais moderno Homo sapiens sapiens, a mola propulsora
de desenvolvimento e transformação da humanidade. A curiosidade fez e faz do homem artífice
de sua própria história e, às vezes, vítima de suas próprias descobertas.
A!
NOT
Vejamos o que diz o Dicionário Houaiss sobre o conceito “conhecimento”:
O ato ou a atividade de conhecer, realizado por meio da razão e/
ou da experiência; ato ou efeito de apreender intelectualmente, de
perceber um fato ou uma verdade; cognição, percepção, fato, estado
ou condição de compreender; entendimento, domínio teórico ou prático
de um assunto, uma arte, uma ciência, uma técnica etc.; competência,
experiência, prática, intuição, pressentimento ou outra forma de cognição;
reconhecimento, fato ou condição de estar ciente ou consciente de (algo);
a coisa que se conhece, de que se sabe, de que se está informado,
ciente ou consciente; procedimento compreensivo por meio do qual o
pensamento captura representativamente um objeto qualquer, utilizando
recursos investigativos dessemelhantes.
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O conhecimento pode ser definido como uma técnica para se chegar a uma verdade
sobre um determinado objeto. A vontade, a dúvida e o questionamento sobre determinado
objeto são os estímulos que conduzem o homem a buscar a verdade sobre ele.
UNIDADE 2
TÓPICO 1
77
As técnicas utilizadas para conhecer este objeto podem ser muitas. Elas dizem respeito
às formas, aos modos de conhecer a realidade utilizada pelo sujeito conhecedor. A epistemologia
é uma das áreas da Filosofia e sua atenção se concentra nos limites do conhecimento. É a
teoria do conhecimento que levanta questionamentos em torno das formas, origem, valor e
método do conhecimento.
O paradoxo está em pensar se o conhecimento deriva do sujeito que conhece ou se
ele deriva do objeto que está sendo conhecido. Ou seja, a verdade sobre o objeto depende
da abordagem epistemológica, do olhar do sujeito sobre a realidade, que determinará a forma
como o objeto vai ser estudado. O texto a seguir ajuda a problematizar esta questão:
Um povo que não batizou o azul:
As florestas da Papua-Nova Guiné, na Oceania, são azuis. Pelo menos para os
berimnos, povo primitivo que habita o país. Pesquisadores das universidades de
Londres e Surrey, na Inglaterra, descobriram que os berimnos classificam suas
cores de modo particular. O verde e o azul, por exemplo, são uma cor só. Eles
dão nomes a apenas outras quatro cores, equivalentes ao vermelho, amarelo,
branco e preto. Por muitos anos, psicólogos e antropólogos discutiram se a
linguagem humana evoluiu para adequar-se à forma como vemos o mundo ou
se a forma como vemos o mundo depende do modo como usamos a linguagem.
A descoberta feita em Papua-Nova Guiné sugere que a classificação das cores
pode variar segundo a cultura. Estudos com esquimós chegaram a resultado
semelhante. Há vários nomes para o branco, equivalentes aos matizes que os
esquimós enxergam na neve e no gelo (REVISTA ÉPOCA, 1999).
A!
NOT
Paradoxo: há muitos sentidos para esta palavra. Pode ser compreendida
como aquilo que é contrário à maioria; aquilo que é contrário em si
mesmo; verdade que é paralela a uma outra. Como na frase: “esta frase
é falsa”. Se é verdadeira, é falsa, se é falsa, é verdadeira.
3 A TEORIA DO CONHECIMENTO
Na tentativa de explicar fenômenos e mistérios de sua existência, muitas vezes o
homem se angustia e procura diversos meios para responder tais questões. Estes meios são
definidos por Japiassu (1975, p. 15) por saber, ou seja, como “um conjunto de conhecimentos
metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados e susceptíveis de
serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino”. Desta forma, divide-se o saber
em: saberes “especulativos”, que não são considerados ciência, abrangendo o racional, que
corresponde à Filosofia, e o crente ou religioso, como a teologia; e, as ciências, que não são
saberes “especulativos”, abrangendo as matemáticas e as empíricas e positivas.
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TÓPICO 1
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UNIDADE 2
Desta forma, existem vários saberes que possibilitam ao homem diferentes formas de
conhecer e explicar a realidade. Dependendo do saber utilizado, a verdade sobre as coisas
pode se apresentar de diferentes maneiras. Por exemplo, ao buscar a resposta para a pergunta:
‘Como o planeta Terra surgiu?’, podemos encontrar diversas respostas, dependendo do saber
a que recorremos. Se recorrermos ao saber científico, a resposta será uma; se recorrermos
ao saber religioso, a resposta será outra.
Diante disso, a epistemologia é “[...] o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua
organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus
produtos intelectuais” (JAPIASSU, 1975, p. 16). O termo epistemologia foi introduzido por J. F.
Ferrier, em 1854, e é utilizado comumente diante de outros termos como Gnosiologia, Teoria do
Conhecimento, significando o modo de tratar os problemas do conhecimento. Etimologicamente,
“epistemologia” significa discurso, estudo (logos) sobre a ciência (episteme).
4 AS FORMAS DE CONHECER O MUNDO
Há muitas formas de se conhecer o mundo, que dependem da postura do sujeito frente
ao objeto conhecido: o mito, o senso popular, a ciência, a filosofia e a arte.
Todos esses elementos são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo,
desvenda os segredos do mundo, atribuindo-lhes um significado.
O conhecimento mítico ou religioso proporciona um saber que procura explicar os
mistérios da existência humana. É considerado mágico, porque ainda vem permeado pelo
desejo de atrair o bem e afastar o mal, dando segurança e conforto ao homem. Seu critério
para a verdade está na fé.
O senso popular, ou conhecimento espontâneo, é a primeira compreensão do mundo
resultante da herança do grupo a que pertencemos e das experiências atuais que continuam
sendo efetuadas. Pode ser subdividido em: senso comum, que é derivado da experiência
espontânea do cotidiano, é fragmentado, superficial e assistemático; senso prático, deriva
da experiência cotidiana, é um saber fazer para poder viver; bom senso, é comum na atitude
coerente das relações sociais cotidianas; senso crítico, é a capacidade de julgar consciente
daquele que avalia com crítica as ideologias que o dominam ou tentam dominá-lo.
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O conhecimento científico procura desvelar o funcionamento da natureza através,
principalmente, das relações de causa e efeito, busca um conhecimento objetivo (isto é, fundado
sobre as características do objeto, com interferência mínima do sujeito), lógico, através de
métodos desenvolvidos para manter a coerência interna de suas afirmações. A aplicação da
ciência resulta no conhecimento tecnológico. O critério para estabelecer a verdade está na
experiência controlada.
UNIDADE 2
TÓPICO 1
79
O conhecimento filosófico, por sua vez, propõe-se a oferecer um tipo de conhecimento
que busca, com todo o rigor, a origem dos problemas, relacionando-os a outros aspectos da
vida humana, numa abordagem que vislumbre a totalidade e a radicalidade (que vai à raiz das
coisas). Sua finalidade não está em estabelecer uma verdade absoluta, mas em questionar e,
continuamente, refletir sobre as coisas.
O conhecimento artístico não nos dá o conhecimento de um objeto, mas de um
mundo, interpretado pela sensibilidade do artista e traduzido numa obra individual que, pelas
suas qualidades estéticas, recupera o vivido e nos reaproxima do concreto. A verdade está na
representação daquele que comunica sua forma de ver e de interpretar a realidade.
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DICA
Para saber mais acesse: www.mundodosfilosofos.com.br - um excelente
site de Filosofia.
LEITURA COMPLEMENTAR
“Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de
obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer
as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao
uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações
invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos
reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos
particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a
diminuir. [...] o caráter fundamental da filosofia positivista é tornar todos os fenômenos como
sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número
possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente
inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam primeiras,
sejam finais.”
FONTE: COMTE, A. Curso de Filosofia positiva. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 4-7.
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NOT
UNIDADE 2
Que tal uma sessão cineminha? Confira na sua locadora um dos filmes
que seguem. Então, procure relacioná-lo com o tópico estudado.
Galileu
Galilei: adaptação da peça Brecht; o duelo da ciência contra
o obscurantismo.
2001,
uma odisseia no espaço: relata relação homem-máquina que
chega ao ponto limite.
Óleo
de Lorenzo: história de um casal cujo filho tem uma doença
irreversível. O pai e a mãe se envolvem em pesquisas para alcançar
a cura.
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TÓPICO 1
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:

Apresentamos
informações sobre o que é o conhecimento, a teoria do conhecimento e as
formas de conhecer o mundo.

O
conhecimento foi definido como uma técnica para se chegar a uma verdade sobre um
determinado objeto.

Em
teoria do conhecimento, divide-se o saber em: saber especulativo (racional e religioso)
e não especulativo (matemático e empírico).

Epistemologia é o “estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação,
de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais” (JAPIASSU,
1975, p. 16).

Existem
diferentes formas de conhecer o mundo, que podem ser classificadas em diferentes
tipos: mito, senso popular, ciência, filosofia e arte.
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TÓPICO 1
82
UNIDADE 2
Para melhor compreender este tópico, responda às seguintes questões:
1 Analise o texto sobre “um povo que não batizou o azul”, identifique a questão
investigada e as respostas que os cientistas elaboraram.
2 O que é epistemologia?
3 Quais são as principais formas de se conhecer o mundo?
4 Procure lembrar e anotar algumas questões que desafiam o conhecimento
humano.
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UNIDADE 2
TÓPICO 2
LÓGICA
1 INTRODUÇÃO
A lógica é uma área da Filosofia que se aproxima da Teoria do Conhecimento, mas
reserva especificidades em sua aplicação. As duas áreas reservam em comum sua indagação
sobre a validade do conhecimento. Contudo, a Teoria do Conhecimento investiga os problemas
decorrentes da relação entre sujeito e objeto do conhecimento, enquanto que a Lógica é um
instrumento do conhecimento para estabelecer formas corretas de pensar e argumentar.
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O que eu entendo é que a Lógica é a parte da Filosofia que se aplica no
estudo da coerência e veracidade dos argumentos, apresentando regras
para identificar e corrigir raciocínios sofísticos.
Etimologicamente, a palavra lógica vem do grego logos e significa razão, palavra ou
expressão. A lógica se dedica a estudar as estruturas de pensamento e estabelece regras para
se organizar argumentos corretos. A aplicação clássica da lógica está na lógica formal, que foi
criada por Aristóteles no século IV a.C. Na lógica formal, estudam-se os atos do pensamento,
conceito, juízo e raciocínio do ponto de vista da sua estrutura ou forma lógica, sem se preocupar
com o conteúdo ou matéria.
Em oposição à Lógica Formal está a Lógica Material, que se designa pelo estudo do
raciocínio em relação ao seu conteúdo ou matéria. A lógica formal leva em conta a forma de um
raciocínio para determinar se ele é correto ou incorreto (válido ou inválido). Já a lógica material
preocupa-se com o conteúdo para definir se a conclusão é verdadeira ou falsa.
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LÓGICA
LÓGICA FORMAL
LÓGICA MATERIAL
RACIOCÍNIO
RACIOCÍNIO VÁLIDO
VERDADEIRO OU
OU INVÁLIDO
FALSO
2 TIPOS DE ARGUMENTAÇÃO
2.1 DEDUÇÃO
A dedução é uma forma de raciocínio que parte de uma afirmação universal para
concluir sobre uma particular. Vai do geral ao específico. Este raciocínio é comum quando
utilizamos conceitos e teorias aprendidas na sala de aula para resolver problemas específicos
do ambiente de trabalho.
Como exemplo, considere o seguinte silogismo:
Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
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2.2 INDUÇÃO
O raciocínio indutivo tem como ponto de partida a experiência, particular e contingente,
a partir da qual se procura estabelecer uma conclusão de caráter geral. Este tipo de raciocínio
UNIDADE 2
TÓPICO 2
85
permite que a conclusão enuncie algo que supera a informação contida na premissa. O raciocínio
indutivo possibilita ampliar nossos conhecimentos.
O exemplo a seguir ajuda a compreender o raciocínio indutivo:
O ouro, o cobre, o ferro, a prata, o zinco são condutores de eletricidade.
Logo, todo metal é condutor de eletricidade.
2.3 ANALOGIA
A analogia é um tipo de raciocínio que se elabora a partir de certas semelhanças e
é capaz de inferir novas semelhanças. Neste sentido, a analogia é uma forma de inferência
criativa e ilimitada.
Confira o exemplo:
Para Newton, a ideia de uma atração à distância entre os planetas (a gravidade) foi sugerida
pelo fenômeno mais familiar da atração magnética.
3 DISTORÇÕES DA ARGUMENTAÇÃO
As relações humanas estão permeadas pelas relações de ideologias, argumentações
distorcidas e conclusões precipitadas. Com tantos modelos de falcatruas, corrupção e jogos de
interesse que vemos todos os dias, é um desafio para o caráter formar-se como pessoa justa,
sensata e ética. É um desafio, porque, sem sabermos, reproduzimos ações, pensamentos e
sentimentos que não nos damos conta de suas razões. O rotineiro e costumeiro toma força e
ganha impressão de “verdade”. Nossos julgamentos podem estar repletos de naturalizações,
generalizações e eufemismos.
Como se desfazer destas armadilhas? Como identificar quando estamos ouvindo
falácias? Quando utilizamos argumentos errôneos? Que critérios auxiliam a detectar nossos
deslizes de raciocínio e argumentação? Responder a estas perguntas é o objetivo deste
tópico.
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UNIDADE 2
A!
NOT
A palavra Falácia possui o seguinte significado: termo empregado para
definir um “silogismo sofístico”. Trata-se de um argumento falso que se
parece com a verdade.
Quando utilizamos argumentos errôneos, mal formulados e falaciosos, corremos o
risco de nos convencer por “verdades aparentes”, sem nos darmos conta do equívoco que
estamos cometendo. Para evitar que isto aconteça, uma das áreas da Filosofia, chamada
de Lógica, dedica-se a estudar a validade dos raciocínios. A lógica nos ajuda a identificar as
falácias presentes em muitos discursos políticos, conversas corriqueiras, debates em sala de
aula, propagandas, enfim, onde há ideias em circulação pode haver argumentos falaciosos.
A falácia é uma forma de argumentar que tem a aparência de ser verdadeira, pode
até convencer o desatento, mas se trata de um raciocínio incorreto. As chamadas falácias
informais são as mais comuns em nosso cotidiano. Recebem esta denominação porque são
construídas a partir de mecanismos emocionais, lacunas e apelações de que somos autores
ou vítimas. Uma pessoa pode repetir, sem saber, uma falácia por acreditar que se trata de
uma ideia válida, ilustre e correta. A partir da lógica, podemos estabelecer algumas categorias
para identificar os argumentos errôneos mais comuns no dia a dia. Dentre as categorias de
falácias mais comuns, destacamos os argumentos de caricatura, argumentos de apelação,
argumentos de generalização, argumentos com excesso de tendenciosidade e argumentos
de conclusão precipitada.
3.1 ARGUMENTOS DE CARICATURA
Muitas pessoas se utilizam dos argumentos de caricatura para fugir do enfrentamento
direto de um debate com profundidade. É muito mais fácil ridicularizar do que contra-argumentar.
Na falta de um argumento substancial, o interlocutor falacioso caricatura a pessoa na tentativa
de invalidar a ideia em questão, ou caricatura a ideia para desviar a conversa.
Exemplos:
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Na
ciência: “O químico Lavoisier era também político e corrupto, não sabia o que fazia”.
Na
política: “Uma pessoa que não tem o Ensino Médio não saberá governar um país”.
Numa
intriga de trânsito: “Eu não perco tempo discutindo com mulheres”.
UNIDADE 2
TÓPICO 2
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3.2 ARGUMENTOS DE APELAÇÃO
Nesta categoria de argumentos, encontramos as falácias que relacionam a ideia
defendida com um recurso de força que inibe o interlocutor. As alegações são sustentadas
na apelação a uma autoridade, a uma advertência, à ignorância sobre o assunto ou apelo ao
misterioso e espetacular.
a) Argumento que se utiliza de uma Autoridade – ocorre quando a autoridade de alguém
é destacada para dar valor, falso fundamento a uma ideia que se quer sustentar. É como se
disséssemos: “Se foi fulano que falou, então deve ser verdadeiro”.
Exemplo:

Na propaganda: Vemos Pelé dizendo “Tome Vitasay, a vitamina dos campeões de
saúde”.
b) Argumento de Advertência – é um recurso de argumento que se sustenta na força, procura
convencer pela ameaça. Sustenta a ideia de que é preciso fazer algo para servir de exemplo
aos outros. É um argumento que apela ao temor para gerar obediência. “Mata para ensinar”.
Não leva em conta a educação, a prevenção, a consciência...
Exemplos:
O gerente fala ao funcionário: “Se você não está satisfeito com o salário, tem quem quer
a vaga”.
Comentário
sobre o filme “Carandiru”: “A chacina dos 111 foi importante, pois reprime
os bandidos que querem fazer rebelião”.
Na escola, um professor comentou ao outro: “Se dermos liberdade aos alunos, a escola
vira uma bagunça”.
Na
família: “É preciso castigar o mais velho, assim o mais novo já vai saber”.
Numa
conversa sobre o sistema jurídico: “É preciso punir para remediar”.
Num debate sobre pena de morte: “Se a pena de morte fosse autorizada, haveria menos
criminalidade”.
c) Argumento com Apelo à Ignorância – parte do pressuposto de que é verdadeiro o que
não se provou ser falso.
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Exemplos:
Ao
debater sobre os transgênicos: “Ninguém comprovou que os produtos transgênicos
fazem mal à saúde, logo eles devem ser liberados”.
Ao
se especular sobre vida extraterrestre: “Nós não conhecemos nem o sistema solar
e queremos nos achar os únicos do universo? É claro que existe vida além da Terra”.
Sobre
anjos: “Anjos existem. Alguém já provou que não?”
d) Alegação especial – enuncia-se o fantástico e o misterioso para convencer.
Exemplos:
Numa
informação jornalística: “Foi comprovado cientificamente que o café faz bem à
saúde”. Um mês depois: “Foi comprovado cientificamente que o café faz mal à saúde”.
Num
debate: A pessoa não conseguia responder à questão que lhe foi feita e comentou:
“o que eu estou falando é muito complexo e você não vai me entender”.
3.3 ARGUMENTOS DE GENERALIZAÇÃO
Toma-se por referência um fato ou alguns poucos fatos particulares e apressadamente
se conclui sobre o todo. É um juízo que condena o todo com base em poucas referências. Pode
ocorrer quando se quer opinar sobre uma pessoa ou um livro a partir de informações extremadas,
com seleção de observações ou sustentadas em estatísticas de números pequenos.
a) As generalizações que só analisam os extremos – não reconhecem outras alternativas,
ou é isto ou é aquilo, sempre, nunca, jamais. Não pondera um meio-termo ou uma terceira
alternativa.
Exemplos:
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Ao
falar sobre religião: “Todos os pastores e sacerdotes são avarentos”.
Ao
falar sobre política: “Todos os políticos são ladrões, nenhum deles faz algo pelo
povo”.
Comentário
Nacional”.
“patriótico”: “Ninguém mais ama o Brasil, não sabem nem cantar o Hino
UNIDADE 2
TÓPICO 2
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b) Generalização a partir da seleção das observações – conta os acertos e esquece os
fracassos, ou conta só os fracassos e não considera as vitórias.
Exemplos:
Notícia
de esporte: “Barrichelo nunca termina a prova, porque ele sempre quebra o
carro”.
Conclusão
de pesquisa: “Nas atividades lúdicas todos os alunos se envolvem e
aprendem”.
c) Generalização sustentada em estatística dos números pequenos – analisa os fragmentos
e conclui apressadamente:
Exemplos:
Conclusão de pesquisa: “O conservante consumido pelos cinco ratos durante dois meses
não apresentou possibilidade cancerígena”.
Conclusão de pesquisa: “Pela entrevista com os três voluntários, pode-se identificar que
os homens são mais racionais nas relações de trabalho”.
3.4 ARGUMENTOS COM EXCESSO
DE TENDENCIOSIDADE
Nesta categoria agrupamos os tipos de falácias cujos argumentos revelam a tendência
ideológica daquele(s) que conduz(em) o raciocínio. A ideia é conduzida para um centro de
interesse predeterminado e pretende induzir o interlocutor a uma conclusão mais amena,
moralizada, distorcida, lacunar. As formas mais comuns destes argumentos podem ser
identificadas como eufemismo, juízo de valor, discurso imperativo, discurso alienado, discurso
de naturalização e discurso etnocêntrico.
a) Eufemismo – argumento que usa palavras brandas para amenizar a situação. Procura
atenuar o impacto da ideia, tornando-a menos polêmica e mais aceitável.
Exemplo:
Notícia
de jornal: “Político X apropriou-se ilicitamente de dinheiro público”.
b) Juízo de valor – argumento assentado em valores pessoais. Parte da crença moral individual
para alegar uma necessidade incondicional.
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Exemplos:
Um
palestrante afirmou: “Quem não tem família não é feliz”.
Propaganda
de livraria: Na forma de pintura insinuava que “Quem não lê é burro”.
c) Discurso imperativo – usa recursos moralistas para dizer o que pode e o que não pode,
o que deve e o que não deve.
Exemplo:
A
mãe para o filho: “Você deve acordar cedo, senão você não vai ser alguém na vida”.
d) Discurso de naturalização – é baseado em ideias conformistas e naturalizadoras. Entende
a história, a rotina, como coisas comuns e próprias da condição de existência humana.
Exemplos:
Comentário
de um eleitor sobre a corrupção: “Sempre foi assim e assim sempre
será”.
Num
debate sobre divisão de classes: “A diferença de classes é condição natural do
homem”.
e) Discurso etnocêntrico – argumentos que defendem uma cultura em específico – dá
privilégios e qualidade ao grupo a que pertence e desqualifica o grupo que entende como
“estranho”.
Exemplo:
Comentário
religioso: “Só a fé cristã guia para a verdadeira salvação”.
3.5 ARGUMENTOS DE CONCLUSÃO PRECIPITADA
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São argumentos que não seguem um rigor de investigação e são resultados de uma
conclusão precipitada. Conclusões precipitadas são resultados da confusão de causa.
a) Confusão de causa – ocorre quando se atribui uma relação entre causa e efeito, sem
verificar a relação direta.
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Exemplos:
Propaganda
de remédio: “A gripe só se manifesta em organismos com falta de vitamina
C”.
Argumento
de banqueiro: Ao ser perguntado pelo jornalista sobre a causa dos juros
sobre os empréstimos, responde: “é preciso cobrar juros mais altos por se prever a
inadimplência”.
A!
NOT
Veja como o texto que segue nos ajuda a entender a importância de pensar sobre
o processo de argumentação.
Um método útil de refutação é em primeiro lugar a prolixidade da argumentação,
pois é difícil abarcar de uma só vez muitos temas ao mesmo tempo, e, para conseguir esta
prolixidade, cumpre recorrer aos elementos já anteriormente indicados. Outro método é
a celeridade do discurso, dado que os que se deixam atrasar veem com menos clareza o
que lhes é posto diante. Também há a ira e a paixão da controvérsia, pois sempre que nos
perturbamos, somos menos hábeis na defesa. As regras elementares para provocar a ira
consistem em se dizer abertamente a vontade de proceder na injustiça e sem vergonha.
Outro método consiste em propor as interrogações alterando a respectiva ordem, quer haja
vários argumentos tendentes à mesma conclusão, quer haja argumentos para demonstrar
simultaneamente que algo é assim e não é assim, pois daí resulta que o opositor tem de
se defender simultaneamente de vários argumentos, ou, até, dos seus contrários. Todos os
métodos anteriormente descritos são de um modo geral úteis para ocultar o pensamento,
e também para os argumentos contrários, uma vez que se oculta o pensamento com
vistas a evitar que o opositor veja aonde queremos chegar, e não queremos que assim
veja, para o enganarmos.
ARISTÓTELES. Organon VI: elementos sofísticos. São Paulo: 1999. p. 108-109.
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A!
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Encontrando Forrester. Um jovem adolescente que
ganha uma bolsa de estudos em uma das escolas
mais conceituadas de Manhattan. Willian Forrester,
percebendo o talento do jovem, procura incentivá-lo,
mas acaba recebendo boas lições de vida.
ENCONTRANDO FORRESTER. Direção de Gus van Sant.
EUA: Columbia, 2000, 1 DVD (136 min), color.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:
A
palavra lógica vem do grego logos e significa razão, palavra ou expressão.
A
argumentação pode ser dividida em: dedução (do geral ao específico), indução (do
específico ao geral) e analógico (por comparação).
A
argumentação pode sofrer distorções que podem ser identificadas a partir dos critérios
agrupados em: argumentos de caricatura, argumentos de apelação, argumentos de
generalização, argumentos com excesso de tendenciosidade e argumentos de conclusão
precipitada.
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Resgate algum texto que você tenha desenvolvido no passado e procure identificar
se há algum argumento distorcido, conforme critérios estudados neste tópico.
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TÓPICO 3
ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
1 INTRODUÇÃO
Na história do pensamento humano, a ética foi entendida como parte integrante do
pensamento filosófico, que, por sua vez, ficou conhecido como filosofia moral. Os filósofos,
cada um em sua época, procuraram estabelecer princípios e pressupostos de compreensão
da ética e da moral. Em cada época, o campo de compreensão foi se ampliando e adquirindo
novos sentidos; isto fez com que as ações e as condutas das pessoas fossem compreendidas
de maneira diferenciada.
E!
NT
RTA
IMPO
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarse o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da
honra, a desanimar-se da justiça e a ter vergonha de ser
honesto! (RUY BARBOSA apud SENADO FEDERAL, 1914, p. 86).
As expressões de ética e de moral nos remetem à ideia de costumes. Em cada cultura,
a articulação desses costumes foi se adaptando ao meio. A palavra ética surge do grego
ethos, que significa hábitos, costumes, condutas, enquanto que a palavra moral surge do latim
moralis, que também significa hábitos, costumes, condutas. Em outras palavras, a ética e a
moral se definem como um conjunto de costumes de uma determinada sociedade e que são
considerados valores e obrigações a serem seguidos pelos seus membros.
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De modo geral, é comum as pessoas usarem o conceito de ética e moral como sendo
sinônimos ou, quando muito, a ética é definida como o conjunto de práticas morais. Mas
existem alguns aspectos que precisam ser diferenciados, para uma melhor compreensão do
que é ética e do que é moral.
A ética aponta para aspectos gerais, faz referência ao campo da teoria e da ciência que
estabelecem os principais princípios que servem de referência para a análise do comportamento
moral. Enquanto que a moral refere-se mais ao modo de comportar-se segundo os costumes
de um grupo social a que pertence; diz respeito a um universo mais restrito e eminentemente
prático. É indiscutível que há uma ligação entre ética e moral, porém não podemos simplesmente
confundi-las ou inverter sua posição. Neste sentido, conhecer alguns pontos fundamentais
sobre a ética não é apenas uma questão acadêmica ou restrita a alguns momentos em que
a sociedade discute o tema mais acaloradamente, mas é também uma necessidade para a
convivência social e a realização humana.
Ética envolve muita discussão e debate. Por isso, este tópico tem como objetivo
entender o tema da ética e relacionar com a vida pessoal e profissional. Serão apresentadas,
de forma sintética, as principais concepções de ética que se formaram ao longo da história do
pensamento ocidental, as semelhanças e diferenças entre a ética e a lei e, por fim, será dado
um destaque para a questão da ética profissional.
2 CONCEPÇÕES DE ÉTICA
QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA
FILOSOFIA NA SOCIEDADE OCIDENTAL
Muitas foram as concepções de ética que se formaram ao longo da história da
humanidade e que exercem grandes influências em nossos pensamentos sobre o que é certo
e o que é errado, o que é bom e o que é ruim.
Por isso, passamos a apresentar, de maneira resumida, algumas concepções de ética
que marcaram a discussão ao longo do tempo. Estas concepções não devem ser entendidas
como um conjunto fixo e irredutível de prescrições, mas dentro do seu contexto histórico. Ou seja,
!
ÇÃO
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Ao apresentarmos cada uma das concepções de ética, fazemos
também uma crítica como forma de evidenciar o debate e instigar
a discussão sobre o assunto. Leia com muita atenção cada uma
das concepções de Ética.
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2.1 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO SOCRÁTICA
Foi com os primeiros filósofos gregos, principalmente com Sócrates, que teve início
a filosofia moral. Para Sócrates, a moral parte do princípio de que a felicidade humana é
resultado de uma vida virtuosa, ou seja, de que a felicidade é a própria perfeição ética.
Para Sócrates, o bem consiste no proveito de todos. O homem, agindo pelo interesse
comum, ganha também a própria felicidade, que reside precisamente na consciência do agir
de acordo com a justiça, no domínio de si mesmo e dos próprios impulsos. Para Sócrates, é
“virtuoso quem é sábio e pratica o bem; ao contrário, quem não conhece o bem e não o
pratica é infeliz. Aqueles que praticam o mal fazem-no por ignorância. Portanto, a origem de
todos os males está na ignorância” (SCIACCA, 1995, p. 79, grifo nosso).
Sócrates indagava as pessoas com a ironia da maiêutica, isto é, ele indagava as pessoas
acerca dos valores morais e éticos e os confrontava com depoimentos pessoais, baseados na
conduta individual de cada um e analisava os valores, se eram condizentes com os valores
de cada um ou não.
A crítica que se faz à concepção grega de ética, principalmente a visão socrática, diz
respeito à dificuldade de encontrarmos o que é certo e o que é errado apenas pelo caminho do
conhecimento. Será que a virtude é resultado da quantidade de conhecimento que as pessoas
têm? As pessoas que não possuem determinado tipo de conhecimento podem ser consideradas
pessoas antiéticas? Será que todos os males estão na ignorância?
2.2 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA
Os gregos desenvolveram outras formas de compreender a ética. Para Aristóteles a
Ética está vinculada à vida prática. Na obra Ética a Nicômaco, Aristóteles trata da Ética como
a vida boa que todo ser humano deseja; a busca da felicidade.
Somos potencialmente bons e maus e temos a possibilidade de escolher racionalmente
o que queremos seguir. Aqui entra em cena a teoria aristotélica do meio-termo, que expressa a
ideia de equilíbrio entre dois opostos. Por exemplo: coragem é uma virtude, sendo os opostos
a covardia (ausência de coragem) e a temeridade (excesso de coragem). A coragem, neste
nosso exemplo, é o meio-termo entre a covardia e a temeridade. Conseguir esse equilíbrio
(meio-termo) é que Aristóteles chama virtude, apresentada como um componente essencial
da felicidade.
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A virtude não é uma atividade adversa da felicidade, mas um hábito ou uma maneira
habitual de ser. É neste sentido que, na Ética a Nicômaco, Aristóteles (1999, p. 40) afirma que:
toda virtude é gerada e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos
meios, do mesmo modo como acontece com toda a arte: tocando a lira é que
se formam os bons e os maus músicos. Isso se aplica rigorosamente aos
arquitetos e a todos os demais; construindo bem, tornam-se bons arquitetos;
construindo mal, maus.
Portanto, a virtude é resultado de nossa relação com as outras pessoas. Ou seja, nos
tornamos justos ou injustos pela qualidade dos nossos atos.
Uma das críticas que se pode fazer à ética aristotélica é quanto aos critérios utilizados
para a escolha do que é certo ou do que é errado. Cada um pode justificar a sua situação
conforme lhe convém.
S!
DICA
Caro(a) acadêmico(a), se você quiser aprofundar os estudos
referentes à Ética Grega, sugerimos que leia o livro “Ética a
Nicômaco”, de Aristóteles, no qual são apresentadas as bases
do pensamento humano a respeito da Ética.
2.3 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO CRISTÃ
Na Idade Média, o cristianismo exerceu um domínio muito forte sobre a vida das pessoas
e, consequentemente, influenciou na maneira de se organizar e na maneira de se relacionar.
O relacionamento, nesta época, não estava ligado diretamente à questão político-social, mas
ao comportamento individual com Deus.
Duas concepções de ética na Idade Média diferenciavam o cristianismo da tradição
antiga: a primeira diferença estava na ideia de que a virtude se define na nossa relação com
Deus e não com a sociedade e nem com os outros. Portanto, a nossa relação com os outros
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depende da qualidade de nossa relação com Deus. Por esse motivo que a fé e a caridade eram
as duas virtudes cristãs indispensáveis para um bom relacionamento com Deus. A segunda
diferença é a de que somos dotados do livre-arbítrio e que o primeiro impulso de nossa liberdade
é dirigirmo-nos para o mal e para o pecado. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o
bem e o mal. Para os filósofos antigos, o homem é capaz de dominar e controlar as vontades
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TÓPICO 3
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para o mal, utilizando as faculdades racionais que nos tornam éticos, enquanto que para o
cristianismo a própria vontade está pervertida pelo pecado, e precisamos do auxílio divino para
termos uma atitude moral (CHAUÍ, 1997).
O cristianismo considera que o ser humano é incapaz de realizar o bem e as virtudes.
Como consequência desta concepção, introduz-se uma nova ideia na moral: a ideia do dever.
O dever é o que faz um sentimento ser moral. Deus, com suas vontades e leis, promete a
salvação em troca do dever do cumprimento moral ou o castigo diante da desobediência.
A crítica que se faz à concepção cristã de ética está no fato de que o ser humano não
pode, por si só, encontrar o que é certo e o que é errado, necessita do auxílio divino para
praticar o bem. A questão que se coloca é: os homens têm a capacidade de distinguir, por si
sós, o verdadeiro do falso? Somos seres dotados de liberdade ou somos apenas fantoches
comandados por um ser superior?
A!
NOT
Para facilitar a compreensão deste tópico, pesquisamos
algumas palavras-chave que aparecem ao longo do texto e o
seu significado.
Virtude: do latim: virtus, qualidade que constitui o valor do
homem moral e físico, mérito essencial, virtude. É a disposição
habitual para fazer o bem, para realizar um ato moral.
Dever: é a obrigação de cumprir com um compromisso assumido
ou de agir de acordo com os princípios preestabelecidos.
Livre-arbítrio: do latim: liberum arbitrium, poder de escolher.
Lei: acordos de caráter obrigatório, estabelecidos entre pessoas
de um grupo, para garantir justiça mínima, ou direitos mínimos
de ser.
2.4 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO KANTIANA
Para a sociedade moderna, a ética adquire novos significados. Com o desenvolvimento
de novas tecnologias e o surgimento de novas teorias sobre o universo, a ciência passa a
influenciar mais diretamente a vida das pessoas, possibilitando uma compreensão diferenciada
das coisas. Mas é com Imanuel Kant que a ética dos tempos modernos adquire uma
característica mais individualista, influenciada pela razão humana e pelo espírito capitalista.
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UNIDADE 2
Desenvolve-se uma teoria ética inteiramente subordinada à razão, em que o homem é sujeito
de seu processo cognitivo e de suas atitudes éticas. Contrariando a visão cristã sobre a questão
ética, Kant diz que não existe bondade natural, mas somos por natureza egoístas, ambiciosos,
cruéis, agressivos e que, devido a estas atitudes, somos capazes de matar, roubar, mentir. É
justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.
A teoria do dever ético, defendida por Kant, propõe que o conceito ético seja extraído do
fato de que cada um deve se comportar de acordo com princípios universais. Um exemplo seria
o dever de cumprir com um compromisso assumido. Ao assumir um compromisso, devemos
agir de acordo com os princípios universais preestabelecidos. O contrato é a lei entre as partes.
Kant propôs que os conceitos éticos sejam alcançados através da aplicação de alguns
princípios ou regras, a saber: qualquer conduta aceita como padrão ético deve valer para todos
os que se encontrem na mesma situação, sem exceções; só se deve exigir dos outros o que
exigimos de nós mesmos; devemos agir de alguma forma que a causa que nos levou a agir
possa ser transformada em lei universal (CHAUÍ, 1997).
Estes princípios ou regras não estabelecem um conteúdo particular de uma ação, mas
determinam uma forma geral de ações morais. Fica claro que o dever nasce da vontade de
querer o bem e é sempre fundamentado em princípios ou leis que são universais.
A crítica que se pode fazer a esta concepção fundamenta-se na dificuldade de alcançar
um consenso entre os indivíduos sobre o que é certo e o que é errado. Que princípios universais
podem ser válidos para todos?
2.5 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO MARXISTA
Um dos maiores pensadores do mundo moderno, Karl Marx, autor do conceito de
materialismo histórico, afirmou que as transformações sociais são produzidas pela luta de
classes. Estudou profundamente economia e explicou o desenvolvimento da história da cultura
através dos mecanismos materiais de produção e distribuição de mercadorias, tentando
simultaneamente basear nesse conhecimento uma prática política que levasse à construção
de uma sociedade sem classes.
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Segundo ele, numa sociedade onde vivem exploradores e explorados, é a moral da
classe dominante que predomina. Os valores, como liberdade, racionalidade e felicidade, são
hipócritas, porque são irrealizáveis numa sociedade fundada na divisão do trabalho.
Desta forma, falar em moral universal, ou racionalismo humano, é completamente falso,
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é camuflar os interesses antagônicos das classes para manter a dominação de uma sobre a
outra. Somente poderá existir uma moral verdadeira quando vivermos numa sociedade sem
Estado e sem propriedade privada.
A crítica a essa concepção está na dificuldade de compreender como seria esta
sociedade sem Estado e sem propriedade privada. Como a individualidade seria respeitada? A
sociedade se autorregularia? Como as pessoas alcançariam a realização autêntica da ética? Se
não existissem classes sociais, haveria uma ética ou uma moral verdadeira entre as pessoas?
2.6 A ÉTICA NA CONCEPÇÃO RELATIVISTA
Um dos grandes dilemas da sociedade moderna é: há ou não valores morais válidos
para todos? O que é válido para mim pode ser válido para o outro? O que é certo e o que é
errado numa sociedade onde impera uma multiplicidade de valores e normas morais? Diante
destas indagações, alguns pensadores defendem uma concepção relativista de ética, afirmando
que cada pessoa deve definir o que é certo e o que é errado, sobre o que é ético ou não, tendo
como referências as suas próprias convicções.
Neste sentido, Cotrim (2002, p. 290) afirma que:
Para o relativista ético, a consciência moral dos homens é formada pelo conjunto de princípios e valores herdados de cada cultura. Assim, o conteúdo da
consciência moral varia no tempo e no espaço. O que é virtude para um pacifista moderno pode não ter sido para um guerreiro huno. E mesmo dentro de
um grupo cultural com certa homogeneidade – os cristãos, por exemplo –, a
consciência muda de época para época. A Igreja medieval julgava moralmente
correto queimar um homem vivo na fogueira por ele ter cometido atos que hoje,
obviamente, não mereceriam do cristianismo essa mesma brutal condenação.
Compreender a ética numa concepção relativista é admitir que ela é dinâmica e que
sua validade depende da subjetividade de cada pessoa e do ambiente cultural em que ela
se encontra. “A virtude estaria na ‘tolerância’, no respeito pelos diferentes sistemas morais
que, entre si, admitam conviver pacificamente” (COTRIM, 2002, p. 281). Ser imoral, nesta
circunstância, é ser intolerante e não admitir a existência de outras formas de moralidade.
A principal crítica a esta concepção está na mudança das regras morais de certos grupos
sociais. Assim, um grupo de criminosos que possuíssem uma moral própria teria as suas ações
legitimadas do ponto de vista ético. Esta concepção poderia ser utilizada para legitimar uma
situação que seria incompatível com o restante da sociedade (MOREIRA, 1999. p. 23). Além
disso, os conflitos básicos entre os valores não podem ser resolvidos racionalmente, visto que
não se pode determinar algo que seja válido para todos.
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Diante destas várias concepções de ética, que poderão ser objeto de debate,
aprimoramento, alteração ou refutação por parte das pessoas, pode-se concluir que não há uma
verdade absoluta em matéria de ética. Em cada período histórico e em cada espaço geográfico
predominou uma forma de compreender o comportamento humano, com suas peculiaridades
e com uma visão de mundo diferenciada.
Você pôde perceber que a ética teve diferentes compreensões ao longo da história
do pensamento. Procure sintetizar cada uma das concepções de ética apresentando
as principais ideias e qual a principal crítica que se pode fazer.
1) Concepção socrática.
2) Concepção aristotélica.
3) Concepção cristã.
4) Concepção kantiana.
5) Concepção marxista.
6) Concepção relativista.
3 A ÉTICA E A LEI
Tanto a ética quanto a lei apresentam semelhanças e diferenças entre si. Como já foi
mencionado no início deste tópico, a ética faz referências à conduta humana na sociedade,
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sob a ótica do bem e do mal, determinada pelo costume. Segundo Santos (1997, p. 12), a ética
faz referência a um “conjunto de hábitos e costumes, efetivamente vivenciados por um grupo
humano”, enquanto que a lei faz referências a “acordos de caráter obrigatório, estabelecidos
entre pessoas de um grupo, para garantir justiça mínima, ou direitos mínimos de ser”. Assim,
podemos identificar algumas semelhanças e algumas diferenças entre a ética e a lei.
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As principais semelhanças entre a ética e a lei são: ambas apresentam-se como normas
que devem ser seguidas por todos; ambas procuram propor uma melhor convivência entre os
indivíduos; ambas resultam de um caráter histórico e social que se orienta por valores próprios
de uma determinada sociedade. No entanto, as principais diferenças entre a ética e a lei são: a
ética se caracteriza por ser mais informal, enquanto que a lei se apresenta como um instrumento
formal, escrito e promulgado; a ética poderá assumir uma variação no âmbito de um mesmo
grupo, enquanto que a lei apresenta-se como sendo única para um determinado grupo; o não
cumprimento de uma norma ética poderá provocar uma rejeição do grupo ou um isolamento
do transgressor, enquanto que o não cumprimento de uma lei ou a sua desobediência gera
uma penalidade ao transgressor; o âmbito de abrangência da ética é maior, atingindo vários
aspectos da vida humana, enquanto que a lei se restringe a questões específicas de condutas
sociais; a ética se caracteriza mais pela liberdade dos indivíduos, enquanto que a lei é imposta
para o cumprimento obrigatório de todos os indivíduos do grupo (COTRIM, 2002).
Sintetizando as principais diferenças e semelhanças entre a ética e a lei, podemos afirmar
que há comportamentos que podem ser considerados éticos e legais. Outros comportamentos
podem ser considerados éticos, mas ilegais perante o direito. Outros são legais, mas antiéticos
perante a sociedade. A ilustração a seguir quer representar um pouco esta situação.
Enfim, a ética quer significar “[...] tudo aquilo [...] que ajuda a tornar melhor o ambiente,
para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada
e espiritualmente fecunda” (BOFF, 1997, p. 90). Isto quer dizer que a ética faz referência a
tudo aquilo que ajuda a tornar o ambiente mais agradável, o planeta sustentável e a sociedade
mais humana.
4 ÉTICA PROFISSIONAL
Pode-se entender a ética profissional como o estudo dos valores pertencentes ao
exercício de uma profissão e que emanam nas relações que se estabelecem entre o profissional
e a sociedade.
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Segundo Camargo (1999, p. 31-32), a ética profissional é “a aplicação da ética geral
no campo das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbuída de certos princípios
ou valores do ser humano para vivê-los nas suas atividades de trabalho”. Isto revela que o
profissional necessita ter consciência e responsabilidade no exercício de sua profissão.
Neste sentido vale refletir sobre as afirmações de Antônio Lopes de Sá (1996 apud
CAMARGO, 1999, p. 32), que diz: “Cada conjunto de profissionais deve seguir uma ordem de
conduta que permita a evolução harmônica do trabalho de todos, a partir da conduta de cada
um, através de uma tutela no trabalho que conduza à regulação do individualismo perante o
coletivo”.
Não estamos falando de uma ética geral, mas sim de uma deontologia, isto é, da ética
profissional, que é uma série de virtudes e atitudes que os profissionais devem possuir no
exercício de sua profissão. Além do mais, regula a relação entre o profissional e o cliente com
base no bem-estar e na dignidade.
Em algumas das profissões, tais como médicos, advogados, contadores, engenheiros,
entre outros, já possuem um código de ética que regulamenta o relacionamento entre o
profissional e os clientes e entre a classe de profissionais.
Sobre os códigos de ética profissional, Marculino Camargo faz a seguinte reflexão e
que vale a pena apresentar (CAMARGO, 1967, p. 33-34):
Em primeiro lugar, pois eles estruturam e sistematizam as exigências éticas no
tríplice plano de orientação, disciplina e fiscalização.
Em segundo lugar, estabelecem parâmetros variáveis e relativos que demarcam o piso
e o teto dentro dos quais a conduta pode ou deve ser considerada regular sob o ângulo ético.
Dado que qualquer profissão visa interesses de outras pessoas ou clientes, os códigos
visam também os interesses destes, amparando seu relacionamento com o profissional.
Os códigos, porém, não esgotam o conteúdo e as exigências de uma conduta ética de
vida e nem sempre expressam a forma mais adequada de agir numa circunstância particular.
Os códigos sempre são definidos, revistos e promulgados a partir da realidade
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social de cada época e de cada país; suas linhas-mestras, porém, são deduzidas de princípios
perenes e universais.
Os códigos referem-se a atos praticados no exercício da profissão, a não ser
que outros atos também tenham um reflexo nesta; por ex.: se um administrador vem bêbado
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para a empresa.
Finalmente, os códigos de ética, por si, não tornam melhores os profissionais,
mas representam uma luz e uma pista para seu comportamento; mais do que ater-se
àquilo que é prescrito literalmente, é necessário compreender e viver a razão básica das
determinações. (grifo nosso).
Ao estabelecer um Código de ética para uma classe, cada indivíduo passa a ter que
cumprir com seus direitos e deveres, sob pena de ser julgado pelos atos de infração que vier
a cometer.
Em síntese, os principais tópicos que os códigos de ética abordam são os conflitos de
interesse, conduta ilegal, honestidade nas comunicações dos negócios da empresa, denúncias,
suborno, propriedade de informação, contratos governamentais, assédio profissional, assédio
sexual, uso de drogas e álcool (ARUDA; WHITAKER; RAMOS, 2007).
Para finalizar esta seção apresentamos as virtudes profissionais que devem fazer parte
de todo trabalhador, independente da classe profissional que ocupa.
5 VIRTUDES PROFISSIONAIS
Em artigo publicado na revista Exame, em 2000, o consultor dinamarquês Clauss Moller
(apud RAMOS, 2004) faz uma apresentação das principais virtudes profissionais que devem
fazer parte da sua formação e do seu trabalho. Leia com muita atenção este texto e, depois,
realize a autoatividade proposta no final deste tópico.
a) Responsabilidade
O senso de responsabilidade é o elemento fundamental da empregabilidade. Sem
responsabilidade a pessoa não pode demonstrar lealdade, nem espírito de iniciativa [...].
Uma pessoa que se sinta responsável pelos resultados da equipe terá maior
probabilidade de agir de maneira mais favorável aos interesses da equipe e de seus clientes,
dentro e fora da organização.
As pessoas que optam por não assumir responsabilidades podem ter dificuldades
em encontrar significado em suas vidas. Seu comportamento é regido pelas recompensas
e sanções de outras pessoas – chefes e pares [...]. Pessoas desse tipo jamais serão boas
integrantes de equipes.
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b) Lealdade
A lealdade é o segundo dos três principais elementos que compõem a empregabilidade.
Um funcionário leal se alegra quando a organização ou seu departamento é bemsucedido, defende a organização, tomando medidas concretas quando ela é ameaçada, tem
orgulho de fazer parte da organização, fala positivamente sobre ela e a defende contra críticas.
Lealdade não é sinônimo de obediência cega. Lealdade significa fazer sugestões,
mudanças, mantendo-as dentro do âmbito da organização. Significa agir com a convicção de
que seu comportamento vai promover os legítimos interesses da organização.
c) Iniciativa
Tomar a iniciativa de fazer algo no interesse da organização significa, ao mesmo tempo,
demonstrar lealdade pela organização. Em um contexto de empregabilidade, tomar iniciativas
não quer dizer apenas iniciar um projeto no interesse da organização ou da equipe, mas,
também, assumir responsabilidade por sua complementação e implementação.
d) Honestidade
A honestidade está relacionada com a confiança que nos é depositada, com a
responsabilidade perante o bem de terceiros e a manutenção de seus direitos.
A honestidade é a primeira virtude no campo profissional. É um princípio que não admite
relatividade, tolerância ou interpretações circunstanciais.
e) Sigilo
O respeito aos segredos das pessoas, dos negócios, das empresas, deve ser
desenvolvido na formação de futuros profissionais, pois se trata de algo muito importante. Uma
informação sigilosa é algo que nos é confiado e cuja preservação de silêncio é obrigatória.
f) Competência
Competência, sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de forma
adequada e persistente a um trabalho ou profissão. Devemos buscá-la sempre. “A função de
um citarista é tocar cítara, e a de um bom citarista é tocá-la bem” (ARISTÓTELES, p. 27).
É de extrema importância a busca da competência profissional em qualquer área de
atuação. Recursos humanos devem ser incentivados a buscar sua competência e maestria
através do aprimoramento contínuo de suas habilidades e conhecimentos.
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g) Prudência
Todo trabalho, para ser executado, exige muita segurança. A prudência, fazendo com
que o profissional analise situações complexas e difíceis com mais facilidade e de forma mais
profunda e minuciosa, contribui para a maior segurança, principalmente das decisões a serem
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tomadas. A prudência é indispensável nos casos de decisões sérias e graves, pois evita os
julgamentos apressados e as lutas ou discussões inúteis.
h) Coragem
Todo profissional precisa ter coragem, pois “o homem que evita e teme a tudo, não
enfrenta coisa alguma, torna-se um covarde” (ARISTÓTELES, p. 42). A coragem nos ajuda
a reagir às críticas, quando injustas, e a nos defender dignamente quando estamos cônscios
de nosso dever. Ajuda-nos a não ter medo de defender a verdade e a justiça, principalmente
quando estas forem de real interesse para outrem ou para o bem comum.
i) Perseverança
Qualidade difícil de ser encontrada, mas necessária, pois todo trabalho está sujeito
a incompreensões, insucessos e fracassos que precisam ser superados, prosseguindo
o profissional em seu trabalho, sem entregar-se a decepções ou mágoas. É louvável a
perseverança dos profissionais que precisam enfrentar os problemas do subdesenvolvimento.
j) Compreensão
Qualidade que ajuda muito um profissional, porque é bem aceito pelos que dele
dependem, em termos de trabalho, facilitando a aproximação e o diálogo, tão importante no
relacionamento profissional.
k) Humildade
Representa a autoanálise que todo profissional deve praticar em função de sua atividade
profissional, a fim de reconhecer melhor suas limitações, buscando a colaboração de outros
profissionais mais capazes, se tiver esta necessidade; dispor-se a aprender coisas novas,
numa busca constante de aperfeiçoamento.
l) Imparcialidade
É uma qualidade tão importante que assume as características do dever, pois se destina
a se contrapor aos preconceitos, a reagir contra os mitos (em nossa época dinheiro, técnica,
sexo...), a defender os verdadeiros valores sociais e éticos, assumindo principalmente uma
posição justa nas situações que terá que enfrentar.
m) Otimismo
Em face das perspectivas das sociedades modernas, o profissional precisa e deve
ser otimista, para acreditar na capacidade de realização da pessoa humana, no poder do
desenvolvimento, enfrentando o futuro com energia e bom humor.
As virtudes são parte central da ética profissional, porque elas são meios para conquistar
um fim ético nas atividades profissionais, caracterizando um bom profissional. Em outras
palavras, as virtudes são qualidades adquiridas pelas pessoas e necessárias em qualquer
profissão.
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:
• A palavra Ética surge do grego ethos, que significa hábitos, costumes, enquanto que a moral
surge do latim moralis, que também significa hábitos, costumes, condutas.
• A ética aponta para os aspectos mais teóricos, enquanto a moral é mais prática.
• Para Sócrates, é virtuoso quem é sábio e pratica o bem, do contrário, quem não conhece o
bem e não o pratica é infeliz. Aqueles que praticam o mal o fazem por ignorância.
• Para Aristóteles, ética refere-se à busca da felicidade e conseguir um equilíbrio (meio-termo)
entre duas ideias opostas. A virtude é um componente essencial da felicidade.
• Para a concepção cristã, a nossa virtude se define na relação com Deus e não com a sociedade.
• Para a concepção kantiana, a ética se define a partir de princípios universais aplicáveis a
todos, sem exceções.
• Para Marx, numa sociedade na qual vivem exploradores e explorados, é a moral da classe
dominante que predomina. Somente poderá existir uma moral verdadeira quando vivermos
numa sociedade sem classes.
• Para a concepção relativista, cada pessoa deve definir o que é certo e o que é errado, tendo
como referências as suas próprias convicções.
• A Lei faz referências a acordos de caráter obrigatório, estabelecidos entre as pessoas.
• Os códigos de ética estruturam e sistematizam as exigências éticas no campo profissional,
estabelecem parâmetros de relacionamento no exercício da profissão e representam uma
luz e uma pista para seu comportamento.
• As principais virtudes profissionais são: responsabilidade, lealdade, iniciativa, honestidade,
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sigilo, competência, prudência, coragem, perseverança, compreensão, humildade,
imparcialidade, otimismo.
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As questões que seguem são uma espécie de roteiro para que você possa
identificar as principais ideias referentes à Ética e à Lei, bem como as principais virtudes
profissionais. Ao respondê-las, você estará sintetizando e compreendendo as ideias
apresentadas. Bons estudos!
1 Quais as principais semelhanças e diferenças entre a Ética e a Lei?
2 Apresente as principais finalidades do código de ética profissional.
3 De acordo com o texto Virtudes Profissionais, procure conceituar cada uma das
palavras que caracterizam a ética na vida profissional.
a) Responsabilidade
b) Lealdade
c) Iniciativa
d) Honestidade
e) Sigilo
f) Competência
g) Prudência
h) Coragem
i) Perseverança
j) Compreensão
k) Humildade
l) Imparcialidade
m) Otimismo
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ESTÉTICA: UMA REFLEXÃO
FILOSÓFICA SOBRE A ARTE
1 INTRODUÇÃO
Quem já não ouviu alguma destas expressões: esta pessoa tem a arte de escrever; a
vida é uma arte; ele tem a arte de pensar; a arte imita a vida etc.? A expressão ‘arte’ significa,
neste caso, uma virtude ou uma habilidade para fazer ou produzir algo. Nota-se, nestas
expressões, uma capacidade própria que envolve o indivíduo no seu fazer prático, nas suas
ações com o mundo.
Se abrirmos um livro de história, vamos encontrar expressões que também nos remetem
à questão da arte, como, por exemplo: a Arte Grega, a Arte Romana, a Arte Barroca, a Semana
de Arte Moderna no Brasil etc. Estas expressões, presentes na história, definem um sentido
de arte que predominou numa determinada época. A arte, neste caso, é entendida em seu
sentido estético, que é a expressão do belo, do lindo, do maravilhoso.
Estes dois significados de arte não são totalmente independentes um do outro. Na
primeira situação, a arte está mais ligada à ideia de fazer e de produzir algo, enquanto que na
segunda situação, a arte expressa algo que pode ser apreciado ou admirado pela sua beleza
ou pela sua forma, ou seja, há uma certa dependência entre o fazer e a expressão estética de
algo numa determinada época ou momento histórico.
É a partir do segundo significado, do lindo, do belo e do maravilhoso, que a arte passa
a ser objeto de estudo da filosofia, tornando-se conhecida como a filosofia da arte. Este tópico
apresenta o conceito e os dilemas de compreensão da estética.
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Segundo Almeida (2003), a “estética começou por ser sobretudo
uma TEORIA DO BELO, depois passou a ser entendida como
TEORIA DO GOSTO e, nos nossos dias, é predominantemente
identificada com a FILOSOFIA DA ARTE”.
2 O QUE É ESTÉTICA?
Iniciamos nossa discussão sobre estética apresentando a você um breve texto de
Carlos Henrique Cypriano que retrata a manifestação humana sobre a compreensão do belo.
Desde a antiguidade nas cavernas que o ser humano se expressa com a arte,
fazendo pinturas por toda a parte, cantando e dançando, estudando o avanço
das artes modernas, apreciando o que é belo de se ver. Vemos que a arte é
parte do ser que é racional e tem subjetividade. Enquanto existir humanidade
o fenômeno estético não irá morrer (apud GALLO, 1997, p. 92).
A partir desta citação é possível perceber que o homem, desde a antiguidade, expressa
seus sentimentos de beleza utilizando diferentes formas de manifestação, como, por exemplo:
pintando, cantando, dançando, estudando e apreciando o que é belo. Atualmente a palavra
estética é cotidianamente utilizada como adjetivo nos salões de beleza, nas cirurgias plásticas,
em expressões como: “salão de estética”, “estética facial” etc. Essas frases querem exprimir a
beleza física, desde o cuidado com o cabelo até a forma física do corpo como um todo.
Mas, o que é estética?
A palavra estética tem sua origem do grego aisthesis, que significa a “faculdade de
sentir”, a “compreensão pelos sentidos”. Foi utilizada pela primeira vez pelo alemão Baumgarten,
por volta de 1750, e referia-se ao estudo do belo nas obras de arte enquanto criação da
sensibilidade humana. Mais tarde passou a designar toda a busca filosófica que tenha por
objeto a compreensão da arte em seus mais variados aspectos. Neste mesmo sentido, Aranha
e Martins (2002, p. 216) definem a estética como “um ramo da filosofia que se ocupa das
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questões tradicionalmente ligadas à arte, como o belo, o feio, o gosto, os estilos e as teorias
da criação e da percepção artísticas”.
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3 OS DILEMAS DA ESTÉTICA: O BELO E O FEIO
“Quem ama o feio, bonito lhe parece”. Esta expressão popular significa que não há uma
única forma de analisar o que é o feio e o que é o bonito. Tratadas como objeto de estudo da
filosofia, essas expressões, o feio e o bonito, proporcionaram a formulação de inúmeras ideias
a seu respeito. A título de exemplo, Nielson Neto (1985, p. 280) apresenta a seguinte situação:
Para uns uma flor de plástico, pano, papel é uma beleza; é lindo de morrer, com o que
não concorda muita gente. Muitos acham uma fofura uma tela bordada com fios de lã. Outros
rirão dessa manifestação de uma sensibilidade particular. Seria, hoje, belo um casal trajado
à Belle Époque? Ele de fraque, cartola, luvas, bengala e polaina e ela de vestido comprido,
cheio de fitas, rendados, chapéu envolto em tule?
Para muitos, discutir o belo e o feio é uma tarefa inútil, pois cada um vê o mundo da sua
maneira, influenciado pela cultura e educação, que é diferente de pessoa para pessoa. Mas,
as questões que se colocam são: O belo está no objeto em si ou é uma representação do
sujeito? O que é belo? O que é o feio?
3.1 O DILEMA DA COMPREENSÃO DO BELO
Muitas discussões já se formaram sobre o que é o belo. A principal delas diz respeito ao
seguinte dilema: o belo é uma manifestação do objeto “em si” ou uma representação subjetiva
de quem o observa? A questão está em afirmar se o belo é uma manifestação objetiva, própria
do objeto ou uma manifestação subjetiva, própria de cada indivíduo.
Num primeiro sentido, o belo, como manifestação do objeto, esteve muito presente no
início da filosofia, principalmente com Platão e Aristóteles. O belo era entendido como algo
que independe da vontade do sujeito. Diante disto, Tomelin e Tomelin (2004, p. 166) fazem a
seguinte reflexão sobre o belo:
As qualidades do objeto é que o tornam belo, independente do significado dado
pelo sujeito. O sujeito percebe o belo que o agrada. O prazer estético é dado
pelo objeto e não pela representação do sujeito. A ideia de belo que temos é
verdadeira na medida que representa adequadamente a ideia de belo no objeto.
Esta concepção de beleza expressa que há uma essência própria para o que é belo e
que existe independentemente da minha vontade. Isto significa que o belo existe sempre em
um determinado objeto e lhe é inseparável. É visto como uma propriedade do próprio objeto.
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Assim, somos obrigados a admitir que o belo existe em si, cabendo a nós nos aproximarmos
desse ideal universal de belo.
Num segundo sentido, o belo, como manifestação subjetiva, representa uma concepção
mais moderna que se expressa de forma diferente em cada indivíduo, tendo influência da cultura
e da educação recebida. Tomelin e Tomelin (2004, p. 167) fazem a seguinte reflexão sobre a
manifestação subjetiva do belo:
Para os empiristas, o critério de beleza está no gosto de cada um. Em cada
tempo, para cada coisa, são criados padrões e critérios de verificação que vão
definir o gosto das pessoas. Como exemplo disto temos o bronzeado da pele.
Na Idade Média, pele branca era sinônimo de pessoa recatada, privilegiada
por não ter que trabalhar e se expor ao sol. Com a industrialização, as pessoas ficam abrigadas nos grandes galpões de trabalho e pele clara passa a ser
sinônimo de quem não tem tempo para se expor ao sol. Atualmente, ainda
vigora o bronzeamento como critério de beleza. É possível que o aumento do
buraco na camada de ozônio e a maior intensidade de raios ultravioleta tornem
o câncer de pele uma epidemia, o que pode remodelar o critério de pele bonita.
Esta concepção de belo representa o pensamento contemporâneo. Está baseada
numa ideia de valor, cuja beleza não é uma propriedade das coisas ou realidade em si mesma,
mas algo que a sociedade ou o indivíduo determina como belo. Caracteriza-se como uma
representação social ou como uma representação individual da beleza.
Entender o belo apenas como pura manifestação do objeto ou como pura representação
do sujeito não é uma questão fácil de definir. Atualmente, procura-se integrar estas duas
visões e analisar a beleza a partir de uma visão fenomenológica, onde o belo “é tudo aquilo
que desperta no ser humano uma emoção” (NIELSON NETO, 1985, p. 281). Isto significa que
tanto os objetos quanto os sujeitos são os formadores do conceito de belo.
3.2 O QUE É O FEIO?
Na maioria das vezes, os pensadores acreditam que o Feio e o Bonito, apesar de serem
opostos, não podem ser compreendidos separadamente, estão intimamente ligados. Numa
compreensão dialética, o belo só é possível porque existe o feio. Não há nada que possa ser
entendido sem o seu contrário. Neste caso, só podemos entender o feio se for comparado
com o seu oposto e vice-versa.
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Observamos que o belo e o feio ocupam os extremos e significam o oposto. O belo é
visto como aquilo que satisfaz o nosso gosto, como aquilo que está adequado com a forma;
enquanto o feio, como aquilo que causa insatisfação, aquilo que se manifesta como inadequado
entre o conteúdo e a forma. Neste caso, “[...] só haverá obras feias se forem malfeitas, isto
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é, se não corresponderem plenamente à sua proposta” (ARANHA; MARTINS, 2002, p. 218).
Na sociedade, o feio é visto como um contravalor, algo que vai contra os princípios
estabelecidos pela sociedade. Como exemplo, podemos explorar as relações cotidianas.
Quando alguém faz alguma coisa ruim, costuma-se dizer: “Que feio!” Mas se alguém age de
maneira honesta, ética, correta, costuma-se dizer: “Bonito”, “gostei”.
Em síntese, o belo pode ser entendido como aquilo que satisfaz a nossa sensibilidade,
que está de “[...] acordo com a autenticidade da sua proposta e com sua capacidade de falar
ao sentimento” (ARANHA; MARTINS, 2002, p. 217), enquanto que o feio pode ser considerado
algo malfeito, algo que nos desagrada.
A!
NOT
Alguns dos significados das palavras-chave que aparecem
neste tópico:
Arte: prática de criar formas, perceptíveis, expressivas do
sentimento humano (LANGER,[1992 ?], p. 82).
Em si: aquilo que não depende do modo como as pessoas
veem nem como sentem o mundo.
Empirismo: pensamento filosófico que afirma ser toda a
verdade derivada da experiência.
Estética: é um ramo da filosofia que se ocupa das questões
tradicionalmente ligadas à arte, como o belo, o feio, o gosto,
os estilos e as teorias da criação e da percepção artísticas.
Filosofia da arte: reflexão filosófica sobre os diversos aspectos
histórico-culturais presentes nas manifestações artísticas.
S!
DICA
O filme o carteiro e o Poeta retrata o
processo de educação estética entre o
poeta chileno Pablo Neruda, numa ilha
italiana, e o carteiro contratado para
cuidar de suas correspondências. Assista
ao filme e procure relacioná-lo à ideia de
arte, estudada neste tópico.
O CARTEIRO E O POETA. Direção de
Michael Radford. Itália: Miramax Films,
1994, 1 DVD (109 min), color.
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RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico você viu que:
• A estética é um ramo da filosofia que se ocupa das questões tradicionalmente ligadas à arte,
como o belo, o feio, o gosto, os estilos e as teorias da criação e da percepção artística.
• Os dilemas da estética: o belo como manifestação pura do objeto ou como representação
subjetiva do sujeito.
• O belo pode ser entendido como aquilo que satisfaz a nossa sensibilidade, enquanto que o
feio pode ser considerado algo mal feito, algo que nos desagrada.
• O trabalho do artista envolve a criação, a descoberta de uma combinação de elementos,
enquanto que o artesão confecciona algo a partir do conhecimento técnico.
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A partir das leituras feitas sobre os dilemas da estética, procure interpretar esta obra de
arte de Leonardo da Vinci, adotando estas duas concepções de compreensão do belo:
a) O belo como manifestação pura do objeto.
b) O belo como representação subjetiva do sujeito.
Figura 9 – MONALISA (entre 1503 a 1507) DE LEONARDO DA VINCI
Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6a/Mona_Lisa.jpg>.
Acesso em: 30 jun. 2005.
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Prezado(a) acadêmico(a), agora que chegamos ao final
da Unidade 2, você deverá fazer a Avaliação referente a esta
unidade.
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TEMAS DE ESTUDO DA FILOSOFIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta Unidade você será capaz de:
compreender
o trabalho como ação prática na realidade social,
na busca da realização humana;
entender
as diferentes concepções de política, reconhecendo-as
como parte integrante de nossa vida em sociedade;
identificar
os paradigmas que orientam a ciência e a educação;
refletir sobre as possibilidades de se educar ao pensar a partir dos
conhecimentos filosóficos.
PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em seis tópicos, sendo que, no
final de cada um deles, você encontrará atividades que o(a) ajudarão
a fixar os conhecimentos adquiridos.
TÓPICO 1 – O SER HUMANO: UM SER SOCIAL OU
ASSOCIAL?
TÓPICO 2 – LIBERDADE: ESTÁ NO LIMITE OU NO
VÍNCULO?
TÓPICO 3 – IDEOLOGIA: COMO PODE O PODER DE
POUCOS DETERMINAR A CONDIÇão DE
MUITOS?
TÓPICO 4 – TRABALHO: ALIENAÇÃO OU
HUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO?
TÓPICO 5 – AS FILOSOFIAS POLÍTICAS
TÓPICO 6 – CIDADANIA E SOCIEDADE
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TÓPICO 1
O SER HUMANO: UM SER
SOCIAL OU ASSOCIAL?
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico apresenta-se um dos principais temas de estudo da Filosofia que refletem
sobre o ser humano. São temas pertinentes às discussões sobre as relações humanas em
suas mais variadas condições e que já foram objeto de estudo de pesquisadores de várias
áreas profissionais.
UNI
“O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente,
em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor... o
homem será, antes de mais nada, o que tiver projetado ser” (SARTRE,
1978, p. 6).
Tratar sobre ser humano é primeiramente questionar-se: afinal, o que é o homem?
Esta é uma das questões originárias da Filosofia e que impulsiona os filósofos a buscar sua
definição. Na tentativa de responder a esta pergunta, a primeira coisa que nos vem à mente
é a de que o homem é um ser racional. Mas, além de pensar, que outras dimensões possui o
humano? Qual a sua condição de existência?
Existem definições de ser humano que se assentam em uma definição estática ou
em uma essência imutável. Neste tópico apresentaremos o ser humano em suas condições
existenciais, sem restringi-lo a uma única característica.
2 AS CONDIÇÕES DO SER HUMANO
As condições da existência humana estão relacionadas a diferentes circunstâncias. Não
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é uma única condição que dá conta de explicar a complexa existência do ser humano. Dentre
as principais condições identificamos: a condição racional, a condição social, a condição mortal,
a condição material, a condição espiritual, a condição comunicativa, a condição psíquica, a
condição do trabalho, a condição de liberdade, a condição ética, a condição histórica, a condição
biológica, a condição cultural e a condição lúdica.
A condição racional é destacada desde Aristóteles, que dizia: “O homem é um animal
racional”. A condição racional permite ao homem refletir, emitir juízos, dominar e modificar a
realidade, compreender a si mesmo, questionar, transcender os limites impostos pelo corpo,
reproduzir e inovar o que já existe. Pela condição racional o homem se dá conta de sua
condição mortal e sua finitude gera a certeza de uma condição intransponível: a de que é um
ser para a morte.
A condição social é a realidade gregária. Promove a coexistência e a cooperação.
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Pode garantir o bem-estar individual e coletivo. Qualquer outra espécie, mesmo separada de
seus pais e do seu grupo desde o nascimento, quando adulto mantém as características de
sua espécie. O mesmo não acontece com o ser humano. Os exemplos de crianças que foram
encontradas com lobos revelam que o ser humano não nasce pronto, ele se forma no convívio
social. Esta condição demonstra que no decorrer do histórico desenvolvimento humano houve
UNIDADE 3
TÓPICO 1
123
uma gradativa diminuição do determinismo instintivo; o que nos resta são apenas reflexos.
A condição mortal está ligada à condição racional que permite ao homem lançar-se
para o futuro e assim constatar as possibilidades de sua existência e constatar seu final. Esta
condição desperta no homem o sentimento de vulnerabilidade de sua condição material, anuncia
sua brevidade existencial e cria nele uma condição espiritual.
Pela condição material, o ser humano está preso à sua corporeidade. O corpo é matéria
viva e organizada pela interação com outras matérias. A condição material prende o ser humano
a uma condição mundana e isto interfere sobre o que lhe é permitido ver e saber.
A condição espiritual é a condição de esperança. Para Erich Fromm (1975, p. 73),
“se o homem abandonou toda esperança, ele cruzou os umbrais do inferno, quer saiba ou
não, e deixou atrás de si toda a humanidade”. Constantemente as pessoas rezam, apostam
ou ritualizam na esperança de um “depois” melhor.
A condição comunicativa está relacionada diretamente com a condição social. Permitiu
e permite ao homem estabelecer uma relação de diálogo com os membros de seu grupo.
Permitiu e permite a transmissão da cultura.
A condição psíquica do ser humano o constitui enquanto uma personalidade exclusiva,
enquanto ser de necessidade de afeto e autoestima. Produz o sentimento de estar no mundo
e de estar com os outros.
Pela condição do trabalho o ser humano torna-se um ser de ação consciente e com
finalidade. Surge da necessidade de defesa, abrigo e sobrevivência. Pelo trabalho o homem
se autoproduz, se distingue e intervém no curso da história. Como Homo faber o homem se
tornou um fabricante de ferramentas e fabricante de si mesmo.
A condição de liberdade é o poder de escolha e decisão. Para Sartre, “o homem está
condenado a ser livre”. A liberdade torna o ser humano responsável pelas suas escolhas e
ações. A condição de liberdade é a condição para a condição cultural e ética.
A condição ética. Por meio da liberdade de escolha o ser humano é desafiado a
estabelecer critérios, o que o torna um ser moral. Cria uma realidade normativa. A ética ilumina
a consciência moral. Regula a vida dos indivíduos através de normas, leis e padrões.
A condição histórica. No percurso de sua existência o homem faz sua história e se torna
um ser histórico. A existência do ser humano em um dado momento não ocorre isoladamente,
está relacionada a uma condição histórica. As relações sociais, as relações de produção, as
relações culturais sofrem interferências históricas. Somos herdeiros de nossa história.
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A condição biológica é a condição somática dada pela natureza. É a condição ditada
pelas leis da genética.
A condição cultural permite ir além da natureza e além da condição histórica. A cultura
caracteriza o ser humano como ser de mutação, como ser de projeto e transcendência, sujeito de
sua história e de seus valores. Para Battista Mondin (1998, p. 16), “a tarefa primeira e principal
da cultura não é construir casas, carros, trens, navios, aviões, computadores, bombas, etc.,
em outras palavras, construir o mundo. Sua tarefa principal é construir o homem, um projeto
de humanidade que seja adequado à dignidade e à exigência da pessoa humana”.
A condição lúdica está ligada com a condição cultural e é a condição que torna o homem
um ser que joga e que brinca. É uma atividade que transcende as necessidades biológicas
imediatas de sobrevivência.
Mais condições poderiam ser elencadas, mas optamos por estas, que são as mais
clássicas. Possivelmente você constatou que o ser humano é múltiplo e complexo, o que torna
impossível decifrá-lo por apenas uma condição. Preferimos afirmar que a condição humana
está no jogo das múltiplas condições.
Na sequência aprofundaremos a discussão sobre a condição social e verificaremos um
pouco mais do que já foi polemizado.
3 O HOMEM É UM ANIMAL SOCIAL OU ASSOCIAL?
É comum a afirmação de que o homem é um ser social, de relação com os outros e
que não vive só. Porém, quando pensamos nas dificuldades geradas por essa convivência,
que chegam muitas vezes a situações de violência e morte, nos questionamos se o homem
não é um ser para a solidão.
Segundo Todorov (1996), existem dois discursos que tentam dar explicações da
convivência ou não do homem em sociedade. O primeiro deles trata do homem enquanto ser
solitário e associal. Cita os moralistas da época clássica que apresentam a visão da humanidade
em dois estados: um sendo a vida real, envolvendo também as nossas ilusões, e outro da
vida autêntica, apesar de ser de difícil acesso. Nesta visão, o homem deve tentar livrar-se do
intercâmbio com outros homens, almejando a autarquia, a autossuficiência. Tal visão revela
uma concepção individualista das representações da vida humana. Além disso, o autor traz as
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concepções de Maquiavel e Hobbes, pensadores que tiveram repercussão no pensamento da
época ao considerar o homem sendo lobo do próprio homem; onde a relação do homem com
os outros se dá apenas para satisfazer seus interesses, sendo, assim, egoísta e interesseiro.
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TÓPICO 1
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O segundo discurso traz a visão do homem enquanto ser social. Tal visão está presente
na filosofia clássica com os filósofos gregos, que acreditam que o homem é um animal social,
que o outro é importante para que a virtude possa se manifestar e a amizade é vista como
um mérito e não uma necessidade. Em “O banquete”, Platão traz a ideia de completude e
da necessidade que o homem tem do outro. Aristóteles (1999, p. 147) afirma “aquele que for
incapaz de viver em sociedade, ou que não tiver necessidade disso por ser autossuficiente,
será uma besta ou um deus, não uma parte do Estado”.
O MENINO SELVAGEM DE AVEYRON
Em setembro de 1799, um menino, de cerca de 12 anos de idade, foi encontrado
perto da floresta de Aveyron, sul da França. Estava sozinho, sem roupa, andava de quatro
e não falava uma palavra. Aparentemente fora abandonado pelos pais e cresceu sozinho
na floresta. O menino, a quem lhe deram o nome de Victor, foi levado para Paris, onde ficou
aos cuidados do médico Jean-Marc-Gaspar Itard. Durante cinco anos o Dr.Itard dedicouse a ensinar Victor a falar, a ler, a se comportar como um ser humano, mas seus esforços
foram em vão. Pouco progresso foi conseguido durante esse tempo. Victor nunca falou e
aprendeu a ler somente uma palavra (leite). Não era mais o menino selvagem de quando
fora encontrado, mas, também, não se tornou humano.
FONTE: Disponível em: <http://www.geocities.com/jaimex54/Natureza.html>. Acesso em: 04 jul.
2008.
No século XVIII, Rousseau trará pela primeira vez, segundo Todorov (1996), a concepção
do homem como um ser que tem necessidade dos outros. O mérito atribuído a Rousseau referese ao fato de ter abordado a questão da identidade por meio de um terceiro sentimento (além
do amor de si e o amor-próprio), que é o meio caminho dos dois: a “ideia da consideração”. Ou
seja, trata da necessidade do homem de atrair o olhar do outro, a necessidade de ser olhado, de
buscar a estima pública. O homem é visto como um ser incompleto e insuficiente, que precisa
do outro para completar sua falta. Hegel também ampliará em certo sentido as concepções
de Rousseau, ao utilizar o termo reconhecimento designando o que Rousseau chamava de
“consideração”. Para Hegel, o homem tem necessidade do outro e para haver um é preciso
mais um, para ser humano é preciso pelo menos dois.
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DICA
Que tal analisar alguns filmes para melhor refletir sobre os mistérios que
constituem o ser humano? Minhas dicas são:
• O ponto de mutação – o filme discute os paradigmas cartesiano e
emergente.
• Imensidão Azul - História de mergulhadores que buscam nas
profundezas dos oceanos as respostas para as questões existenciais.
• Nell - História de uma mulher que vive isolada até os 30 anos,
desenvolvendo linguagem própria e características selvagens. O dilema
está na necessidade ou não de civilizá-la.
Como ilustração do que acabamos de estudar, veja como o poeta pensa o ser
humano:
O ÚNICO ANIMAL
O homem é o único animal que ri dos outros. O homem é o único animal que passa
por outro e finge que não vê.
É o único que fala mais que o papagaio.
É o único que gosta de escargots (fora, claro, o escargot).
É o único que acha que Deus é parecido com ele.
E é o único...
... que se veste
... que veste os outros
... que despe os outros
... que faz o que gosta escondido
... que muda de cor quando se envergonha
... que se senta e cruza as pernas
... que sabe que vai morrer
... que pensa que é eterno
... que não tem uma linguagem comum a toda espécie
... que se tosa voluntariamente
... que lucra com os ovos dos outros
... que pensa que é anfíbio e morre afogado
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... que tem bichos
... que joga no bicho
... que aposta nos outros
... que compra antenas
... que se compara com os outros
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O homem não é o único animal que alimenta e cuida das suas crias, mas é o único
que depois usa isso para fazer chantagem emocional.
Não é o único que mata, mas é o único que vende a pele.
Não é o único que mata, mas é o único que manda matar.
E não é o único...
... que voa, mas é o único que paga para isso
... que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
... que constrói casa, mas é o único que passa quinze anos pagando
... que foge dos outros, mas é o único que chama isso de retirada estratégica
... que trai, polui e aterroriza, mas é o único que se justifica
... que engole sapo, mas é o único que não faz isso pelo valor nutritivo.[...]
FONTE: VERÍSSIMO, L. F. O marido do Doutor Pompeu. Porto Alegre: L&PM, 1987.
Para ampliar suas leituras, investigue em: http://www.filosofiavirtual.
cjb.net/ - site com temas da filosofia, cronologia, filósofos, informações
sobre a carreira e mercado de trabalho para o filósofo; <http://www.
terravista.pt/Ancora/1452/artigos.htm>. - artigos que tratam de
questões filosóficas.
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:

Tratamos
sobre o ser humano e refletimos sobre a clássica indagação: afinal, o que é o
homem?

Dentre as principais condições identificamos: a condição racional, a condição social, a condição
mortal, a condição material, a condição espiritual, a condição comunicativa, a condição
psíquica, a condição do trabalho, a condição de liberdade, a condição ética, a condição
histórica, a condição biológica, a condição cultural e a condição lúdica.

Apresentamos

Na
duas visões sobre o ser humano: uma associal e outra social.
visão associal, o homem deve tentar livrar-se do intercâmbio com outros homens,
almejando a autarquia, a autossuficiência.

A visão social está presente na filosofia clássica com os filósofos gregos, que acreditam que o
homem é um animal social, que o outro é importante para que a virtude possa se manifestar
e a amizade é vista como um mérito e não uma necessidade.
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Para tornar as informações deste tópico mais concretas, procure identificar que
condições a sua área de formação mais atende.
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TÓPICO 2
LIBERDADE: ESTÁ NO
LIMITE OU NO VÍNCULO?
1 INTRODUÇÃO
A liberdade de um vai até onde começa a liberdade do outro? Esta questão conduz
nossa reflexão para as diferentes compreensões sobre o que é essa tal liberdade. O problema
da liberdade está, primeiro, em pensar se ela existe ou não; depois, por considerar que ela
existe, pensar se ela se dá no limite ou no vínculo. Antes de tudo: o que é liberdade?
Você, por muitas vezes, deve ter se sentido preso, sem liberdade para sair de casa
ou fazer o que quer. Ou, muitas vezes, ao ser livre para escolher, acaba escolhendo a partir
de critérios alheios aos seus. Ou ainda, ao ser livre para querer, se quer o que outros querem
que se queira. A filosofia, como ferramenta para o pensar, pode nos ajudar a entender melhor
a liberdade.
A liberdade sempre foi uma questão fundamental na história da humanidade. Todos nós
queremos ser livres. Através da história percebemos que muitas pessoas tiveram que pagar
um preço alto pela sua liberdade. Muitos queimados em fogueira, outros presos, perseguidos
e torturados.
Todos necessitam de liberdade. Até os animais. Você já reparou como o cachorro fica
feliz quando o soltamos da corrente?
Skinner, psicólogo americano, escreveu “O mito da liberdade”. Nele questiona as noções
de livre-arbítrio, liberdade e homem autônomo. Skinner afirma que as contingências é que
determinam nossa liberdade. Para ele, as contingências de reforçamento são mais poderosas
do que a consciência do homem autônomo. Por exemplo, “não saio nu na rua porque posso
ser preso”. “Não falto ao trabalho para não ganhar a conta ou para não perder a gratificação”.
Assim, para Skinner, não podemos ser livres, a menos que conheçamos nossas fontes de
controle.
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A liberdade, para o existencialismo, é uma das grandes angústias da condição humana.
O homem é condenado a ser livre e isto o coloca na obrigação de escolher. Constantemente
estamos escolhendo, porque somos livres. Nossa angústia reside na responsabilidade das
escolhas livres que fazemos.
Por outro lado, podemos refletir sobre a condição histórica e cultural da liberdade. Nesta
condição, podemos reconhecer que a liberdade não é uma dádiva, não nascemos livres e a
liberdade é conquistada. Assim procedem todos os que querem romper com os grilhões que
prendem, alienam e interrompem a liberdade.
A!
NOT
Para você fazer uma leitura criteriosa, selecionei os principais conceitos
que aqui se desenvolverão:
•Liberdade - Abbagnano (1998, p. 606) aponta três significados
diferentes: 1º- como autodeterminação e, portanto, sem limitações;
2º- como necessidade; 3º - como possibilidade ou escolha.
•Escolha - quando se pode fazer uma opção diante de algumas
possibilidades. Não escolha sem haver possibilidade. Para Platão,
“cada qual é a causa de sua própria escolha” (Rep., X)
•Responsabilidade - diferente de imputabilidade (atribuição de uma
ação a um agente), a responsabilidade está relacionada com a escolha.
Ser responsável é assumir as consequências de suas escolhas, bem
como prever sobre elas antes de optar.
2 TIPOS DE LIBERDADE
Vamos agora apresentar algumas definições de liberdade que estão vinculadas a uma
visão de homem e de mundo, presentes nas leis, nos dizeres cotidianos e em máximas que
marcaram época.
Liberdade de ação - “Um ser é livre quando é regido pelas suas próprias leis decorrentes
da sua natureza”.
Liberdade permitida - “É proibido proibir”
Liberdade física: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz
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(Constituição - Artigo 5º, XV) - direito de ir e vir”
Liberdade religiosa: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença...” (Constituição
- Artigo 5º, VI)
Liberdade política: “Poder atuar nos rumos da organização social”
UNIDADE 3
TÓPICO 2
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Liberdade jurídica: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações...”
(Constituição - Artigo 5º, I)
Liberdade profissional: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão...”
(Constituição - Artigo 5º, XIII)
Liberdade social - “Ser livre é fazer tudo o que não for proibido pela lei social”
Liberdade legal - “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão
em virtude da lei” - “Se eu devo, eu posso”.
Liberdade necessária - “A liberdade reside em fazer o que é necessário”
Liberdade de escolha - “O homem livre, entre dois bens, escolhe o maior” (Spinoza)
Liberdade de pensamento - “Não nascemos livres, mas conquistamos, pela razão, a
liberdade”
Liberdade concreta - “Uma liberdade que é só pensamento não é liberdade”
Liberdade condicional - “Toda vida humana se explica por três fatores: a raça, o meio,
o momento”. (Taine)
Liberdade incondicional - “Por mais que eu procure em mim a razão que me determina,
mais sinto que eu não tenho nenhuma outra senão apenas minha vontade”. (Bossuet)
Liberdade consciente - “A consciência que o homem tem das causas se transforma,
por sua vez, em outra causa, capaz de alterar a ordem das coisas”. (Aranha e Martins)
Liberdade transcendente - “A transcendência é a ação pela qual o homem executa o
movimento de se ultrapassar a si mesmo”. (Aranha e Martins)
Liberdade impossível - “O homem é um corpo físico, um corpo biológico, um ser
psicológico e cultural. Isto determina o que ele vai ser e o que vai escolher. O homem é
determinado e não é livre”.
3 ONDE ESTÁ A LIBERDADE: NO LIMITE
OU NO VÍNCULO?
Tratemos agora de investigar estas duas possibilidades de entendimento da liberdade.
Nosso ponto de partida está no dito popular: “a liberdade de um vai até onde começa a do outro”.
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3.1 LIBERDADE: A ESCOLHA NO LIMITE
Nesta posição, defende-se que a liberdade está em fazer o que se quer sem prejudicar
ao outro. A liberdade de um tem seu limite onde começa a do outro. Ser livre é respeitar o outro
em sua liberdade. Como quotidianamente se diz: “cada um na sua” ou “cada macaco no seu
galho”. Cada um é responsável por suas escolhas.
Esta posição pode ser sustentada a partir do liberalismo moderno, no qual a burguesia
defendia ideias de desvinculação entre estado e sociedade. No liberalismo ético, buscou-se
garantir os direitos individuais, que são os clássicos: liberdade de pensamento, liberdade de
crença e liberdade de expressão.
A liberdade passa a significar o direito que cada pessoa possuía para poder fazer
tudo aquilo que não venha a prejudicar aos outros. As leis exercem o papel de dar garantias
individuais e assim assegurar a liberdade do cidadão. Elas são fruto de um contrato social que
determina os limites da condição individual diante do coletivo e os limites do coletivo diante do
individual. Um exemplo concreto disto é a propriedade privada, que é um direito instituído no
capitalismo. No espaço que me pertence sou livre para construir uma casa sem ferir o direito
e a liberdade de ninguém. Com o dinheiro do salário, compro o que posso e quero...
Para Montesquieu (1973, p. 155), “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis
permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade,
porque os outros também teriam tal poder”.
Nossa Constituição define que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade... (Constituição, Artigo 5º).
3.2 LIBERDADE: A ESCOLHA NO VÍNCULO
A nossa forma de vida revela uma existência social, de vínculo de um para com o outro.
Não há como imaginar o ser humano sem pensá-lo nas qualidades que adquiriu no coletivo.
Coletivo que se organiza pela reciprocidade de colaboração entre os membros de um grupo.
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Viver no coletivo foi uma escolha necessária para garantir a própria sobrevivência do ser
humano.
A existência humana se constitui a cada dia, pois o homem não é algo pronto e acabado,
é um ser em movimento e que no coletivo exercita possibilidades de escolha. O nosso existir
revela uma escolha. Uma escolha de nossos pais, ao terem um filho, e uma escolha nossa,
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TÓPICO 2
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de optarmos todos os dias pela vida.
Assim, somos livres para escolher possibilidades e renunciar a outras. Porém, nossas
escolhas variam de grau e importância. Escolher entre ir para a escola e ficar em casa em um
dia chuvoso é mais simples do que escolher uma profissão. Nossas escolhas implicam um ato
que revela responsabilidade.
[...] admite-se como direito de liberdade de um indivíduo ele realizar tudo quanto queira, desde que suas ações não venham a interferir na vida do outro. O
que não se admite são os choques, os conflitos. Deste modo, teria eu o direito
de fazer tudo quanto quisesse, desde que não perturbasse a vida de outra
pessoa. Sim, o sentido parece claramente ser esse. Mas, será isto aceitável?
Primeiro, é possível todas as pessoas agirem de tal modo que cada um faça
o que quer desde que não afete a vida do outro? Admitamos, teoricamente,
que isto seja possível. Quais seriam as consequências? Ousamos dizer que as
consequências estariam em que toda a vida humana seria perturbada. Como
pretender não afetar a vida do outro se naturalmente nossas vidas são afetadas umas pelas outras? Depois, não basta [...] admitir a liberdade de um em
separado da liberdade do outro, uma vez que faz parte legítima da liberdade
de cada um esperar do outro aquilo que lhe é devido, ou seja, não é possível
escamotear o fato de que uns têm para com os outros deveres recíprocos
(MENDONÇA, 1977, p. 21) .
Como vivemos em sociedade, nossas escolhas influenciarão outras pessoas. Se eu
decidir abandonar a escola, minha decisão influenciará a minha vida e também a de meus
colegas, familiares e amigos.
Assim, Sartre afirma que quando escolho, me torno humano, e escolho não apenas a
mim, mas a toda humanidade. Nossas escolhas é que determinarão o nosso existir.
FIGURA 7 – JEAN-PAUL SARTRE
FONTE: Disponível em: <http://www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_26/
sartre.html>. Acesso em: 05 jul. 2008.
A toda ação uma reação. A toda escolha individual uma reação social.
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UNIDADE 3
4 CONCEITOS TRADICIONAIS PARA PRÁTICAS
INOVADORAS – “CADA UM NA SUA!”
É corriqueiro ouvir a expressão “cada um na sua”, seja nas relações de trabalho ou nas
relações educativas. Outras expressões endossam a mensagem: “cada um por si, Deus por
todos”, “cada cabeça uma sentença”, “distância impõe respeito”, “cada macaco no seu galho”,
“cada um sabe de si, Deus de todos”. Endossam a mensagem de individualismo, equivalente
à ideia de liberdade, quando se diz que “a liberdade de um vai até onde começa a do outro”.
Contrariamente a estes adágios, encontramos reflexões que salientam a necessidade de se
exercitar a liberdade na coletividade. Os conceitos que dão força a esta visão são: solidariedade,
equipes de trabalho, trabalho coletivo, cooperação, objetivos comuns, responsabilidade
coletiva. Na contramão dos provérbios carregados de individualismo, encontramos provérbios
que valorizam a colaboração: “duas cabeças pensam mais do que uma”, “é companheiro até
debaixo d’água”.
As novas teorias de gestão de pessoas analisam formas de se obter um clima propício
para a colaboração mútua em superação da obsoleta visão individualista presente na abordagem
tayloriana/fordista. Para esta nova discussão, pergunta-se: como transformar um grupo em
equipe? Para Claudia Bitencourt (2004, p. 134), “um conjunto de pessoas trabalhando em uma
sala já constitui um grupo. A questão primordial para transformar o arranjo de pessoas em equipe
é conseguir ativar os relacionamentos interpessoais em atitudes cooperativas e proativas”.
Na direção de nossa reflexão, procuramos verificar a liberdade como uma forma
de vínculo, o que implica uma responsabilidade coletiva. Esta mesma responsabilidade é
apontada como uma necessidade nos grupos de trabalho. Além disto, a liberdade como vínculo
na formação de equipes dentro das organizações promove qualidade, agilidade, rapidez de
resposta às mudanças, flexibilidade na assimilação de novos valores. Isto ocorre porque as
equipes proporcionam um ambiente de trocas contínuas, de respeito, de reciprocidade e de
comprometimento.
Conforme Katzenbach e Smith (apud BITENCOURT, 2004, p. 135),
As equipes reais estão profundamente compromissadas com seu propósito,
suas metas e com sua abordagem. Os participantes da equipe de alta performance encontram-se também muito compromissadas entre si. Eles compreendem que a sensatez das equipes surge ao se dar enfoque aos produtos do
trabalho coletivo, ao crescimento pessoal e aos resultados da performance.
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A condição para a colaboração e para o coletivismo tem relação direta com a cultura
que cada pessoa compartilha. Os adágios na introdução desta seção denunciam uma
cultura desfavorável ao compromisso coletivo, mas nada impede que haja um processo de
aprendizagem para o trabalho em conjunto, para a responsabilidade coletiva, para a cooperação.
Esta aprendizagem pode ser orientada pelo exercício de contratos objetivos e subjetivos,
UNIDADE 3
TÓPICO 2
137
de solidariedade interpessoal e, principalmente, de comunicação aberta. Entende-se por
comunicação aberta a liberdade de expressão e a participação no processo de planejamento
e de deliberação.
5 ESTUDO DE CASO
A empresa Calçados S.A.
A empresa Calçados S.A. está há 40 anos no mercado de calçados e apresenta
uma postura de incentivar a conscientização dos funcionários. Esse incentivo se dá pela
implementação de programas de educação e capacitação, controle estatístico do processo,
projeto da produção, atividades em pequenos grupos, cursos de qualidade e manutenção
produtiva total. Outra forma que a empresa utiliza para a conscientização dos operários é a
participação nos lucros. Nesse processo, os colaboradores são responsáveis pela definição
da parcela de lucro que lhes cabe e há a promoção de reuniões para análise e discussão
dos índices de perdas e ganhos e dos resultados.
A produção nessa empresa é do estilo “puxada”, como no sistema just-in-time,
e, se há excedente de vendas, existem facções preparadas para absorvê-las e fabricar
mais calçados, com a mesma qualidade dos produzidos internamente. O sistema de
produção é chamado de Sistema Rápido de Produção, composto por células de produção,
multioperadores, automação e melhoria de baixo custo, sistema rápido de abastecimento,
produção em pequenos lotes e autogerenciamento. O gerente é cobrado pela produtividade
e tem que ter um perfil de apoiador, com habilidades humanas bem desenvolvidas, para
deixar o grupo num clima de motivação constante.
A empresa trabalha com os sistemas de células e de multioperadores, sendo cada
célula formada normalmente por sete pessoas e por 10 a 11 máquinas, possibilitando que,
no mesmo dia, cada operador faça um rodízio de função. Quando termina a atividade na
máquina em que estava trabalhando, o operador passa para uma máquina desocupada
que o está aguardando com trabalho a complementar. É importante salientar que na célula
não ocorre todo o trabalho de confecção do calçado, mas toda uma etapa de confecção,
como, por exemplo, todas as atividades de costura de um sapato.
A razão da eficiência desse sistema de produção, na empresa Calçados S. A., tem
fundamentação na necessidade de flexibilização, ou seja, “cada grupo pega uma linha e
cumpre o pedido, faz o que o cliente pediu com rapidez e, se tiver que alterar alguma coisa,
a mudança é muito mais veloz. Quando há reuniões, alterações, etc., é tranquilo porque
para somente um segmento, ao contrário da esteira, que atrapalha toda a continuidade”,
afirma o gerente de treinamento.
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Além disso, disse ele, numa entrevista em 1995, que “a mudança é no jeito de
encarar o funcionário”, e considerou difícil a fase de implantação do processo, porque há
um investimento muito grande para fazer funcionar, acertar os desvios e desenvolver as
pessoas. Concluiu que o resultado é positivo: “agora as pessoas são mais responsáveis e
são cobradas por isso”.
Segundo a empresa, todas as sugestões são bem-vindas e recompensadas por
meio de promoção pessoal, e dificilmente as recompensas são em valores monetários. É
aceito que dar sugestões, fazer melhorias e manufaturar com produtividade e qualidade
faz parte nos deveres do cargo ocupado”.
A empresa trabalha movida por objetivos que são definidos pela alta direção, sendo
que a decisão do caminho a seguir é compartilhada pela gerência. As políticas de recursos
humanos da empresa Calçados S.A. englobam os subsistemas de recrutamento e seleção
e o treinamento e o desenvolvimento. O sistema de recrutamento e seleção visa a buscar
pessoas com características para trabalhar em grupo; o pessoal sabe por experiência que,
sem esse perfil, o funcionário acaba por excluir-se do sistema, não se sustentando. O grupo
de operadores ajuda na seleção e, se quiser, pode escolher e convidar alguém da própria
empresa para fazer parte da sua célula.
[...]
Existe ainda na empresa o programa de formação de menores para o trabalho
no calçado. Por dois anos, os menores são acompanhados, aprendendo a trabalhar em
grupo, a exercer suas habilidades interpessoais (criatividade, integração, relacionamento,
etc.) e praticando todas as atividades da confecção do calçado. No final do programa, os
treinandos podem escolher se querem permanecer ou não na empresa. Para a participação
no programa, a empresa exige que os menores estejam cursando a escola básica. Também é
estimulada a prática de esportes e há o acompanhamento de psicóloga para orientá-los.
[...]
A empresa Calçados S.A. tem a percepção da satisfação dos funcionários quanto
ao estilo do trabalho por meio dos contatos internos com a área de recursos humanos,
pois demonstram orgulho ao explicar seu trabalho, ou ao saber as características da sua
produção. Outro fator de medição, segundo a empresa, pode ser o nível de produtividade.
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Exemplificando: num determinado momento foi prevista uma quantidade de funcionários
para a produção numa célula; depois de iniciado o trabalho e atingido o nível ótimo de
produção, não apenas foi alcançado o objetivo, como também se diminuiu em 30% o número
de pessoas ali necessárias (BITENCOURT, 2004, p. 141-142).
UNIDADE 3
A!
NOT
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139
O filme conta a história de uma gaivota que não quer ser
igual às outras, quer voar mais longe, quer ser livre. Após
assistir ao filme, procure relacionar com este tópico que
aborda a questão da Liberdade. FERNÃO CAPELO GAIVOTA.
Direção de Richard Bach. EUA: CIC, 1973, 1 Cassete (99
min): legenda, color; 12mm VHS.
LEITURA COMPLEMENTAR
A ÁGUIA E A GALINHA
Numa tarde sonolenta de verão, voltava um criador de cabras, do alto de uma
planura verde. Quando passava ao pé de uma montanha, encontra um ninho de águias todo
estraçalhado. Semicoberta por gravetos havia uma jovem águia ferida na cabeça, parecia
morta. Era uma águia-harpia brasileira, ameaçada de extinção no Brasil.
Recolheu a águia com cuidado e pensou em levá-la ao seu vizinho, que empalhava
animais. Este ficou admirado por se tratar de uma águia-harpia. Também supôs que estivesse
morta, e a colocou ternamente debaixo de uma cesta.
Na manhã seguinte teve grata surpresa. Percebeu que a águia se mexia levemente.
Havia feridas em várias partes do corpo e a águia estava cega.
Sentiu muita pena da jovem águia. Por misericórdia, quase quis sacrificá-la. Até
encontrava razões para isso, visto que matam muitos animais pequenos, especialmente
macacos e preguiças, lebres, patos. Sabia que na Austrália as águias são mortas às centenas
por serem prejudiciais aos cangurus e a outros animais pequenos.
Pensou muito, mas lembrou-se da tradição espiritual de Buda e de São Francisco,
que pregavam uma ilimitada compaixão por todos os seres que sofrem. Recordou-se da ética
ecológica. Até uma frase bíblica lhe veio à mente: “escolha a vida e viverá”.
Por todos esses argumentos, decidiu preservá-la e tratá-la com carinho. Todo dia partialhe pedaços de pão e carne e a alimentava com dificuldade. Depois de um ano, começou a
perceber que os sentidos despertavam para a vida. Primeiro os ouvidos. Depois começou a
mover-se por si mesma. Andava pela sala e pelo jardim. Recuperou sua voz, mas continuava
cega. Os olhos são tudo para uma águia. Seu olhar vê oito vezes mais que o olho humano.
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Por fim, o empalhador decidiu colocá-la junto às galinhas. Durante dois anos circulava
cega entre elas. Andava com dificuldade, pois suas garras não foram feitas para andar.
Eis que um dia, a águia começou a enxergar. Depois de três anos de paciente cuidado,
ela recuperara seu corpo de águia. Porém, vivia como uma galinha.
Certo dia um casal de águias passou por ali. Deu voos rasantes. Ao perceber as águias
no céu, a águia-galinha espalmava as asas e sacudia a cauda. Seu coração de águia voltava
a pulsar aos poucos.
Passado algum tempo, o empalhador recebeu a visita de um naturalista, que ficou
perplexo ao ver a águia-galinha. Decidiram fazer um teste. O empalhador colocou-a no braço
e falou-lhe: Águia, nunca deixará de ser águia, estenda suas asas e voe. Porém, vendo as
galinhas, a águia deixou-se cair pesadamente. Fizeram nova tentativa, no terraço de sua casa,
mas não funcionou.
Aí ambos lembraram da importância do sol para uma águia, e a levaram ao alto da
montanha, de frente para o sol. O empalhador sustentou fortemente a águia sob o olhar confiante
do naturalista e disse: Águia, você é amiga das montanhas, filha do sol, eu lhe suplico: desperte
de seu sono! Revele sua força interior. Abra suas asas e voe para o alto!
A águia ergueu-se soberba sobre o próprio corpo, abriu as longas asas, esticou o pescoço
e alçou voo. Voou na direção do sol nascente. Voou até fundir-se no azul do firmamento.
Interpretação feita da história apresentada por Leonardo Boff.
FONTE: BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 27.ed. Petrópolis: Vozes,
1997.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico apresentamos algumas definições de liberdade que estão vinculadas
a uma visão de homem e de mundo, presentes nas leis, nos dizeres cotidianos e em
máximas que marcaram época.

Definições
apresentadas: liberdade de ação, liberdade permitida, liberdade física, liberdade
religiosa, liberdade política, liberdade jurídica, liberdade profissional, liberdade social, liberdade
legal, liberdade necessária, liberdade de escolha, liberdade de pensamento, liberdade
concreta, liberdade condicional, liberdade incondicional, liberdade consciente, liberdade
transcendente, liberdade impossível.

Problematizamos
também o adágio popular que diz: “a liberdade de um vai até onde começa
a do outro”.

Onde
está a liberdade, no limite ou no vínculo?

Liberdade:
a escolha no limite – neste parecer defende-se que a liberdade está em fazer o
que se quer sem prejudicar o outro.

Liberdade:
a escolha no vínculo – neste parecer defende-se que não há como imaginar o
humano sem pensá-lo nas qualidades que adquiriu no coletivo.

Conceitos
tradicionais para práticas inovadoras – as novas teorias de gestão de pessoas
analisam formas de se obter um clima propício para a colaboração mútua em superação da
obsoleta visão individualista presente na abordagem taylorista/fordista.
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Leia o Artigo 5º. da Constituição brasileira e procure identificar o
conceito de liberdade implícito.
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TÓPICO 3
IDEOLOGIA: COMO PODE O
PODER DE POUCOS DETERMINAR
A CONDIÇÃO DE MUITOS?
1 INTRODUÇÃO
Como pode o poder de poucos determinar a condição de muitos? Você já parou para
pensar nesta pergunta?
A palavra ideologia é empregada cotidianamente de duas maneiras distintas. Poderíamos
distinguir entre uma “boa ideologia” e uma “má ideologia”.
A “boa ideologia” recebe uma forma de emprego que está associada a uma necessidade
social, a uma identidade social, como lembra a música do Cazuza: “ideologia, quero uma pra
viver”.
UNI
“A ideologia é uma das formas da práxis social: aquela que, partindo da
experiência imediata dos dados da vida social, constrói abstratamente
um sistema de ideias ou representações sobre a realidade” (CHAUÍ,
1984, p. 106).
O outro emprego da palavra é pejorativo e constitui uma “má ideologia”. Faz alusão
à manipulação social como forma de dominação. Como prática, é o conhecimento utilizado
interesseiramente. É uma tentativa de convencer as pessoas por meio de uma elucidação ou
falseamento da realidade. Pode ainda ser considerada como um sistema de ideias geradas por
uma minoria dominante que proveitosamente quer manipular a vontade das pessoas ou como
um conjunto de ideias de uma maioria dominada que quer se libertar da opressão que vive.
A pergunta que orienta o tópico, “como pode o poder de poucos determinar a condição
de muitos?”, também orientou o filósofo Karl Marx. A resposta que ele encontrou pode ser
caracterizada a partir do conceito de Ideologia que, em sua reflexão, recebe um sentido
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mais amplo. Anteriormente, a palavra era empregada como teoria geral das ideias e, com o
pensamento marxista, passa a ter um emprego político. Sua origem é constatada na ambição
capitalista que para explorar precisa dificultar a percepção do real e alienar.
Marx verificou a estrutura social que se formou em cada tempo, principalmente na era
industrial, e percebeu que toda sociedade está dividida em classes, sendo que uma domina
as demais. Para não perder seus privilégios e conquistar outros, a classe dominante utiliza um
mecanismo sutil de dominar e assim perpetuar-se no poder. A ideologia é a voz do opressor e
a alienação, o silêncio do oprimido.
2 AS IDEOLOGIAS DE DOMINAÇÃO
As ideologias de dominação são formadas por um “corpo de ideias” que a classe
opressora produz para convencer a população de que aquela estrutura social é a melhor. São
ideias que geram acomodação e dissimulam as tentativas de contraorganização social. Existem
vários mecanismos utilizados ideologicamente, dentre eles os principais são: a naturalização,
a universalização, a reificação, a dissipação social, o falseamento e a alienação.
A naturalização é uma das formas de dirigir a consciência da população criando um
juízo de que tudo é “natural”. Você já deve ter ouvido o juízo de que “sempre foi assim e sempre
assim será”. Esta ideia disfarça as contradições e leva as pessoas ao conformismo político e
social. Contra esta mentalidade, Bertolt Brecht (apud TOMELIN, 2005, p. 139) nos faz refletir:
Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam – Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre o sangue,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza...
Não digam nunca: isso é natural!
A fim de que nada passe por ser imutável.
A universalização consiste na formação de uma consciência universal, tornando-a um
senso comum entre as pessoas. A ideologia passa a ser interiorizada por todos de tal forma
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que se aparenta como aspiração legítima do coletivo. “A convergência no pensamento evita
a divergência nas ações” (CYRINO et al., 1987, p. 26). Forma-se uma correnteza ideológica,
dificultando que alguém resolva remar contra.
A reificação é a “coisificação”. As pessoas são tornadas coisas pela condição de trabalho
e de produção a que são submetidas. A vontade e até a identidade são compradas mediante
UNIDADE 3
TÓPICO 3
145
o salário. O trabalhador faz a vontade de quem lhe paga. Por dinheiro, corre risco de perder a
própria vida. A vida é coisificada.
A!
NOT
De acordo com o Dicionário Houaiss, coisificar é tornar parecido com
uma coisa; identificar com um ato ou objeto concreto; reduzir o homem
e sua consciência a coisa, objeto ou valores materiais; tratar o ser
humano desse modo.
A dissipação social está vinculada ao processo de fragmentação dos interesses sociais,
de forma que ocorrem os individualismos e a desarticulação dos grupos. Como exemplo disto
podemos citar os inúmeros partidos políticos, religiões e times de futebol que existem. Enquanto
as pessoas se isolam em seus fanatismos, não se organizam em seus interesses coletivos
para fazer frente às ideologias de dominação.
O falseamento da realidade ocorre quando se cria uma consciência falsa da realidade.
Por meio de diferentes mecanismos de comunicação, a classe dominante deturpa os fatos
para justificá-los socialmente. A ideologia projeta uma realidade falseada, ilusória, que oculta
as contradições do mundo real.
A alienação torna o homem alheio a si mesmo. O valor de seu trabalho é desvinculado
do produto final. O trabalho passa a ser necessário como meio para suprir as necessidades de
sua sobrevivência. O homem não vive do trabalho, mas da remuneração de seu trabalho. Todo
conjunto de interesses de uma pessoa ou grupo sobre outro, que se naturaliza, como coisa
própria e indispensável ao cotidiano, leva as pessoas à alienação. Alienado é aquele que faz
a vontade alheia. Pela reflexão, podemos identificar e superar o discurso da ideologia e das
intenções predominantes que manipulam nossa vontade.
3 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA IDEOLOGIA
A ideologia está presente na escola, na família, na religião, na política, na mídia e em
todos os lugares em que há duas pessoas ou mais se relacionando. Ela se propaga em todas as
instituições sociais que de alguma forma exercem um papel formativo da consciência humana.
Veja, nas características a seguir, o que a ideologia faz e como atua na consciência humana:
•Estabelece uma visão de mundo.
•Manipula
as vontades, cria desejos e necessidades, desenvolve o fascínio pela
mercadoria.
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•Encobre a verdade.
•Deixa a realidade confusa e distorcida.
•Coisifica a relação entre as pessoas.
•Prescreve normas para a conduta humana.
•Cria representações sociais, símbolos e modelos.
•Possui um discurso lacunar.
•Explica a realidade a partir da visão de mundo da classe dominante.
•Afasta
o produtor do produto para que ele não veja significado em seu trabalho –
Alienação.
•Naturaliza os problemas sociais – criando valores de conduta.
4 A FUNÇÃO DA IDEOLOGIA DOMINANTE
A função principal da ideologia dominante é conservar as coisas como estão, ou seja,
criar uma realidade ilusória confortável a todos os dominados, de forma que não sintam as
contradições e o peso da opressão. Para conservar as coisas como estão, ela se utiliza dos
mecanismos acima apontados e se dilui na ingenuidade coletiva.
Disto surgem algumas afirmações correntes que fazem parte da consciência conformista.
A seguir, listamos alguns dizeres cotidianos que podem formar uma falsa consciência conformista
diante da realidade.
•Você é um trabalhador livre.
•Não podemos aumentar o salário porque aumenta a inflação.
•Os pobres não enriquecem porque não se esforçam.
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•Todos os homens são livres.
•Todos são iguais perante a lei.
•Todos possuem igualdade de oportunidades.
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•Todos possuem direito à educação.
•Sempre foi assim, é natural que permaneça da forma como está.
•O trabalho dignifica o homem.
•As crianças pobres não aprendem porque não são inteligentes.
5 A IDEOLOGIA DO CONSUMO
No sistema capitalista, a produção é voltada para o consumo e para o lucro. Quanto
maior a procura, maior a produção e maior o lucro.
A propaganda é a estratégia para fazer as pessoas consumirem. Ela cria modelos,
padrões de beleza, gosto, prazer, lazer, que fazem as pessoas almejarem o que lhes é
apresentado. Os propagandistas sabem que todos buscamos a felicidade, a harmonia, o
bem-estar, uma família feliz etc. Sabem também que a realidade não é tão tranquila quanto
gostaríamos que fosse.
FIGURA 8 – CONSUMISMO
FONTE: Disponível em: <http://www.telha.net/Consumismo203.jpg>. Acesso em: 10 jul.
2008.
A partir da realidade e da vontade, os propagandistas criam uma imagem daquilo que
almejamos, agregado a um produto. De alguma forma, a propaganda nos promete: “compre
isto e leve aquilo”. “Consuma cigarro X e tenha a liberdade, cigarro Y e ganhe uma vida de
aventura e sucesso, creme vegetal Z e uma família feliz, carro W e um emprego prazeroso,
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cerveja 1 para refrescar os pensamentos, tênis R para ser vencedor, sabonete P para uma
pele perfeita”. Muitas vezes, compramos o produto por aquilo que ele promete, muito mais do
que aquilo que realmente pode fazer. Compramos a ilusão.
O sucesso do sistema capitalista, fundado sobre os princípios da livre iniciativa, livre
concorrência, lei da oferta e da procura, produção e lucro, depende em grande parte das
ideologias de consumo. Ideologias de consumo que formaram uma sociedade de consumo
que se caracteriza pela constituição de uma cultura do efêmero. Uma sociedade do efêmero
que se sustenta no desejo pela novidade. Uma sociedade que anuncia o “admirável mundo
novo” da plena realização e felicidade no consumo.
S!
DICA
Interessado em saber mais sobre o “Admirável Mundo Novo”? Então
leia o seguinte livro:
HUXLEY. ALDOUS. Admirável Mundo Novo. São Paulo: Globo, 2000.
As ideologias de consumo levam às entranhas da consciência do indivíduo o impulso
em substituição da razão, incitando desejos, estimulando reações e formando necessidade. O
objeto que se torna sonho de consumo congrega em si as expectativas do indivíduo consumidor.
David Harvey (1989, p. 148) analisa as ideologias de consumo da seguinte forma:
A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por
uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os
artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso
implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar
a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pósmoderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a
mercadificação de formas culturais.
A dinâmica do capitalismo hoje está em função do consumo e a dinâmica do consumo
está nos instrumentos ideológicos. As ideologias de consumo não ocorrem somente no
capitalismo. As ideologias podem ser vistas em toda e qualquer sociedade e em diferentes
grupos de cada sociedade. O que difere em cada espaço é a lógica das ideologias de consumo.
A lógica do capitalismo se sustenta na exploração da mão de obra e acumulação de capital. O
consumo é a etapa do processo que sustenta a dinâmica de acumulação, visto que é regulada
pela demanda, que exige dos mecanismos de produção uma racionalização das necessidades
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dos consumidores. Um dos mecanismos utilizados pelas ideologias de consumo está em adaptar
as diferentes culturas a um modelo globalizado de sociedade de consumo. Este mecanismo
interfere diretamente sobre o imaginário coletivo, formando os impulsos consumistas. Este
processo também é denominado de massificação. O objetivo final dos capitalistas é a
constituição de uma cultura massificada.
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TÓPICO 3
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Numa sociedade massificada é fácil implantar valores utilitaristas, criar fantasmas,
manipular representações, criar mitos, estabelecer modelos e gerar encantamentos. Para
Ortiz, a cultura de massa depende da padronização. “A padronização promovida por e através
de produtos culturais só é possível porque repousa num conjunto de mudanças sociais que
estendem as fronteiras da racionalidade capitalista para a sociedade como um todo.” (ORTIZ,
1988, p. 49).
Diante disto, vale perguntar: como ícones absorvidos por culturas diferentes, em nome
de uma condução consumista, conseguem se infiltrar nas mais íntimas relações humanas?
S!
DICA
Lembrou da pipoca? Selecionei os seguintes filmes:
• Muito além do jardim - Retrata a vida de um homem que nunca
havia saído de casa, conhecia o mundo apenas pela televisão.
• Forrest Gump - Um jovem americano participando, mais do que
por acaso, dos principais acontecimentos da história de seu país neste
século. Uma boa forma de discutir como nossas vontades são produzidas
ideologicamente.
• Bom dia, Vietnã! – um irreverente e inconformado “Disc Jockey” é
recrutado pelas forças armadas para apresentar um programa de rádio
em plena guerra. Contudo, sofre com a censura de suas falas.
Vejamos agora como o poeta reflete sobre o tema:
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
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Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
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de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
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meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
FONTE: ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. 10 ed. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 85-87.
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Você já ouviu falar em mensagem subliminar? Veja o site a seguir
e tire suas conclusões.
• http://www.mensagemsubliminar.com.br/ - traz mensagens
subliminares presentes nas artes, filmes, músicas...
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UNIDADE 3
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você estudou que:

A
palavra ideologia é empregada cotidianamente de duas maneiras distintas. Poderíamos
distinguir entre uma “boa ideologia” e uma “má ideologia”.

A
“boa ideologia” recebe uma forma de emprego que está associada a uma necessidade
social, a uma identidade social, como lembra a música do Cazuza: “ideologia, quero uma pra
viver”.

O
outro emprego da palavra é pejorativo e constitui uma “má ideologia”. Faz alusão à
manipulação social como forma de dominação.

As
ideologias de dominação são formadas por um “corpo de ideias” que a classe opressora
produz para convencer a população de que aquela estrutura social é a melhor.

No
decorrer do texto foi possível identificar que existem vários mecanismos utilizados
ideologicamente, dentre eles os principais são: a naturalização, a universalização, a reificação,
a dissipação social, o falseamento e a alienação.
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Destacou-se
que a ideologia embutida em algumas propagandas está em agregar alguma
ilusão (falseamento) ao produto.
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Procure aplicar os critérios estudados neste tópico para identificar
a ideologia nas propagandas.
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UNIDADE 3
UNIDADE 3
TÓPICO 4
TRABALHO: ALIENAÇÃO
OU HUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO?
1 INTRODUÇÃO
Quando alguém lhe diz: “faça o seu trabalho”, você não pode deixar de pensar na
etimologia da palavra: está sendo torturado. A partir do sentido primeiro dado à palavra trabalho,
faz-se uma associação com tortura, sofrimento, desgosto, dor, martírio etc.
A!
NOT
Etimologicamente, a palavra trabalho vem do latim “tripalium”, instrumento
de três paus utilizado para prender os animais e que também servia para
imobilizar os escravos e açoitá-los.
Na sociedade atual, muitos são os sentidos dados ao trabalho. Para muitos, o trabalho
é visto como dificuldade, algo ruim que se faz contra a vontade, enquanto que para outros o
trabalho é considerado algo que enobrece e dignifica os seres humanos, essencial à vida. Além
disso, há outros que encaram o trabalho com prazer e, até, como um lazer.
Nota-se que não é uma tarefa fácil conceituar trabalho. Em sentido amplo, podemos
dizer que o termo trabalho pode ser compreendido como “toda ação transformadora (material
ou intelectual) do homem, realizada na natureza e na sociedade em que vive” (CORDI et al.,
2000, p. 195). Além disso, o trabalho poderá incluir outros elementos, como: desconforto,
sofrimento, custo, utilidade, autorrealização, ligados diretamente à subjetividade de cada um.
Se olharmos filosoficamente para o trabalho, veremos que há uma relação dialética
entre o pensar e o fazer, entre a teoria e a prática, de modo que é quase impossível uma parte
existir sem a outra e vice-versa. Portanto, este tópico tem como primeira finalidade pensar
sobre o fazer, as ações práticas do ser humano na realidade social.
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2 O TRABALHO ATRAVÉS DA HISTÓRIA
O trabalho, tal como é conhecido na atualidade, não é uma decorrência natural do ser
humano. Tanto em seu conteúdo como em sua função, não foi entendido sempre da mesma
maneira, mas teve modificações ao longo da história da humanidade.
Nas primeiras comunidades primitivas, o trabalho era realizado por todos os integrantes
da tribo. Geralmente as mulheres faziam tarefas diferentes daquelas desempenhadas pelos
homens, mas o trabalho não tinha a finalidade de obter lucros, apenas de satisfazer as
necessidades do grupo.
Para a sociedade grega, todo o trabalho braçal não era valorizado, por ser considerado
uma atividade degradante e que não exigia uma capacidade reflexiva, enquanto que os cidadãos
livres dedicavam o seu tempo livre à reflexão e à contemplação das ideias.
Na época medieval, o trabalho passa a ter uma influência cristã. Os pensadores cristãos,
principalmente São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, seguiam um princípio paulino: “quem
não trabalha não deve comer”. Mas a Igreja condenava qualquer tipo de trabalho que tinha
por interesse a usura. Além disso, o trabalho era visto como meio de purificação da mente e
como forma de disciplinar o corpo.
A!
NOT
Lembra o significado de usura? De acordo com o Dicionário Houaiss
– usura significa juro, renda ou rendimento de capital; empréstimo de
dinheiro a juros superiores à taxa legal; agiotagem; juro exagerado,
extorsivo; onzena, agiotagem; lucro excessivo.
No início da Idade Moderna ocorrem várias transformações na vida social e econômica,
culminando com a passagem do feudalismo para o capitalismo. No sistema capitalista há uma
separação entre capital (indústria, máquinas, ferramentas, matérias-primas, terras) e trabalho.
Surgem, portanto, dois grupos: o trabalhador, que vive exclusivamente de seu trabalho, e o
capitalista, dono dos meios de produção. Aranha e Martins (1999, p. 10) fazem a seguinte
análise do trabalho nesta época:
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O capital acumulado permite a compra de matérias-primas e de máquinas,
o que faz com que muitas famílias que desenvolviam o trabalho doméstico
nas antigas corporações e manufaturas tenham de dispor de seus antigos
instrumentos de trabalho e, para sobreviver, se vejam obrigadas a vender a
sua força de trabalho em troca de salário.
UNIDADE 3
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No sistema capitalista, o trabalho passa a ser visto como uma mercadoria, onde o
trabalhador vende a sua força de trabalho para os donos do capital.
A partir do século XVIII tem-se a introdução da máquina no processo de produção. Este
processo propiciou uma nova forma de produção, pois as máquinas passaram a substituir a
ferramenta e a energia humana. Como exemplo, uma criança podia, ao girar uma manivela,
realizar o trabalho de dezenas ou até de centenas de pessoas. Com isto, a produção passou
a ser feita nas fábricas e cada operário realizava uma parte do processo.
As várias etapas eram articuladas racionalmente, visando a uma maior produção, com
custos mais baixos. Os patrões, donos dos meios de produção, assumiram o controle da indústria
e eliminaram os antigos núcleos domésticos de produção. Conforme Aranha e Martins (1999,
p. 10), os trabalhadores passaram a ser explorados nos seus trabalhos.
Extensas jornadas de trabalho, de dezesseis a dezoito horas, sem direito a
férias, sem garantia para a velhice, doença e invalidez; arregimentação de
crianças e mulheres, mão de obra mais barata; condições insalubres de trabalho, em locais mal iluminados e sem higiene; mal pagos, os trabalhadores
também viviam mal alojados e em promiscuidade.
Todas estas situações demonstram o valor dado ao trabalhador pelo mercado: o mínimo
possível, apenas o necessário para que ele possa sobreviver. As máquinas, ao contrário de
serem usadas para facilitar o trabalho dos homens e proporcionar-lhes mais tempo livre, serviram
para aterrorizar os trabalhadores das indústrias por meio da ameaça do desemprego e para
impor uma ordem de trabalho monótona e rotineira, impedindo-as de ativar e desenvolver a
capacidade questionadora do seu fazer.
O que se viu nestes últimos anos foi um domínio da tecnologia e da automação dos
principais meios de produção sobre os setores agrícolas e industriais. Atualmente, percebe-se
o desenvolvimento dos setores de serviços, que visa ao cotidiano de todos nós, baseado no
consumo e na informação.
A!
NOT
O trabalho, nestes últimos tempos, está cada vez mais acentuado. Para
constatar esta transformação, sugerimos que você assista ao vídeo A
Revolução Industrial, que apresenta como o Sistema Doméstico de
produção foi substituído pelo Sistema Industrial e mostra os tipos de
máquinas que promovem a transformação da economia inglesa. Revela,
ainda, os problemas sociais e os benefícios materiais da Revolução
Industrial.
Após assistir ao vídeo, procure identificar os benefícios e os problemas
sociais que a Revolução Industrial está ocasionando na atualidade.
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do
Brasil, 1989, 1 videocassete (48 min): VHS/NTSC: son., color.
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3 POR QUE AS PESSOAS TRABALHAM?
Para Karl Marx, um dos maiores pensadores do campo social, o trabalho é uma das
formas que o homem encontrou para satisfazer suas necessidades básicas. Ao trabalhar, a
pessoa será remunerada, podendo adquirir os bens que achar conveniente. Do contrário, não
haveria necessidade de o homem trabalhar.
Atualmente, observa-se que muitas pessoas não trabalham apenas para satisfazer
as suas necessidades vitais. Algo mais as impulsiona a ingressarem no mundo do trabalho.
Segundo Serge Koln (apud ELSTER, 1992, p. 79-80), as pessoas trabalham por diversas
razões:
Devido
à coação direta, como no trabalho forçado.
Em
troca de um salário.
Em
razão de um desejo de ajudar e servir a outros.
Em
decorrência de um sentido de dever ou de reciprocidade.
Por
interesse no próprio trabalho.
Para
manter as relações sociais no local de trabalho.
Para
mostrar a outros que se faz uma contribuição à sociedade ou que se
tem certas habilidades.
Devido
ao status social associado ao trabalho.
Para
fugir do tédio.
Para
divertir-se.
Por
hábito.
As razões apresentadas por Serge Koln significam que as pessoas possuem diferentes
interesses que as motivam a trabalhar. Além disso, o local de trabalho é espaço para se
fazer novas amizades, elevar a sua autoestima e, principalmente, uma oportunidade de
autorrealização.
4 A ALIENAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO
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Segundo Amarildo R. Ferrari (2003, p. 85), “o trabalho foi entendido
apenas como forma de acumular capital, conseguir sucesso, obter
fama. Perdeu-se a relação doação-serviço, como algo prazeroso e
verdadeiramente dignificante”.
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Com o desenvolvimento do capitalismo e o avanço da tecnologia no processo produtivo,
o trabalho, em sua relação, passou a ser compreendido de duas maneiras diferentes: como
algo que constrói o ser humano, dando-lhe uma identidade própria, ou apenas como um
mero participante do processo produtivo, que executa tarefas que lhe são determinadas, um
ser passivo e alheio, não reconhecendo os produtos como obra sua, tornando-se um sujeito
alienado.
A!
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Etimologicamente, a palavra alienação deriva do latim alienare, alienus,
que significa “que pertence a outro”, ou seja, é transferir ao outro o que
é seu, é tornar-se alheio ao processo produtivo, é não reconhecer a sua
participação neste processo.
Esta situação foi analisada por Marx, que faz uma análise filosófica do trabalho
alienado.
Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador
não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local
de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um
sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais, que provocam
cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador só se sente feliz em
seus dias de folga, enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho
não é voluntário, mas imposto e forçado (apud COTRIM, 2002, p. 29).
A partir desta descrição de Marx, o trabalhador se encontra alienado em seus mais
variados sentidos:
a) alienação em relação ao produto de seu trabalho: torna-se objeto de seu trabalho ao dono
do capital, sendo tratado como coisa estranha e o produto do seu trabalho não lhe pertence;
b) alienação em relação à própria atividade do trabalho: na sociedade capitalista, o trabalho
deixa de ser do operário. Este fica alienado na atividade do próprio trabalho;
c) alienado em relação à vida da espécie: o homem fica relegado às funções dos animais. Disto
resulta que o homem somente se sente livre em suas funções animais: no comer, no beber,
no criar e em tudo o que concerne à habitação e ao trajar; mas, em suas funções humanas,
sente-se como um animal;
d) alienação em relação aos demais homens: como o homem é o resultado de suas relações,
temos como consequência a alienação do homem em relação a outro.
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DICA
Sugerimos que assista ao filme Tempos Modernos, que
apresenta o processo de alienação do trabalhador na
empresa, a submissão do homem à máquina e algumas
manifestações contrárias à opressão e à exploração do
homem no trabalho.
TEMPOS MODERNOS. Direção de Charles Chaplin. EUA:
Charles Chaplin Productions, 1936. 1 DVD (87 min):
preto e branco.
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FIGURA 9 – SACOU?!
FONTE: Disponível em: <http://www.geocities.com/autonomiabvr/sacou1.gif>.
Acesso em: 17 fev. 2004.
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TÓPICO 4
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Neste sentido, a alienação é um processo que torna o homem objeto por meio do seu
próprio trabalho: os objetos que não têm vida (produto, mercadoria) ganham vida, enquanto
que o homem que tem vida transforma-se em objeto, perdendo a sua identidade. A pessoa
não se realiza em seu trabalho, apenas desempenha uma função, tendo em vista a satisfação
do mercado ou do dono dos meios de produção. Por isso, o trabalhador se esgota e não se
realiza em suas capacidades físicas e mentais.
Muitos são os estudos e as formas de manifestação da alienação. Além do trabalho,
a alienação se manifesta no consumo e no lazer, que alimentam o fetiche de adquirir tal
objeto, impulsionados pela propaganda. Além de Marx, as discussões em torno da questão
da alienação despertaram interesse em autores como Lukács, Erich Fromm, Althusser, Sartre,
Mounier, Heidegger e tantos outros, que compreenderam de maneira diferente a manifestação
da alienação no existir humano.
A!
NOT
Fetiche: nas práticas religiosas, significa objeto a que se atribui poder
sobrenatural, enquanto que em psicologia, o fetiche é o contato com
determinado objeto (roupa, meia, camisa, etc.) para a sua satisfação
sexual. Nestes dois casos, os objetos inanimados ganham “vida”, tornamse “humanizados”.
S!
DICA
Procure mais informações sobre o tema Trabalho, acessando os seguintes
sites:
http://www.geocities.com/autonomiabvr/dossie.html - apresenta algumas
reflexões sobre o trabalho na atualidade, a partir das obras de Marx.
http://www.marins.hpg.ig.com.br/mat27.htm - aborda a qualidade de
vida no trabalho.
5 A REALIZAÇÃO HUMANA NO MUNDO
DO TRABALHO
Se, por um lado, o trabalho aliena o ser humano, impedindo-o de participar como sujeito
ativo do processo produtivo, por outro lado o trabalho pode ser visto como realização humana,
algo que humaniza e dignifica a sua ação.
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O ser humano vive sempre em busca de sua realização. A realização humana é sempre
um projeto em construção, nunca está concluído. É a busca incessante desta realização que
leva o homem a transformar a natureza em busca de sua satisfação. Se pelo trabalho há uma
transformação da natureza em bens para a sua satisfação, parece evidente sua relação com
a realização humana.
Então, por que o trabalho e a realização humana vivem em constante conflito? Esta
situação torna-se ainda mais complexa se considerarmos o processo de globalização e
mercadorização do trabalho. Este conflito se deve ao fato de que a sociedade está organizada de
tal forma que, para a maioria dos indivíduos, o trabalho não é um projeto seu e nem são seus os
frutos do seu próprio esforço. A maioria das pessoas na sociedade executa os projetos que são
pensados por alguns e que também se apoderam dos frutos da grande maioria. Nesta situação,
o trabalho se torna estafante e opressivo, longe de ser sinônimo de realização humana.
Segundo Marx, o trabalho deve ser visto com os olhos de um artista. “Uma expressão da
criatividade e da inteligência humana, que possibilita a transformação da natureza, constituindo
uma fonte de prazer e alegria” (GALLO, 1997, p. 49).
Como realização humana, o trabalhador se transforma em sujeito de seu processo e
reconhece a natureza como possibilidade de satisfação de suas necessidades, fruto de sua
liberdade e criatividade.
LEITURA COMPLEMENTAR
Leia, agora, um famoso poema de Vinícius de Moraes, que nos fala da mudança de
consciência de um trabalhador a partir da reflexão sobre a importância de sua profissão. Procure
identificar, ao longo deste poema, expressões que apontam para a mudança de consciência
do trabalhador.
OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Era ele que erguia casas
Era a sua escravidão.
Onde antes só havia chão.
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Como um pássaro sem asas
De fato, como podia,
Ele subia com as casas
Um operário em construção,
Que lhe brotavam da mão.
Compreender por que um tijolo
Mas tudo desconhecia
Valia mais do que um pão?
De sua grande missão:
Tijolos ele empilhava
Não sabia, por exemplo,
Com pá, cimento e esquadria.
Que a casa de um homem é um templo
Quanto ao pão, ele o comia...
Um templo sem religião.
Mas fosse comer tijolo!
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
E assim o operário ia
Sendo a sua liberdade
Com suor e com cimento
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Erguendo uma casa aqui
De que sequer suspeitava.
Adiante um apartamento
O operário emocionado
Além uma igreja, à frente
Olhou sua própria mão
Um quartel e uma prisão:
Sua rude mão de operário
Prisão de que sofreria
De operário em construção
Não fosse eventualmente
E olhando bem para ela
Um operário em construção.
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Mas ele desconhecia
Coisa que fosse mais bela.
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
Foi dentro da compreensão
E a coisa faz o operário.
Desse instante solitário
De forma que, certo dia
Que, tal sua construção,
À mesa, ao cortar o pão
Cresceu também o operário
O operário foi tomado
Cresceu em alto e profundo
De uma súbita emoção
Em largo e no coração
Ao constatar assombrado
E como tudo que cresce
Que tudo naquela mesa
Ele não cresceu em vão
– Garrafa, prato, facão –
Pois além do que sabia
Era ele quem fazia,
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Ele, um humilde operário,
Uma nova dimensão:
Um operário em construção.
A dimensão da poesia.
Olhou em torno: gamela,
E um fato novo se viu
Banco, enxerga, caldeirão
Que a todos admirava:
Vidro, parede, janela
O que o operário dizia
Casa, cidade, nação!
Outro operário escutava.
Tudo, tudo o que existia
E foi assim que o operário
Era ele que os fazia
Do edifício em construção
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Que sempre dizia “sim”
Exercer a profissão.
Começou a dizer “não”
Ah! homens de pensamento
E aprendeu a notar coisas
Não sabereis nunca o quanto
A que não dava atenção:
Aquele humilde operário
Notou que sua marmita
Soube naquele momento!
Era o prato do patrão
Naquela casa vazia
Que sua cerveja preta
Que ele mesmo levantara
Era o uísque do patrão
Um mundo novo nascia
Que seu macacão de zuarte
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Era o terno do patrão
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Seu trabalho prosseguia
Que o casebre onde morava
E todo o seu sofrimento
Era a mansão do patrão
Misturava-se ao cimento
Que seus dois pés andarilhos
Da construção que crescia.
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Sentindo que a violência
Era a noite do patrão
Não dobraria o operário
Que sua imensa fadiga
Um dia tentou o patrão
Era amiga do patrão.
Dobrá-lo de modo vário
De sorte que o foi levando
E o operário disse: Não!
Ao alto da construção
E o operário fez-se forte
E num momento de tempo
Na sua resolução.
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Como era de se esperar
Fez-lhe esta declaração:
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
– “Dar-te-ei todo esse poder
Aos ouvidos do patrão
E a sua satisfação
Mas o patrão não queria
Porque a mim me foi entregue
Nenhuma preocupação.
E dou-o a quem quiser.
– “Convençam-no do contrário” –
Dou-te tempo de lazer
Disse ele sobre o operário
Dou-te tempo de mulher.
E ao dizer isto sorria.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
Dia seguinte, o operário
E, ainda mais, se abandonares
Ao sair da construção
O que te faz dizer NÃO”.
Viu-se de súbito cercado
Dos homens da delação
Disse, e fitou o operário
E sofreu, por destinado
Que olhava e refletia
Sua primeira agressão.
Mas o que via o operário
Teve seu rosto cuspido
O patrão nunca veria.
Teve seu braço quebrado
O operário via casas
Mas quando foi perguntado
E dentro das estruturas
O operário disse: Não!
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
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Em vão sofrera o operário
Via tudo o que fazia
Sua primeira agressão
O lucro do seu patrão.
Muitas outras seguiram
E em cada coisa que via
Muitas outras seguirão
Misteriosamente havia
Porém, por imprescindível
A marca de sua mão.
Ao edifício em construção
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TÓPICO 4
E o operário disse: Não!
Um silêncio de fraturas
– “Loucura!” – gritou o patrão
A se arrastarem no chão.
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“Não vês o que te dou eu?”
– Mentira! – disse o operário
E o operário ouviu a voz
“Não podes dar-me o que é meu”.
De todos os seus irmãos
E um grande silêncio fez-se
Os seus irmãos que morreram
Dentro do seu coração
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Um silêncio de martírios
Cresceu no seu coração
Um silêncio de prisão.
E dentro da tarde mansa
Um silêncio povoado
Agigantou-se a razão
De pedidos de perdão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Um silêncio apavorado
Em operário construído
Com o medo em solidão.
O operário em construção.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Vinícius de Moraes
FONTE: Moraes (1976, p. 69-70)
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RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico você viu que:

A palavra trabalho vem do latim tripalium e significa instrumento de tortura.
Nas
primeiras comunidades primitivas, o trabalho era realizado por todos os integrantes da
tribo e não tinha finalidade de obter lucro.
Para
A
os gregos, apenas os cidadãos livres é que podiam exercer a sua cidadania.
Igreja Católica condenava qualquer tipo de trabalho que tinha por interesse a usura.
Na
Idade Moderna, com o sistema capitalista, surgem dois grupos: o trabalhador, que vive
exclusivamente de seu trabalho, e o capitalista, dono dos meios de produção.
Segundo
Marx, as pessoas trabalham para satisfazer as suas necessidades básicas.
Segundo
Marx, o trabalhador se encontra alienado em relação: ao produto do seu trabalho,
às atividades do seu trabalho, à vida da espécie e aos demais homens.
Segundo Marx, o trabalho deve ser visto como “uma expressão da criatividade e da inteligência
humana, que possibilita a transformação da natureza, constituindo uma fonte de prazer e
alegria”.
O poema O operário em construção apresenta a mudança de consciência de um trabalhador
a partir da sua reflexão.
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As questões que seguem são uma espécie de roteiro para que você possa
identificar as principais ideias referentes ao trabalho. Ao respondê-las, estará sintetizando
e compreendendo as ideias apresentadas neste tópico. Bom trabalho!
1 Na atualidade, como o trabalho pode ser compreendido?
2 Como o trabalho era compreendido: pelas primeiras comunidades primitivas; entre os
gregos; pela Igreja Católica na Idade Média; e pelo sistema capitalista?
3 Quais as consequências da introdução das máquinas no processo produtivo para a
sociedade?
4 Quais as razões que levam as pessoas a trabalharem?
5 Comente a seguinte afirmação de Marx: “o trabalho alienado se apresenta como algo
externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade”.
6 Quais os diferentes sentidos de alienação? Explique-os.
7 Como o ser humano pode se realizar no mundo do trabalho?
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AS FILOSOFIAS POLÍTICAS
1 INTRODUÇÃO
Em nosso tempo, quando se fala em política, há uma grande insatisfação e desinteresse
pelo assunto. É comum ouvirmos expressões como estas sobre os políticos: são todos ladrões;
não fazem nada para melhorar a vida do povo; só querem ganhar sem trabalhar... Todas estas
expressões denotam um sentido negativo para a palavra política. Além disso, a palavra política
é utilizada para expressar as ações do estado e de outras instituições que se manifestam como:
política social, política ecológica, política educacional, política sindical e tantas outras formas.
Segundo Bertolt Bretch (apud COTRIM, 1997, p. 249):
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa
dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do
feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das
decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa
o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorân­
cia política nascem a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os
bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas
nacionais e multinacionais.
De acordo com o pensamento de Bertolt Brecht, “o pior analfabeto é o analfabeto político”,
porque todas as nossas relações e vivências em sociedade são políticas. Desde o preço dos
alimentos; a geração de empregos; a qualidade da educação; o nível de desenvolvimento de
um país, tudo depende de decisões políticas. Portanto, a política não diz respeito apenas aos
políticos, mas a todos os cidadãos.
Mas o que é política? Etimologicamente, a palavra política vem do grego pólis (cidadeestado), que significa a arte de governar, de gerir o destino da cidade. O sentido dado ao termo
política foi se formando a partir das atividades sociais desenvolvidas pelos homens na pólis, a
cidade-estado grega. Enquanto que em outros locais, como na Pérsia ou no Egito, a atividade
política seria a do governante, que comandava autocraticamente o coletivo em direção a certos
objetivos: as edificações públicas, as guerras ou a pacificação do coletivo.
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Segundo Aristóteles, a política refere-se a toda prática social que envolve a vida na
pólis. Aristóteles entende que “o homem é, por natureza, um animal social e político”. Tende a
fazer parte da pólis, a “cidade” enquanto sociedade política.
A partir desta compreensão de política, como prática social que envolve a vida na
pólis, este tópico tem como propósito apresentar algumas ideias e concepções de política
que a sociedade sistematizou ao longo de sua história. De antemão, temos consciência de
que o campo de investigação sobre o assunto é amplo, abrangente e envolve visões bastante
diferenciadas entre os pensadores do assunto. Nosso propósito é elucidar algumas ideias que
são importantes para os diversos cursos em questão.
2 O PODER POLÍTICO NA SOCIEDADE
Geralmente, a política se expressa por meio de uma estrutura denominada Estados, que
se faz presente nas esferas locais, estaduais e federais, exercendo um grande poder perante
a sociedade. Mas, o que vem a ser o poder? Tem sido entendido como dominação do homem
ou de um grupo de pessoas sobre os outros homens. Para Hobbes (1974, p. 57), “[...] o poder
de um homem (universalmente considerado) consiste nos meios de que presentemente dispõe
para obter qualquer visível bem futuro”. Enquanto que “o maior dos poderes humanos é aquele
que é composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa,
natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na dependência de sua vontade: é o
caso do poder de um Estado”.
Neste mesmo sentido, Norberto Bobbio (2000, p. 954), filósofo político do século XX,
estabelece que o poder é “[...] uma relação entre dois sujeitos, onde um impõe ao outro sua
vontade e lhe determina, mesmo contra a vontade, o comportamento”. Se entendermos o poder
como uma relação entre duas ou mais pessoas ou a posse de certos meios para alcançar uma
certa vantagem ou obter os efeitos desejados, podemos identificar três grandes formas de
poder na sociedade moderna: o econômico, o ideológico e o político.
A primeira forma de poder, o econômico, se baseia na posse de certos bens,
considerados importantes pela sociedade, onde se estabelece uma relação de dependência.
Este tipo de poder pode ser visto na relação que se estabelece entre patrões e empregados,
em que os patrões, donos dos meios de produção, impõem as condições de trabalho e de
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salário aos empregados.
A segunda forma de poder, o ideológico, utiliza a posse de certas ideias, valores
ou doutrinas para convencer ou condicionar os demais. Este tipo de poder pode ser visto nos
meios de comunicação social (rádio, TV, jornais, revistas), nas igrejas (pastores e padres) ou
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TÓPICO 5
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entre cientistas e intelectuais que difundem suas ideias perante a sociedade.
A terceira forma de poder, o político, fundamenta-se na posse das armas e das leis,
isto é, através dos meios de coerção social. Este tipo de poder pode ser visto em toda a estrutura
estatal por meio do exército, das delegacias de polícia e dos tribunais, presentes em todas as
esferas sociais. O que caracteriza o poder político é “[...] o processo que se desenvolve em
toda a sociedade organizada, no sentido de monopolização da posse e uso dos meios com
que se pode exercer a coação física” (BOBBIO, 2000, p. 956).
O que há de comum entre estas três formas de poder “[...] é que elas contribuem
conjuntamente para instituir e manter sociedades de desiguais divididas em fortes e fracos,
com base no poder político; em ricos e pobres; com base no poder econômico; em sábios e
ignorantes, com base no poder ideológico” (BOBBIO, 1987, p. 83). Geralmente, estas três formas
de poder estão direta ou indiretamente articuladas, e se manifestam nas forças produtivas da
sociedade, nos detentores dos meios de comunicação social e nos responsáveis políticos na
sociedade.
3 AS FILOSOFIAS POLÍTICAS
A concepção de política que se tem hoje é resultado de um longo processo histórico.
Durante todo este processo histórico, muitas foram as formas utilizadas para fazer política,
prevalecendo ora uma, ora outra concepção de política, dependendo de quem se encontrava
no poder.
Desde os gregos, quando se iniciou uma discussão mais sistematizada sobre a política,
até os dias atuais, muitas foram as concepções de política que se teve e muitas foram as formas
utilizadas de se fazer política. Talvez mais importante do que identificar as transformações
ocorridas ao longo da história da humanidade, pensar a política atualmente não significa estudar
o Estado em sua constituição física e ideológica, mas repensar as necessidades do passado
que levaram a constituir estas instituições.
3.1 A POLÍTICA ENTRE OS GREGOS
Lembrar dos gregos é lembrar-se da Ágora, “[...] local onde as pessoas se reuniam nas
diversas póleis para as atividades religiosas, políticas, sociais, judiciais, comerciais” (ARANHA;
MARTINS, 1999, p. 191), da democracia ateniense, do governo oligárquico e do poderio militar
de Esparta. Estas ideias nos remetem ao desenvolvimento da política entre os gregos como
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algo valoroso, importante para a população. Dentre os muitos pensadores políticos gregos,
podemos citar Platão e Aristóteles, que procuraram desenvolver uma teoria política voltada
para o exercício de um bom governo.
O pensamento político de Platão encontra-se na obra A República. Uma das alegorias
que ilustra muito bem o seu pensamento está no mito da caverna, onde o filósofo é representado
como aquele que ajuda a libertar das correntes os que vivem no interior da caverna apreciando
apenas as aparências. A partir da ideia do mito da caverna, a questão que surge é: como fazer
os homens contemplarem a verdadeira realidade? Trata-se de uma ação política, de transformar
os homens e a sociedade dirigida por um modelo ideal de sociedade, perfeita, utópica (em
grego, utopia significa “em nenhum lugar”), que não existisse em lugar algum.
Crítico da democracia, por achar que o povo é incapaz de dar a sua opinião de como
governar, Platão afirma que “cada um deve ocupar-se na cidade de uma única tarefa, aquela
para a qual é melhor dotado por natureza” (PLATÃO, 1996, p. 432d-433b). Apenas alguns são
dotados desta capacidade, que são os reis ou os filósofos, porque somente o homem sábio é
capaz de compreender em sua amplitude o que é bom, belo e justo. Somente quem conhece
está menos propenso a cometer injustiças ou de praticar o mal.
Contrário à política platônica, Aristóteles critica a sua forma de fazer política,
principalmente a ideia de cidade utópica, por ser algo irrealizável e pelo poder ilimitado dos reis
e filósofos na sociedade, tornando-a hierarquizada. Aristóteles procurou tratar de uma política
mais próxima de sua realidade.
Para Aristóteles, a política é uma ciência da busca da felicidade humana que “se utiliza de
todas as outras ciências, e todas elas perseguem um determinado bem; o fim que ela persegue
pode englobar todos os outros fins, a ponto de este fim ser o bem supremo dos homens” (apud
MAAR, 1994, p. 31). O principal objetivo da política é descobrir a melhor maneira de viver, que
tenha em vista a felicidade humana como um todo.
As melhores formas de governo consideradas por Aristóteles são: monarquia (governo
de uma só pessoa, que tem como característica principal a unidade), aristocracia (governo
dos melhores, que tem como característica principal seu aprimoramento), politeia (governo da
maioria, que tem como característica principal a liberdade). Nenhuma destas formas é perfeita,
todas estão sujeitas a serem modificadas por interesses privados e pessoais dos homens,
sofrendo alterações em sua essência. Para uma sociedade se manter estável, a melhor forma
de governo é aquela que leva em consideração estas três formas de governo e que busca o
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equilíbrio entre as diferentes classes. Somente um governo formado por pessoas da classe
média é que seria o mais capaz de resolver os conflitos entre ricos e pobres, dando estabilidade
à organização social. Destas três formas de governo, Aristóteles prefere a politeia, que é o
governo do povo, da maioria, que beneficia a todos os cidadãos indistintamente, sem fazer
nenhum tipo de discriminação.
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3.2 MAQUIAVEL E O GOVERNO
Maquiavel (1469-1527) viveu num período de profundas transformações econômicas,
sociais, políticas e culturais no modo de vida europeu. Por pensar diferente em seu tempo,
sofreu inúmeras perseguições, foi preso, torturado e exilado, mas não desistiu de suas ideias.
Considerado o pai da Ciência política, Maquiavel apresenta em sua principal obra, O Príncipe,
as formas para se manter no poder. “É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda
a poder não ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”
(MAQUIAVEL, 1973, p. 69). O governante não deve agir de acordo com os preceitos morais
da sociedade, mas de acordo com a lógica do poder. É neste sentido que “[...] os fins justificam
os meios”. É mais seguro para o governante ser temido do que ser amado, pois, sendo temido,
será reverenciado por todos.
S!
DICA
Sinopse:
‘O Príncipe’, escrito em 1513, é
um livro polêmico, perigoso e
revolucionário. É um manual para
ação. É a obra-prima de Maquiavel.
Maquiavel é considerado o ‘pai’
da ciência política e seus textos
são analisados em escolas e
universidades de todo o mundo.
Mas, para Maquiavel (1973, p. 81), um governante ou “[...] o príncipe deve, no entanto, ter
muito cuidado em não deixar escapar da boca expressões que não revelem as cinco qualidades
[...], devendo aparentar, à vida e ao ouvido, ser todo piedade, fé, integridade, humanidade,
religião”. Maquiavel procurou entender a política como uma disciplina autônoma das outras
ciências. Além disso, descreveu como ela se dá de fato na prática. Nesta perspectiva, fazer
política é descobrir na sociedade os sistemas de forças existentes para poder desenvolver as
suas ações.
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3.3 HOBBES E O ESTADO
Filósofo inglês, Thomas Hobbes (1588-1679) é considerado um crítico das ideias liberais.
Suas ideias políticas estão registradas em uma de suas obras mais importantes, o Leviatã
(título simbólico, o Leviatã é uma figura bíblica, animal monstruoso e cruel, mas que defende
os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes), em que afirma que os homens são
naturalmente egoístas, maus e ambiciosos. Antes da origem do Estado, os homens viviam a
sua verdadeira natureza, em estado de guerra permanente.
S!
DICA
Sinopse:
Em ‘Leviatã’, Thomas Hobbes coloca
as condições de dissoluções do Estado.
Para ele, somente a concentração de
autoridade garante a unidade e a paz
social. Suas ideias políticas apoiaram o
absolutismo do século XVII. Partidário
do absolutismo político, defende-o sem
recorrer à noção de ‘direito divino’.
Segundo o filósofo, a primeira lei natural
do homem é a da autopreservação, que
o induz a impor-se sobre os demais ‘guerra de todos contra todos’.
Neste estado natural, o homem está em constante conflito para poder sobreviver. Esta
situação gera insegurança, angústia e medo. O homem se torna lobo para o outro homem.
Este conflito só é superado quando todos os homens renunciarem à sua vontade natural por
uma única vontade, um pacto de união.
Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem,
ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu
direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à
multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É
esta a geração daquele grande Leviatã (HOBBES, 1974, p. 109).
O Estado origina-se deste pacto social, onde cada indivíduo abre mão de sua liberdade
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e transfere ao Estado poderes absolutos e irrevogáveis. Hobbes também defendeu um poder
indivisível, centrado nas mãos de um único soberano, caso contrário, o homem voltaria a um
estado natural, marcado pela guerra e insegurança permanente.
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3.4 MONTESQUIEU E OS PODERES
Presente em quase todas as constituições do mundo e associada às ideias de estados
democráticos, a separação dos poderes foi desenvolvida por Montesquieu (1689-755), como
forma de garantir a liberdade política.
Em uma de suas principais obras, Do Espírito das Leis (1748), Montesquieu formula uma
teoria baseada na divisão do poder em: Executivo, responsável em planejar e determinar como
as leis devem ser executadas; Legislativo, responsável em transformar as diversas opiniões
em leis, e Judiciário, responsável em fiscalizar e aplicar as leis aprovadas.
Sinopse:
Na sua obra prima Do Espírito das Leis (1748),
Montesquieu elabora conceitos sobre formas
de governo e exercícios da autoridade política
que se tornaram pontos doutrinários básicos
da ciência política. Suas teorias exerceram
profunda influência no pensamento político.
Inspiraram a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, elaborada em 1789,
durante a Revolução Francesa.
Montesquieu (1996, p. 168) justifica a divisão dos poderes alegando que, “[...] quando
os poderes Legislativo e Executivo ficam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do
Estado, a liberdade desaparece [...]. Para que não haja abuso é preciso organizar as coisas
de maneira que o poder seja contido pelo poder”. Dentro desta ordem, o objetivo político,
para Montesquieu, é assegurar uma certa ordem, bem como conferir uma certa legitimidade e
racionalidade administrativa aos poderes dentro de uma certa harmonia.
4 O ESTADO CAPITALISTA
A partir do século XVI, surge na Europa um novo sistema político e econômico: o
capitalismo, que se estruturou a partir da decadência do feudalismo. De maneira geral, a base
de sustentação encontra-se no capital, na propriedade privada, nos meios de produção, na
exploração do trabalho assalariado e na competição de um mercado livre. O objetivo principal
é a obtenção da mais-valia, ou seja, o lucro que o patrão adquire na produção realizada pelos
empregados.
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O Capitalismo é um sistema político e econômico que admite
a propriedade privada do capital. O uso do capital e da riqueza
não tem limites e não sofre interferências do Estado.
A Mais-valia é o lucro que o patrão adquire na produção
realizada pelos empregados.
Também são características do capitalismo: as crises periódicas, a divisão da sociedade
em classes, a miséria das massas, a exploração, as guerras. A contradição básica do capitalismo
se expressa no antagonismo entre as classes, o proletariado e a burguesia.
Como força representativa da sociedade, o Estado no sistema capitalista tem por
finalidade “agir como mediador dos conflitos entre os diversos grupos sociais [...]. O Estado
deve promover a conciliação entre os grupos sociais, amortecendo os choques dos setores
divergentes para evitar a desagregação social” (COTRIM, 2002, p. 294). Sendo o Estado
formado por representantes dos diferentes grupos sociais, tem ele a função de harmonizar os
diferentes grupos, prevalecendo o interesse do bem comum.
5 O ESTADO SOCIALISTA
Embora o desenvolvimento do socialismo seja marcado por uma diversidade de
interpretações, principalmente na sua origem e no desenvolvimento de suas ideias, podemos
identificar algumas concepções que marcaram muito fortemente o pensamento socialista.
Em geral, o socialismo foi sendo entendido como um programa político das classes
trabalhadoras, com o objetivo de promover uma maior igualdade social, em contraposição ao
capitalismo. O Socialismo surge, principalmente, a partir das condições reais de trabalho e
sobrevivência dos trabalhadores nas indústrias capitalistas.
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O Socialismo é entendido como um programa político
que propõe a incorporação dos meios de produção pelos
trabalhadores, com o objetivo de promover uma maior
igualdade social, em contraposição ao capitalismo.
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Os primeiros socialistas são conhecidos como utópicos, por compartilharem de um ideal
de sociedade mais justo e igualitário, porém não sabiam como promover tais transformações.
Dentre eles, destacam-se: Robert Owen, Saint-Simon, Fourier. Mas foi com Karl Marx e Engels
que o socialismo ganhou um caráter científico. “De programa racionalístico de reconstrução
da sociedade que se [...] transforma em programa de autoemancipação do proletariado, como
sujeito histórico da tendência objetiva para a solução comunista das contradições econômicosociais do capitalismo” (BOBBIO, 2000, p. 1198).
Marx e Engels partiram da compreensão de que a origem da desigualdade entre as
classes está na propriedade privada e na apropriação do trabalho do proletariado (mais-valia)
pelos donos do capital. Os interesses das duas classes (burgueses e proletários) no sistema
capitalista são irreconciliáveis, gerando a luta de classes. Para resolver esta situação, Marx
deu indicações precisas:
[...] a passagem do ordenamento baseado na propriedade privada à sociedade
comunista se configuraria, após a tomada do poder por parte do proletariado,
como um período de transição caracterizado, no plano político, pela ditadura
do proletariado e, no plano econômico, pela sobrevivência parcial da forma
mercatória dos produtos e do trabalho, com a relativa repartição da renda
segundo as quantidades desiguais de trabalho; numa segunda fase, com a
completa extinção da divisão das classes e da forma mercatória, todo o do­
mínio político desapareceria na sansimoniana administração das coisas e a
repartição do produto social se realizaria segundo as necessidades (BOBBIO,
2000, p. 1198).
Como resultado desse processo de mudança, o capitalismo seria substituído pelo
socialismo, baseado na propriedade social (e não privada) dos meios de produção. O socialismo
possibilitaria alcançar a fase do comunismo, no qual deixariam de existir as classes sociais e
o próprio Estado.
S!
DICA
Que tal assistir a um filme sobre política?
Sugerimos que você assista ao filme: O
Que é isso, Companheiro? Considerado
um dos melhores filmes brasileiros
que apresenta a dramática luta contra
a ditadura militar. O filme mostra o
sequestro do embaixador americano
por um grupo de revolucionários,
que pressionam o governo brasileiro
a atender às suas reivindicações.
Assista ao filme e procure relacionálo ao conteúdo deste tópico. O QUE
É ISSO, COMPANHEIRO? Direção de
Bruno Barreto. Brasil: Miramax Films /
Riofilmes, 1997, 1 DVD (105 min), color.
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6 A SOCIEDADE DEMOCRÁTICA
A prática da democracia na atualidade é diferente de país para país, por isso não existe
uma definição precisa sobre o seu significado. A forma específica que adquire a democracia
em um país está determinada, de maneira geral, pelas circunstâncias políticas, sociais e
econômicas, assim como fatores históricos, tradição e cultura.
A palavra democracia vem do grego demos, que significa povo, e cracia poder. Existe
uma polissemia para a palavra democracia, mas existem várias definições que representam
um pouco a palavra democracia. Acompanhe!
• Democracia é uma “forma de governo caracterizada por um conjunto de regras que permitem
a mudança dos governantes sem necessidade de usar a violência” (BOBBIO, 1996 apud
BRANDÃO, 2006, p. 143).
• Para Kelsen, “o que caracteriza a democracia são as regras que possibilitam a livre e pacífica
convivência dos indivíduos numa sociedade” (BOBBIO, 1998 apud BRANDÃO, 2006, p. 144).
Depois destas definições, podemos afirmar que democracia é um sistema político em
que as decisões são tomadas por representantes da sociedade. Além disso, é uma forma de
governo em que a realidade e os valores são ajustados de acordo com a liberdade e a igualdade.
A palavra democracia provém dos antigos gregos, mais precisamente da cidade
de Atenas. Todos os homens adultos se reuniam para discutir, debater diferentes temas e
manifestavam seu voto pela aprovação ou rejeição da ideia proposta. Os escravos e mulheres
não tinham direito ao voto e nem participavam da vida política.
Atualmente, uma das características da democracia é a rotatividade de governos. As
escolhas dos governantes, na maioria dos países, são feitas por eleições diretas e indiretas.
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Eleições diretas: quando o povo escolhe diretamente as
pessoas que irão ocupar um cargo ou função em âmbito
municipal, estadual ou federal.
Eleições indiretas: quando o povo escolhe representantes que
irão eleger ou escolher pessoas para ocuparem cargo ou função
em âmbito municipal, estadual ou federal.
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Nos estados capitalistas há uma defesa bastante forte da democracia. As características
que marcam a democracia nos estados capitalistas são:
Em primeiro lugar, que identificam liberdade e competição – tanto a competição econômica da chamada “livre iniciativa”, quanto a competição política
entre partidos que disputam eleições.
Em segundo lugar, que identificam a lei com a potência judiciária para limitar
o poder político, defendendo a sociedade contra a tirania, a lei garantindo os
governos escolhidos pela vontade da maioria.
Em terceiro lugar, que identificam a ordem com a potência do Executivo e
do Judiciário para conter e limitar os conflitos sociais, impedindo o desenvolvimento da luta de classes, seja pela repressão, seja pelo atendimento das
demandas por direitos sociais (emprego, boas condições de trabalho e salário,
educação, moradia, saúde, transporte, lazer).
Em quarto lugar, que, embora a democracia apareça justificada como “valor”
ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia. (CHAUÍ, 1997,
p. 556-557, grifo nosso).
Neste sentido, a democracia é um sistema político baseado na ideia de liberdade,
competição, legitimidade e eficiência dos ocupantes de cargos públicos e nas soluções técnicas
(e não políticas) para os problemas sociais.
Por fim, apresentamos alguns princípios e práticas que caracterizam a democracia e
consequentemente distingue de outros regimes políticos. Acompanhe!!!
• Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por
todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos.
• Democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a
institucionalização da liberdade.
• A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria, associados aos direitos
individuais e das minorias. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria,
protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias.
• As democracias protegem de governos centrais muito poderosos e fazem a descentralização
do governo a nível regional e local, entendendo que o governo local deve ser tão acessível
e receptivo às pessoas quanto possível.
• As democracias entendem que uma das suas principais funções é proteger direitos humanos
fundamentais, como a liberdade de expressão e de religião; o direito a proteção legal igual;
e a oportunidade de organizar e participar plenamente na vida política, econômica e cultural
da sociedade.
• As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos.
As eleições numa democracia não podem ser fachadas atrás das quais se escondem
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ditadores ou um partido único, mas verdadeiras competições pelo apoio do povo.
• A democracia sujeita os governos ao Estado de Direito e assegura que todos os cidadãos
recebam a mesma proteção legal e que os seus direitos sejam protegidos pelo sistema
judiciário.
• As democracias são diversificadas, refletindo a vida política, social e cultural de cada país.
As democracias baseiam-se em princípios fundamentais e não em práticas uniformes.
• Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar no sistema
político que, por seu lado, protege os seus direitos e as suas liberdades.
• As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação
e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer
compromisso e que isto nem sempre é realizável. Nas palavras de Mahatma Gandhi, “a
intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro
espírito democrático”.
FONTE: BRASÍLIA. Embaixada Americana. (Org.). Princípios da Democracia. Disponível em: <http://
www.embaixada-americana.org.br/democracia/what.htm>. Acesso em: 10 maio 2010.
Em síntese, no regime democrático os representantes políticos são eleitos através de
eleições periódicas; todos os cidadãos têm direito de votar e ser votados conforme regras
estabelecidas pelo processo eleitoral; cada um tem direito de expressar-se livremente sobre
todos os assuntos políticos sem serem castigados pelo Estado; direito de manterem-se
informados sobre todas as ações de governo.
S!
DICA
Procure mais informações sobre o tema Política, acessando os
seguintes sites:
<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index_politica.htm>. –
apresenta uma série de artigos sobre política na visão de cada
um dos pensadores.
<http://consciencia.org/contemporanea/ortegagassetdanilo.
shtml>. – dispõe de um artigo que analisa as teses sociais e
políticas do filósofo.
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LEITURA COMPLEMENTAR
SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO
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124. O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em comunidades,
colocando-se eles sob governo, é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas
condições faltam no estado de natureza:
Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita mediante
consentimento comum, como padrão do justo e injusto e medida comum para resolver quaisquer
controvérsias entre os homens; porque, embora a lei da natureza seja evidente e inteligível
para todas as criaturas racionais, entretanto os homens, sendo desviados pelo interesse, bem
como ignorantes dela porque não a estudam, não são capazes de reconhecê-la como lei que
os obrigue nos seus casos particulares.
[...]
127. Assim os homens, apesar de todos os privilégios do estado de natureza, mantendose em más condições enquanto nele permanecem, são rapidamente levados à sociedade.
Daí resulta que raramente encontramos qualquer grupo de homens vivendo dessa maneira.
Os inconvenientes a que estão expostos pelo exercício irregular e incerto do poder que todo
homem tem de castigar as transgressões dos outros os obrigam a se refugiarem sob as leis
estabelecidas de governo e nele procurarem a preservação da propriedade. É isso que os leva a
abandonarem de boa vontade o poder isolado que têm de castigar, para que passe a exercê-lo
um só indivíduo, escolhido para isso entre eles; e mediante as regras que a comunidade ou os
que forem por ela autorizados, concordem em estabelecer. E nisso se contém o direito original
dos poderes Legislativo e Executivo, bem como dos governos e das sociedades.
[...]
132. Tendo a maioria, conforme mostramos, quando de início os homens se reúnem em
sociedade, todo o poder da comunidade naturalmente em si, pode empregá-lo para fazer leis
destinadas à comunidade de tempos em tempos, que se executam por meio de funcionários
que ela própria nomeia: nesse caso, a forma de governo é uma perfeita democracia; ou então
pode colocar o poder de fazer leis nas mãos de alguns homens escolhidos, seus herdeiros
e sucessores: nesse caso, ter-se-á uma oligarquia; ou então nas mãos de um único homem:
constitui-se nesse caso uma monarquia; se para ele e herdeiros: será hereditária; se para
ele somente durante a vida, mas pela morte dele sendo a ela devolvido o poder de indicar o
sucessor: será a monarquia eletiva. E assim, segundo estas maneiras de ser, a comunidade
pode estabelecer formas compostas ou mistas de governo, conforme achar conveniente. E se
o Poder Legislativo for a princípio concedido pela maioria a uma pessoa somente, para sempre,
ou por qualquer prazo limitado, e em seguida o poder supremo deva novamente voltar para
ela – quando assim volta, a comunidade pode dispor de novamente, colocando-o nas mãos
de quem quiser, constituindo nova forma de governo. Dependendo a forma de governo da
situação do poder supremo, que é o Legislativo – sendo impossível conceber-se que o poder
inferior prescreva ao superior ou que outro qualquer que não o poder supremo faça as leis –,
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conforme se coloca o poder de fazer leis, assim também é a forma da comunidade.
FONTE: Locke (1973, p. 88-89, 91)
O PRÍNCÍPE
Quando seja louvável a um príncipe manter a fé e viver com integridade, não com
astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos, que
houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e
souberam, pela astúcia, transformar a cabeça dos homens, superando, enfim os que foram leais.
Deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis,
outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém,
muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se
necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. [...] É que isso (ter
um preceptor metade animal e metade homem) significa que o príncipe sabe empregar uma e
outra natureza. E uma sem a outra é a origem da instabilidade. Sendo, portanto, um príncipe
obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do
leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa contra os lobos. Precisa,
pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem
unicamente de leões não serão bem-sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não pode nem
deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o
determinaram cessem de existir. Se os homens todos fossem bons, este preceito seria mau.
Mas, dado que são pérfidos e que não a observariam a teu respeito, também não és obrigado
a cumpri-la para com eles.
FONTE: Maquiavel (1973, p. 79-80)
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RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico vimos que:
O
significado da palavra política vem do grego polis (cidade-estado), que significa a arte de
governar, de gerir o destino da cidade.

O poder é a relação que se estabelece entre dois sujeitos, onde um impõe ao outro sua
vontade ou a posse de certos meios ou bens para alcançar uma certa vantagem ou obter
os efeitos desejados.
 As
formas de poder que predominam na sociedade são: econômico, político e ideológico.
 Para
Aristóteles, a política é a ciência da busca da felicidade. A melhor forma de governo é
aquela que busca o equilíbrio entre aristocracia, monarquia e a politeia.
 Para

Maquiavel, “os fins justificam os meios” no governo.
Para Hobbes, o Estado é um pacto social, onde cada indivíduo abre mão de sua liberdade
e transfere ao Estado poderes absolutos e irrevogáveis.
 Montesquieu desenvolveu uma teoria baseada na divisão do poder em: Executivo, Legislativo
e Judiciário.
A
função principal do Estado Capitalista é ser mediador entre as classes sociais.
A
função principal do Estado Socialista é eliminar as desigualdades sociais.

Democracia vem do grego demos, que significa povo, e cracia, poder.
 A democracia
é um sistema político baseado na ideia de liberdade, competição, legitimidade
e eficiência dos ocupantes de cargos públicos e nas soluções técnicas (e não políticas) para
os problemas sociais.

Uma das características da democracia é a rotatividade de governos e eleições livres para
a escolha de seus representantes.
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UNIDADE 3
Para que você possa compreender todos os aspectos apresentados neste
tópico, sugerimos que siga os seguintes passos:
• Leia novamente este tópico e procure destacar as palavras ou ideias centrais que
aparecem ao longo do texto.
• Após reler e destacar as ideias centrais do texto, procure elaborar um resumo do
tópico, comparando as ideias entre si, identificando as semelhanças e as diferenças.
Bom estudo!
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TÓPICO 6
CIDADANIA E SOCIEDADE
1 INTRODUÇÃO
A expressão cidadania teve diferentes sentidos ao longo da história da humanidade e
foi se adaptando às trocas de experiências das pessoas na sociedade. Inicialmente podemos
afirmar que a expressão cidadania está relacionada a diferentes situações, como, por exemplo:
participar de uma determinada agremiação política; ter direitos e deveres reconhecidos; ter
consciência dos seus atos, entre outros aspectos.
Constantemente somos tomados por notícias do tipo: crianças passam fome; famílias
vivem na miséria; bandidos que traficam armas e drogas; países que adotam regimes totalitários;
guerras entre países; destruição das florestas e a falta de perspectivas de melhoria a curto
prazo são fatores que nos levam a refletir sobre o significado da palavra cidadania, sua evolução
histórica e suas perspectivas.
Portanto, este tópico tem por finalidade refletir sobre o tema cidadania e suas implicações
na vida social. No final deste tópico propomos um teste para identificar sua postura perante os
direitos e responsabilidades do cidadão na sociedade.
2 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA
A expressão cidadania é um termo que nos remete à vida em sociedade. Sua origem
está ligada ao desenvolvimento das primeiras cidades, que vem do grego polis. Na Grécia Antiga
a democracia era entendida como a participação ativa na vida pública. Assim o cidadão era o
que reunia os quesitos para poder participar dos assuntos públicos, em que o ordenamento
político baseava-se no diálogo e não na utilização da força ou da violência como imposição.
Em princípio, a expressão cidadania se referia “[...] aos direitos e às obrigações nas relações
entre o Estado e o cidadão.” (KUNSCH, 2007, p. 63).
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Entre os romanos a concepção de cidadania estava relacionada à República. Ser
cidadão romano era gozar dos direitos legitimamente estabelecidos e de participar ativamente
das decisões da cidade, elegendo seus representantes.
O conceito de cidadania que temos hoje tem influência direta das revoluções burguesas
e Francesa, da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Industrial. Sobre as
revoluções e a Independência dos Estados Unidos, Silva e Silva (2010, p. 48-49) fazem a
seguinte afirmação:
[...] os direitos instituídos pela Declaração de Independência dos EUA (1776)
e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França revolucionária (1789), não se estendiam a todos os membros de suas nações. Pois,
apesar do conteúdo universalista da Declaração francesa, as mulheres eram
excluídas do voto. Já nos Estados Unidos, além das mulheres, a exclusão
atingia escravos e brancos pobres. Esses excluídos tiveram de empreender
longas lutas antes de serem contemplados pelos direitos básicos definidos
pelas revoluções burguesas. Entretanto, esses documentos tinham imenso
potencial revolucionário, e muitos daqueles que foram inicialmente excluídos
da vida política depois usariam o mesmo discurso liberal para alcançar os
direitos previstos por essas declarações. Foi assim que mulheres e negros
alcançaram seus direitos civis nos EUA já no século XX, usando a mesma
linguagem do século XVIII.
Nos últimos tempos, os estudos sobre cidadania têm demonstrado que ela está
relacionada às conquistas civis (liberdade pessoal, de expressão, de pensamento, de crença...),
políticas (direito de votar e ser votado) e sociais (segurança, bem-estar). Diante disto, podemos
compreender a cidadania como prática que tem como interesse a coletividade, a defesa da
qualidade de vida e o bem público. Mas, “um dos grandes problemas para o exercício da
cidadania em nossa sociedade é exatamente o individualismo incentivado pela sociedade de
consumo e pelo neoliberalismo.” (SILVA; SILVA, 2010, p. 50). Além disso, a cidadania é marcada
pelas reivindicações dos movimentos sociais que defendem interesses de grupos sociais, como
os mendigos, pobres, negros, os deficientes físicos ou mentais, entre outros.
Diante destas questões apresentadas, nota-se que a cidadania vai muito além de
pertencer a uma sociedade política ou simplesmente por escolher os representantes políticos,
a sociedade como um todo luta para a representatividade e a legitimidade dos seus direitos
e obrigações.
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3 CIDADANIA: UM CONCEITO
UNIVERSAL OU PARTICULAR
Vimos até então que o conceito de cidadania esteve muito ligado a questão dos direitos
e dos deveres das pessoas. Mas o aspecto que gera discussão é: os direitos e deveres são
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universais ou individuais. Este será o assunto de nossa discussão nesta seção.
A primeira compreensão baseia-se no movimento do sujeito universal para o sujeito
particular. Na universalidade a ideia de cidadania é única para todas as pessoas e válida
para todos os lugares e épocas. Enquanto que na singularidade a cidadania se entrelaça nas
esferas da vida privada e em meio aos processos sociais que as pessoas estabelecem em
seu tempo histórico.
Nesta forma de compreensão, do universal para o particular, os sujeitos aspiram sempre
uma cidadania plena fundada na universalização a todos os membros da sociedade. Seguindo
esta forma de pensar, Maria de Lourdes Manzini Covre afirma que:
[...] a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito
que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento
às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência,
incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo. (COVRE,
1996, p. 11).
Neste sentido, a cidadania caracteriza-se como uma conduta universal para todos os
indivíduos frente ao coletivo.
Em sentido oposto à universalização está a cidadania entendida a partir do particular.
Está fundamentada numa tentativa de corrigir as desigualdades sociais entre as pessoas na
sociedade. A cidadania se constitui numa atitude de superação e emancipação política, social,
conforme o pensamento que segue:
Só podemos ser indivíduos singulares, senhores de nós mesmos, numa
sociedade aberta, em que a cidadania exista de fato como participação de
todos, assim como só pode haver efetiva cidadania se os indivíduos são livres,
singulares e participativos na comunidade. (GALO, 2000, p. 109-110).
Seguindo este movimento, a cidadania é construída a partir das relações. Com o
desenvolvimento das instituições modernas há a necessidade de se estabelecer relações
entre sujeitos coletivos cada vez mais numerosos e portadores de direitos (grupos nacionais
minoritários, grupos definidos por gênero e pela orientação sexual, entre outros). A novidade
não reside na existência destes grupos, mas no convívio coletivo, sem o reconhecimento de
uma personalidade jurídica que permite aos grupos atuarem tanto em instituições jurídicas
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quanto políticas.
O cidadão, indivíduo singular, é fundamentado na legitimidade do sistema político
moderno que pode exigir seus direitos. Em outras palavras, os direitos individuais estariam
acima dos interesses coletivos.
Em síntese, a lógica da universalidade conduz à universalização da cidadania, enquanto
a lógica particularista implica na extensão dos direitos a diferentes situações.
4 DIMENSÕES DA CIDADANIA
Atualmente, as concepções de cidadania que mais têm se destacado são as
considerações sociais, políticas e civis.
4.1 CIDADANIA SOCIAL
Ser cidadão não é apenas a pessoa gozar de direitos civis e políticos, mas a busca da
igualdade como ponto fundamental para o resgate da justiça social que se manifesta no direito
ao trabalho, saúde e educação.
No Brasil a cidadania social não se realizou, mas “[...] é uma condição de possibilidade
de minimização da desigualdade que faz nossas diferenças sociais e insuficiências econômicas.”
(BERTASO, 2004, p. 249). Neste sentido, a cidadania social, principalmente no estado liberal,
é um modelo utópico a ser conquistado.
4.2 CIDADANIA POLÍTICA
Em princípio, a cidadania é a relação política do indivíduo com o Estado. Neste caso
a cidadania consiste na participação efetiva de escolha dos representantes que governam o
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Estado. Em resumo, é o direito de votar e ser votado.
Segundo Marshall (19, p. 64), “O elemento político se deve entender o direito de participar
no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como um eleitor dos membros de tal organismo [...]”.
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4.3 CIDADANIA CIVIL
Sobre a cidadania civil, iniciamos com uma afirmação de Marshall (1996, p. 63): “O
elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual - liberdade de ir e de
vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à justiça [...]”. Ou seja, a cidadania civil
caracteriza-se pela incorporação de direitos a todos os membros de uma comunidade, criando
uma igualdade de oportunidades.
A relação da pessoa com os grupos que compõem a sociedade civil é a dimensão
mais radical da cidadania. Ao contrário da cidadania política e social, que se limita a receber
passivamente direitos e vantagens, a cidadania civil convida à responsabilidade e a colaborar
com os demais na realização de uma sociedade melhor.
Para finalizar esta seção, citamos algumas pessoas que foram exemplos na luta pela
cidadania no Brasil e no mundo.
• Betinho – o sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, foi o idealizador da
Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida, que mobilizou todo o Brasil na doação de
alimentos.
• Nelson Mandela – discordava do apartheid, sistema político que dava vantagens aos brancos
e impedia os negros de participarem das decisões políticas. Em 1964 foi condenado à prisão
perpétua por lutar contra a discriminação racial. Em 1990 foi libertado, em 1993 ganhou o
Prêmio Nobel da Paz e em 1994 foi eleito presidente da África do Sul.
• Gandhi – dedicou a maior parte de sua vida à luta pela independência da Índia da Inglaterra.
Mobilizou o povo indiano a favor da não violência. Foi assassinado em 1948.
S!
DICA
Sinopse
África do Sul, início do século XX. Após ser expulso
da 1ª classe de um trem, o jovem e idealista
advogado indiano Mohandas Karamchand
Gandhi (Ben Kingsley) inicia um processo de
autoavaliação da condição da Índia, que na época
era uma colônia britânica, e seus súditos ao redor
do planeta. Já na Índia, através de manifestações
enérgicas, mas não violentas, atraiu para si
a atenção do mundo ao se colocar como líder
espiritual de hindus e muçulmanos.
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RESUMO DO TÓPICO 6
Neste tópico você viu que:
• A expressão cidadania teve origem na Grécia Antiga e era entendida como a participação
ativa na vida pública.
• Atualmente, um dos grandes problemas para o exercício da cidadania em nossa sociedade é
exatamente o individualismo incentivado pela sociedade de consumo e pelo neoliberalismo.
• A cidadania como universalidade é única para todas as pessoas e válida para todos os lugares
e épocas. Enquanto que na singularidade a cidadania se entrelaça nas esferas da vida privada
e em meio aos processos sociais que as pessoas estabelecem em seu tempo histórico.
• Betinho, Nelson Mandela e Gandhi foram exemplos de pessoas que lutaram pela cidadania
em seus países.
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Você é um cidadão consciente? Sabe de suas responsabilidades? Como você
se insere nestas questões?
Faça o teste que segue e descubra se você é um cidadão consciente e
responsável. Mas, atenção! Leia atentamente todas as questões e siga todas as
orientações.
TESTE DE CIDADANIA
Qualquer pessoa pode ajudar a transformar a realidade, não importando a sua
posição social ou o seu nível de escolaridade. Todos podem contribuir efetivamente
para resolver as principais questões do país. A arte de fazer as coisas acontecerem
depende de nossa capacidade de começar a agir imediatamente e da nossa fé no
processo natural de encadeamento (sementes que geram redes de consequências
imprevisíveis, levando-as a objetivos maiores).
Cidadania implica compromisso e participação. Cidadania envolve os direitos
e responsabilidades de cada um como membro da sociedade.
Cada pessoa, no entanto, posiciona-se de uma forma diferente diante dos
seus direitos e responsabilidades e em relação ao seu meio social. Em relação aos
DIREITOS DOS CIDADÃOS, identificamos cinco tipos de postura:
a) O inocente: que desconhece seus direitos.
b) O acomodado: que espera passivamente que tudo se resolva.
c) A vítima: que só sabe se queixar.
d) O chato: que vive cobrando de forma errada.
e) O cidadão consciente: que está comprometido com os direitos da cidadania e
sabe cobrar bem, com responsabilidade.
Em relação às RESPONSABILIDADES para com a sociedade, identificamos,
também, cinco tipos de postura:
a) O destrutivo: que rejeita qualquer participação e envolvimento.
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b) O alienado: que se omite de responsabilidade.
c) O burocrático: que cumpre só o que é legal.
d) O teórico: que se sente responsável, mas nada faz efetivamente; e
e) O cidadão envolvido: que se sente responsável e atua para mudar e melhorar o
estado geral das coisas.
O teste, a seguir, propõe uma reflexão sobre a relação do indivíduo com a
sociedade. Veja como você se insere nesse contexto.
No bloco “Direitos dos Cidadãos”, escolha as sete frases com as quais
você mais se identifica. Faça o mesmo também com as escolhas no bloco
“Responsabilidade dos Cidadãos”. Depois confira, no final da unidade, as tendências
de seu comportamento como cidadão, identificando os grupos nos quais você se inclui.
DIREITOS DOS CIDADÃOS
1 Direitos do cidadão? Já ouvi falar, mas...
2 É assim que as coisas funcionam. Faz parte do sistema.
3 O que importa é que cuidem do meu! O resto...
4 Cobrar nossos direitos num país como o Brasil requer, antes de tudo, nova postura
educativa.
5 Não temos direitos neste país.
6 Espero que alguém um dia me explique quais são meus direitos de cidadão.
7 Antes de cobrar nossos direitos, devemos perguntar: estamos respeitando o direito
dos outros?
8 Pra falar a verdade, não sei exatamente quais são meus direitos como cidadão.
9 Este é um país onde só tem direitos quem está por cima.
10 Não adianta tentar os caminhos normais e esperar. Preciso esperar o tempo todo.
11 Nunca me interessei em conhecer meus direitos.
12 O pouco de direitos que temos está diminuindo a cada dia.
13 Temos que fazer valer nossos direitos, nem que seja à força!
14 Direito é coisa para advogado. É muito complicado para o leigo.
15 Não adianta fazer nada. Nunca teremos nossos direitos para valer.
16 O respeito aos direitos do cidadão depende de todos nós.
17 Cobrar direitos é uma atitude política sadia, que exige não deixar passar nada que
viole os direitos de qualquer um – não só os seus.
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18 Um dia as coisas vão melhorar. Até lá, o negócio é ir tocando a vida...
19 Só temos obrigações a cumprir. Direito que é bom nada...
20 Se você não cuidar dos seus direitos, quem é que vai fazê-lo?
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21 Exigir o cumprimento de nossos direitos através do uso rigoroso das instituições
é o melhor meio.
22 Deve ter muita gente cuidando disso...
23 Quem reclama mais consegue primeiro...
24 A escolha consciente de nossos legisladores e executivos é a base fundamental
para fazer valer nossos direitos.
25 No momento em que todo cidadão do país tiver plena consciência dos seus direitos,
estes se farão valer, como decorrência natural.
26 Não há nada que eu possa fazer. Está além de minha capacidade.
27 Deixe como está. Se mexer, pode piorar.
28 Respeitar o direito de cada um é saber fazer valer o direito de todos.
RESPONSABILIDADE DOS CIDADÃOS
1 O negócio aqui é ‘salve-se quem puder’. Se você não garantir o seu...
2 Sou um cidadão exemplar. Cumpro tudo o que a lei manda. É a minha contribuição
para a sociedade.
3 Concordo em contribuir para atender a essas necessidades, desde que haja algo
em troca.
4 Num sistema como esse, não adianta fazer nada...
5 O caminho mais viável é... Só não começo porque...
6 Sinto-me também responsável pelo que está acontecendo. Estou buscando ajuda
por meio de...
7 Tudo que você faz, alguém destrói. Não vale a pena gastar seu tempo.
8 Não me envolva nisso. Não é comigo!
9 A gente vai ter que fazer algum dia! Assim não pode ficar.
10 Se todos fizerem a sua parte da melhor forma possível, a sociedade como um
todo evoluirá.
11 Se os outros estão fazendo, eu não sei... Eu sei do meu compromisso com o país
e ajo conforme minha consciência...
12 Neste país nada funciona. Para que fazer papel de bobo, de D. Quixote?
13 Já tenho tantas obrigações para com a sociedade. Tem gente fazendo bem menos
do que eu!
14 Não sei se é o melhor caminho. Mas os resultados já se fazem sentir.
15 Já tenho tanto com o que me preocupar! Preciso garantir o pão de cada dia. Não
posso ajudar.
16 Na minha opinião, todos nós deveríamos contribuir.
17 O que mais posso fazer para ajudar a...
18 Já pago impostos. O Governo que faça a sua parte!
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19 Em outros países, o cidadão típico ajuda a comunidade... Temos que fazer com
que no Brasil também as coisas funcionem dessa forma.
20 O problema deste país são as pessoas. Só substituindo todo mundo.
21 Para que se preocupar e se envolver? Isso é arranjar ‘sarna para se coçar’ e você
ainda pode sair machucado.
22 Quem sabe se, com este meu exemplo, outras pessoas também se animarão a
ajudar.
23 Você ainda acredita em Papai Noel? Isso não vai mudar nunca. Para que se
envolver?
24 Fazer mais do que faço? Bem. Se for desejo da maioria e for exigido por lei.
25 Somos todos responsáveis pela construção de uma sociedade cada vez melhor.
Não podemos ficar esperando que alguém comece a dar os passos necessários.
É preciso agir.
26 Concordo em ajudar, desde que o governo crie algum tipo de incentivo fiscal.
27 A coisa não funciona porque... Minha tese é...
28 A vantagem de fazer o que é necessário é seu efeito multiplicador.
29 Não temos nada a ver com isso. Cabe ao governo.
30 Não fui eu que fiz esta bagunça. Não me sinto responsável.
31 Há muito tempo tenho pensado em começar algo para ajudar a melhorar.
Após ter escolhido as suas sete frases, com relação aos DIREITOS DOS
CIDADÃOS, veja a atitude que predomina na sua vida:
FRASES
a) 1, 6, 8, 11, 14
b) 2, 18, 22, 26, 27
c) 5, 9, 12, 15, 19
d) 3, 10, 13, 20, 23
e) 4, 7, 16, 17, 21, 24, 25, 28
POSTURA
Inocente
Acomodado
Vítima
Chato
Cidadão Consciente
E veja qual tem sido sua postura em relação às suas RESPONSABILIDADES
DE CIDADÃO:
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a) 4, 7, 12, 20, 23
b) 1, 8, 15, 21, 29, 30
c) 2, 3, 13, 18, 24, 26
d) 5, 9, 16, 19 27, 31
e) 6, 10, 11, 14, 17, 22, 25, 28
POSTURA
Destrutivo
Alienado
Burocrático
Teórico
Cidadão Envolvido
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Talvez você esteja em vários grupos ou se concentrou mais em um tipo de
comportamento. O mais importante é reconhecer que só teremos uma sociedade
melhor quando nos posicionarmos como cidadãos conscientes de nossos direitos e
comprometidos com as necessidades do país.
(Extraído e adaptado da revista Reflexões Amana – Edição Especial de “IDEIAS AMAM’
outubro/92).
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va
Prezado(a) acadêmico(a), agora que chegamos ao final
da Unidade 3, você deverá fazer a Avaliação.
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FILOSOFIA: UM CONVITE AO PENSAR