Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Paraná
1ª TURMA RECURSAL – JUÍZO A
JUIZADO ESPECIAL (PROCESSO ELETRÔNICO) Nº200870500070946/PR
RELATOR
: Juiz Federal José Antonio Savaris
RECORRENTE
: AIRTON SEIJI YAMADA
RECORRIDO
: DEPARTAMENTO
NACIONAL
DE
INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT
VOTO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que
julgou improcedente o pedido de condenação da ré ao pagamento de danos materiais e
morais decorrentes de acidente de trânsito sofrido pelo autor na Rodovia Régis
Bittencourt – BR 116.
A decisão recorrida não acolheu a pretensão orientada na inicial ao
entendimento de que “firmada a convicção pelo Juízo de que o autor teve culpa pelo
acidente, resta afastada a responsabilidade do réu”. Para tanto, o juízo de origem
verificou que “não há possibilidade de aferir a real velocidade desenvolvida pelo
veículo da hora do acidente”; que outro motorista que se acidentou no mesmo
reconheceu que trafegava a cerca de 80 km/h – acima do recomendado no local –; que
o engenheiro do DNIT declarou que as condições da pista eram boas, tendo dito ainda
que “com certeza, posso afirmar que, caso o autor da ação tivesse observado a
sinalização no local, (...), não teria ocorrido o acidente”.
A parte recorrente, em síntese, reafirma que o Estado foi omisso na
conservação da pista, que estava em péssimas condições na época do acidente,
ressaltando que apenas no dia 15.07.2007 houve 17 acidentes naquele trecho. Ainda,
alega-se que o engenheiro do DNIT é parcial em seus relatos, por ser servidor daquele
Departamento, e que o conjunto probatório é suficiente para que se conclua pelo dever
de indenizar do Estado, na figura do DNIT.
Assiste razão ao recorrente.
Entendo que o conjunto probatório é suficiente para que se conclua pela
precariedade da BR 116 no trecho que liga São Paulo a Curitiba, e de maneira ainda
mais acentuada no trecho em que o acidente em questão ocorreu (proximidades do km
548, conforme boletim de acidente de trânsito, OUT23).
Neste sentido, a parte autora comprovou que, somente no dia 15.07.2007
(quando se acidentou), houve ao todo dezessete acidentes num trecho de 05 km (km
545 ao km 550) da Rodovia Régis Bittencourt, conforme informação prestada do
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Departamento de Polícia Rodoviária Federal – dois desses acidentes deixaram feridos
graves e outro teve uma vítima fatal (INF3, evento 10). Ora, é preciso muita boa
vontade e complacência com o Estado para compreender que 17 acidentes tenham
ocorrido por uma coincidente imperícia ou imprudência dos motoristas, mormente
quando se vê a real condição da rodovia quando da ocorrência desses fatos.
O recorrente juntou ainda uma reportagem feita no ano de seu acidente,
que confirma as péssimas condições da estrada São Paulo-Curitiba e destaca que o pior
trecho é justamente aquele em que o autor perdeu o controle de seu veículo: “o
problema da Régis tende a ser agravado especialmente numa parte que está há mais de
dois meses sem nenhum contrato de conservação ou manutenção – do km 406,7 ao km
568,6, próximo ao Paraná” – grifo próprio, OUT17.
Observo que o recorrente juntou com a inicial diversos trechos de
reportagens e sites de notícias, que apontam de forma uníssona as péssimas condições
da estrada que liga São Paulo a Curitiba. Independente de veiculação jornalística, era
de conhecimento geral que a Régis Bittencourt, antes de ser pedagiada, representava
risco significativo aos motoristas, sendo chamada inclusive de “rodovia da morte”.
As fotografias da estrada na época do acidente mostram a pista em más
condições e sem qualquer placa de sinalização visível (FOTO34-35). Entendo que são
suficientes para infirmar as alegações feitas pelo réu em contestação e as informações
prestadas pelo engenheiro do DNIT (eventos 8 e 79).
As fotos que o recorrido anexou juntamente com sua contestação (junho
de 2008) mostram o trecho da rodovia meses após a concessão para a iniciativa
privada e quase um ano após o acidente, razão pela qual perdem seu valor na
demonstração de ausência de culpa da ré (OUT4-5, evento 8).
Não bastasse a argumentação acima, apenas registro que a circunstância
de um dos acidentes ter ocorrido por motorista que trafegava pela primeira vez naquela
rodovia e que se encontrava pouco acima da velocidade permitida para o local não
prejudica o direito do autor à devida reparação, pois três fatores: a) as rodovias devem
ser planejadas e construídas mais e particularmente para aqueles que por ela trafegam
eventualmente, não para aqueles que sempre por elas passam e conhecem onde se
encontram cada defeito; b) a velocidade de 80KM/H, pouco acima do limite para o
trecho (60 KM/H), não pode justificar a causa do acidente, de modo que, prevendo a
possibilidade de os motoristas empregarem velocidade razoável, sinalização mais
ostensiva deveria ter sido empregada pelo administrador da rodovia; c) se a
testemunha inquirida por precatória se encontrava em sua primeira viagem e em
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velocidade acima do limite para o trecho, daí não se infere que o autor se encontrasse
na mesma situação.
Afasta-se, portanto, a alegada culpa concorrente da parte autora.
Visto tudo isto, entendo demonstrada a faute du service consubstanciada
na omissão de conservação e aprimoramento (para conforto e segurança) da BR 116,
especialmente no trecho em o recorrente e sua família sofreram acidente. Aliás, faute
du service corresponde à expressão muito elegante para a notória desconsideração do
Estado para com a vida de seus cidadãos e com a memória das vítimas fatais que viram
frios números estatísticos.
Entendido que o Estado se omitiu na conservação da rodovia, emerge sua
responsabilidade civil e o dever de indenizar. Valho-me da doutrina de Celso Antonio
Bandeira de Mello e dos demais argumentos expendidos pelo Superior Tribunal de
Justiça, em julgamento análogo ao presente:
RECURSO ESPECIAL. DNER. RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ACIDENTE CAUSADO EM RODOVIA FEDERAL. LEGITIMIDADE
PASSIVA. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
MÁ CONSERVAÇÃO DA RODOVIA FEDERAL. CULPA DA
AUTARQUIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO. 300
SALÁRIOS MÍNIMOS. PRECEDENTES.
omissis
A referida autarquia federal é responsável pela conservação das rodovias
federais e pelos danos causados a terceiros em decorrência de sua má
preservação. No campo da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo
adveio de uma omissão do Estado, invoca-se a teoria da responsabilidade
subjetiva. Como leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, “se o Estado
não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o
autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto
é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe
impunha obstar ao evento lesivo” ("Curso de direito administrativo",
Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855).
Na espécie, a Corte de origem e o Juízo de primeiro grau concluíram, com base
no exame acurado das provas dos autos, que o acidente que levou à morte da
vítima foi provocado por buracos na rodovia federal, que levaram ao
esvaziamento dos pneus do veículo acidentado e o conseqüente descontrole de
sua direção. Dessa forma, impõe-se a condenação à indenização por danos
morais ao DNER, responsável pela conservação das rodovias federais, nos
termos do Decreto-lei n. 512/69.
Com efeito, cumpria àquela autarquia zelar pelo bom estado das rodovias
e proporcionar satisfatórias condições de segurança aos seus usuários.
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omissis
(grifo próprio – STJ, Segunda Turma, Resp 200300992860, rel. Franciulli
Neto).
Tratando de omissão na manutenção de estradas, importa lembrar que os
leilões para concessão da Régis Bittencourt começaram a ocorrer no fim do ano em
que o autor se acidentou (2007), passando a estrada a receber reformas desde o início
de 2008.
Não passa despercebida a postura do réu no sentido de que pouco fez
para afastar do trecho de estrada em questão a alcunha de “rodovia da morte”, ficando
o cidadão refém de uma outorga da obra pública à iniciativa privada para que passasse
a contar com serviço razoável.
Interessa, neste ponto, resgatar a imagem do Estado Pirata, tão bem
identificada pelo Juiz Federal Adamastor TURNES:
“A administração omite-se no dever de consertar as rodovias. A seguir,
apresenta o fruto de sua omissão como argumento para a privatização/concessão. O
passo seguinte (ou mesmo prévio), entregar a terceiros, nos termos de contratos cujo
objetivo não necessariamente é o bem comum, a exploração da estrada. Aí,
publicamente, estabelece-se o pedágio, com a mesma justificativa; se estivesse nas
mãos no Estado a rodovia estaria sem manutenção. Tudo são faces de uma mesma
moeda: O Estado Pirata”1.
Feitas estas considerações, entendo que resta patente a omissão do
Estado, na figura do DNIT, na sua obrigação de conservar a estrada em condições
razoáveis de rodagem.
O nexo entre a omissão do Estado e o acidente do recorrente também fica
comprovado, diante da comprovação de que dezessete acidentes ocorreram naquele
mesmo trecho, em um único dia.
Os danos materiais também restam comprovados, à medida em que a
parte autora juntou recibos de pagamentos do conserto do veículo e demais despesas
decorrentes do acidente.
1
TURNES, Adamastor Nicolau. A polêmica do “radar/pardal” nas estradas de rodagem: aspectos
constitucionais. Revista Novos Estudos Jurídicos. Universidade do Vale do Itajaí, Curso de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Ciência Jurídica, ano 6, n. 11 (2000). Itajaí: Univali, 2000. P. 157-167 [p.164].
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Desta forma, entendo que o Departamento nacional de Infra-estrutura de
Transportes – DNIT – deve ressarcir ao autor as seguintes despesas:
a) R$ 6.000,00 pelo pagamento da franquia do seguro, para o reparo do
veículo (OUT49). Embora o reparo tenha custado R$ 7.016,41 (doc48), o próprio autor
relata que pagou apenas a franquia do carro para tê-lo reparado;
b) R$ 35,38 de perda na renovação do contrato de seguro, por ocorrência
de sinistro na vigência plurianual do mesmo (evento 88);
c) R$ 100,00 de gasto com guincho, conforme OUT52;
d) R$ 200,00 de gastos com locação de veículo – OUT55.
Os valores informados como gastos com serviços de cartório e táxi não
devem ser objeto de ressarcimento por não se ter comprovado que existiram em razão
do acidente (R$ 15,60 – OUT53 e R$ 34,50 – OUT54).
Quanto aos danos morais, o quadro oferecido no caso presente – acidente
sofrido pelo autor e família em razão da precariedade do estado de rodovia que deveria
ser conservada pelo Estado, com toda quebra de segurança que dela poderia se esperar
e com todas as consequências de não prosseguimento da viagem, temor pela vida,
transtornos para acomodação própria e dos familiares – permite concluir pela
reparação de dano no valor de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) na data do
acidente, considerados também suficientes para que, em certa medida, a
Administração seja estimulada, também pela imposição financeira, a conferir
segurança e proteger a integridade física e moral de seus administrados.
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO, para o fim de condenar o DNIT ao pagamento dos valores acima
especificados.
Sobre os valores atrasados devem incidir juros moratórios de 1% ao mês
contados do evento danoso , conforme Súmula nº 54 do STJ2. Ainda, o débito deve ser
atualizado monetariamente pelo INPC a partir da data da publicação do acórdão, a teor
da Súmula nº 362 do STJ3. O valores devem limitar-se a 60 salários-mínimos na data
de propositura da ação (Lei 10.259/01, art. 3º).
Sem honorários.
2
Súmula nº 54, STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade
extracontratual”.
3
Súmula nº 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do
arbitramento”.
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Curitiba, (data do ato).
Assinado digitalmente, nos termos do art.
9º do Provimento nº 1/2004, do Exmo. Juiz
Coordenador dos Juizados Especiais
Federais da 4ª Região.
José Antonio Savaris
Juiz Federal Relator
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