O BEM COMUM E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PODER: A POLÍTICA E O
GOVERNO MISTO EM TOMÁS DE AQUINO
Suélen Caetano de Oliveira1
[email protected]
RESUMO
Este trabalho faz uma abordagem sobre o pensamento político de Tomás de Aquino quanto
às formas de governo. Demonstra qual forma de governo é a melhor para o filósofo, qual seja, o
governo misto, considerada a partir do conceito de bem comum.
A partir da análise da obra política de Aristóteles, Políbio e Cícero serão estabelecidas a
noção de governo misto e suas vantagens, demonstrando a origem do conceito em Políbio, a partir de
uma base de conhecimento político criada por Aristóteles.
São expostas as noções de homem como animal político, bem comum, império do direito e
virtude do governante, na concepção tomista, e seus papéis nas formas de governo para, então,
concluir qual forma de governo logra ser a mais adequada para Tomás de Aquino.
Finalmente, conclui-se que para Tomás de Aquino a melhor forma de governo é a do
governo misto, porém, é possível que seja outra, se se adequar ao caso concreto e buscar o bem
comum.
Palavras-chave: Política, Formas de governo, Tomás de Aquino, Governo Misto.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará a política de Tomás de Aquino e seu apoio à forma
mista de governo, como uma teoria com base no conceito de bem comum. Partindo da análise
aristotélica das formas boas de governo e suas corrupções, que levaram Políbio à elaboração
do conceito de governo misto exemplificado na constituição romana, será construída essa
teoria.
As constituições analisadas por Platão e Aristóteles, na antiguidade, possuíam em
comum a seguinte característica: pouco tempo de vigência e decorrente derrocada, que
implicava a sua decadência em prol de uma forma corrompida de si mesma. Em ciclos, como
teoriza Políbio, cada uma das seis formas de governo conhecidas na antiguidade transcorrem
sem alcançar a estabilidade necessária em uma constituição para que ocorra o crescimento do
povo e do Estado em que vige. Nesse sentido, nasce o conceito de governo misto, que
intenciona suprir esta falta e cumprir com eficácia o papel a que se destina.
Aristóteles, em seu livro Política, defende a idéia de um governo derivado de outras
formas. Nesse sentido, Políbio, em seu livro História, cria o conceito de governo misto, que
contém em si partes boas das formas de governo conhecidas: monarquia, aristocracia e
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, defendido perante
banca composta pelo professor orientador Luís Fernando Barzotto e pelos professores Elias Grossmann e
Marcus Vinicius Martins Antunes, em junho de 2006.
2
democracia. Esclarece este que as formas anteriores são instáveis, porque excludentes quanto
aos seus governantes: a monarquia é governo de um, a aristocracia é governo de poucos e a
democracia é governo de muitos. Nessa proposta, o governo misto combina as três formas
clássicas.
Formado pelas partes boas das formas simples de governo, a presença das diferentes
classes da sociedade amplia a participação nos processos governamentais, o que garante uma
melhor distribuição de poderes e controle dos governantes.
O presente trabalho analisará importantes conceitos políticos de Tomás de Aquino,
como o bem comum, para justificar a escolha do filósofo pelo governo misto. Com este
último, Aquino fará a ligação dos demais conceitos – homem sociável, império do direito e a
virtude do governante – para o sucesso de um regime de governo.
Nesse sentido, Tomás de Aquino argumentará em favor de um regime mais estável,
que busque firmemente o bem comum, e este regime será o governo misto.
Os conceitos examinados no segundo capítulo estarão presentes na construção de
cada forma de governo analisada, em maior ou menor grau, estando um ou mais deles
ausentes nas formas corruptas. Porém, o bem comum somente se verificará na presença de
todos.
Finalmente, será trabalhado o exemplo vivo que Tomás de Aquino utilizará para
comprovar a excelência do governo misto, o governo do povo de Israel, que foi iniciado por
Deus, e passado aos homens. A constituição do povo hebreu foi uma espécie de governo
misto e garantiu ao povo de Israel a paz necessária para a busca do bem comum.
1 PARTE HISTÓRICA
1.1 Aristóteles
O bem comum tem-se mostrado a base da formulação das melhores formas de
governo e sólida premissa nas teorias políticas de vários autores. Em busca do bem comum,
constatou-se como excelente regime o de forma mista. O conceito de governo misto foi
primeiramente estabelecido por Políbio e, após séculos, mantém-se capaz de acompanhar as
3
relações da sociedade. Aristóteles tem importante papel na criação desse conceito, ao
estabelecer importantes noções políticas e a clássica teoria das formas de governo.2
Define Aristóteles que “um regime político resulta de um certo modo de ordenar os
habitantes de uma cidade” 3. E mais adiante afirma: “O governo é elemento supremo em toda
a cidade, e o regime é, de facto, esse governo” 4. Em vista da importância desse tópico, o
filósofo investigou várias constituições existentes com o intuito de averiguar qual seria a
melhor forma de governo.
Em seu livro Política, Aristóteles distingue seis formas de governo, divididas em
formas boas e más. Primeiramente, define as formas boas de governo como sendo a realeza, a
aristocracia e o regime constitucional. Afirma Aristóteles:
Existem, a nosso ver, três tipos de constituições corretas, e a melhor de entre elas é
necessariamente aquela em que a administração é da responsabilidade dos melhores.
Referimo-nos evidentemente ao tipo de governo em que um só homem, ou uma
família inteira, ou um conjunto de cidadãos, excedem os demais em virtude, sendo
estes últimos capazes de serem governados e os primeiros capazes de governar, em
vista a atingir o gênero de vida mais desejável. 5
Assim, as formas boas de governo são classificadas conforme esclarece Norberto
Bobbio: “essa tipologia deriva do emprego simultâneo de dois critérios fundamentais –
‘quem’ governa e ‘como’ governa”6, tendo, então, um governante a monarquia; poucos
governantes a aristocracia e muitos governantes o regime constitucional. Segundo o
ensinamento do filósofo:
[...] chamamos realeza à que visa o interesse comum. Chamamos aristocracia à
forma de governo por poucos (mas sempre mais do que um) seja porque governam
os melhores ou porque se propõe para a cidade e os seus membros. Finalmente
quando os muitos governam em vista ao interesse comum, o regime recebe o nome
comum a todos os regimes: ‘regime constitucional’. 7
É extremamente relevante que essas formas de governo são consideradas boas,
porque executadas em prol dos governados e de maneira virtuosa, conforme cita Alasdair
Macintyre: “Portanto, o bem na pólis [...] exige a habilidade de exercer virtudes específicas no
2
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 55.
3
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 185.
4
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 207.
5
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 265.
6
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 56.
7
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 211.
4
modo de ser governado e no modo de governar” 8. Dessa forma, chegamos às formas más de
governo.
Quando o interesse pessoal do governante se sobrepõe ao interesse coletivo, a forma
de governo vigente entra em derrocada e é sucedida por sua correspondente forma
corrompida, sendo, segundo Aristóteles, “a tirania em relação à realeza; a oligarquia em
relação à aristocracia; a democracia em relação ao regime constitucional”9. Segue explicando
o filósofo: “A tirania é o governo de um só com vista ao interesse pessoal; a oligarquia é
busca do interesse dos ricos; a democracia visa o interesse dos pobres. Nenhum destes
regimes visa o interesse da comunidade”10.
Diante de tal assertiva, torna-se evidente a necessidade de um governante virtuoso
em seus atos, e uma forma de governo que logre se manter estável, uma vez que não repousa
somente no cidadão que governa e no cidadão que é governado, a responsabilidade sobre a
manutenção do regime capaz de organizá-los em sociedade11. Aristóteles ainda analisa a
oligarquia e a democracia sob o viés quantitativo e, ao observar que em contraposição aos
ricos, que são poucos, os pobres são muitos, supõe a seguinte tensão: “[...] que os ricos são
escassos e os pobres numerosos. É que a riqueza é de poucos, enquanto a liberdade é de todos:
estas são as causas pelas quais uns e outros reclamam o poder” 12.
Esparta, porém, alinhava uma forma diferenciada de institucionalização do poder,
qual seja a apontada a seguir:
Alguns afirmam que o melhor regime é constituído por uma mistura de todos e por
isso louvam o dos Espartanos que, segundo eles, se compõe de oligarquia,
monarquia e democracia; a realeza, dizem, representa a monarquia; a autoridade dos
Anciãos, a oligarquia, e a democracia está na autoridade dos éforos, porque estes
provêm o povo. [...] É preferível a opinião dos que misturam um maior número de
elementos pois o regime formado a partir de um maior número de elementos é
melhor. 13
Encontra-se na obra de Aristóteles, também, a noção mista nos regimes:
O caráter deste regime surge-nos mais evidente a partir do momento em que se
define o que sejam a oligarquia e a democracia, dado que, como já foi dito, o regime
constitucional é uma mistura de oligarquia com democracia. Aos regimes que se
inclinam mais para a democracia, costuma chamar-se regimes constitucionais, aos
8
MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual racionalidade? 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 117.
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 213.
10
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 213.
11
Em MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual racionalidade? 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001, é
esclarecida a necessidade do cidadão de manter-se em sociedade (na pólis), como forma de lograr a educação
para as virtudes (p. 137).
12
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 215.
13
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 131.
9
5
que se inclinam mais para a oligarquia, costumamos dar o nome de aristocracias
[...].14
Nesse sentido, esclarece Norberto Bobbio que “(a polítia) [...] é o produto de uma
‘mistura’. A idéia de que o bom governo é fruto de uma mistura de diversas formas de
governo é um dos grandes temas do pensamento político ocidental [...]. Trata-se do tema do
governo misto”15. A obra de Aristóteles foi o precedente histórico para a criação desse
importante conceito político: o governo misto, uma tradição iniciada em Políbio.
1.2 Políbio
Grande contribuição para as teorias das formas de governo é a obra de Políbio. Como
Aristóteles, Políbio examinou as constituições mais importantes da antiguidade, tendo
encontrado na constituição romana seu melhor exemplo. Conforme afirma Norberto Bobbio,
“Políbio não é um filósofo, mas um historiador”16. Todavia, como bem anota Mario da Gama
Kury, “é a intenção do autor de escrever uma história pragmática, ou seja, voltada
especialmente para a época contemporânea e de caráter essencialmente político e militar”17, o
que faz de sua principal obra, Histórias, ser comparável às obras políticas de grandes filósofos
da antiguidade. Na sua obra, Políbio explica: “[...] graças a que espécie de constituição, em
menos de cinqüenta e três anos, praticamente todo o mundo foi vencido e caiu sob o domínio
único dos romanos”18. E completa: “a causa predominante do sucesso e de seu contrário em
todos os assuntos relativos ao governo de um povo é a forma de sua constituição, pois dela,
como de uma fonte, nascem não somente todos os desígnios e planos, mas a sua própria
realização”19.
Além dos relatos das Guerras Púnicas, Políbio tece sua teoria das formas de governo,
da qual Norberto Bobbio indica que:
Nessa teoria ele expõe sobretudo três teses que merecem ser enunciadas [...]
1)existem fundamentalmente seis formas de governo – três boas e três más; 2) essas
seis formas se sucedem umas às outras de acordo com determinado ritmo,
14
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Vega, 1998. p. 301-303.
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 62-63.
16
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 65.
17
KURY, Mário da Gama in POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 34.
18
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 325.
19
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 326.
15
6
constituindo assim um ciclo, repetido no tempo; 3) além dessas seis formas
tradicionais, há uma sétima – exemplificada pela constituição romana [...].20
Políbio indica, primeiramente, as três formas (boas) de governo mais conhecidas –
monarquia, aristocracia e democracia. E sobre elas, aponta a classificação: “[...] creio que
poderíamos pedir-lhes com toda razão para esclarecerem se no-las apresentam como sendo as
únicas ou então as melhores entre as constituições, pois na minha opinião em ambas as
hipóteses eles estão errados”.21
Tais formas de governo não são as únicas, conforme descreve Políbio, e podemos
verificar na seguinte relação: “Devemos portanto afirmar que há seis espécies de governo: as
três mencionadas inicialmente [...] e as três naturalmente afins a elas, quero dizer a autocracia,
a oligarquia e a oclocracia”22. Tampouco, são essas formas de governo, as melhores,
conforme completa o autor, estabelecendo o conceito central de sua teoria: “[...] a melhor
constituição uma combinação das três espécies [...]”23, isto é, uma forma de governo mista.
Sobre as formas boas de governo, estas se definem, ao contrário da definição de
Aristóteles, conforme os seguintes critérios definidos por Norberto Bobbio, quais sejam “[...]
de um lado, a contraposição entre o governo baseado na força e o governo fundamentado no
consenso; de outro, a contraposição análoga – mas não idêntica – entre governo ilegal
(portanto arbitrário) e legal”24.
Políbio afirma que um homem se evidencia por suas características virtuosas e,
então, é escolhido para liderar aquele grupo em que se insere, formando uma primeira
monarquia. Esse ato de confiança dos novos cidadãos em relação àquele igual se mantém pela
hereditariedade, por se acreditar que os filhos herdam a mesma virtude do pai. Uma vez que
isso aconteça, o povo se desagrada. E, somado a isso, existe o costume de diferenciação do
rei, por artefatos luxuosos e poder. Nasce, nesse momento, a inveja, que leva a deposição
deste monarca, dada a insatisfação de seus súditos. Grupos de cidadãos evidenciam-se nessa
jornada de transição, e uma vez demonstradas suas qualidades, o povo junta-se a eles e os
legitima. De tal ato advém, então, o governo dos bons: aristocracia. Como afirma Políbio: “o
20
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 65-66.
21
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 326.
22
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 327.
23
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 326.
24
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 67.
7
povo, como se estivesse obrigado a pagar imediatamente sua dívida de gratidão para com os
destituidores dos autocratas, fez deles os seus chefes e lhes confiou seu destino”.25
Uma vez no poder, esses governantes exercem seu papel, até que seus herdeiros, com
o passar dos tempos, desvirtuam-se. Segue o autor narrando: “transformando dessa maneira a
aristocracia em oligarquia eles despertaram no povo sentimentos semelhantes àqueles há
pouco mencionados por mim, e conseqüentemente tiveram um fim calamitoso semelhante ao
dos tiranos”26. Em seguida, de acordo com Políbio, os cidadãos “não se arriscam a reinstalar
um rei no poder [...] a única esperança que lhes resta intacta está em si mesmos, e recorrem a
ela, e transformam o governo de oligárquico em democrático”27, até que a sede pelo poder os
corrompa novamente, quando novamente há a derrocada para, então agora, o regime
oclocrático, até que algum cidadão capaz de ordenar essa sociedade novamente surja,
renovando a monarquia.
Estas consecutivas trocas de governo caracterizam a teoria do ciclo de Políbio, que
segundo Norberto Bobbio, “é fragmentada por uma alternância de momentos bons e maus”28.
Ao passar pelas diferentes formas simples de governo, continua Bobbio, “a passagem de uma
forma para a outra parece predeterminada, necessária e inderrogável [...] (e) que o germe da
corrupção está no interior de todas as constituições”29. Constituições simples, nesse caso.
Passando ao exame da constituição romana, verifica Políbio, que:
[...] o espírito de eqüidade e a noção de conveniência sob todos os aspectos
demonstrados e todas as esferas governamentais no uso desses três elementos para
estruturar a constituição e para a sua aplicação subseqüente eram tão grandes que,
mesmo para um cidadão romano, seria impossível dizer com certeza se o sistema e
seu conjunto era aristocrático, democrático ou monárquico. 30
Não configura uma constituição simples, portanto, a constituição romana. Na figura
dos cônsules, é representada a monarquia, na figura do senado é representada a aristocracia e,
por sua vez, com vasta competência para decidir questões importantes de organização, a voz
do povo é dada pelas tribos, que têm poder de voto e que representam a democracia. Assim,
dá-se uma eficiente forma de controle de poderes, visto o equilíbrio de cada classe de
cidadãos, como está evidente na explanação de Norberto Bobbio: “Quanto à razão da
25
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 329-330.
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 330.
27
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 330.
28
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 67.
29
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 68.
30
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 333.
26
8
excelência do governo misto, Políbio vai encontrá-la no mecanismo de controle recíproco de
poderes ou no princípio do ‘equilíbrio’”31. Dessa forma, caracteriza-se o governo de Roma,
conforme atesta Políbio, “sendo esses os meios de que dispõe cada um dos poderes do Estado
para criar obstáculos aos outros ou cooperar com eles. Sua união é benéfica em todas as
continências, a tal ponto que é impossível achar um sistema político melhor do que este”32.
Sobre a constituição mista, explica José Antônio Giusti Tavares que a “Constituição
Mista compreende, primária e essencialmente uma distribuição equilibrada do poder social
entre as classes, estratos ou coletividades em que se decompõe a sociedade [...]”33. Essa
distribuição coloca as classes em um mesmo nível, e esse equilíbrio ajudará essa constituição
a manter-se estável, uma vez que cada classe de cidadãos protegerá a consecução de seus
interesses, evitando que algum se sobreponha aos demais, afastando o perigo de golpe
tirânico. Nesse sentido, segue Tavares afirmando que a Constituição Mista compreende ainda
“algum sistema, igualmente social, delicado e complexo, mas flexível, adaptável e eficiente,
de freios e contrapesos nas relações entre esses agrupamentos e, particularmente, em sua
competição pela apropriação do poder estatal”34.
O sentido de um controle mútuo entre as classes de cidadãos está presente no regime
do governo misto, mas faz-se importante uma ressalva quanto o uso do termo freios e
contrapesos. Muitas vezes, o governo misto é confundido com a doutrina da separação de
poderes, como explica Norberto Bobbio:
Em seu significado original, o Governo Misto é o resultado da distribuição do poder
entre as diversas forças sociais, cuja colaboração há de servir para manter a
concórdia necessária à convivência civil. A separação dos poderes resulta, em vez
disso, da distribuição das três funções principais do Estado, legislativa, executiva e
judiciária, por órgãos diversos.35
Suas características são semelhantes, mas possuem uma diferença bem delineada. Na
separação dos poderes, a distribuição das funções tem intuito direto de controle, já a
31
BOBBIO, Norberto. As Teorias das formas de Governo. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. p. 70.
32
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 337.
33
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 10.
34
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 10.
35
GOVERNO MISTO. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. 12 ed. Brasília: UNB, 1999. v.1, p. 559.
9
distribuição na Constituição Mista é para equilibrar o poder das forças sociais, e que essas
também participem da principal função que é a legislativa.36
O regime misto de governo rege-se também pelo império do direito, consoante
Tavares:
Sob a constituição mista, pela via de um sistema constitucional que inclui não
apenas instituições mas sobretudo normas a que auto-obrigam originária e
permanentemente todos aqueles que integram a comunidade política, a ordem estatal
regula os movimentos do convívio coletivo, até então entregues à própria
espontaneidade.37
O sistema de normas da constituição mista regula o convívio coletivo, assim como
regula os atos do governante. É pré-requisito para o governo misto – ou qualquer forma boa
de governo, que seja guiado para o bem comum. As normas de convivência tomarão parte
dessa tarefa. Assim, descreve Tavares que “não apenas os diferentes sujeitos individuais e
coletivos, mas todas as agências governamentais permanecem sob a supremacia comum da
Constituição e das leis”38 e conclui:
Assim, na ordem pública constitucional, a soberania está depositada não em um
indivíduo, nem em uma força social, ou mesmo numa composição particular de
forças sociais, nem em uma agência governamental específica, nem ainda no
complexo governamental como um todo, mas singelamente na lei.39
Nesse sentido, ensina Políbio:
Quando os cidadãos [...] colhem os frutos dos tempos venturosos e da prosperidade
resultante de suas vitórias, e no gozo dessas benesses são corrompidos pela adulação
e pela ociosidade, tornando-se insolentes e autoritários, é precisamente nessa
situação que vemos o Estado usar um remédio à sua disposição para enfrentar esses
males: quando um dos poderes, crescendo desproporcionalmente em detrimento dos
outros, passa a aspirar à supremacia e tende a mostrar-se excessivamente
predominante, como nenhum deles pelas razões expostas acima é absoluto [...],
nenhum deles predomina sobre os outros nem pode desprezá-los. Tudo continua em
seu lugar porque qualquer intento agressivo é seguramente contido, e desde o início
cada parte está prevenida contra a interferência da outra.40
Desse modo, mostra-se preciso e eficaz o governo misto, visto ser mais estável que
as formas simples de governo, que estão presas aos ciclos de vigência e derrocada. Neste
36
Cf. GOVERNO MISTO. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. 12 ed. Brasília: UNB, 1999. v.1, p. 559.
37
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 9.
38
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 15.
39
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 115-16.
40
POLIBIOS. História. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p. 338.
10
momento, dá-se a introdução deste conceito, o qual consiste numa forma de governo que
inclua as partes boas de cada forma simples41.
Como constatação da excelência dessa teoria, podemos identificar sua reafirmação
posterior, como será visto adiante, na Idade Média, ao ser adotada e atualizada por outro
eminente filósofo: Tomás de Aquino.
2 A POLÍTICA EM TOMÁS DE AQUINO
2.1 O Homem, Animal Político
Para estudar-se a política em Tomás de Aquino, faz-se necessária a iniciação no
conceito primeiro, o qual estabelece qualquer idéia de política: o homem sociável.
A partir da sociabilidade, nasce a política, a ordenação dos homens buscando, de
forma justa, conduzi-los ao seu fim último ou bem comum.
Nesse sentido, define Tomás de Aquino que “o homem tem como natural o viver em
uma sociedade de muitos membros”42, concordando, dessa forma, com Aristóteles. O homem
dotado de razão, diferentemente dos animais, poderia seguir seu fim último, porém, justifica
Tomás de Aquino, que o homem tende a viver em sociedade:
Pois a natureza preparou aos demais animais a comida, sua vestimenta, sua defesa,
por exemplo, os dentes, chifres, garras ou, ao menos, velocidade para a fuga. O
homem, pelo contrário, foi criado sem nenhum destes recursos naturais, mas em seu
lugar lhe foi dada a razão para que através desta pudesse abastecer-se, com o esforço
de suas mãos, de todas essas coisas, ainda que um só homem por si mesmo não pode
bastar-se em sua existência. 43
Assim, a sociabilidade é uma necessidade para o homem que, incapaz de manter-se
sozinho e seguir um caminho de virtude, procura o apoio dos seus para alcançar seus
objetivos.
Somado a isso, temos que o ser humano, como o animal mais perfeito e complexo,
tendo sido feito à semelhança de Deus, e a Ele devendo convergir, depende de vários saberes
para sua manutenção, de modo que sua razão não possui meios para dominar todos esses
conhecimentos. Tomás de Aquino ensina que:
41
Cícero considera, como Políbio, o governo misto como a melhor forma de governo. Em sua obra República
Cícero descreve a idéia do ciclo polibiano e trata do problema da instabilidade das formas simples de governo,
apontando a Constituição Romana como uma forma mista de governo que logrou estabilidade.
42
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 6. (Tradução Livre).
43
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 6. (Tradução Livre).
11
Não é, portanto, possível que um só homem chegue a conhecer todas estas coisas
através de sua razão. Logo o homem necessita viver em sociedade, ajudar-se um ao
outro, de maneira que cada um investigue uma coisa por meio da razão, um a
medicina, um isto, outro aquilo. 44
Os homens em sociedade aprendem juntos e separados, obtendo vantagem de ambas
as maneiras. Podem abranger maior quantidade de conhecimento e dividir aquilo que for
necessário através da linguagem, conforme Tomás de Aquino: “é próprio do homem a
linguagem, por meio do qual uma pessoa pode comunicar totalmente à outra suas idéias” 45.
Por outro lado, pode o homem viver fora da sociedade. Porém, contrariamente a
natureza do homem, tenderia, então, a outra forma de vida, qual seja inferior ou superior ao
caráter do ser humano. Consoante Eustáquio Galán y Gutiérrez:
O ser animal político e social é um modo de existência próprio do homem, e se
algum não se sentisse inclinado por natureza à união e convivência com seus
semelhantes, o bem teria uma natureza superior ao homem, ou teria uma natureza
infra-humana, fera e malvada, belicosa [...].46
Uma vez identificada essa situação, tem-se que é da natureza do homem ser social,
visto que fora da sociedade só existem os animais, ou o próprio Deus que, perfeito, não
necessita de qualquer vantagem que a sociedade proponha. Em sua Suma Teológica, Tomás
de Aquino escreve: “por duas razões pode o homem buscar a solidão: porque não resista à
companhia dos homens por causa da crueldade de sua alma, e esta é a conduta de bestas. Ou
pode buscá-la para entregar-se totalmente às coisas divinas, e esta razão o eleva para cima da
condição humana. Por isso disse o Filósofo que “quem se separa do trato dos homens ou é
bruto ou é um Deus”, ou seja, um homem divino”. 47
Em não sendo o homem Deus, persiste a sua característica de sociabilidade. Surge,
nesse momento, a comunidade.
John Finnis define que comunidade é “uma forma de unificar as relações entre os
seres humanos”48. A partir da união do homem e da mulher, a família, até a cidade, essas
44
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 7. (Tradução Livre).
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 7. (Tradução Livre).
46
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 12. (Tradução Livre).
47
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo X. Madrid: B.A.C., 1955. p. 852. (Tradução Livre).
48
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 136.
(Tradução Livre).
45
12
relações de união49 são capazes de tornar o homem mais próximo de conquistar seu fim
último.
O homem somente é capaz de buscar seu fim último, em comunidade, na qual seu
dirigente governe guiado pelo o bem comum.
2.2 O Bem Comum
Em sua vasta obra, Tomás de Aquino nunca escreveu um tratado sobre a política,
tendo deixado seu pensamento em várias de suas obras, o que consoante Eustáquio Galán y
Gutiérres “levantará sempre um grande número de reparações e objeções a toda pretensão de
uma reconstrução sistemática da filosofia política de Aquino”50. Porém, muito há de se
encontrar, como as noções políticas basilares, dentre elas, a noção de bem comum.
Primeiramente, temos dado que o homem é o ser mais perfeito, e ao ser mais perfeito
qualifica Tomás de Aquino: “persona significa o mais perfeito que há em toda a natureza, ou
seja, o ser subsistente na natureza racional”51 , nesse sentido, ratifica Eustáquio Galán y
Gutiérrez: “ao ser personal corresponde o grau mais elevado na escala dos seres naturais, é o
mais perfeito de tudo que foi criado” 52. Assim, tende o homem à perfeição e é o único ser
capaz de buscá-la, o bem comum que será o seu fim último, qual seja, para Tomás de Aquino:
“a felicidade ou beatitude”53. Segue Fr. Carlos Soria, O. P.:
Este bem comum já não consiste exclusivamente [...] no bem comum social ou
político, a felicidade humana temporal, senão também em outra série de bens
comuns superiores a este, diversos analogicamente e que têm sua analogia suprema
no bem comum por essência, que é Deus. 54
Tomás de Aquino estabelece que “o homem e os seres intelectuais alcançam seu fim
conhecendo e amando a Deus”55. Desse modo, a beatitude é a felicidade, o “bonum commune
49
FINNIS apresenta um estudo sobre as comunidades, definindo quatro ordens de relacionamentos na
comunidade humana em: FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University
Press, 2000.
50
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 1. (Tradução Livre).
51
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo II-III. Madrid: B.A.C., 1959. p. 108. (Tradução Livre).
52
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 51. (Tradução Livre).
53
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 38. (Tradução Livre).
54
SORIA, Fr. Carlos, O. P., in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956.
p. 21. (Tradução Livre).
55
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo IV. Madrid: B.A.C., 1954. p. 117. (Tradução Livre).
13
perfectum” do homem, que por ser racional, é o único, dentre os seres naturais, a poder buscar
Deus.
Além disso, verificou-se que o homem possui outra característica, qual seja, a
sociabilidade. O ser humano viverá em comunidade para, junto aos seus, caminhar em direção
à felicidade, seu fim último. Essa comunidade será unida em torno de seu bem comum.
Afirma Eustáquio Galán y Gutiérrez que “o homem há de viver, pois, sempre inserto em uma
comunidade, porque este é o modo indeclinavelmente seu de ser e existir”
56
, ou seja, o
homem, como animal político, conforme também pensa Aristóteles. Em sociedade, observa
John Finnis, existem, inicialmente, os cidadãos e um líder, aquele que tem autoridade sobre
este grupo, e segue dizendo que:
[…] o que faz sentido nessas atribuições de existência é, em cada caso, a presença de
alguns objetivos mais ou menos alcançados ou, mais precisamente, algumas
concepções alcançadas do ponto de contínua cooperação. Este ponto, podemos
chamar de bem comum.57
Essa comunidade é pensada por Tomás de Aquino, conforme destaca John Finnis
“civitas e seus sinônimos sãos usados consistentemente por Aquino significando toda grande
sociedade que é organizada politicamente por várias instituições, arranjos, e práticas
geralmente e razoavelmente chamadas ‘governo’ e ‘direito’” 58. Uma vez em sociedade, os
atos dos cidadãos serão regulados, e esse fato se torna importante. Essa regulamentação tem
que ser dada em forma de regras, leis, as quais têm um papel de levar o ser humano em
direção ao seu bem comum:
Esta paz e esta união, que vêm a ser mais formalmente o bem comum imanente da
sociedade, é o objeto mais próprio da lei humana objetiva, que através dela
encaminha a sociedade para uma abundância de bens e uma possibilidade de
alcançá-los que permita aproximar os homens que a formam até uma beatitude ou
felicidade terrena que somente na sociedade civil podem encontrar. [...] Daqui se
deduz que a lei somente pode dar-se dentro de uma comunidade ou sociedade
perfeita, pois somente esta tem um bem comum relativamente perfeito, pois visa ao
homem em seu conteúdo integral, dentro de sua ordem.59
56
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 57. (Tradução Livre).
57
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 153.
(Tradução Livre).
58
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
220. (Tradução Livre).
59
SORIA, Fr. Carlos, O. P., in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956.
p. 24. (Tradução Livre).
14
Diante do conceito tomista de lei60, temos que somente em sociedades perfeitas
teremos leis justas, que possuam como base o bem comum. Conforme explica John Finnis:
Aquino […] deu à ‘comunidade perfeita’ uma descrição puramente formal: uma
comunidade tão organizada que o governo e o direito dão toda a direção que
propriamente pode ser dada por um governo humano e um direito coercitivo para
promover e proteger o bem comum, que é, o bem da comunidade e, dessa maneira,
de todos os seus membros e outros elementos próprios.61
Assim, a comunidade perfeita será aquela que ordena seus cidadãos para o bem
comum. Porém, existem muitos atos que levam o homem ao seu fim último, a comunidade
regulará somente aqueles relacionados à totalidade dos cidadãos.
Eustáquio Galán y Gutiérrez descreve “a adequação entre o ser de uma coisa e o fim
a que por natureza tende, se chama bem. A idéia do bem supõe, pois, no ser, complemento do
fim a que por natureza se dirige” 62. Assim, um bem pode levar uma pessoa para seu fim
último, sem que esse mesmo bem tenha essa característica para o resto dos cidadãos de uma
mesma comunidade, como em John Finnis:
[…] essa definição (bem comum) não afirma nem impõe que os membros de uma
comunidade devem ter, todos, os mesmos valores ou objetivos (ou conjuntos de
valores ou objetivos); isto implica somente que existe algum conjunto (ou conjuntos
de conjuntos) de condições que precisam obter se cada um dos membros alcançar
seus próprios objetivos. 63
Conclui-se que existem diferentes formas de bens. Esses bens podem ser comuns e,
ainda assim, não adequados à aplicação para toda a comunidade, visto que pode ser um bem
adequado a um grupo de pessoas (seria comum a este grupo), mas não a totalidade de
cidadãos, de forma que não deve ser imposto pelo Estado a todos.
Segue-se, então, que a comunidade tem bens comuns limitados, de acordo com John
Finnis: “não obstante a ‘integralidade’ das comunidades políticas, seus bens comuns
específicos são limitados” 64. Tomás de Aquino diferencia os bens privados individuais, os
bens comuns privados das famílias, os bens públicos e o bem comum, conforme Finnis:
60
TOMÁS DE AQUINO estabelece que “a lei não é mais que uma prescrição da razão, ordenada para o bem
comum, promulgada por aquele que tem o cuidado da comunidade”, em: AQUINO, Santo Tomas de. Suma
Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 42. (Tradução Livre).
61
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
220-221. (Tradução Livre).
62
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 98. (Tradução Livre).
63
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 156.
(Tradução Livre).
64
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
226. (Tradução Livre).
15
O nome mais claro que Aquino dá pra esse bem comum limitado, especificamente
para a comunidade política, é bem público {bonum publicum}. Diferencia-se do
direito privado dos indivíduos e do bem comum privado das famílias e lares, ainda
que a comunidade política (no mais usual relato de Aquino) é compreendida
precisamente por indivíduos e famílias.65
Aqueles bens que abrangem um grupo comum de cidadãos, mas não todos – como,
por exemplo, a igreja, que é um bem que leva o homem ao seu fim último, mas não é
necessário a todos os homens – são chamados de bens públicos, visto não serem comuns a
todos os cidadãos da comunidade. Não devem, portanto, ser ordenados para a comunidade.66
Os bens privados individuais são aqueles com abrangência pessoal. De interesse
egoístico ou não, mas não são capazes de favorecer um grupo de cidadãos e, menos ainda,
toda uma comunidade. Semelhantemente, os bens comuns privados das famílias aplicam-se a
um grupo limitado e não a toda comunidade.
Assim, resta à comunidade, o bem comum que, por si só, é capaz de abarcar todos os
cidadãos. É limitado, visto a complexidade da sociedade e de suas relações. Sendo assim,
mais abrangente que o bem comum individual, mas logra ordenar os indivíduos aos seus fins
últimos. O bem comum do Estado é limitado em relação ao bem comum individual, porque
tem em seu escopo uma comunidade inteira. Desse modo, estabelece John Finnis um conceito
de bem comum adequado:
[…] um conjunto de condições que habilitam os membros de uma comunidade a
alcançar por si mesmos objetivos razoáveis, ou para realizar razoavelmente para si
mesmos o valor(es), para o fim, o qual eles têm razão para colaborar com os outros
(positivamente e/ou negativamente) em uma comunidade. 67
Portanto, a noção de bem comum é a base de toda ordenação política de uma
sociedade e de um governo. A partir dela, é possível estabelecer quais características são
necessárias para ordenar-se uma determinada comunidade de cidadãos.
2.3 Império do Direito
Os cidadãos da comunidade devem ser ordenados para o bem comum. Para que isto
se torne possível, é necessário um sistema legal em que se garanta essa boa ordenação.
65
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
226. (Tradução Livre).
66
Cf. FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
226.
67
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 155.
(Tradução Livre).
16
Tomás de Aquino afirma que “os homens relacionam-se uns por atos exteriores com
os quais uns se comunicam com os outros, e esta comunicação pertence à justiça, que é
propriamente diretiva da sociedade humana”68. Segue esclarecendo que os atos humanos são
regulados pela justiça que é “dar a cada um o que lhe é devido”69, e que “a justiça visa
propriamente aos deveres que um homem tem com o outro”70. A partir da forma com que os
homens se relacionam, verificar-se-á a presença de justiça na comunidade.
Assim esclarece John Finnis que “o nome comumente dado para o estado de
obrigações no qual um sistema legal está legalmente bem formado é ‘o império do direito’” 71.
Esse sistema de leis trabalha com prescrições e punições. Assim, prescreve-se ou
proíbe-se um ato e, uma vez violada essa assertiva, é estabelecida uma punição, como
afirmam L. Robles e À. Chueca:
O Estado realiza seu fim ético por meio do direito. Mas, o direito na concepção
tomista é um mínimo ético. Não prescreve os atos de todas as virtudes, nem proíbe
os atos de todos os vícios; unicamente manda ou veda aqueles atos cujo valor ético
tem um sentido imediatamente social. 72
Dessa forma, a partir da obediência às leis, será o homem guiado para seu fim
último. Uma vez cometido um ato em desacordo com o sistema, a punição correspondente
será em função do desvio do bem comum e não somente simples reação ao ato em si,
conforme esclarece John Finnis:
Não há uma proporção ‘natural’ absoluta do direito de punição: a ‘lei de talião’ (vida
por vida, olho por olho, etc,) falha, por concentrar-se no conteúdo material ou nas
conseqüências dos atos criminais, mais que no erro formal (injustiça) que consiste na
inclinação de preferir um irrefreado auto-interesse ao bem comum, ou ainda, uma
repugnância de fazer um esforço pra manter-se em um caminho comum.73
O império do direito possui como característica um conjunto de propriedades
pensadas como forma de garantir a justiça na sociedade em que se insere. Dentre elas
encontra-se, conforme demonstra Finnis:
Um sistema legal exemplifica o império do direito no âmbito [...] que (i) suas regras
são perspectivas, não retroativas, e (ii) não é, de nenhum outro modo, impossível de
concordar com elas; que (iii) essas regras são promulgadas, (iv) claras, e (v)
68
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 281. (Tradução Livre).
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 280. (Tradução Livre).
70
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 282. (Tradução Livre).
71
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 270.
(Tradução Livre).
72
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002.
p. XLIII. (Tradução Livre).
73
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 264
(Tradução Livre).
69
17
coerentes umas com as outras; que (vi) essas regras são suficientemente estáveis de
modo a permitir que as pessoas sejam guiadas pelo conhecimento do conteúdo
dessas regras; que (vii) a criação de decretos e ordens aplicáveis em situações
relativamente limitadas é guiada por regras que são promulgadas, claras, estáveis e
relativamente gerais; e que (viii) estas pessoas que têm autoridade de criar,
administrar, e aplicar as regras em uma competência oficial (a) são responsáveis pela
sua conformidade com regras aplicáveis ao seu cumprimento e (b) realmente
administrem o direito consistentemente e de acordo com seu teor. 74
A comunidade deverá ser, então, guiada para seu bem comum, estruturada no
império do direito, sob a autoridade de um governante que atue de forma justa, como
apresenta-se, em Tomás de Aquino, tema de grande relevância política, a virtude do
governante.
2.4 As Virtudes do Governante
Já temos dito que o homem é um animal político, reúne-se em vista da busca do bem
comum. Dessa união em comunidades surge o Estado, como Eustáquio Galán y Gutiérrez
ensina: “para Santo Tomás [...] O fundamento constitutivo (do Estado) representa dentro de
suas concepções o impulso social do homem. O Estado é conjuntamente um produto do
instinto social e da indústria do homem”75. Tendo no Estado um fim, se faz necessário alguém
que guie o povo a alcançá-lo, como dizem L. Robles e À. Chueca que “se o bem comum é o
que exige constituirmos em sociedade e implantar sobre nós mesmos a autoridade ou o poder
que nos una e governe, é também ao mesmo tempo a razão de ser do Estado” 76.Estando,
portanto, na razão do Estado, a busca pelo bem comum, pressupondo que um governante
trabalhe nesse intuito, conforme descreve Fr. Alberto Colunga:
Havendo Deus criado o homem sociável para que, mediante a sociedade e a mútua
ajuda, alcançasse melhor sua perfeição material e espiritual, veio a contribuir com
isto à sociedade humana e a impor-lhe a obrigação de acatar a autoridade por qual tal
sociedade tem que reger-se.77
Nesse sentido, Tomás de Aquino estabelece que “[...] a vida social não se dá se não
há a sua frente um que a dirija ao bem comum, pois a multiplicidade por si tende a muitas
74
FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights. New York: Oxford University Press, 2000. p. 270.
(Tradução Livre).
75
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 15. (Tradução Livre).
76
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002.
p. XLIV. (Tradução Livre).
77
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 275. (Tradução Livre).
18
coisas, e um só à uma” 78. Sendo assim, num grande número de pessoas, mesmo tendo um
mesmo fim, guiar-se-á de maneiras diferentes, tornando-se necessário, portanto, um dirigente
capaz de dar um só rumo a todos no sentido desse mesmo fim, de forma a não desviá-los,
como segue afirmando o Doutor Angélico: “porque tudo quanto se ordena a um fim pode ser
conduzido por diferentes caminhos, precisa-se de um dirigente por meio do qual chegue
diretamente ao seu fim tudo o destinado a ele” 79.
Justificada a imprescindibilidade de um governante em uma comunidade ou Estado,
Tomás de Aquino passa a descrever os deveres do rei (ou governante), quais sejam:
Deve ocupar-se, em primeiro lugar, da sucessão e substituição dos homens que
levaram a cabo as diversas tarefas, como o previu o divino governo nas coisas
corruptíveis [...] Deve cuidar, em segundo lugar, de afastar a maldade de seus
súditos com leis e preceitos, penas e prêmios, e conduzi-los a obrar virtuosamente,
tomando o exemplo de Deus que legislou para os homens, premiando a quem as
cumpre e castigando a quem as infringe. Em terceiro lugar deve cuidar o rei, que
seus súditos permaneçam seguros contra seus inimigos exteriores. 80
Por outro lado, descreve Tomás de Aquino que “a força de quem preside
injustamente tende para o mal da multidão, quando converte o bem comum da sociedade
somente em benefício de si mesmo”.81 Ocorre, portanto, a corrupção do governante, quando o
bem comum da comunidade deixa de ser a base e o fim de seu governo. E segue Aquino:
“ademais neste regime se torna injusto quando, depreciado o bem da sociedade, tende ao bem
privado do dirigente. Logo, quanto mais se separe do bem comum, tanto mais injusto será o
regime”82.
Nesse sentido, refere Tomás de Aquino, que deverá o governante agir justamente, e
descreve a justiça legal, a qual “pode chamar-se virtude geral”83, a justiça que ordenará as
demais virtudes, guiando ao bem comum. Trata-se da relação do homem com a comunidade
“enquanto que aquele que serve a uma comunidade serve a todos os homens que nela estão”84.
A justiça legal, como ensina Fr. Teófilo Urdanoz, irá “ordenar os atos das demais virtudes”85,
na relação entre os indivíduos.
78
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo III (2°). Madrid: B.A.C., 1959. p. 660. (Tradução Livre).
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 5. (Tradução Livre).
80
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 78. (Tradução Livre).
81
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 18. (Tradução Livre).
82
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 18. (Tradução Livre).
83
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII: Tratado de a Justicia. Madrid: B.A.C., 1956. p. 280.
(Tradução Livre).
84
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII. Madrid: B.A.C., 1956. p. 279. (Tradução Livre).
85
URDANOZ, Fr. Teófilo, O. P., in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 258. (Tradução Livre).
79
19
Sobre a virtude, ensina Aquino que “os atos de todas as virtudes podem pertencer à
justiça, enquanto esta ordena o homem ao bem comum”86. À essa justiça87 estão relacionados
os atos dos governantes, conforme explica Fr. Teófilo Urdanoz “[...] justiça legal, [...]
concorda com as leis que ordenam os atos humanos ao bem comum”88. Da inclinação da
sociedade para um mesmo fim extrai-se esse conceito.
Deve, portanto, o governante buscar o bem comum na comunidade. Nesse sentido,
determina do que se trata este bem, Tomás de Aquino:
Pois o bem e a salvação da sociedade é que se conserve a sua unidade, a qual se
chama paz, desaparecida, desaparece também a utilidade da vida social, e inclusive a
maioria que discorda se volta com uma carga para si mesma. Logo, isto é o que há
de tender sobre todo o dirigente da sociedade, a procurar a unidade na paz. 89
Sobre a paz, observa John Finnis que:
‘Paz’, naturalmente, não deve ser entendida superficialmente. No seu sentido mais
completo, paz {pax} envolve não somente concórdia (ausência de discórdia,
especialmente sobre aspectos fundamentais) e propenso consentimento entre uma
pessoa ou grupo e outro, mas também harmonia {unio} entre os desejos individuais
próprios. 90
Ao obter a paz, o governante tem condições de ordenar a comunidade para o bem
comum.
Mesmo no papel de comandante, o governante estará sujeito às leis de seu Estado: “o
príncipe não está isento da lei pelo que toca a sua força diretiva, e deve cumpri-la
voluntariamente, não por coação”91 conforme afirma Tomás de Aquino, como membro da
sociedade em que se insere e tendo ainda o papel de governante, o qual requer dupla
participação. JOHN FINNIS refere os três tipos de prudência estipulados por Tomás de
Aquino, como segue:
Eu deveria argumentar que eles são, e essa diferenciação é de Aquino, de três
diferentes tipos de razoabilidade prática {prudentia}, individual, doméstica, e
86
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII. Madrid: B.A.C., 1956. p. 280.
TOMÁS DE AQUINO trata dos três tipos de justiça – geral e particular, que se divide em distributiva e
comutativa – em seu Tratado da Justiça: AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII. Madrid:
B.A.C., 1956.
88
URDANOZ, Fr. Teófilo, O. P., in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VIII. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 258. (Tradução Livre).
89
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 13. (Tradução Livre).
90
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
227. (Tradução Livre).
91
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 188. (Tradução Livre).
87
20
política, ajuda a elucidar o completo, complexo pensamento sobre a promoção da
responsabilidade virtuosa e autoridade Estatal. 92
E segue, Finnis, explicando a importância da prudência política:
A política que é o mais alto {principalior, principalissima} conhecimento prático
[...] Porque a prudentia dos dirigentes políticos deve compreender, ainda que sem
substituição, a prudentia dos indivíduos e famílias, esta é a mais completa
{perfectissima}, e assim pessoas que não são boas podem ser bons cidadãos [...],
mas não podem ser bons dirigentes. 93
A virtude do governante é, portanto, a mais completa visto seu papel na sociedade
ser duplo: ordenar seu povo e agir individualmente, já que está sujeito às leis como os demais
cidadãos e ter, também, como pessoa que é, um fim último.
Após verificarem-se importantes conceitos políticos, na visão do Doutor Angélico,
faz-se possível o estudo das formas de governo e, dentre elas, qual significa, para Tomás de
Aquino, o melhor regime: o governo misto.
3 O GOVERNO MISTO EM TOMÁS DE AQUINO
3.1 As Formas de Governo, a Monarquia.
Em alguns textos, Tomás de Aquino refere a monarquia como uma forma principal
de governo, atestando sua superioridade. Em vista de seu conceito de bem comum, porém,
Aquino aponta, dentre as formas de governo existentes, as capazes de satisfazer as
necessidades da sociedade. Encontra-se nas obras de Tomás de Aquino, o estudo de várias
formas de governo. A partir de suas caracterizações, será possível averiguar qual regime
político será o melhor.
Como Aristóteles, Tomás de Aquino define seis diferentes regimes de governo,
porém, para a classificação destes, Aquino não toma somente o critério numérico quanto aos
governantes, mas também a condição de elegibilidade, como descrevem L. Robles e À.
Chueca:
A diferença numérica certamente existe. Existem outras diferenças pelo modo de
exercer o poder. Se todos podem ser igualmente designados para o desempenho do
poder, temos a democracia; se o critério para a designação dos governantes consiste
92
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
235. (Tradução Livre).
93
FINNIS, John. Aquinas: Moral, Political, and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p.
238. (Tradução Livre).
21
em certa qualidade incomum e nem genérica que diga respeito a todos os demais,
senão própria de alguns somente, temos a aristocracia; se o título a que se atende
para a nomeação do governante é uma qualidade que não é comum a todos, nem
própria sequer de um determinado setor do todo, senão que resulta exclusivamente
sua, temos a monarquia.94
Diferencia-se, desse modo, de Aristóteles, adotando um terceiro critério, qual seja, a
sua tipologia das leis, como explica Eustáquio Galán y Gutiérrez: “[...] às leis que na
monarquia dá o príncipe, chamam-se constituiciones reales; às que na aristocracia dita a
minoria governante chamam-se senado-consultos, e plebiscitos às correspondentes ao regime
popular”95, e segue o autor afirmando que “se faz referência às formas retas de governo, pois
nas formas degeneradas não temos, na realidade, verdadeiras leis”96, restando impossibilitada
a sua classificação por este critério.
Assim, como em Aristóteles, têm-se, como formas de governo, a monarquia
(governo de um), a aristocracia (governo de poucos) e a democracia (governo de muitos).
Sobre as formas simples de governo, os filósofos da antiguidade já as rejeitam,
consoante José Antônio Giusti Tavares: “Platão e Aristóteles argumentam que as formas
políticas puras são intrinsecamente perversas; Políbio e seu notável discípulo e divulgador,
Cícero, que são corruptas ou corruptíveis”97, tendo apresentado, Aristóteles, a politéia, com
característica de constituição mista, como afere José Antônio Giusti Tavares: “[...] o governo
constitucional por excelência, a Politéia, constitui o resultado de uma complicada e versátil
engenharia constitucional cujo núcleo consiste em uma combinação entre oligarquia e
democracia”98. Assim como Políbio apresentara a primeira concepção de governo misto,
exemplificada na Constituição Romana.
Dentre essas formas simples de governo, Tomás de Aquino se detém no estudo da
monarquia. Contrariando o afirmado em sua Suma Teológica, Tomás de Aquino escreveu A
Monarquia, obra na qual conclui, após detalhada argumentação, que a monarquia é a melhor
forma de governo.
94
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002.
p. XLVI. (Tradução Livre).
95
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 157-158. (Tradução Livre).
96
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado, 1945. p. 158. (Tradução Livre). Ver definição de lei em TOMÁS DE AQUINO, referida
anteriormente na nota 71.
97
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 5-6.
98
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 6.
22
Mesmo tendo em mãos a Política de Aristóteles, na qual apresenta sua versão mista
de constituição como crítica às versões puras, Tomás de Aquino segue apreciando a
monarquia, tomando-a como descrevem L. Robles e À. Chueca:
Monarquia é para Tomás de Aquino aquela forma de governo na qual o poder total
do Estado, a plenária potestas, encontra-se nas mãos de um só homem que exerce
como gerens vicem totius multitudinis, como representante de toda a comunidade.
[...] Esta monarquia pode ser eletiva ou sucessória. As duas formas são boas e tem
suas vantagens.99
Dentro do conceito de monarquia, Eustáquio Galán y Gutiérrez aponta, ainda assim,
que “o regime sucessório tem a vantagem [...] de evitar o perigo – existente se a eleição é feita
por pessoas não virtuosas - de eleger a quem não mereça [...]”100. Tem, portanto, a monarquia
duas formas de atribuição do cargo de governante, sendo a hereditariedade o modo mais
seguro dentro de um regime por si só, considerado o melhor.
Em comparação com as demais formas de governo, Gutiérrez demonstra que para
Santo Tomás “[...] em uma multidão, cujos membros discordam em suas opiniões, não pode
formar-se uma unidade social, porque a união consiste, precisamente, em que todos
concorram para um mesmo fim”101. A partir dessa assertiva, considera que “por isso o fim
principal do governo político é a consecução da unidade social, e como para ele
evidentemente tem em si mais poder o que é um do que é múltiplo, resulta evidente também
que o governo de um só é preferível ao de muitos”102. Sendo assim, a monarquia é a melhor
forma de governo, seguida pela aristocracia e pela democracia.
As formas puras de governo, ainda que imperfeitas, sujeitam-se a um sistema de
normas (império do direito), posto que visam a um bem comum, como destaca Gutiérrez:
Nenhuma das formas retas de governo admitidas por Santo Tomás é absoluta, isto é,
não está sujeita a limites, não necessita estar conforme princípios e normas, ainda no
caso de que se trate da monarquia pura, onde um só homem concentra em sua mão a
totalidade do poder e o exerce sem compartilha-lo com o povo ou com uma
assembléia aristocrática.103
99
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002.
p. XLIX. (Tradução Livre).
100
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 169. (Tradução Livre).
101
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 161. (Tradução Livre).
102
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 161. (Tradução Livre).
103
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 159. (Tradução Livre).
23
Nesse sentido, L. Robles e À. Chueca: “seu poder (do rei) deve ser regulado de
forma que não possa derivar até a tirania”104, de forma a inclinar o governante à ação virtuosa,
mantendo o Estado na direção do bem comum. A aplicação dos conceitos políticos vistos no
capítulo anterior (Império do Direito, Bem Comum e a Virtude do Governante), à monarquia
lhe confere a segurança e a estabilidade esperadas de um regime de governo.
Das formas boas, aferem-se as suas corrupções, as formas de governo que se
sucedem em caso de derrocada do regime. Assim tem-se em L. Robles e À. Chueca que:
Se nas formas retas de governo a preferência se toma da de maior para a de menor
bondade – monarquia, aristocracia, democracia –, nas formas corruptas a ordem da
valoração é inversa: a forma corrupta pior é a tirania de um só, e a menos mal é a
democracia corrupta, enquanto que a oligarquia ocupa posição intermediária.105
Conclui Tomás de Aquino que “se se desvia o regime da justiça, convém mais que
existam muitos para que seja mais débil e se obstaculizem mutuamente. Logo, entre os
regimes injustos o mais tolerável é a democracia106, o pior a tirania”107. Em um regime
corrupto de muitos (demagogia), o mal é mais ameno que em uma tirania, pois, conta-se com
a falta de virtude dos governantes corruptos, que disputarão deslealmente, e não há outra
forma, pelo poder, enfraquecendo uns aos outros. Ao contrário da tirania, na qual o poder
conquistado com o golpe será concentrado somente na pessoa do tirano, o que o fortalecerá
ainda mais.
A monarquia, como melhor forma de governo, pode tornar-se perigosa quando
transformada em tirania, que é a pior das formas corruptas. Porém, Tomás de Aquino bem
argumenta que:
[...] um regime pluralista não se converte em uma tirania menos freqüentemente que
o monárquico, senão talvez com mais freqüência. Pois, uma vez que tenha surgido a
discórdia no pluralismo, as vezes um supera os outros e usurpa em seu exclusivo
benefício o domínio da sociedade, coisa que pode ver-se com claridade pelo
sucedido através da História.108
104
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos,
2002. p. XLIX. (Tradução Livre).
105
ROBLES, Laureano; CHUECA, Ángel in AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos,
2002. p. XLVIII. (Tradução Livre).
106
TOMÁS DE AQUINO refere, aqui, democracia como sendo a forma corrupta do governo de muitos. A
nomenclatura varia em algumas obras do autor, como por exemplo, quando usa a palavra tirania para qualquer
forma corrupta de governo, e não somente para a forma corrupta da monarquia.
107
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 19. (Tradução Livre).
108
AQUINO, Tomas de. La Monarquia. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2002. p. 28. (Tradução Livre).
24
Assim sendo, apesar da monarquia ter como respectiva derrocada a pior forma de
governo – a tirania, ainda assim, ela é mais adequada que a democracia, pois esta pode
corromper-se em tirania tanto, ou mais freqüentemente que aquela.
Após essas considerações, presentes em seu livro A Monarquia, muitas dúvidas
foram levantadas quanto a posição de Tomás de Aquino, favoravelmente a realeza.
A Monarquia é dedicada ao rei de Chipre, e por isso é tomada como possível ajuda a
este. Conforme expõe Jean-Pierre Torrel:
Mas o fato é que o conteúdo não corresponde em absoluto ao que Tomás diz em
outros lugares quanto à melhor forma de governo. Enquanto o mais das vezes ele
recomenda um governo misto, em que o rei colabora com uma aristocracia eleita
pelo conjunto da população, aqui Tomás recomenda uma monarquia absoluta.109
Por ser uma obra inacabada, foram levantadas dúvidas sobre sua autenticidade, visto
a divergência de opiniões, hipótese que veio a ser descartada posteriormente. Conclui Torrel
que A Monarquia é obra que não deve ser lida fora do seu contexto, sozinha.110
Fato é que o autor assenta diferente posição na sua Suma Teológica, estabelecendo,
então, como melhor regime o Governo Misto.
3.2 O Governo Misto
Sobre o idealizador do conceito de Constituição Mista, expõe José Antônio Giusti
Tavares que:
Segundo Políbio, fora a constituição mista que permitira à República Romana
desenvolver-se institucionalmente, respondendo, de um modo ao mesmo tempo
adaptativo, inovador e integrador, aos desafios concernentes à ampliação da
participação política da monarquia à oligarquia e desta à ascensão democrática.111
Diante de tal consideração sobre as vantagens do governo misto, se torna esclarecido
porque Tomás de Aquino o toma como melhor forma de governo, como afirma em sua Suma
Teológica, ao descrever os regimes de governo, “existe, finalmente, um regime que reúne
todos os anteriores, e que é o melhor”112, e continua:
109
TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e sua obra. 2. ed. São Paulo:
Edições Loyola. 2004. p. 199.
110
Cf. TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e sua obra. 2. ed. São Paulo:
Edições Loyola. 2004. p. 199-200.
111
TAVARES, José Antônio Giusti in FÉLIX, L. e GOETTEMS, M. Cultura Grega Clássica. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1989. p. 8.
112
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 174. (Tradução Livre).
25
Tal é a boa constituição política, na qual se juntam a monarquia – pois um preside a
nação –, a aristocracia – porque são muitos os que participam no exercício do poder
– e a democracia, que é o poder do povo, pois são estes que exercem o poder podem
ser eleitos do povo e é o povo quem os elege.113
Expõe claramente, o filósofo, sua posição concernente às formas de governo. E alega
sua prescrição, em detrimento da monarquia, ainda na Suma Teológica. Afirma que se
comparando a monarquia com o reino de Deus, que é um só, ainda sim não será melhor a
monarquia que o governo misto, pois, o homem não virtuoso se corrompe, transformando
mais rapidamente a monarquia em tirania, do que se governarem muitas classes de cidadãos,
com diferentes interesses, controlando-se reciprocamente, consoante Eustáquio Galán y
Gutiérrez “(a monarquia) seria (a melhor) se não se corrompesse, mas o grande poder que se
concede aos reis, e a fraqueza dos homens faz com que esse regime seja propenso à tirania, e
disso se dá a conveniência da forma mista”114.
No governo misto, dá-se a mistura das partes boas de cada forma pura de governo,
conforme ensina Gutiérrez, representam “[...] a monarquia, a unidade superior de ação e
direção; a aristocracia, a seleção dos governantes; a democracia, o imprescindível sentido
popular e comum, sem o qual todo regime político está de antemão perdido”115, porém, o
monarca considerado por Tomás de Aquino é, segundo Gutiérrez, “o monarca eletivo,
rodeado de conselheiros e agentes, surgidos todos do sufrágio universal”116, sendo, o sufrágio
universal, elemento democrático.
Considera Gutiérrez, que Tomás de Aquino não se referiu a um tipo concreto de
organização política. De acordo com a situação de determinada comunidade, determinado
regime pode adequar-se melhor que outro:
Santo Tomás não se referiu a nenhum tipo concreto de organização política, senão
que sua formula alcança a toda forma de organização que – de acordo com uma série
de circunstâncias e condições acidentais que em cada caso concreto é necessário
atender, ainda quando não possam entrar em uma fórmula geral – combine, segundo
as diretrizes indicadas, os três princípios de governo.117
E segue explicando que Aquino não é partidarista de uma só forma de governo:
113
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 486. (Tradução Livre).
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 173-174. (Tradução Livre).
115
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 174-175. (Tradução Livre).
116
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 175. (Tradução Livre).
117
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 176. (Tradução Livre).
114
26
Porque uma forma de governo não é nunca boa em abstrato, senão boa para este ou
para o outro povo determinado, boa para esta ou aquela circunstância histórica
concreta, na qual, formas que em tempos foram convenientes deixam de sê-lo ao
variarem as condições.118
E, finalmente, conclui Gutiérrez que:
Poderíamos dizer que a filosofia política de Santo Tomás tinha um sentido
experimental: em seus textos podem buscar justificação todas as formas ou regimes,
sejam quais forem, contanto que sejam exercidos justamente e para o bem do povo.
Mas quando isto não ocorre, quando o bem comum é depreciado e em seu lugar se
põe o interesse pessoal dos governantes, toda forma de governo se faz mal em geral
e se converte em tirania.119
Em suma, o estudo político de Tomás de Aquino, estrutura-se em uma forma de
governo na qual se sustente a inclinação para o bem comum na comunidade. Sendo
genericamente mais adequado o governo misto, ainda que possa ser aconselhável para
determinado povo, algum outro regime.
Tomás de Aquino, uma vez posicionado a favor do Governo Misto, como um
exemplo dessa forma de governo passa a examinar do direito de Israel, ainda sob a lei antiga.
3.3 O Direito Constitucional de Israel
Tomás de Aquino tem na história de Israel e idealização da forma de governo misto.
A partir dela, ele trabalha “os preceitos da lei relativos à organização da autoridade, no direito
constitucional de Israel”120, demonstrando a importância da forma mista de governo, uma vez
que “o povo de Israel era regido por uma especial providência de Deus”121.
Apregoa Fr. Alberto Colunga a importância de “termos por conta a sábia suavidade e
condescendência com que Deus governou seu povo”122, e sendo esse governo feito por Deus,
dá-se sua magnitude.
O primeiro a receber a autoridade de Israel foi Moisés, que “recebeu de Deus a
missão de livrar seu povo e conduzi-lo à terra prometida, recebendo autoridade suprema, que
118
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 178. (Tradução Livre).
119
GUTIÉRREZ, Eustaquio Galán y. La Filosofia Política de Sto. Tomás de Aquino. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1945. p. 178. (Tradução Livre).
120
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 466. (Tradução Livre).
121
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 486. (Tradução Livre).
122
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 466. (Tradução Livre).
27
podemos chamar ditatorial”123. Porém, a autoridade exercida por Moisés é paternal e guiada
por Deus. Afirma Fr. Alberto Colunga, na introdução da Suma Teológica, que “a autoridade
do chefe da tribo é suprema, sobretudo na guerra. Mas a exerce de forma paternal, procurando
proteger a tribo e todos os indivíduos, fomentar a paz entre eles, defendê-los de toda
injúria”124.
Moisés, como autoridade suprema, tinha poder para julgar todos casos ocorridos em
seu povo, porém, sabiamente o delegou aos membros da comunidade: “elegeu dentre todo o
povo, homens capazes, que pôs sobre o povo, como chefes de milhar, de centena, de
cinqüenta e de dezena. Eles julgavam o povo a todo o tempo e levavam a Moisés os assuntos
graves, resolvendo por si mesmos todos os menores”125.
Ensina o Doutor Angélico que a boa constituição deve visar duas coisas: “a primeira,
que todos tenham alguma parte no exercício do poder, pois assim se alcança a melhor paz do
povo, e que todos amem essa constituição e a guardem, como disse a ‘Política’. A segunda
visa a espécie de regime e a forma constitucional do poder supremo”126, e continua explicando
que:
A melhor constituição em uma cidade ou nação é aquela em que um é o depositário
do poder e tem a presidência sobre todos, de tal sorte que alguns participem desse
poder e, contudo, esse poder seja de todos, enquanto que todos podem ser eleitos e
tomem parte na eleição.127
E exemplifica Aquino que:
Tal foi a constituição estabelecida pela lei divina, pois Moisés e seus sucessores
governaram o povo, gozando de um poder singular, que equivalia a uma espécie de
monarquia. Depois, eram eleitos setenta e dois anciões para exercer o poder [...] e
isto era a aristocracia. E à democracia pertenciam os que eram eleitos dentre todo o
povo [...] e eram eleitos pelo povo.128
Desse modo, dá-se clara a constituição mista no governo de Moisés.
Semelhantemente ocorre o governo de Josué, designado por Moisés como seu sucessor,
afirma Fr. Alberto Colunga: “tampouco Josué está só. [...] aqui também temos a continuação
123
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 467. (Tradução Livre).
124
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 466. (Tradução Livre).
125
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P. in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
1956. p. 467. (Tradução Livre).
126
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 485. (Tradução Livre).
127
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 486. (Tradução Livre).
128
AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C., 1956. p. 486. (Tradução Livre).
28
dessa espécie de monarquia, ou ditadura paternal e teocrática, unida a aristocracia e
democracia tradicionais do povo”129.
Posteriormente, tem-se em Israel a monarquia de Saúl, advinda da “necessidade de
expulsar os novos inimigos (filisteos)”130. Saindo, Israel, temporariamente, do regime misto
de governo.
O sucessor de Saúl foi David. Esclarece, mais uma vez, Fr. Alberto Colunga que “a
constituição que David deu ao seu reino parece ter respeitado bastante a antiga organização de
Israel, e assim os chefes das tribos e famílias continuaram desfrutando do prestígio que antes
tinham”131. Junto ao reinado de David, o reinado de seu filho, Salomão, “representam o
apogeu da história de Israel”132.
Compreendida a idealização, feita por Tomás de Aquino, do governo misto na
história de Israel, podemos observar que durante esse período em que o povo hebreu possuiu
como regime a forma mista de governo, essa nação foi próspera.
Uma vez que essa forma de governo do povo hebreu tem caráter misto e logrou
prosperidade, Tomás de Aquino reconhece isso ao apresentar a história de Israel e,
concomitantemente, posicionar-se favoravelmente ao Governo Misto, em sua Suma
Teológica.
CONCLUSÃO
Foram tomados, nesse trabalho, vários conceitos políticos que aparecem ao longo da
obra de Tomás de Aquino, para construir uma idéia do que se constitui uma boa forma de
governo.
No primeiro capítulo, foram demonstradas as vantagens do governo misto, o que
somente pode ser visto ainda na antiguidade por causa das teorias políticas aristotélicas, que
levaram Políbio a uma análise da constituição romana, podendo este concluir favoravelmente
em relação às vantagens deste regime, assim como também vimos em Cícero.
129
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P.
1956. p. 467. (Tradução Livre).
130
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P.
1956. p. 468. (Tradução Livre).
131
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P.
1956. p. 468. (Tradução Livre).
132
COLUNGA, Fr. Alberto, O. P.
1956. p. 468. (Tradução Livre).
in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
in AQUINO, Santo Tomas de. Suma Teológica: Tomo VI. Madrid: B.A.C.,
29
Aristóteles evidenciou-se ao escrever a Política, uma teoria bastante avançada. Tendo
analisado várias constituições, pôde concluir por uma nova forma de governo. Assim como o
governo misto mostrou-se capaz de ser estável por possibilitar que vários setores da sociedade
participem da administração, trabalhando por seus interesses e controlando uns aos outros de
forma a garantir seus interesses. Dessa forma, a busca pelo seu fim, a prosperidade, o bem
comum daquela comunidade restará preservado.
Ao longo do segundo capítulo, foram construídos conceitos políticos importantes da
política de Tomás de Aquino. Uma vez que o homem tende a unir-se, formará uma
comunidade, que deverá ter um líder. Esse líder, ou líderes, formará um governo. Em sua
obra, Aquino estudou profundamente a virtude e, partindo do conceito de justiça legal,
vinculou a responsabilidade desse governante em agir virtuosamente, para assim levar aquela
comunidade ao bem comum.
Nesse sentido, dá-se o papel do governante. De extrema importância, deverá
conduzir a comunidade, legislar de forma a não se desviar do bem comum.
Conseqüentemente, a forma de governo em que se insere esse governante deverá estabelecer
tais limites, além de ser estável.
Das formas simples de governo, Tomás de Aquino concluiu que a monarquia é a
melhor; porém, dentre todas, opta pelo governo misto.
Em sua obra a Monarquia, Aquino defendeu a monarquia, de forma que surge a
dúvida de qual seria sua posição ou até quanto à autoria da obra. Comprovada sua
autenticidade, resta a solução de que esse livro, escrito ao rei de Chipre, foi somente um
aconselhamento ao monarca.
Do que se conclui que, por lograr maior estabilidade e participação do povo, o
governo misto é defendido pelo filósofo. Essa forma de governo é mais competente para levar
sua comunidade ao bem comum, tem menos chances de se corromper e transformar-se em
uma tirania.
Por outro lado, podemos aferir que se uma constituição consegue lograr estabilidade,
guiar-se para o bem comum, terá sucesso. Mesmo sendo uma monarquia, Tomás de Aquino
vê a possibilidade de o rei de Chipre, a quem dedica sua obra – Monarquia, conseguir fazer
um governo próspero. Afirma que a monarquia é a melhor forma de garantir um bom governo
para esse país.
Assim, percebemos no filósofo a preponderância dos conceitos vistos no segundo
capítulo, como a virtude do governante e o guiar-se ao bem comum, em relação à forma de
governo em si, como fez na Monarquia. Além de apoiar o regime, apontou uma alternativa.
30
Resta clara, contudo, a posição do filósofo favoravelmente ao governo misto, como
forma teoricamente mais apurada. Em sua forma pura e não aplicada, independente de casos
particulares, o governo misto se mostra vantajoso sobre os demais. É exemplificado na
constituição de Israel. Por conseguinte, vê-se sua relevância no pensamento de Aquino e é
firmemente prescrito em seu Tratado da Lei, na Suma Teológica. Entretanto, é uma assertiva
que não deve ser tomada de forma absoluta, pois poderá variar se aplicada ao caso concreto.
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que o governo