Boletim Econômico – Edição nº 69 – setembro de 2015
Organização técnica: Maurício José Nunes Oliveira – assessor econômico
Para entender o déficit
orçamentário do Governo
1
Proposta de Orçamento para 2016
Diante da arrecadação tributária em queda e da dificuldade de cortar
gastos e elevar impostos, o governo federal enviou para o Congresso
uma proposta de Orçamento para 2016 que prevê um déficit de R$ 30,5
bilhões.
De acordo com o Ministério do Planejamento, essa é a primeira vez que
o governo planeja um déficit orçamentário desde que a atual metodologia
para contas públicas foi adotada no governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002).
Para 2015, a previsão é de pequeno saldo positivo (superávit primário)
de R$ 5,8 bilhões. Em 2014, o resultado ficou vermelho em R$ 32,53
bilhões.
Entenda melhor abaixo o que significa o déficit anunciado.
Por que o governo está prevendo déficit no
Orçamento?
O governo procura todo ano fazer uma economia para pagar juros da
dívida pública, o chamado superávit primário, com objetivo de evitar um
aumento descontrolado desse débito.
O superávit é o que sobra da diferença entre receitas e despesas não
financeiras, ou seja, essencialmente a arrecadação com tributos
subtraída os gastos com funcionamento dos serviços públicos (como
saúde e educação), benefícios sociais (Bolsa Família, segurodesemprego, aposentadorias), subsídios (com programas como o Minha
Casa Minha Vida e os juros mais baixos do BNDES), investimentos em
obras públicas, entre outros.
Na proposta de Orçamento para 2016, o governo prevê que terá receita
líquida (receita total menos transferências para Estados e municípios) de
R$ 1,18 trilhão em 2016. Já as despesas devem somar R$ 1,21 trilhão.
O descompasso é reflexo da dificuldade do governo em evitar o aumento
de gastos num cenário de queda na arrecadação federal devido à
recessão econômica.
Os números divulgados pelo Ministério do Planejamento indicam que a
receita líquida do governo federal recuará de 19% do PIB neste ano para
18,9% em 2016, enquanto a despesa subirá de 19% do PIB para 19,4%.
2
Já a previsão para o PIB é de queda de 1,8% neste ano e de pequeno
crescimento de 0,2% em 2016. O salário mínimo vai subir de R$ 788
para R$ 865,50 no ano que vem, implicando em aumento de gastos
públicos com aposentadorias pagas pelo INSS.
Diante da queda na arrecadação, o governo teria que cortar gastou e/ou
elevar impostos. Isso já começou a ser feito, mas não tem sido suficiente
para gerar superávit. Como a ampliação dessas medidas é impopular, o
Congresso Nacional resiste a aprovar novos cortes de despesas ou
aumentos de taxas.
O governo optou, então, por uma saída que classificou como "realista" e
assumiu que não será capaz de economizar no próximo ano.
A expectativa era que a volta da CPMF pudesse gerar cerca de R$ 80
bilhões em receita. Mas após o recuo na recriação da cobrança, o
governo anunciou a elevação de alguns impostos pontuais, que devem
aumentar a arrecadação em R$ 11,2 bilhões em 2016.
O Orçamento com déficit é uma forma de pressão que o governo está
colocando para que o Congresso seja mais generoso e apoie os cortes
de gastos.
O ajuste fiscal duro e recessivo adotado pelo governo neste ano acabou
agravando a situação na medida em que os cortes de gastos
contribuíram para a recessão econômica.
Por que o déficit preocupa?
A dívida pública é uma dívida que nunca será totalmente paga – o que os
governos de diversos países fazem é gerenciar seus débitos, pagando
seus credores ao mesmo tempo em que contraem novas dívidas.
O crescimento da dívida em si não é considerado um problema por
economistas e investidores – o que preocupa é o crescimento da relação
entre a dívida pública e o tamanho da economia, o PIB (Produto Interno
Bruto).
Dessa forma, quando a economia está crescendo, a dívida pode até
aumentar em valores nominais e sua proporção em relação ao PIB ficar
estável ou recuar.
Essa relação é importante porque a arrecadação do governo também
costuma variar de acordo com o crescimento do PIB. Dessa forma, se a
economia cresce o governo também arrecada valores maiores e, assim,
pode arcar com débitos maiores.
3
Por exemplo, em julho de 2002, a dívida líquida do setor público
(governos federal, estaduais e municipais) somava R$ 826,2 bilhões e
representava 58,71% do PIB. Treze anos depois, em julho de 2015, essa
dívida cresceu para R$ 1,9 trilhão, mas em proporção ao PIB caiu para
34,2% (Nota 1).
Um déficit significa que o governo terá que aumentar mais sua dívida e,
como o PIB está diminuindo, haverá um aumento na proporção entre as
duas coisas. Isso eleva a percepção de risco dos investidores, que
passam a cobrar juros mais altos para continuar financiando o Tesouro
Nacional.
O problema é saber se as agências de risco vão tolerar e aceitar essa
realidade de que o ajuste vai ser feito de uma forma muito mais lenta,
moderada e mais gradual do que se imaginava.
As agências de classificação de risco dão notas segundo a expectativa
de que o país pague suas dívidas. O Brasil ainda possui grau de
investimento, um selo de bom pagador, mas a deterioração das contas
públicas tem aumentado as chances de que a nota seja reduzida.
Se isso acontecer, o país perde acesso a algumas fontes de
financiamento mais baratas, como fundos que só aplicam em países com
grau de investimento.
Qual deve ser o tamanho do Estado?
Por trás do debate do ajuste fiscal, há uma questão de fundo importante:
qual deve ser o tamanho do Estado brasileiro e de sua carga tributária?
Por um lado, é comum os brasileiros reclamarem que pagam muitos
impostos. De outro lado, há uma demanda na sociedade, que foi
consolidada na Constituição de 1988, por benefícios sociais e serviços
públicos gratuitos de qualidade.
A redução dos impostos implica em ter um Estado menor. Já o
fornecimento de benefícios sociais e serviços públicos exige um Estado
maior e, portanto, uma carga tributária mais alta.
O problema do governo é que para reduzir ainda mais os gastos públicos
e não aumentar terá que reduzir o gasto social e aí ele mesmo cria uma
nova injustiça. Entretanto, há espaço para cortar, desde que a
ineficiência do Estado brasileiro seja reduzida, em todos os níveis:
municipal, estadual e federal.
4
Mas em uma coisa ambos concordam: a situação fiscal está ruim, mas o
Brasil está muito longe de virar uma Grécia. A dívida bruta brasileira está
hoje em 65% do PIB, enquanto a grega supera 160% (Nota 2).
O problema é que o Brasil paga juros muito altos - e a taxa básica Selic
vem sendo elevada ainda mais para tentar conter a inflação.
Não há comparação do problema fiscal brasileiro com o problema
enfrentado em alguns países europeus nos últimos anos. Mas quanto
mais a gente adia a hora de enfrentar esse problema, maior o custo
econômico e social.
Notas:
(1) Esses valores disponibilizados pelo Banco Central são correntes, ou
seja não são atualizados pela inflação. Isso vale tanto para o valor da
dívida quanto para o valor do PIB usado no cálculo.
(2) A dívida líquida é a diferença entre os débitos e os investimentos do
setor público, enquanto a dívida bruta (indicador mais usado para
comparações internacionais) é o valor total da dívida.
5
Download

Boletim Econômico do FST nº 69