Juventude e sociedade : jogos de espelhos
Sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas.
Regina Novaes
Este artigo busca evidenciar o contexto em que vive a juventude
contemporânea; destaca alguns dos marcos geracionais que geram específicas
demandas juvenis e, finalmente, tece considerações sobre os significados da
expressão jovens como sujeito de direitos, um dos pressupostos para o desenho
e validação de Projetos e Ações voltadas para este segmento populacional.
De início, vale lembrar que questionar a universalidade da categoria juventude
significa reconhecer sua historicidade. Variam as idades cronológicas e as
expectativas que as sociedades constroem sobre seus jovens. De fato,
definições sobre infância, juventude e maturidade foram ganhando conteúdos,
contornos sociais e jurídicos ao longo da história, no bojo de disputas
econômicas e políticas. São arbitrários culturais e regras socialmente
construídas que determinam quando, como e por meio de quais rituais as
sociedades reconhecem as passagens entre estas fases da vida.
Na sociedade moderna, embora haja variação dos limites de idade, a
juventude é compreendida como um tempo de construção de identidades e de
definição de projetos de futuro.Por isto mesmo, de maneira geral, a juventude é
a fase da vida mais marcada por ambivalências. Ser jovem é viver uma
contraditória convivência entre a subordinação à família e à sociedade e ao
mesmo tempo, grandes expectativas de emancipação.
Para a juventude acena-se com uma espécie de “moratória social”. Isto é, a
juventude é vista como etapa de preparação, em que os indivíduos processam
sua inserção nas diversas dimensões da vida social, a saber: responsabilidade
com família própria, inserção no mundo do trabalho, exercício pleno de direitos e
deveres de cidadania.
Certamente, entre os jovens contemporâneos, há diferenças culturais e
desigualdades sociais. Hoje já é lugar comum falar em “juventudes”, no plural.
Em uma sociedade marcada por grandes distâncias sociais, são desiguais e
diferentes as possibilidades de se viver a juventude como “moratória social”,
tempo de preparação. A condição juvenil é vivida de forma desigual e diversa
em função da origem social; dos níveis de renda; das disparidades sócioeconômicas entre campo e cidade, entre regiões do mesmo país, entre países,
entre continentes, hemisférios.
Há ainda outras desigualdades que se expressam particularmente na vida
urbana. No Brasil, e pelo mundo afora, existem hoje jovens que são vistos com
preconceito por morarem em áreas pobres classificadas como violentas. Com
1
diversos nomes, topografias e histórias, as periferias são - via de regra marcadas pela presença das armas de fogo. São elas que sustentam tanto a
tirania do narcotráfico quanto a truculência policial. A resposta à pergunta “onde
você mora?” pode ser decisiva na trajetória de vida de um jovem. A
“discriminação por endereço” restringe o acesso à educação, ao trabalho e ao
lazer dos jovens que vivem nas favelas e comunidades caracterizadas pela
precária presença (ou ausência) do poder público.
Além disto, a vivência da condição juvenil é também diferenciada em função de
desigualdades de gênero, de preconceitos e discriminações que atingem
diversas etnias. Mas isto ainda não é tudo. Os jovens de hoje também se
diferenciam em termos de orientação sexual, gosto musical, pertencimentos
associativos, religiosos, políticos, de galeras, de turmas, de grupos e de torcidas
organizadas. Estes demarcadores de identidades podem aproximar jovens
socialmente separados ou separar jovens socialmente próximos.
Em resumo, podemos dizer que diferentes segmentos juvenis formam um
complexo caleidoscópio no qual se entrelaçam indicadores sociais reveladores.
Desigualdades que, retro alimentadas por determinados preconceitos e
discriminações, produzem distintos graus de vulnerabilidade juvenil.
Porém, com todas estas diferenciações internas, o que haveria de comum entre
os jovens de épocas diversas? Certamente a dimensão biológica (os hormônios,
a adrenalina, o corpo jovem), favorece a predisposição para a aventura e as
representações de força e vitalidade motivando a ousadia de arriscadas práticas
juvenis. Mas, para além do aspecto biológico, e apesar dos abismos sociais
existentes, ser jovem em um mesmo tempo histórico é viver uma experiência
geracional comum.
A juventude é como um espelho retrovisor da sociedade. Mais do que comparar
gerações é necessário comparar as sociedades que vivem os jovens de
diferentes gerações. Ou seja, em cada tempo e lugar, fatores históricos,
estruturais e conjunturais determinam as vulnerabilidades e as potencialidades
das juventudes. Os jovens do século XXI, que vivem em um mundo que conjuga
um acelerado processo de globalização e múltiplas desigualdades sociais,
compartilham uma experiência geracional historicamente inédita.
Para além das evidentes distâncias sociais que os separam, os jovens de hoje
vivem em um momento no qual a tensão local-global se manifesta no mundo de
maneira contundente. Nunca houve tanta integração globalizada e ao mesmo
tempo, nunca foram tão agudos os processos de exclusão e profundos os
sentimentos de desconexão. É verdade que estes aspectos têm conseqüências
na sociedade como um todo, para todas as faixas etárias. Mas suas
repercussões se agigantam sobre a juventude. Afinal as profundas mutações no
mercado de trabalho atingem de maneira particular os jovens. É nesta fase da
vida que se busca condições para a emancipação. , as relações entre juventude
e sociedade se fazem como em uma espécie de jogo de espelhos: ora apenas
2
retrovisor, ora retrovisor e agigantador. Neste peculiar jogo dialético se
produzem marcas geracionais, sensibilidades e disposições simbólicas comuns
aos jovens que vivem em um mesmo tempo social.
Por isto mesmo, para compreender os processos sociais em curso, é preciso
atentar para suas virtualidades. Não por acaso, entre os jovens sempre existem
adesões ao estabelecido e, também, territórios de resistência e de criatividade.
Assim como existem condicionantes sociais que provocam a total adesão à
sociedade de consumo, existem outros que impulsionam a busca de novas
alternativas. Medos e sentimentos de insegurança e desconexão desfavorecem
a sociabilidade contemporânea e impõem limitações econômicas aos jovens,
mas existem também uma série de sentimentos e predisposições simbólicas que
impulsionam resistências, evidenciam potencialidades e possibilidades de
invenções sociais historicamente inéditas.
Um novo casamento entre educação e trabalho
Como se sabe, a concepção moderna de juventude tornou a escolaridade
uma etapa intrínseca da passagem para a maturidade. Já a partir das
transformações do século XVIII e, sobretudo, após a segunda guerra mundial,
“estar na escola” passou a definir a condição juvenil. Idealmente, o retardamento
da entrada dos jovens no mundo do trabalho, garantiria melhor passagem para a
vida adulta. Na prática, esta “passagem” não aconteceu no mesmo ritmo e
modalidades em diferentes países e no interior de distintas classes sociais de
um mesmo país. Amplos contingentes juvenis de famílias pobres deixam a
escola e se incorporam prematura e precariamente no mercado de trabalho
informal e/ou experimentam desocupação prolongada. Em outras palavras,
pequenas minorias de jovens vivenciam a desejada “moratória social”, enquanto
a grande maioria deles encurta a infância e, ao começar a trabalhar, antecipa a
idade adulta. Podemos dizer que o trabalho nesta faixa etária também pode
estar relacionado com a busca de emancipação financeira, mesmo parcial, que
possibilite acesso a variados tipos de consumo e de lazer1. Mas, para a grande
maioria dos jovens brasileiros trabalhar cedo é uma questão de sobrevivência
pessoal e familiar.
No entanto, a despeito das injustiças provenientes da concentração de
renda e de oportunidades, décadas atrás os jovens podiam planejar melhor
futuro e os mais pobres poderiam ter algum tipo de ascensão social em
comparação com seus pais. Hoje, jovens de todas as classes e situações sociais
expressam insegurança e angústias ao falar das expectativas em relação ao
trabalho, no presente e no futuro. Estes sentimentos estão relacionados à
consciência de que sua geração está submetida às rápidas transformações
tecnológicas no mundo do trabalho. Ainda que os jovens mais pobres sejam os
mais atingidos pelo processo de desestruturação/flexibilização/precarização das
1
Não podemos esquecer que no setor serviços, aumenta o valor do quesito “aparência” que se
baseia nos estereótipos do jovem consumidor branco de classe média.
3
relações de trabalho, jovens de diferentes classes sociais partilham o “medo de
sobrar”.
Os jovens sabem que os certificados escolares são imprescindíveis. Mas
sabem também que o diploma não é garantia de inserção produtiva condizente
aos diferentes níveis de escolaridade atingida. Frente à globalização dos
mercados, redesenha-se o mundo do trabalho. Rápidas transformações
econômicas e tecnológicas se refletem no mercado de trabalho precarizando
relações, provocando mutações, modificando especializações e sepultando
carreiras profissionais. Daí o medo de sobrar.
Em contrapartida, setores críticos ao atual modelo de desenvolvimento
apontam a necessidade de construir uma nova cultura em torno do trabalho,
recuperando sua dimensão realizadora. Para que isto aconteça, demandam
acesso a programas e ações governamentais e a Projetos de organizações não
governamentais que lhes garantam iniciação e inserção criativa na vida
produtiva. Na busca de postos de trabalho, fala-se hoje em “auto-emprego”, em
micro e pequenos negócios, do trabalho cooperativo e associativo, da atuação
remunerada em organizações do Terceiro Setor, em ocupações sociais. Neste
contexto, surge também uma (re)valorização da ocupação rural (agrícola ou nãoagrícola) e de novas profissões que surgem nas áreas do turismo, esporte, arte
e cultura. Em alguns espaços sociais o conceito de Economia Solidária é
utilizado para revalorizar ocupações e criar novas alternativas de inserção
produtiva distinguindo-as da lógica tradicional do mercado de trabalho
assalariado.
Na interface entre as desejadas melhorias do sistema escolar e a
qualificação voltada para a inserção produtiva surge a demanda por inclusão
digital. Não é por acaso que sigla NTICs (novas tecnologias de informação e
comunicação) começa a freqüentar as pautas de reivindicações juvenis. As
NTICs se tornam instrumentos úteis para a circulação de informações sobre
vários temas e causas e, ao mesmo tempo, alimentam novas bandeiras de luta.
Este é o caso do envolvimento de grupos de jovens na defesa do software livre
(programa de código aberto) que significa dar liberdade para os usuários para
executar, copiar, distribuir, estudar, modificar e aperfeiçoar o Programa.
Para fazer face ao “medo de sobrar”, que habita o imaginário dos jovens
de hoje, é preciso políticas públicas que considerem as especificidades da atual
condição juvenil. Ao sistema educacional está posto o desafio de oferecer
respostas diferenciadas para possibilitar distintos modos de acesso e
continuidade na formação escolar. Mais do que nunca os especialistas criticam a
equação “educação de qualidade” como sinônimo de “bom adestramento da
força de trabalho para o mercado”. Fala-se do trabalho como espaço de
realização humana. Contudo, ao mesmo tempo, também não pode ignorar os
medos e as angústias dos jovens, cuja inserção econômica é condição para a
emancipação.
4
Com efeito, o casamento que parecia indissolúvel entre escola e trabalho
está em crise e precisa ser re-pactuado. Um novo casamento entre educação e
qualificação profissional pressupõe não só equipamentos e recursos humanos,
mas também uma nova perspectiva de cooperação interdisciplinar, voltada para
o desenvolvimento de saberes, conhecimentos, competências e valores de
solidariedade e cooperação condizentes com as exigências do século XXI.
Inclusões para uma vida segura
De certa forma, ser jovem é ser suspeito. No senso comum e na mídia, o
tema da violência está bastante associado aos jovens, sobretudo aos mais
pobres, do sexo masculino e negros. Sempre há estatísticas para comprovar
que “são eles os que mais matam e os que mais morrem”. Assim como o já
citado “medo de sobrar”, o “medo de morrer” prematuramente e de forma
violenta também povoa transversalmente o imaginário desta geração. Esta
questão está colocada para todos.
Em outras gerações o gosto pela aventura e a vontade de correr risco
estavam respaldados por uma expectativa: “ser jovem” é estar longe da morte.
Esta geração, no entanto, convive diariamente com a morte que atinge
fortemente seu grupo etário. Estão aí as estatísticas para comprovar as mortes
de jovens atingidos por armas de fogo (em conflitos de bandos armados, durante
as ações policiais, atingidos por balas perdidas) ou em acidentes de trânsito.
Ser jovem em um momento histórico em que o narcotráfico se constitui
como uma rede transnacional complexa (que se faz evidente apenas nas favelas
e periferias 2) e em que os interesses da indústria bélica garantem a proliferação
e banalização das armas de fogo, não é sem conseqüências. Sobretudo se a
estes dois aspectos adicionamos não só a corrupção e a violência policial, mas
também ao despreparo das polícias para lidar com os jovens. Esta conjugação
de fatores afeta a vida dos jovens de hoje.
Com efeito, a chamada “violência urbana” – com todas as imprecisões e
inúmeros significados que estão contidos nesta expressão – está muito presente
no imaginário desta geração. Não há quem não tenha uma história para contar
de jovens amigos, primos, irmãos mortos prematuramente e de forma violenta.
As de “duras” ou “achaques” de policiais também rendem longas conversas
entre jovens. Fala-se também de outros tipos de violência que atingem certos
segmentos juvenis tornando-os ainda mais vulneráveis: são muitos os exemplos
de discriminações étnicas, de gênero, de orientação sexual e de jovens
portadores de necessidades especiais.
2
Ver Machado (2000) para uma análise das operações efetivas constituintes da economia da droga
na qual se evidencia que cada lugar é tão importante quanto qualquer outro para a organização do espaçode-fluxos por meio do qual a dispersa comunidade ilegal controla o sistema.
5
Porém, em contrapartida, como atestam várias pesquisas, o tema da
violência também é mobilizador para a participação social. Como sabemos,
jovens com histórias ligadas à criminalidade tornaram-se público alvo (nos
bairros, nas prisões, em espaços onde cumprem medidas sócio-educativas) de
políticas públicas para a juventude. E, também, por vezes, tornam-se eles
mesmos agentes de instituições (organizações juvenis, de ONGs, de grupos
ligados às Igrejas) voltadas para o combate à violência policial e, como eles
dizem, “para tirar os jovens do tráfico”. Em seu trabalho, utilizam seus próprios
depoimentos sobre a experiência de envolvimento em situações de risco social.
Não por acaso, reações contra mortes violentas de jovens nas mãos da polícia e
ações contra a situação precária dos jovens nas prisões estão presentes tanto
nos documentos de organizações juvenis quanto de organizações que trabalham
com jovens.
As ações afirmativas têm sido um importante expediente para fazer frente
a discriminações de gênero e raça. A premissa da ação afirmativa é a atenção
diferenciada como estratégia de inibir a contínua reprodução das desigualdades,
sem considerar a necessidade de valorizar a diversidade. As cotas representam
uma das modalidades de ação afirmativa para facultar o acesso à educação, aos
postos de trabalho e ao lazer. É verdade que não há consenso sobre os efeitos
das ações afirmativas e das cotas para cada um destes grupos socialmente
discriminados, mas estas são formas do Estado interferir no ciclo vicioso que
realimenta as desigualdades sociais.
Em resumo, para se contrapor ao precoce “medo de morrer” de maneira
violenta que tem lugar entre os jovens de hoje, políticas públicas devem se
desenvolver com o objetivo de assegurar-lhes o direito à vida segura. Para tanto,
não deve haver uma hierarquização e/ou uma cisão entre políticas de inclusão
social e políticas específicas de enfrentamento e prevenção à violência. Isto
porque há uma interdependência entre os processos de exclusão social que
atingem diferentes segmentos juvenis e os mecanismos sociais detonadores de
atos e atitudes de violência física e simbólica. Este entrelaçamento é uma das
justificativas para que, neste inicio de milênio, se constituíam múltiplas ações
intersetorias com o objetivo de consolidar um campo das políticas públicas de
juventude.
Jovens como sujeitos de diretos.
Entendendo ‘políticas públicas’ como ações cujo traço definidor é a
presença do aparelho governamental/estatal3 em sua definição, validação,
3
A presença do aparato estatal deveria assegurar seu caráter público, mesmo que em sua realização
ocorram parcerias com organizações da sociedade civil Sobre a definição de políticas públicas de juventude
ver artigo de Carrano e Spósito (2003), ver também Rua (1998) e Castro e Abramovay (2003).
6
execução e avaliação, trata-se agora de refletir sobre as circunstâncias e os
contextos sociais em que se tece o atual campo das políticas públicas de
juventude.
Como já foi dito, as respostas às demandas dos jovens desta geração
exigem que se considere o novo contexto mundial e as características da
sociedade brasileira. Ou seja, é preciso levar em conta as dívidas sociais que se
acumularam ao longo do nosso passado histórico; lançar um olhar específico
para as urgências que se colocam no presente e ter como perspectiva as
necessidades futuras dos jovens de hoje.
No que diz respeito às políticas públicas de juventude, um de seus
desafios é combinar projetos e ações que assegurem igualdade de direitos da
cidadania; valorização da diversidade juvenil por meio de ações afirmativas e
respostas às demandas que dizem respeito à atual condição juvenil.
A
conjugação destes aspectos exige uma nova maneira de olhar - um novo
paradigma – sobre as vulnerabilidades e potencialidades dos diferentes
segmentos da juventude brasileira.
Novas alternativas de inserção societária estão inscritas no campo de
possibilidades dos jovens de hoje. De fato, o surgimento da consciência
ecológica, as ameaças da indústria bélica e os movimentos populacionais, assim
como o multiculturalismo no mundo globalizado, provocaram uma ampliação da
noção de direitos de cidadania.
Sempre é bom lembrar que, na cultura política moderna, a noção de
“direito” personificou e sintetizou a promoção da igualdade. Todo ser humano,
reconhecido como cidadão, passou a ser formalmente um portador de direitos.
No decorrer do tempo, a ação discursiva do “direito” funcionou como ferramenta
pública, legitimando lutas por sua consagração, efetivação e ampliação. A partir
de uma geração de direitos outra é criada, em um jogo dinâmico em que a
consolidação de uma abre espaço para a emergência da outra. A primeira
geração foi a que consagrou os direitos civis e políticos, depois veio a segunda,
marcando a emergência dos direitos sociais4 e, por último, como produto da
ação de diversos movimentos sociais nas últimas décadas do século XX, é
reconhecida há certo tempo – inclusive em nossa Constituição Federal – a
terceira geração direitos, caracterizada pela consagração dos direitos difusos5.
Ao contrário das duas outras gerações, seus titulares são grupos sociais como
negros, mulheres, homossexuais. A função desses direitos é a de garantir
condições para que esses grupos sociais possam existir e se desenvolver
integralmente, sem serem subjugados ou discriminados.
4
Segundo o Artigo 6º da Constituição Federal de 1988 são considerados direitos sociais os direitos
à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, cultura, segurança, proteção à maternidade e assistência aos
desamparados.
5
É, precisamente, pelo fato de serem direitos atribuídos a grupos sociais e não a indivíduos que são
chamados de "difusos".
7
A consagração dos direitos difusos teve amplas conseqüências sociais. Se os
tempos modernos se caracterizaram pela busca da igualdade por meio da
consagração de direitos individuais, no mundo contemporâneo a matriz política é
definida pelo reconhecimento e valorização da diferença e das identidades
coletivas.
Por um lado, os direitos da juventude podem ser pensados no cenário dos
direitos de terceira geração6. Ou seja, considerando o fato dos jovens comporem
o contingente populacional mais vitimizado pelas distintas formas de violência
presentes no Brasil; enfrentarem enormes dificuldades de ingresso e
permanência no mercado de trabalho; sofrerem impedimentos no acesso a bens
culturais; não terem assegurado o direito a uma educação de qualidade e não
receberem tratamento adequado no tocante às políticas públicas de saúde e
lazer, o reconhecimento de seus direitos diz respeito ao seu desenvolvimento
integral (direitos civis e sociais), o que é de interesse de todo o conjunto da
sociedade, e diz respeito também à valorização da diferença e das identidades
coletivas (direitos difusos).
Por outro lado, é importante lembrar que a idéia de “juventude como sujeito de
diretos” é muito recente. Para sua futura consolidação, há um outro fator
importante a ser considerado: a atual reapropriação da Declaração dos Direitos
Humanos. Na cena pública atual, não se trata mais de consagrar abstratamente
a Declaração dos Direitos Humanos ou de “desmascará-la” como símbolo da
expansão européia e ocidental sobre o resto do mundo. Grandes encontros
internacionais se encarregaram de torná-la instrumento de negociação
importante nas lutas e ações para inclusão social neste planeta produtor de
exclusão. Daí os DESCA (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Seus defensores advogam a unicidade e a indivisibilidade dos direitos a partir da
realidade de vida das populações com direitos violados e sequer alcançados.
De fato, hoje a idéia de “direitos humanos” funciona como uma chave de leitura
para compreender processos históricos e lidar com tensões da geopolítica
mundial. Tornou-se um instrumento de pactuação entre países para combater
preconceitos e discriminações decorrentes de desigualdades sociais de
diferentes tipos.
De maneira geral, podemos dizer que nas últimas duas décadas se
expandiu a área de interseção entre as noções de direitos de cidadania e de
direitos humanos. Nesta intercessão é que ganha sentido a idéia de “jovem
como sujeito de direitos”. Os direitos da juventude podem ser vistos como uma
nova intercessão entre direitos de cidadania (civis, sociais e difusos) e os
acúmulos internacionais em torno da categoria “direitos humanos”, este
6
Por seu caráter coletivo, também são direitos de terceira geração a preservação ambiental, cultural
e histórica.
8
expediente regulador que é acionado na resolução de conflitos de diferentes
tipos. Ora, o jogo diplomático entre o nacional e o internacional é fundamental
para o reconhecimento da “juventude como sujeito de direitos”. Afinal, as
principais transformações que atingem os jovens também escapam ao nível de
decisões nacionais (transformações no mundo do trabalho, narcotráfico mundial,
industria bélica), não se circunscrevem ao controle democrático de qualquer
país.
Mas isto ainda não é tudo. Na intercessão entre direitos de cidadania e
direitos humanos não se destacam apenas os valores de justiça, igualdade e
diversidade cultural, também há lugar para categorias como auto-estima e
solidariedade. Tal combinação pode oferecer uma historicamente inédita
equação entre motivações pessoais (que partem do subjetivo, mas não ficam
restritas a questões de foro íntimo) e motivações coletivas (que exigem
objetivação, ações no aqui e agora no espaço público). Com efeito, para esta
geração juvenil ampliam-se as possibilidades de engajamento social a partir de
sentimentos gerados na esfera da vida privada (medo de sobrar, medo de
morrer, insegurança, desconexão, indignação). Não por acaso, observando o
conjunto das consignas e formas de organização juvenis, notamos que questões
relativas à sexualidade (outrora inerente à vida privada, proscrita no campo da
participação política) são hoje levados ao espaço público tanto por meio do
combate ao machismo e à homofobia, quanto por meio da categoria “direitos
reprodutivos”. É por este cenário social que transita a expressão “jovem como
sujeito de direitos”.
Enfim, considerando os jovens como “sujeitos de direito”, evita-se
generalizações frágeis que produzem o entendimento de que a juventude é uma
faixa-etária problemática (seja como principal vítima dos problemas
socioeconômicos do país, seja como expressão maior do individualismo
consumista do mundo atual). Evita-se também sua idealização como a única
protagonista da mudança, em uma nova interpretação heróica de seu papel
mítico. Como “sujeito de direitos”, universais e específicos, a juventude não só
refletirá a sociedade, mas está desafiada a reinventá-la. Compreender estas
especificidades é essencial para a elaboração e implementação de políticas
públicas de juventude7 .
Referências
ABRAMO, Helena. “Considerações sobre a tematização social da juventude no
Brasil”. Juventude e Contemporaneidade. RBPE nº 5 e nº 6, ANPED, 1997.
7
Sobre políticas públicas de juventude no Brasil ver o documento Política Nacional de Juventude
Diretrizs e Perspectivas, elaborado pelo Conselho Nacional de Juventude, 2006.
9
Castro, Mary e Abramovay, Miriam Por um novo paradigma do Fazer Políticas
de/ para/com juventudes. UNESCO 2003
FREIRE, Jurandir Costa “Perspectivas da Juventude na Sociedade de Mercado”
in Juventude e Sociedade, Novaes, R e Vannuchi, P, ED. Fundação Perseu
Abramo, 2004.
KEHL, Maria Rita “Juventude como sintoma da cultura” in Juventude e
Sociedade, Novaes Regina e Vannuchi, P (orgs), Fundação Perseu Abramo,
2005.
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NOVAES, Regina R. “Juventudes cariocas: mediação, conflitos e encontros
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Novaes, R e Vannuchi P
Abramo, 2004.
Juventude e Sociedade,
ED. Fundação Perseu
Política Nacional de Juventude. Diretrizes e Perspectivas. Conselho Nacional de
Juventude, 2006 Fundação Friederic Ebert, Secretaria Nacional de Juventude,
Secretaia Geral da Presidência da República.
REYES, Yuri. “Morfología institucional de las políticas públicas de juventud: una
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Iberoamericana de Juventud Madrid, 2004.
Rua, Maria das Graças As políticas públicas e a juventude nos anos 90.In
Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas, Brasília:
CNPD, 1998.
Spósito, Marília e Carrano, Paulo César Juventude e políticas púbicas. Revista
Brasileira de Educação, set/out/no/dez 2003, número 24.
VIANNA, Hermano (org). Galeras Cariocas: territórios de conflitos e encontros
culturais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.
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