CEDERJ - CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO
CURSO: _______________
DISCIPLINA: _________________________
CONTEUDISTA: José d’Albuquerque e Castro
AULA 14 – Módulo 2
Introdução à Física da Matéria Condensada
META DA AULA
Nesta aula você verá que a Física da Matéria Condensada é uma Ciência da Natureza,
dedicada ao estudo dos materiais que compõem o mundo que conhecemos. Verá um pouco
da sua história e a sua importância para o desenvolvimento tecnológico. Também terá
oportunidade de rever e aprofundar alguns conceitos da Mecânica Quântica, que representa
a ferramenta básica para descrever os processos que ocorrem no nível atômico.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Identificar os diversos tipos de materiais encontrados na natureza e seus usos.
2. Identificar um sistema macroscópico.
3. Rever conceitos básicos em Mecânica Quântica.
14.1. Introdução: o que é Física da Matéria Condensada?
A Física da Matéria Condensada compreende o estudo dos materiais que ocorrem na
Natureza e dos processos físicos que os envolvem, isto é, como se comportam quando
submetidos, por exemplo, a variações de temperatura, a um esforço mecânico ou ainda a
campos elétricos ou magnéticos. É, portanto, um campo muito vasto da Física e também de
1
grande importância, pois trata dos diversos materiais que compõem nosso meio ambiente e
são por nós utilizados com as mais diferentes finalidades.
Pare por um momento e observe os objetos à sua volta. Que grande variedade de
materiais você encontrará! Por exemplo, os muitos tipos de metais, de plásticos e de vidros
dos quais são feitos tantos objetos em nosso ambiente, e até mesmo os tecidos que
constituem os seres vivos. Seguramente, poderíamos preencher páginas e mais páginas
relacionando os muitos materiais que conhecemos. Cada um deles apresentando
propriedades mecânicas, térmicas, elétricas, magnéticas e ópticas específicas, das quais nos
valemos quando os utilizamos na fabricação de objetos e dispositivos para atender nossas
necessidades.
Entender os mecanismos responsáveis pelas propriedades dos materiais é um dos
objetivos básicos da Física da Matéria Condensada. Saber, por exemplo, por que o vidro da
janela é transparente à luz visível, enquanto que uma folha de alumínio (dessas que se usa
na cozinha) não é. Ao mesmo tempo, por que o alumínio é maleável e o vidro quebradiço?
Ou ainda, por que o cobre conduz bem a eletricidade, e graças a isso o usamos na
fabricação de fios elétricos, enquanto que o plástico que reveste esses fios é um isolante
elétrico? E muitas outras questões podem ser levantadas. Por que alguns materiais são
magnéticos (os ímãs, que usamos em tantos dispositivos) e outros não?
Interessa-nos também entender como e por que as propriedades dos materiais se
alteram quando, por exemplo, os aquecemos ou os esfriamos. Você já se perguntou por que
a resistência elétrica de um fio de cobre aumenta quando o aquecemos? A relação entre
resistência elétrica e temperatura será uma das questões que trataremos em nosso curso.
Mas já que estamos falando no assunto, vai aqui uma pergunta cuja resposta
possivelmente irá surpreendê-lo: o que acontece com a resistência elétrica de materiais
como o silício ou o germânio (que constituem a base da eletrônica atual) quando os
aquecemos? A resposta é: a resistência diminui! É o oposto do que ocorre com os metais! E
por quê? Você terá que esperar um pouco para conhecer a resposta para esta e outras
questões envolvendo os materiais, mas podemos dizer que o simples fato de havermos
conseguido elaborar teorias com base nas quais tais explicações puderam ser formuladas
representou uma admirável conquista científica para a Humanidade.
2
ATIVIDADE 1 (objetivo 1):
Cite ao menos três aplicações de materiais magnéticos.
Resposta Comentada:
você encontra materiais magnéticos, por exemplo, nos auto-
falantes, nos microfones, nos motores, nos transformadores elétricos, nos relés, nos discos
rígidos de computadores, nos cabeçotes de leitura e de gravação magnética, nas tarjetas
magnéticas dos cartões de crédito e em muitas outras aplicações.
Fim da atividade
14.2 Os materiais que encontramos na Natureza
É interessante notar que a grande variedade de materiais que encontramos em nosso
meio ambiente é basicamente constituída por algumas dezenas de substâncias, que
denominamos elementos químicos. Hoje conhecemos 117 desses elementos, dos quais
somente os primeiros 94 (e possivelmente o Califórnio, número atômico 98) ocorrem
naturalmente. Os demais foram produzidos artificialmente em laboratório. Mas dentre esses
94, muitos são extremamente raros na crosta terrestre, de modo que grande parte dos
materiais com os quais lidamos são de fato constituídos por um número bem menor de
elementos químicos. Estes podem ser combinados formando uma diversidade de compostos
ou ligas. Um bom exemplo é o ferro. Quando adicionamos a ele um pouco de carbono, algo
entre 0,02 e 2,0 % em peso, obtemos diferentes tipos de aço. E se a este adicionamos dois
outros metais, o níquel e o cromo, obtemos o aço inoxidável. Um dos aspectos em que o
aço se difere do ferro é por apresentar maior dureza, o que em muitas situações representa
uma clara vantagem. Já o aço inoxidável difere do aço comum por não enferrujar (não se
oxida), bem como em relação a outras propriedades mecânicas, elétricas e magnéticas.
Ao longo do tempo, a Humanidade foi aprendendo a trabalhar os materiais,
combinando-os e submetendo-os a tratamentos diversos (por exemplo, térmicos e
mecânicos) de modo a obter matéria-prima para fabricação de utensílios domésticos, armas,
instrumentos de trabalho diversos, como ferramentas e máquinas, etc. O conhecimento que
se adquiriu através desse processo era fundamentalmente empírico, isto é, vinha da
experiência. Mas não era suficiente para dar resposta a muitas perguntas, como por
3
exemplo, por que um material é magnético e outro não, por que um é condutor e outro
isolante, por que um é transparente e outro opaco à luz visível, etc.
Boxe de curiosidade
Mencionamos as ligas de ferro, mas há muitas outras de igual importância. Um exemplo são
as ligas de cobre. Este, quando combinado com o zinco em percentagens que vão de dois a 45 %,
produz o latão, de uso amplo em utensílios domésticos, parafusos e fios elétricos. Já a adição de
cerca de 12% de estanho ao cobre produz o bronze, um material que não só é largamente utilizado
até os dias de hoje (por exemplo, na fabricação de ferramentas), mas também marcou o início de
uma importante fase na história da Humanidade – a Idade do Bronze.
A história de como a Humanidade aprendeu a fazer uso dos materiais que encontramos na
Natureza, muitas vezes combinando-os de modo a atender necessidades específicas, é fascinante.
Ela começa há cerca de 1,8 milhões de anos, quando o Homo Habilis, um hominídeo que viveu no
período entre 2,6 a 1,4 milhões de anos atrás, começou a utilizar pedras na produção de
instrumentos para diversos usos, particularmente para a caça. Todavia, um avanço realmente
marcante ocorreu há cerca de 5,5 mil anos, quando os primeiros utensílios de bronze foram
fabricados na região hoje correspondente ao Irã e Iraque. A importância desse fato é que, para
produzir o bronze, o homem teve que aprender a extrair o cobre e o estanho das rochas (por
aquecimento) e combiná-los, o que representa as primeiras atividades em metalurgia desenvolvidas
pela Humanidade. Esse fato também representa o início de um processo através do qual o homem
torna-se progressivamente capaz de intervir na Natureza, manipulando seus elementos de modo a
obter novos materiais, com os quais novos utensílios e instrumentos puderam ser produzidos.
Processo esse que nos dias de hoje, graças ao admirável desenvolvimento científico ocorrido desde
o início do século passado, atinge níveis que há algumas décadas não eram sequer imaginados.
Fim do boxe de curiosidade
ATIVIDADE 2 (objetivo 1):
Cite ao menos três exemplos de materiais bons condutores e bons isolantes elétricos.
Resposta comentada: Os metais são, de modo geral, bons condutores elétricos. Há muitos
exemplos, como o alumínio, o cobre, a prata, o ouro, o ferro e muitos outros. Entre os
isolantes elétricos encontramos os óxidos, como a alumina, Al2O3, e a sílica, SiO2 (da qual
é feita a areia). Mas há também os plásticos, a borracha e materiais orgânicos, como a
4
madeira. Um exemplo interessante é o da água destilada (sem impurezas diluídas), que se
comporta como um isolante elétrico. São os sais que em geral estão dissolvidos na água que
a tornam condutora de eletricidade.
Fim da atividade
14.3. O desenvolvimento da Física da Matéria Condensada e sua importância
Uma etapa muito importante no esforço que a Humanidade vem desenvolvendo no
sentido de entender a Natureza foi compreender que os materiais presentes em nosso meio
ambiente são constituídos por átomos. Richard Feynman, um dos mais importantes físicos
do século XX, disse certa vez [1]:
“Se, por algum cataclismo, todo o conhecimento científico viesse a ser destruído e somente
uma frase pudesse ser transmitida à próxima geração de criaturas, que afirmação conteria
mais informações em menos palavras? Acredito que seria a hipótese atômica (ou o fato
atômico, se você quiser chamá-lo assim) de que todas as coisas são feitas de átomos –
pequenas partículas em movimento perpétuo, atraindo umas às outras quando estão
separadas por uma pequena distância, mas repelindo-se quando comprimidas umas contra
as outras”.
As palavras de Feynman traduzem bem o significado da chamada Teoria Atômica. Com
base nela, torna-se possível entender os mecanismos responsáveis pelas propriedades dos
materiais, a partir do comportamento dos átomos que os compõem.
Todavia, avanços nesse sentido só se tornaram possíveis com o advento da
Mecânica Quântica, nas primeiras décadas do século XX. Como você bem sabe, a aplicação
das leis da Física Clássica a partículas como os átomos e seus constituintes conduz a uma
série de resultados em conflito com a experiência. Assim, foi somente a partir dos últimos
anos da década de 1920, quando a Mecânica Quântica se consolidou, que a Física da
Matéria Condensada se desenvolveu, permitindo estabelecer relações entre as propriedades
físicas de um material e sua estrutura no nível atômico. Os resultados das pesquisas que ao
longo dos anos vêm sendo conduzidas por diversos grupos de investigação em todo o
5
mundo, tanto no campo teórico quanto no experimental, têm tornado possível explicar e
prever o comportamento dos materiais sob diversas condições. E o progresso alcançado
nessa área tem repercutido em várias outras, como Ciência dos Materiais, Química,
Biologia, Telecomunicações, Transporte e Energia.
É importante mencionar que o entendimento dos mecanismos responsáveis pelas
propriedades dos materiais abre para nós uma perspectiva absolutamente fantástica: a de
intervir nesses mecanismos, alterando assim tais propriedades. Atualmente podemos ir
ainda mais longe, criando materiais artificialmente estruturados, com dimensões e
composição controladas na escala atômica! Os avanços na Física da Matéria Condensada
vêm ocorrendo em ritmo crescente e têm propiciado o acelerado desenvolvimento
tecnológico que assistimos desde meados do século XX.
Até aqui demos especial ênfase às contribuições da Física ao desenvolvimento
tecnológico, mas a Física da Matéria Condensada é também uma área de pesquisa
extremamente interessante sob o ponto de vista de Ciência Básica. E é, sem dúvida, uma
das mais ativas. Ela reúne o maior contingente de físicos em todos os países e já foi
contemplada com muitos Prêmios Nobel. E por que o interesse científico é tão grande?
Bem, em geral os sistemas que ela estuda são constituídos por um número muito grande de
partículas que interagem entre si e isto dá origem a fenômenos extremamente curiosos e,
algumas
vezes,
verdadeiramente
surpreendentes.
Assim
foi
a
descoberta
da
supercondutividade, ocorrida no início do século XX, para dar um exemplo. Mas também
de diversos outros, dos quais trataremos mais adiante.
Boxe de informação:
Como sabemos da experiência diária, os materiais oferecem resistência à passagem
de uma corrente elétrica. Essa resistência pode ser baixa, como nos metais que constituem
os fios que conduzem corrente elétrica em nossas residências, ou muito alta, como no caso
de materiais como plásticos, madeira e borracha. Um efeito claro da resistência elétrica é o
aquecimento do material quando atravessado por uma corrente elétrica. É o que ocorre nos
ferros de passar roupa ou nos filamentos das lâmpadas incandescentes. O fenômeno de
6
supercondutividade constitui-se no súbito e total desaparecimento da resistência elétrica do
material abaixo de uma certa temperatura característica do material.
Fim do boxe de informação.
Quando falamos em “um número muito grande” de partículas estamos nos referindo
a algo da ordem do número de Avogadro, ou seja, cerca de 1023 partículas por cm3. Este é
um número tão grande (1023 = cem mil bilhões de bilhões) que temos dificuldades em
concebê-lo. Imagine se uma pessoa tentasse contar essas 1023 partículas num ritmo de dez
partículas por segundo. Ela então levaria 1022 segundos para fazê-lo, não é mesmo? Pois
isto corresponde a mais de 23.000 vezes a idade do Universo, hoje estimada em 13,5
bilhões de anos. É impressionante, não? Para tratar um sistema com um número tão grande
de componentes claro está que teremos que lançar mão de técnicas especiais e de métodos
aproximativos. Nosso propósito neste curso é dar a você uma visão da Física da Matéria
Condensada, familiarizá-lo com seus conceitos básicos, seu arcabouço teórico e suas
técnicas mais utilizadas, bem como lhe mostrar que, com base nos conhecimentos
adquiridos, podemos explicar e prever muitos fenômenos em sólidos.
Para desenvolvermos nosso estudo dos sólidos teremos que rever alguns conceitos
básicos de Mecânica Quântica, que é o que faremos no restante desta aula.
ATIVIDADE 3 (objetivo 2):
Estime o número de moléculas de água em um copo.
Resposta comentada: Sabemos que um mol de uma substância contém 6,02 x 1023
moléculas ou átomos da substância. O mol da água (H2O) é aproximadamente 18 gramas
(já que peso atômico do oxigênio é aproximadamente 16 e do hidrogênio, 1). Assim, 250
ml de água (um copo), a temperatura e pressão ambientes, pesa cerca de 250 gramas (a
densidade da água é aproximadamente 1 g/cm3) e, portanto, contém cerca de (250/18) x
6,02 x 1023 = 8,36 x 1024 moléculas.
Fim da atividade
14.4. Mecânica Quântica: uma breve revisão
7
Como você deve se lembrar, na Física Clássica há dois conceitos básicos: o de onda
e o de partícula. O primeiro se refere a perturbações que se propagam em um dado meio.
Exemplos são as ondas sonoras no ar, as ondas em uma corda ou na superfície de um lago,
ou ainda as ondas eletromagnéticas (o meio neste caso é o campo eletromagnético). Já o
conceito de partícula se aplica a objetos materiais cujas dimensões sejam muito pequenas
em relação às da região do espaço onde o objeto se move. Um exemplo seria o movimento
de um grão de poeira flutuando no ar, dentro de uma sala. Se você quiser uma definição
mais precisa de “partícula”, você poderá dizer que é um “ponto matemático ao qual
associamos algumas propriedades, como massa ou carga elétrica”.
Note então uma coisa curiosa: você sabe que a Terra é mais ou menos uma esfera de
cerca de 6.400 km de raio. É claro que em relação a nós ou em relação aos objetos que nos
circundam, você jamais descreveria a Terra como uma partícula. Pois pense então no
movimento da Terra em torno do Sol, numa órbita de cerca de 150 milhões de km. Aí a
relação “raio da Terra/raio da órbita” resulta em um número muito pequeno. Façamos as
contas juntos: se você representar a órbita por um círculo de 15 cm de raio, a Terra teria
que ser representada por um círculo de raio igual a aproximadamente 6,4x10-4 cm, ou seja,
mais ou menos o tamanho de uma bactéria! É por isto que quando descrevemos o
movimento dos planetas no sistema solar podemos tratá-los como partículas.
Feitas estas considerações, fica claro que para os físicos no início do século XX
associar a um átomo, cujas dimensões são da ordem de um bilionésimo de metro, o modelo
de partícula seria absolutamente justificável. E o mesmo deveria valer para as partículas
sub-atômicas. Mas como você já aprendeu, o modelo de “partícula” não descreve
adequadamente o comportamento do átomo, nem dos seus constituintes. A questão é que
esses objetos apresentam, em algumas circunstâncias, comportamentos que identificamos
como característicos de uma partícula, enquanto que em outras, comportamentos
característicos de fenômenos ondulatórios, como difração e interferência. É claro que no
mundo macroscópico não encontramos nada que se comporte dessa forma dual (ora como
partícula, ora como onda), de modo que não podemos “fazer uma imagem” do que seja um
átomo ou uma partícula sub-atômica (por comodidade e tradição, vamos continuar nos
referindo a esses objetos como partículas). Você pode pensar que isto talvez representasse
8
um obstáculo intransponível para a formulação de uma teoria capaz de descrever o mundo
microscópico. Portanto, é de fato admirável que os físicos no início do século XX tenham
conseguido construir tal teoria, baseada em alguns conceitos bastante abstratos, mas que se
mostra extremamente bem sucedida na descrição da Natureza na escala atômica.
Enquanto na Mecânica Clássica o estado dinâmico de uma partícula em um instante


t fica especificado pela sua posição r (t) e seu momento p(t) , na Mecânica Quântica tal

estado é especificado através de uma função de onda Ψ( r ,t) , que em geral assume valores
complexos. O significado físico da função de onda é dado pelo postulado de Born, segundo
€
€
 2
o qual | Ψ( r ,t) | fornece a densidade de probabilidade de se encontrar a partícula em um
€

ponto r , no instante t. Decorre daí que
€
 2 3
€ ∫ | Ψ( r ,t) | d r =
∞
−∞
€
∞


3
∫ Ψ (r,t)Ψ(r ,t) d r = 1,
∗
(14.1)
−∞
ou seja, a soma (ou integral) de todas as probabilidades tem que ser igual a 1. Dizemos

então que a função de onda é normalizada a 1. Na equação (14.1), Ψ∗ ( r ,t) é o complexo

conjugado de Ψ( r ,t) .
O postulado de Born explicita o caráter probabilístico da descrição da Natureza que
€
a Mecânica Quântica nos oferece. Veja que na Mecânica Quântica perde sentido perguntar
€
“qual a posição da partícula em um instante t ”, mas sim perguntar “qual a probabilidade de
que a partícula seja encontrada numa dada posição, no instante t ”. Para compreendermos
um pouco melhor o que isto significa, comparemos as previsões da Mecânica Clássica com
as da Mecânica Quântica para um sistema constituído por uma única partícula movendo-se
em uma dimensão. Segundo a Mecânica Clássica, se você tomar cópias idênticas desse
sistema e igualmente preparadas (isto é, partículas partindo da mesma posição e com a
mesma velocidade), ao medir nas diversas cópias a posição da partícula em um dado
instante t1 você encontrará (a menos de erros experimentais) o mesmo resultado, digamos
x1. Já na Mecânica Quântica, cada cópia poderá lhe fornecer um resultado diferente (não
importa quão preciso sejam os equipamentos de medida)! Haverá, portanto, uma
9
distribuição de resultados, cada um com uma densidade de probabilidade de ocorrência
dada por
P(x,t1 ) =| Ψ(x,t1 ) |2 = Ψ∗ (x,t1 ) ⋅ Ψ(x,t1 ) .
(14.2)
Você então poderá falar na “posição mais provável” da partícula no instante t, que
€
corresponderá ao valor de x para o qual a distribuição P(x,t1 ) passa por um máximo. Ou
ainda na “posição média” (também denominada “valor esperado”) dada por
∞
< x >=
€
∞
∫ x P(x,t ) dx = ∫ Ψ (x,t ) x Ψ(x,t ) dx .
∗
1
1
−∞
(14.3)
1
−∞
Usando a notação introduzida por Dirac, podemos escrever a equação acima numa forma
€
compacta: < x >=< Ψ | x | Ψ > .
Boxe de atenção
€
O físico britânico Paul Adrien Maurice Dirac (1902- 1984) recebeu o Prêmio Nobel em
Física no ano 1933, juntamente com o físico austríaco Erwin Rudolf Josef Alexander
Schroedinger (1887 –1961), por suas contribuições ao desenvolvimento da teoria atômica.
Dirac introduziu uma notação muito simples e conveniente para os elementos e equações na
Mecânica Quântica.
ψ (x) é representada por | ψ >
ψ ∗ (x) é representada por
€ as funções
O produto escalar entre
€
e
€
é representado por
.
Fim do boxe de atenção
Neste ponto você poderá estar pensando: seria o caráter probabilístico uma
“limitação” (um “defeito”) da Mecânica Quântica ou um aspecto intrínseco da Natureza?
Esta questão foi e ainda é tema de intenso debate, mas, embora não se tenha uma conclusão
definitiva, há fortes indicações de que o caráter probabilístico seja algo intrínseco à
10
Natureza.
Na Mecânica Clássica, a evolução no tempo do estado dinâmico de uma partícula
(como a posição e o momento linear variam no tempo) é dada pelas leis de Newton. Já na
Mecânica Quântica, a evolução no tempo do estado dinâmico (função de onda) é dada pela
equação de Schroedinger

 2 2
 
∂Ψ(r ,t)
∇ + V ( r ) Ψ( r ,t) = i
,
−
∂t
 2m

(14.4)
onde o termo entre chaves é o operador Hamiltoniano H, correspondendo à soma dos
€
termos de energias cinética (primeiro) e potencial (segundo). Com base nesta equação e


conhecendo o estado dinâmico inicial, Ψ( r ,0) , podemos determinar Ψ( r ,t) para qualquer t
> 0.
Na disciplina de Mecânica Quântica, você teve oportunidade de estudar as soluções
€
€
dessa equação para diversos potenciais. Aprendeu que no caso de potenciais que não
dependem do tempo, você pode usar a técnica de separação de variáveis, escrevendo a
função de onda como o produto de uma função dependente somente da posição por outra


dependente somente de t, Ψ( r ,t) = ψ ( r )ξ (t) , sendo
ξ (t) = e−iEt / 
(14.5)
 2 2
 

∇ + V ( r ) ψ ( r ) = Eψ ( r ).
−
 2m

(14.6)

€ equação
e ψ ( r ) solução da
€
€
A equação (14.6) é denominada equação de autovalores para o Hamiltoniano do sistema.


Ela admite um conjunto infinito de soluções { ψα ( r ), E α } , que são os auto-estados ψα ( r ) e
€
as auto-energias Eα do Hamiltoniano. Aqui α representa um conjunto de números quânticos
(vamos ver exemplos adiante).
€
€
Um caso importante que você estudou foi o do átomo de hidrogênio, cuja parte
espacial da função de onda eletrônica satisfaz a equação
11
 2 2 e 2  

∇ −  ψ (r ) = E ψ ( r ) ,
−
r
 2m
(14.7)
onde (-e) representa a carga do elétron. As soluções desta equação são especificadas por
três números quânticos (n, l, m), denominados números quânticos principal, orbital e
€
azimutal, e estão associadas às energias
me 4 1
En = − 2 2 .
2 n
(14.8)
O estado fundamental corresponde a n = 1, l = m = 0 e é dado por
1
ψ100 (r) =
π
€
1
 
 a0 
3/2
exp(−r /a0 ) ,
(14.9)
2
2
onde a0 =  /me é o raio de Bohr. Note que neste caso as auto-energias E n dependem
apenas do número quântico principal n. Os orbitais associados ao mesmo n constituem o
€
que denominamos camadas atômicas.
€
€
14.5. Átomos com mais de um elétron
Vamos agora considerar uma situação mais complexa: a de átomos com mais de um
elétron. Dentre esses sistemas, o caso mais simples é o do átomo de hélio, que possui
apenas dois elétrons. A parte espacial da função de onda eletrônica para esse sistema
 
 
depende agora das coordenadas r1 e r2 de cada um dos elétrons, isto é, ψ ( r1, r2 ) e satisfaz a
equação
€
€
 2 2 2 2 €
2e 2 2e 2 e 2   
 
∇1 −
∇2 −
−
+  ψ ( r1, r2 ) = E ψ ( r1, r2 ) ,
−
2m
r1
r2
r12 
 2m
(14.10)
 
onde r12 =| r1 − r2 |. Os termos entre parênteses são facilmente identificáveis: os dois
primeiros correspondem às energias cinéticas de cada elétron; os dois seguintes, aos termos
€
€
de interação com o núcleo, que estamos considerando em repouso e tendo carga 2e; e o
12
quinto é a interação (repulsiva) entre os elétrons. Este é o termo que torna o problema
complexo, pois acopla a dinâmica dos dois elétrons. Dizemos que estes estão
correlacionados.
Se os elétrons não interagissem entre si a solução seria imediata, pois teríamos dois
 
problemas independentes. Em termos matemáticos, diríamos que as variáveis r1 e r2 seriam
separáveis, isto é, poderíamos escrever a função de onda como o produto de duas funções
hidrogenóides, uma nas variáveis do elétron (1) e outra nas do elétron (2). No entanto, a
€ €
 
presença do termo de interação nos impede de obter uma solução analítica para ψ ( r1, r2 ) ,
obrigando-nos a empregar métodos aproximativos para obter os auto-estados e autoenergias do sistema.
€
Em 1927, o matemático e físico teórico inglês, Douglas Rayner Hartree (1897-
1958), formulou um método para o cálculo aproximado das funções de ondas eletrônicas
em átomos e íons complexos, isto é, que possuem mais de um elétron, baseado em uma
idéia bastante simples, que descrevemos a seguir.
Tomando como exemplo o átomo de hélio, vamos supor que a função de onda
 
ψ ( r1, r2 ) possa ser escrita como
 


ψ ( r1, r2 ) = ψ1 ( r1 ) ψ 2 ( r2 ) ,
€
(14.11)


onde ψ1 ( r ) e ψ 2 ( r ) são dois orbitais monoeletrônicos diferentes. É claro que a expressão na
€
equação (14.11) representa uma aproximação para a função de onda correta, que, como já
€
dissemos, não se escreve nessa forma. A questão passa a ser então a de encontrar os
€
 
estados monoeletrônicos que forneçam a melhor aproximação para ψ ( r1, r2 ) . Partindo do

fato de que o elétron que ocupa um dos orbitais, digamos ψ1 ( r ) , é atraído pelo núcleo que
possui carga (2e) e é repelido pelo elétron que ocupa o outro orbital, Hartree substitui essa
€

interação por uma interação média. Assim: o elétron no estado ψ 2 ( r ) gera uma distribuição
€
espacial de carga



ρ 2 ( r ) = (−e) ψ 2∗ ( r ) ψ 2 ( r ) ,
€
(14.12)
que por sua vez gera um potencial elétrico dado por
€
13

V2 ( r ) =

 ρ 2 ( r2 )
∫ d r2 | r − r | .
2
(14.13)
3

Isto nos permite escrever a equação para a ψ1 ( r ) na forma
  2 2 2e 2
 


∇1 −  + (−e) V2 ( r1 ) ψ1 ( r1 ) = E1 ψ1 ( r1 ) .
−
r1
 2m
 €
€
(14.14)

Analogamente, encontramos que a equação para ψ 2 ( r ) toma então a forma
€
  2 2 2e 2
 


∇ 2 −  + (−e) V1 ( r2 ) ψ 2 ( r2 ) = E 2 ψ 2 ( r2 ) ,
−
r2
 2m

€
(14.15)

onde V1 ( r ) é obtido trocando-se o índice (2) por (1) nas equações (14.13) e (14.12). Um
€
ponto importante a ser destacado é que a energia eletrônica total do sistema no estado
€
 


ψ ( r1, r2 ) = ψ1 ( r1 ) ψ 2 ( r2 ) é dada por
E=
3

3

*
 
 
 
∫∫ d r d r ψ (r , r ) H(r , r ) ψ (r , r ) ,
2
1
2
1
2
1
2
€
onde
€
 
 2 2  2 2 2e 2 2e 2 e 2
H( r1, r2 ) = −
∇1 −
∇2 −
−
+
2m
2m
r1
r2
r12
€
(14.17)
e não pela soma doa autovalores E1 e E 2 que se obtém das equações (14.14) e (14.15),

isto para evitar contar duas vezes a interação repulsiva entre os elétrons nos orbitais ψ1 ( r ) e

ψ 2 ( r ) (pense sobre isto, pois é um ponto importante).
€
€
(14.16)
€
Note que os potenciais repulsivos (decorrentes da interação elétron-elétron) que
€
aparecem nas equações (14.14) e (14.15) cancelam, em certa medida, as interações atrativas
com os núcleos atômicos. Dizemos que a repulsão Coulombiana entre os elétrons resulta
numa blindagem (mesmo que parcial) da interação com esses núcleos.
A aproximação de Hartree pode ser imediatamente estendida a átomos com mais de
dois elétrons e desde sua formulação importantes avanços foram alcançados no sentido de
melhorá-la, incluindo efeitos decorrentes do fato de na realidade haver correlação entre os
14
movimentos dos elétrons no átomo. Não vamos tratar desses avanços, que representam
ainda hoje um importante campo de investigação na Física da Matéria Condensada, pois
isto nos levaria a discussões bastante técnicas, fugindo aos objetivos de um curso básico
nessa área. Mas queremos registrar que as idéia de Hartree estabeleceram as bases para o
desenvolvimento da chamada teoria de um elétron, que permite descrever as propriedades
de um sistema de muitos elétrons (átomos, moléculas e sólidos) a partir da solução de um
problema de um elétron, e que tem tido grande impacto sobre as pesquisas em Física,
Química e Biologia. Um dos que mais contribuíram para a consolidação dessa teoria foi o
físico nascido na Áustria e radicado nos Estados Unidos, Walter Khon (1932-...), que foi
agraciado com o Prêmio Nobel em Química, em 1998.
As equações de Hartree (ou suas versões atuais) são em geral resolvidas
numericamente quase que de modo rotineiro, graças ao explosivo crescimento na
capacidade computacional ocorrido nas últimas décadas e também ao desenvolvimento de
algoritmos computacionais altamente eficientes. Os estudos então realizados estabelecem
de forma segura que a estrutura eletrônica dos átomos complexos pode ser descrita com
base em orbitais monoeletrônicos, que são também caracterizados por três números
quânticos (n, l, m). Esses orbitais podem ser agrupados em camadas associadas cada uma
ao número quântico principal n. Como no átomo de hidrogênio, as energias dos orbitais
dependem de n, mas apresentam uma pequena dependência também no número quântico
orbital l.
Na próxima aula utilizaremos os conceitos e idéias aqui descritas para avançar no
nosso estudo dos materiais.
CONCLUSÃO
Você viu que a importância do estudo da Física da Matéria Condensada decorre, em
grande medida, do fato de os conhecimentos nesta área terem impacto direto em nossa
experiência cotidiana, uma vez que aborda as propriedades dos materiais com os quais
usualmente lidamos. Outro ponto importante é que Física da Matéria Condensada busca
entender as propriedades macroscópicas dos materiais a partir dos processos que ocorrem
no nível atômico. Assim sendo, sua ferramenta básica é a Mecânica Quântica.
15
ATIVIDADE FINAL (Objetivo 3)
1. O estado fundamental
de uma partícula em um poço de potencial infinito de
largura L em uma dimensão é dado por Acos(π x /L) , para | x | ≤ L /2 , e zero se | x | > L /2 .
Determine o valor da constante A de normalização.
€
€
€
2. No problema anterior, determine a probabilidade de a partícula ser encontrada no
intervalo [0,L /4].
3. Ainda no problema anterior, determine a energia cinética da partícula no estado
€
fundamental.
Respostas comentadas
∞
1.
A
condição
de
normalização
é
que
2
∫ | ψ (x) |
dx = 1.
Assim,
temos
que
−∞
L /2
A
2
∫ dx cos (πx /L) = 1.
2
−L / 2
€
L /2
A integração acima pode ser feita imediatamente, fornecendo
€
∫ dx cos (πx /L) = L /2 .
2
−L / 2
Obtemos então que A 2 L /2 = 1 e, portanto, que A = 2 /L .
€
€
€
2. A probabilidade
é dada por
L /4
L /4
∫ | ψ (x) |2 dx = A 2
0
2
∫ | cos(πx /L) |
dx
0
 2  L /4
=   ∫ cos2 (π x /L) dx
 L 0
Também aqui, a integral pode se calculada facilmente, o que nos fornece
€
16
L /4
2
∫ | ψ (x) |
dx =
0
1
1+ 2 / π ,
4
(
)
ou seja, aproximadamente 0,362 (ou 36,2 %)
€
3. A energia cinética K no estado
é dada por
 2 d 2 
∗
dx
ψ
(x)
ψ (x) .
−
∫
0
2  0
 2m dx 
−∞
∞
Derivando duas vezes a função cosseno, obtemos a integral
€
€
A (− /2m) (π /L)
2
2
2
L /2
∫ dx cos (π x /L) ,
2
−L / 2
 2  π 2
que novamente podemos calcular facilmente, o que nos fornece o valor     para a a
 2m   L 
energia cinética da partícula no estado fundamental.
€
Fim da atividade
RESUMO
Esta aula teve um caráter fundamentalmente introdutório, apresentando a você uma visão
da Física da Matéria Condensada e discutindo alguns conceitos básicos em Mecânica
Quântica. Esse material é essencial para o desenvolvimento do nosso curso.
Particularmente importante para você avançar nos seus estudos é ter um entendimento
básico da estrutura eletrônica dos átomos, que exploraremos nas próximas aulas.
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA
Na próxima aula vamos tratar de uma questão de grande relevância: por que os átomos se
ligam para formar moléculas e sólidos? A resposta a esta questão representa um dos
grandes sucesso da aplicação da Mecânica Quântica à Física dos Sólidos.
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REFERÊNCIAS
[1] Feynman, Richard P, “Física em 12 Lições - Fáceis e Não Tão Fáceis”, RJ, EDIOURO
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Aula 14 - Instituto de Física / UFRJ