O 1998 by Arquivo Nacional
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Fernando Henrique Cardoso
Ministro da J u s t i ç a
J o s é Renan Vasconcelos Calheiros
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Editora
Maria do Carmo T. Rainho
Conselho Editorial
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de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa, Sílvia Ninita de Moura E s t e v ã o , Verone G o n ç a l v e s Cauville
Conselho Consultivo
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H e l o í s a Liberalli Belotto, limar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Marcai Ferreira de
Andrade, J o s é Carlos Avelar, J o s é S e b a s t i ã o Witter, L é a de Aquino, Lena Vânia Pinheiro,
Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley,
Solange Z ú n i g a
Projeto G r á f i c o
A n d r é Villas Boas
E d i t o r a ç ã o E l e t r ô n i c a , Capa e I l u s t r a ç ã o
Qisele Teixeira de Souza
Revisão
Alba Gisele Qouget, J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar, J o s é Ivan Calou Filho e T â n i a Maria Cuba
Bittencourt
Resumos
Carlos Peixoto de Castro, Flávia Roncarati Gomes e J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar ( v e r s ã o em
i n g l ê s ) e Flávia Roncarati Gomes e Léa Porto de Abreu Novaes ( v e r s ã o em f r a n c ê s )
Reprodução Fotográfica
Agnaldo Neves Santos, C í c e r o Bispo, Flavio Ferreira Lopes e Marcello Lago
Secretaria
Jeane D'Arc Cordeiro
Acervo: revista do Arquivo nacional. —
v. 10, n. 2 (jul./dez. 1997). — Rio de Janeiro: Arquivo
nacional. 1998.
v.; 26 cm
Semestral
Cada número possui um tema distinto
ISSn 0102-700-X
1. Imigraçáo - Brasil - I. Arquivo nacional
CDD 323-1
Ministério da J u s t i ç a
Arquivo Nacional
ACERVO
R E V I S T A
D O A R Q U I V O
N A C I O N A L
RIO DE JANEIRO, V.10, NÚMERO 02, JULHO/DEZEMBRO 1997
S
U
M
Á
R
I
O
01
Apresentação
03
Bastidores
U m outro olhar sobre a i m i g r a ç ã o no R i o de Janeiro
Lená Medeiros de Menezes
17
Camisas-Verdes
O integralismo no S u l do Brasil •
Carla Brandalise
37
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do Imigrante em Itu - S P ( 1 8 7 6 - 1 9 3 0 )
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
53
"Proverbial H o s p i t a l i d a d e " ?
A Revista Jc Imigração
e Colonização
c o discurso oficial sobre o imigrante ( 1 9 4 5 -
1955)
Elena Pájaro Peres
71
"Inimigos M a s c a r a d o s com o T í t u l o de C i d a d ã o s "
A v i g i l â n c i a c o controle sobre os portugueses no R i o de Janeiro do Primeiro Reinado
Qladys Sabina Ribeiro
97
I m i g r a ç ã o Portuguesa e M o v i m e n t o O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes c arquivos de Lisboa
Fernando Teixeira da Silva
109
Portugueses no B r a s i l
I m a g i n á r i o social c t á t i c a s cotidianas ( 1 8 8 0 - 1 8 9 5 )
Maria Manuela R. de Sousa Silva
119
A ç o n a n o s e M a d eirenses no S u l do B r a s i l
Walter F. Piazza
129
A
C r i a ç ã o do E s t r a n h a m e n t o
e a C o n s t r u ç ã o do E s p a ç o
Público
Os japoneses no Estado Novo
Adriano Luiz Duarte
147
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M e m ó r i a s dc uma diáspora
Maria Luiza Tucci Carneiro
165
I m i g r a ç ã o A l e m ã e C o n s t r u ç ã o do E s t a d o N a c i o n a l
Brasileiro
R i o Grande do S u l , s é c u l o
Helga Iracema Landgraf Piccolo
179
Breves R e f l e x õ e s Sohre o P r o h l e m a da I m i g r a ç ã o U r b a n a
O caso dos e s p a n h ó i s no R i o dc Janeiro ( 1 8 8 0 - 1 9 1 4 )
Lúcia Maria Paschoal Q u i m a r ã e s
199
M u l t i p l i c i d a d e É t n i c a no l \ i o de J a n e i r o
U m estudo sobre o 'Saara'
Paula Ribeiro
213
Perfil Institucional
M e m o r i a l do Imigrante
Marco Antônio Xavier
219
Perfil Institucional
M u seu e A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l de C a x i a s do S u l
Juventino Dal Bó
223
Fontes para E s t u d o s da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l
229
Bibliografia
A
P
R
E
S
E
N
T
A
Ç
Ã
O
Como afirma Boris Fausto, a imigração
Tentando contribuir para divulgar o que
tardou a constituir um campo específico
vem sendo produzido nas universidades
da pesquisa a c a d ê m i c a . Durante muito
e centros de pesquisa sobre imigração,
tempo — podemos dizer, a t é meados da
esse n ú m e r o da Acervo traz 13 artigos,
d é c a d a de 1960 — era objeto apenas de
além de dedicar a seção Perfil Institucional
grandes i n t e r p r e t a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s ,
a entidades que se destacam pela riqueza
destacando-se as obras de Roger Bastide
de seus acervos como o Memorial do
e Florestan Fernandes.
Imigrante e o Museu e Arquivo Histórico
A partir dos trabalhos dos brazilianistas
que, ainda segundo Fausto, se relacionam
com o desenvolvimento de estudos sobre
etnias nos Estados Unidos, o tema da
Municipal de Caxias do Sul. Para finalizar,
a p r e s e n t a u m r o t e i r o dos
núcleos
documentais custodiados pelo Arquivo
nacional, de interesse para o tema.
imigração passa a constituir-se em objeto
Abre esse n ú m e r o , o texto da professora
de análise não subordinado.
Lená Medeiros de Menezes que utiliza os
Dentre os estudos desenvolvidos por
processos de expulsão de imigrantes para
pesquisadores
e s t u d a r as formas de i m p o s i ç ã o da
brasileiros, chama a
a t e n ç ã o o de J o s é de Souza Martins que,
disciplina no e s p a ç o urbano do Rio de
a partir da d é c a d a de 1970, toma a
Janeiro, durante a Primeira República.
imigração
central,
A seguir, C a r l a B r a n d a l i s e a n a l i s a a
analisando n ã o apenas as r e l a ç õ e s de
inserção do movimento integralista no Rio
p r o d u ç ã o pós-escravistas, como t a m b é m
Qrande do Sul na d é c a d a de 1930 e a sua
os o b s t á c u l o s e i m p o s s i b i l i d a d e s de
a t u a ç ã o nas á r e a s ocupadas por colonos
a s c e n s ã o social dos imigrantes pobres.
a l e m ã e s e italianos.
Atualmente,
como
a
objeto
imigração
é
tema
recorrente nos trabalhos de historiadores,
a n t r o p ó l o g o s e sociólogos, que ampliam
o e s p a ç o geográfico enfocado — o qual
centrou-se, por muito tempo, em S ã o
Paulo, Rio de Janeiro e Rio Qrande do Sul
—, e incorporam novas abordagens como
O artigo da geógrafa Maria Antonieta de
Toledo Ribeiro Bastos traça um perfil dos
trabalhadores imigrantes em Itu, entre
1876 e 1930, em particular os italianos
que dedicaram-se, em grande parte, ao
trabalho agrícola.
as n o ç õ e s de etnicidade e pluralismo
Elena
cultural.
regulamentação
Pájaro
Peres
do
analisa
a
movimento
imigratório no Brasil, a partir da Revista
eliminar
de Imigração
'derrotistas'.
e Colonização
que circulou
entre 1940 e 1955 e visava e s b o ç a r as
características do imigrante desejável.
y
f i s i c a m e n t e os
chamados
A literatura de imigração, especialmente
aquela produzida por imigrantes judeus
T r ê s a r t i g o s e n f o c a m os i m i g r a n t e s
que se refugiaram do nazismo no Brasil,
portugueses no Brasil: o de Qladys Sabina
nas d é c a d a s de 1930 e 1940, é o tema da
Ribeiro analisa a vigilância e o controle
professora Maria Luiza Tucci Carneiro que
que sofreram durante o Primeiro Reinado;
analisa o conteúdo dessas obras e o perfil
o texto de Fernando Teixeira da Silva
dos seus autores.
aponta as possibilidades de pesquisa
sobre a relação entre movimento operário
e
imigração
portuguesa,
nas
três
O processo de imigração alemã para o Rio
Qrande do Sul durante o século XIX é o
p r i m e i r a s d é c a d a s do s é c u l o XX, em
tema de tlelga Iracema Landgraf Piccolo,
Santos; e, finalmente, o artigo de Maria
onde se destaca o pequeno proprietário
Manuela R. de Sousa e Silva aborda as
imigrante como fiel da balança, na relação
t e n s õ e s existentes na r e l a ç ã o entre
entre o governo imperial e os grandes
brasileiros e portugueses a partir de
senhores de terra, muitos deles escravistas.
enfrentamentos cotidianos ocorridos no
Os e s p a n h ó i s n ã o foram esquecidos pela
Rio de Janeiro, no final do século XIX.
Acervo e e s t ã o presentes no artigo de
Walter Piazza trabalha a história da vinda
Lúcia Maria Paschoal G u i m a r ã e s que,
de imigrantes a ç o r i a n o s e madeirenses
tendo como e s p a ç o o Rio de Janeiro na
para o sul do Brasil no século XVIII, suas
virada do século XIX, pretende demonstrar
bases sociais e políticas, e os resultados
que a emigração urbana se constituiu num
desse movimento migratório.
fator
Os imigrantes japoneses durante o Estado
Movo s ã o o objeto do texto de Adriano Luiz
concorrente
da
mão-de-obra
nacional, especialmente aquela que fora
liberada pela abolição.
Duarte. Esses imigrantes, com o fim da
Fecha este n ú m e r o o texto de Paula
Segunda Guerra, dividiram-se em dois
Ribeiro
que parte
dos r e l a t o s
dos
grupos: aqueles que não acreditavam na
imigrantes sírios e libaneses c r i s t ã o s ,
derrota japonesa e os que, conformados
judeus sefaradim
com a situação, desejavam esquecê-la. É
para traçar um perfil desses homens que,
interessante destacar os dados que o
desde fins do século XIX, t ê m - s e dedicado
autor apresenta sobre a
ao comércio de armarinhos e de g ê n e r o s
Shindô-Remmei,
o r g a n i z a ç ã o que t i n h a por o b j e t i v o
e seus descendentes,
alimentícios.
Maria do Carmo T. Rainho
Editora
Lená Medeiros de Menezes
Professora Adjunta
do Departamento de História da UERJ. Doutora em História Social.
. . B a s t i d o r e s
U m
outro oUiar sotre a imigração no
R i o cie J a n e i r o
A
pós residir 38 anos na
bre a defesa da ordem e da segu-
cidade do Rio de Janeiro, Manuel Real, portu-
rança nacional, a prática da expulV
g u ê s , analfabeto, solteiro, padeiro
s ã o representou uma das faces da
excludência implantada pelo regi-
por profissão, mas sem residência fixa, foi
me republicano: aquela que atingia os es-
expulso do Brasil como mendigo incorri-
trangeiros pobres, transformados em al-
gível, regressando à terra natal, com 64
vos das políticas de higiene social e n t ã o
anos, apenas com a roupa do corpo. Mui-
desenvolvidas, numa cidade que conhe-
to mais brasileiro que português, foi obri-
cia um tempo de m u d a n ç a s visíveis no ser,
gado a voltar à Europa, de onde saíra com
no fazer, no sentir e no estar. Tempo mar-
a idade de 26 anos, para enterrar, em
cado por luzes e sombras, fugas e bus-
outro solo que n ã o o brasileiro, a falên-
cas, por distanciamentos profundos en-
cia de seus sonhos, expectativas e espe-
tre o discurso legal, que contemplava pos-
ranças.
1
tulados liberais, e as práticas políticas au-
História de vida como a de Manuel Real
não foi um caso isolado na capital brasileira, ao longo de seu t ã o aclamado processo civilizatório. Além do discurso so-
toritárias do cotidiano, enraizadas n u m a
mentalidade escravista e latifundiária.
lio processo de imigração em massa que
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997
- pág.3
marcou a virada do século, a proclama-
tado, em muito, da r e p r e s e n t a ç ã o ideali-
ção e a consolidação da república brasi-
zada de m ã o - d e - o b r a superior, promoto-
leira corresponderam à terceira^ onda dos
ra do progresso, que compunha os dis-
movimentos m i g r a t ó r i o s que do Velho
cursos imigrantistas na é p o c a imperial.
Mundo atingiram a América. Esta onda,
Com pouco conhecimento dos códigos ur-
diferente das anteriores, caracterizou-se
banos, precária qualificação profissional
pelo êxodo em massa das á r e a s agrícolas
e ausência de laços familiares na nova ter-
da Europa mediterrânea, que e n t ã o co-
ra, muitos desses estrangeiros compuse-
nhecia a acelerada d e s e s t r u t u r a ç ã o da
ram um proletariado miserável, fornecen-
comunidade camponesa tradicional, fia
do grandes contingentes ao lumpesinato
cidade do Rio de Janeiro, ela represen-
existente na cidade.
tou o afluxo predominante de indivíduos
pobres provenientes dos campos do norte e noroeste de Portugal, com destaque
para o Minho, Douro e Trás-os-Montes, seguindo-se as á r e a s rurais da Espanha,
principalmente da Qaliza, e as províncias
m e r i d i o n a i s de C o z e n z a , S a l e r n o e
Potenza, na Itália.
2
Sobras do arranjo social
nos países de
origem, grande parte deles permaneceu
à margem dos benefícios trazidos pelo
progresso, numa cidade que conhecia a
carestia, o déficit habitacional e um mercado de trabalho m a g m á t i c o , marcado
pela superexploração, baixos salários, longas jornadas e desemprego recorrente. Essa
De acordo com os registros existentes, o
conjugação perversa tornou-os objetos pri-
imigrante pobre que chegou ao Rio de Ja-
vilegiados da ação disciplinar conduzida
neiro, pobre tendeu a permanecer, afas-
pelas elites; alvos destacados da vigilância
Manuel Real em 1928.
p á g . A, j u l / d e z
1997
Fotografias Integrantes d o seu processo de expulsão. Arquivo Nacional.
o
V
Benaneti tinha 62 anos quando foi expul-
policial e das leis de expulsão.
Como em outras cidades do mundo influenciadas pela Europa, a história do Rio
de Janeiro, début de siècle,
foi marcada
pela importação de produtos e bens, homens e mulheres, usos e costumes, fazeres e lazeres, crimes e c o n t r a v e n ç õ e s ,
so em 1929 como vadio. Era solteiro,
analfabeto, carroceiro e havia entrado no
país em 1922, j á com idade a v a n ç a d a .
Segundo o depoimento por ele prestado,
chegara ao Rio de Janeiro vindo de Santos, onde um acidente, ocorrido em 1925,
o impossibilitara de continuar trabalhan-
valores e visões de mundo.
do, razão pela qual, sozinho e sem alterCivilizar a cidade, neste contexto de mudança, foi um processo que caminhou em
dois sentidos principais. Em primeiro lugar, no da criação de um e s p a ç o moderno, racional e funcional, em que os negócios encontraram um lugar especializado e privilegiado para florescer, distanciado dos becos e ruelas tradicionais. Em
segundo
lugar,
no
sentido
dó
desencadeamento de uma proposta de
a d a p t a ç ã o da p o p u l a ç ã o urbana aos
c â n o n e s de um novo viver, através de sua
s u b m i s s ã o a um código legal que, contraposto ao popular, criminalizou comportamentos tradicionais, atingindo fortemente os estrangeiros, num modelo- de
república
que
passou
a utilizar a
alteridade como instrumento de construção artificial da identidade nacional, principalmente nos anos que precederam e
se seguiram à Primeira Querra Mundial.
nativas de trabalho, lançou-se à mendicância.
3
natural de uma pequena freguesia do distrito de Braga, A. Cardoso tinha 25 anos
quando foi obrigado a voltar para Portugal, 12 anos depois de chegar ao Brasil,
aos 13 anos de idade, junto com os pais.
R e c é m - c h e g a d o , empregou-se em uma
fábrica de louças no bairro de São Cristóvão, onde trabalhou por algum tempo,
sendo colocado na rua logo depois da família ter retornado a Portugal. Só e desamparado, viu-se numa "situação financeira deplorável", segundo as declarações
que prestou, no ano de 1922, com 17
anos, preso e processado, acusado de ferir um companheiro em a r r u a ç a s de rua,
foi recolhido à Casa de Detenção. Influenciado pelos nouos amigos que lá conheceu, não mais procurou emprego ao
deixar a prisão, passando a viver exclusi-
Várias histórias de vida contadas nos pro-
vamente do produto dos furtos que prati-
cessos de expulsão exemplificam bem as
cava. Processado várias outras vezes, foi
dificuldades encontradas por centenas de
c o n d e n a d o a d o i s anos em c o l ô n i a
imigrantes pobres no Rio de Janeiro, ao
correcional situada no interior do estado.
tempo da Belle Époque,
como as que
Preso novamente, ao passar o conto-do-
c o m p õ e m os processos de H. Benanan,
uigário em um patrício, de quem furtou
A. Cardoso, A. Santos e J . M. Melo:
setecentos mil réis em moeda brasileira
F r a n c ê s de T ú n i s , H. Benanan ou A.
e oitocentos escudos portugueses, aca-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . j u l / d e z 1997
- pág.5
C
A
bou expulso como vadio incorrigível no
ano de 1930.
4
são. Foi expulso com a idade de 27 anos,
acusado de ser um dos responsáveis pela
onda de e x p l o s õ e s ocorrida no ano de
nascido na aldeia de Travanca, conselho
de Vinhães, na província de Trás-os-Montes, seu c o n t e r r â n e o A. Santos contava 26
anos quando vislumbrou, pela última vez,
os contornos majestosos dos morros que
a b r a ç a m a cidade do Rio de Janeiro. Era
solteiro, alfabetizado, e havia chegado ao
país com 12 anos. Segundo suas declaraç õ e s , t ã o logo desembarcou na capital
brasileira, foi residir com um tio, com
quem permaneceu por cerca de dois anos.
Em 1917, com 14 anos, s ó na vida, "deuse à vadiagem". Preso por ter furtado vinte
mil réis de um alfaiate estabelecido no
centro da cidade e recolhido, pela polícia, a um patronato, ali ficou a t é princípi-
1920. Segundo o depoimento por ele
prestado, tão logo chegou ao Brasil empregou-se numa fábrica de tecidos, e,
depois, em padarias, tendo-se filiado à
Sociedade dos Padeiros. Acusado de ter
colocado uma bomba numa padaria situada na rua V o l u n t á r i o s da Pátria, em
Botafogo, foi preso em maio de 1920,
passando a integrar a lista negra dos agitadores que circulava entre os empregadores, n ã o conseguindo mais nenhum
tipo de emprego. Desesperado com a s i tuação, "pois não ganhava para comer",
«1 não querendo mais "ter fama sem proveito", resolveu vingar-se dos p a t r õ e s ,
os de 1920, sendo desligado a p ó s ter con-
passando a fabricar bombas e a colocá-
cluído o curso de arado e de agricultura
las em lugares considerados estratégicos.
o f e r e c i d o pela i n s t i t u i ç ã o .
Fora do
A primeira bomba, fabricada com massa
patronato, empregou-se por cerca de qua-
de vidro, dinamite e pregos, n ã o explo-
tro meses. Posto em liberdade, mergulhou
diu por defeito de fabricação. Com a se-
no jogo por "considerar-se fraco para o
gunda, conseguiu seu intento, causando
trabalho braçal" e ter verdadeira fascina-
vários prejuízos numa padaria do bairro
ção pelo jogo, "pelos lucros fáceis que
de Vila Isabel. A terceira, finalmente, de-
este proporcionava, lucros que lhe per-
positada na residência do gerente da fá-
mitiam luxos e prazeres" interditados à s
brica de tecidos Minerva, na Tijuca, va-
classes trabalhadoras, iniciando-se outra
leu-lhe a expulsão, efetuada no ano de
série de d e t e n ç õ e s e uma nova estada na
1920. Megando ser anarquista, J . M. Melo
colônia Dois Rios Em 1926, foi remetido
definiu-se como um sindicalista revolta-
para Clevelândia, situada em zona de
do com as condições de vida dos traba-
fronteira. Voltando à cidade, e preso no-
lhadores.
vamente, foi Finalmente expulso. Corria o
Parte significativa das sobras de um ar-
ano de 1929.
5
6
ranjo social tecido por pactos de elites,
homens como Benanan, Cardoso, Santos
Português de Figueira, J . M. Melo era sol-
e Melo compunham o grupo dos indese-
teiro, alfabetizado e padeiro por profis-
jáveis, ou seja, dos estrangeiros que, de
p á g . e . Jul/dez
1997
O
V
R
alguma forma, contestavam a ordem
onde outros estrangeiros, com destaque
estabelecida. Muma vertente deste pro-
para os italianos e e s p a n h ó i s , colocaram-
cesso, a da contestação política, alinha-
se à frente do processo de organização
vam-se trabalhadores envolvidos com a
operária.
constituição do operariado enquanto clas-
Comparadas várias histórias de vida nar-
se, com destaque aos anarquistas que, de
radas nos processos de expulsão, algu-
posse de um discurso e uma prática re-
mas recorrências sobressaem significati-
volucionárias, constituíram-se em perigo
vamente no conjunto, proporcionando um
permanente para o regime.
exercício prosopográfico que, através de
Ma outra dimensão, a do crime e da con-
casos exemplares, mergulhados em som-
travenção, somavam-se vadios, mendigos,
bras e trevas, permite a reconstrução dos
ladrões, gatunos, vigaristas, b ê b a d o s , j o -
bastidores da imigração.
gadores e cáftens. Com exceção dos últi-
Em primeiro lugar, a pobreza mostrava-
mos, agentes do crime internacional or-
se companheira inseparável em suas v i -
ganizado, os indesejáveis, regra geral,
das. Os processados, geralmente, nada
eram indivíduos pobres que, perdidos
mais eram que homens pobres que che-
seus sonhos de uma vida melhor ou de
gados ao país
retorno vitorioso à terra natal, voltavam-
se ao longo da vida, posicionados como
se, de várias formas, contra as condições
m ã o - d e - o b r a barata em serviços antes
de vida que lhes eram oferecidas, afas-
realizados por escravos. Todos haviam
tando-se, com sua atitude de desafio à or-
emigrado buscando o paraíso do outro
dem, do protótipo de imigrante deseja-
lado do Atlântico. Muito raramente eram
do: paciente, obediente, ordeiro e resignado.
criminosos ou anarquistas radicais. Casos
lios delitos que guardavam vínculos mais
como o de J . Monteiro, que entrou no Bra-
estreitos com a pobreza vivida na cidade,
sil em 1911, fugido de Portugal por seu
os portugueses destacaram-se do conjun-
ativismo político, ou de L. Arena, que no
to dos indesejáveis, reproduzindo as ten-
ato da expulsão j á registrava prisões por
dências gerais da imigração para a cidade.
7
na pobreza mantiveram-
furto em Buenos Aires, s ã o absoluta exceção no conjunto dos indesejáveis que
Os anarquistas constituíram-se a principal base da militância de origem estran-
deixaram o registro de sua passagem pela
capital federal."
geira, principalmente no ramo das padarias e da construção civil, em que mais
Quanto à procedência, a maior parte dos
fortemente enraizou-se o sindicalismo re-
processados havia nascido nos campos
volucionário. A p r e s e n ç a marcante dos
europeus. Mesta perspectiva, os proces-
portugueses nos sindicatos, que encami-
sos de expulsão refletem, com exatidão,
nhavam o discurso revolucionário, distan-
as t e n d ê n c i a s globais da imigração para
ciou a capital de outras cidades do país.
a cidade, no final do século XIX e nas pri-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . J u l / d e i
1997
- pág.7
meiras d é c a d a s do século XX, onde os
num espírito de total aventura. Sem as
portugueses, seguidos por italianos e es-
s a n ç õ e s familiares ou qualquer p a d r ã o
p a n h ó i s provenientes das á r e a s rurais,
referencial da vida urbana, eles tornaram-
constituíam a maioria dos que se desti-
se uma importante d i m e n s ã o da imigra-
navam ao Rio de Janeiro. A conjugação
ção urbana. Verdadeiros agregados urba-
de condicionantes estruturais relativas à
nos, dormiam e faziam suas refeições nos
posse e d i v i s ã o da terra com fatores
locais de trabalho, cumprindo longas e
conjunturais e com o exemplo dado pe-
duras jornadas, que chegavam a se es-
los 'brasileiros' de torna-viagem, envol-
tender por 16 horas no comércio a vare-
vidos no manto dos sucessos obtidos no
jo. Mão raras vezes, optavam por fugir
a l é m - m a r , principalmente em Portugal,
devido à s duras condições de vida, ou en-
pressionaram ou incentivaram a popula-
tão eram despedidos e, privados de teto
ção rural a emigrar.
e comida, passavam a vagar pelas ruas,
alternando períodos de reclusão em estabelecimentos penais com intervalos de
liberdade, num circuito contínuo de reincidência.
Distribuição dos Estrangeiros por
Nacionalidade
A grande presença de jovens desocupados nas ruas, a maioria constituída por
estrangeiros, marcou a história da Belle
Époque
carioca. Personagens constantes
nas crônicas sobre a capital, os jovens
Fonte Brasil Ministério da Agricultura. Indústria e Comerão Diretoria
Geral de Estatística Recenseamento de 1920
abandonados à própria sorte tornaram-se
alvo das p r e o c u p a ç õ e s policiais, devido à
facilidade com que tendiam a ingressar
Com relação à idade dos imigrantes, grande parte dos processados havia entrado
no mundo do crime ou a aquecer os motins e os quebra-quebras recorrentes.
9
no país durante a adolescência ou a infância. Este dado significativo, registrado
Tomado o universo profissional como ob-
no conjunto da d o c u m e n t a ç ã o , é encon-
jeto central de análise, finalmente, mere-
trado, t a m b é m , nos recenseamentos rea-
ce destaque a pequena qualificação para
lizados entre 1872 e 1920, que registram
o trabalho registrada nas fontes, ao que
um enorme contingente de jovens na fai-
se acrescenta a alta incidência de analfa-
xa dos 12 aos 18 anos no grupo dos es-
betos, m a i s de 2 0 % d o t o t a l . Este
trangeiros. Eram os caixeirinhos portu-
despreparo para o mercado de trabalho
gueses ou galegos desta faixa etária que
tinha como conseqüência imediata a ab-
chegavam ao Brasil, ao chamado de al-
sorção dos estrangeiros pobres nas ativi-
gum parente ou conhecido, ou mesmo
dades desvalorizadas, com t e n d ê n c i a à
p á g . 8 . Jul/dez
1 997
O
V
R
superexploração e à pouca fixação no em-
ços os salários eram baixos, os aciden-
prego, em atendimento a demandas cir-
tes de trabalho muito comuns e o de-
cunstanciais do mercado de trabalho. É
semprego uma possibilidade sempre
bastante f r e q ü e n t e na d o c u m e n t a ç ã o
presente, tornando enormes as possi-
pesquisada, por exemplo, o registro de pro-
bilidades do ingresso do imigrante no
fissões sem quaisquer relações intrínsecas,
mundo marginal do não-trabalho, como
desenvolvidas por um mesmo indivíduo ao
registra A noite no ano de 1914:
longo da vida. J . S. Querra foi jardineiro e
gerente de hotel;
10
outros foram sapatei-
ros e pintores, ou condutores de bondes e
trabalhadores em pedreiras, alternando,
freqüentemente, empregos ocasionais com
períodos de desemprego.
Trata-se de um dos mais s é r i o s problemas do nosso proletariado. V ã o de
m a n h ã cedo aos logradouros p ú b l i cos, correm o Passeio, a p r a ç a XV de
liovembro, os diversos cais, o mercado velho e novo, a praia de Santa Lu-
A pouca ou nenhuma qualificação profissio-
zia, e depois dizem que dolorosa im-
nal de grande parte dos imigrantes encon-
p r e s s ã o trouxeram de lá. Mós vimos e
tra-se apontada, t a m b é m , nos recensea-
contamos cem o p e r á r i o s que dormi-
mentos realizados no período. O de 1906
am ao relento. C o n v e r s a m o s
totaliza 39.707 indivíduos sem qualificação,
muitos deles. Todos contam a mesma
e o de 1920 aponta a cifra de 13.619 com
h i s t ó r i a : a fábrica, o trabalho, espe-
profissão mal definida, 10.951 sem profis-
r a n ç a de arranjar s e r v i ç o para o futu-
s ã o declarada e 57.030 sem profissão,
ro [...] Mão se trata, [sic] absolutamen-
totalizando
te, de vagabundos, trata-se [sic]
81.600
estrangeiros
desqualificados para as ocupações urbanas,
o que representa cerca de 35% do universo dos imigrantes residentes na cidade.
com
de
operários."
A descrição da lamentável situação feita pelo periódico encontra correspon-
O desemprego recorrente e as p é s s i m a s
dência direta em várias histórias de vida
c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o n u m m e r c a d o
narradas nos processos analisados,
magmático, no qual a oferta suplantava a
como no de A. Sarmento, espanhol de
demanda, tenderam a aquecer os movi-
40 anos, residente há 13 anos no país
mentos contestatórios na cidade e a em-
no momento de sua expulsão, que de-
purrar muitos indivíduos para as atividades
clarou, em seu depoimento, que fora
ilícitas e a mendicância.
sempre um trabalhador, n ã o lhe caben-
O comércio, a construção civil, as docas,
as pedreiras e os transportes foram os se-
do culpa por estar desempregado no
momento de sua p r i s ã o .
12
tores formais do mercado de trabalho que
Consideradas as q u e s t õ e s destacadas,
registraram a maior a b s o r ç ã o da m ã o - d e -
impõe-se como conclusão que qualquer
obra estrangeira. Justamente nestes espa-
estudo sobre a imigração estará incom-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez
1997 - pag.9
pleto se contemplar apenas a história vis-
arcar com os custos dos aluguéis, como
ta de cima, ou seja, a história dos suces-
narra com grande sensibilidade o Correio
sos escritos sob as luzes da modernidade.
da Manhã:
Além das vitórias cantadas em prosa e
verso pelos que voltaram ricos à terra
natal, ou pelos que fixaram-se na nova
terra como p r o p r i e t á r i o s , é n e c e s s á r i o
que, virado o processo pelo avesso, seja
contemplada uma história vista de baixo,
capaz de dar visibilidade à pobreza dos
bastidores, mergulhados nas sombras do
silêncio e do esquecimento.
Grande parte dessa gente, trabalhadores e o p e r á r i o s , sem casa, sem nenhum
abrigo, sem p ã o e sem e s p e r a n ç a s , dorme ao relento sob a relva da avenida
do Mangue ou fazendo cama com as ervas que crescem livremente nos terrenos devolutos, ou pernoita nos portais
das casas desabitadas, se n ã o se lhes
depara mais c o n f o r t á v e l retiro nas ruí-
Muitos foram os condutores de bondes,
nas de qualquer casa que o fogo ou o
padeiros, calceteiros, pedreiros, caixeiros
tempo d e s t r u í r a m .
1 3
e trabalhadores afeitos ao trabalho bra-
Porém, muitos imigrantes, apesar das
çal que amargaram difíceis condições de
condições adversas, continuaram traba-
existência, em sua luta permanente con-
lhando duro, tecendo c o n d i ç õ e s de vida
tra a carestia, trágica em algumas con-
mais amenas para seus descendentes.
junturas, morando na periferia pobre ou
Outros buscaram, pela via revolucionária,
dormindo ao relento, quando, desempre-
alterar de imediato as condições adver-
gados ou sub-empregados, não podiam
sas, influenciados pelo ideário anarquis-
\
S.
0
i
'
•
Embarque de emigrantes italianos para o Brasil. Reprodução de A Ilustração brasileira, 15 de fevereiro d e 1910.
p á g . 10. J u l / d e z
1997
R
O
V
ta que apontava a revolução como única
marginalidade por motivos alheios a sua
possibilidade de r e d e n ç ã o . A violência
vontade, como R. V. Castro: casado, alfa-
adotada por muitos expressava, de algu-
betizado e sem residência, o p o r t u g u ê s
ma forma, as frustrações acumuladas ao
R. V. Castro tinha 26 anos quando foi pre-
longo da vida, e o desejo de alcançar o
so e expulso. Segundo suas declarações,
paraíso na terra, ainda que fosse pela di-
chegara ao Brasil com um tio, aos oito
namite.
anos de idade, tendo trabalhado no comércio a t é a idade adulta, quando, e n t ã o ,
Os vínculos existentes entre condições de
vida e radicalização ideológica encontram-se presentes em alguns processos
desempregado, caiu na marginalidade,
terminando por ser expulso por vadiagem
e furto.
15
de expulsão, principalmente naqueles movidos contra os padeiros, sujeitos a lon-
Se em alguns casos a expulsão tinha jus-
gas jornadas noturnas e a duras condi-
tificativas, em outros ela definia-se como
ç õ e s de trabalho, seguindo-se operários
um ato e x t r e m a m e n t e
não qualificados da construção civil. En-
inconstitucional.
tre os padeiros, é significativa a m e n ç ã o
trangeiros que acabaram sendo expulsos,
a u m a s o c i e d a d e s e c r e t a de nome
muitos sofreram perseguição sem tréguas
Carbonária Padeiral, que aparece no pro-
por sua miséria ou luta contra as injustas
cesso contra A. R. Santos, acusado de ser
condições de trabalho e de vida, ou, ain-
um dos dinamitadores por o c a s i ã o da
da, por enganos ou perseguições circuns-
onda de e x p l o s õ e s em padarias, cujos
tanciais, embora estas últimas represen-
panfletos
s ã o de extrema r e v o l t a ,
tassem uma afronta violenta aos postula-
explicitando muito do vale-tudo desespe-
dos do direito internacional. Veja-se o
rado assumido por imigrantes no jogo da
relato de J . Madeira, encaminhado ao
1
m u d a n ç a revolucionária. *
16
arbitrário e
Mo conjunto dos es-
deputado Maurício de Lacerda que depois
o enviou à Mesa da Câmara de Deputados:
Considerada a outra vertente da desordem urbana, a das atividades, ilícitas, do
Envolvido na onda m i g r a t ó r i a que em
crime e da vadiagem, o comportamento
1912
desviante podia apresentar-se como de-
Brasil, embarquei a 17 de fevereiro des-
c o r r ê n c i a de uma primeira prisão, por
se mesmo ano no porto de Lisboa e de-
a r r u a ç a s de rua, com a c o n s e q ü e n t e pas-
sembarquei no Rio a 2 de m a r ç o , inici-
sagem pela verdadeira 'escola' que se
ando uma vida de trabalho e economia
constituía a Casa de Detenção, quanto por
(...). Depois de pouco mais de dois
motivos involuntários ou circunstanciais
anos, a crise de trabalho que se deu
como desemprego, acidentes de trabalho,
nessa cidade e em toda a parte veio
d o e n ç a s , velhice e embriaguez. Muitos fo-
roubar-me as i l u s õ e s antes sonhadas
ram os que romperam a fronteira da
(...). Compareci a alguns c o m í c i o s p ú -
se efetuava de Portugal para o
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. p p . 0 3 - 1 6 , Jul/dez
1997 - p á g . 1 1
C
A
blicos e, no dia 11 de maio, estando
ros em território nacional. Estas traziam
para assistir a um comício em Vila Isa-
enumeradas como motivos explícitos para
bel, vi prender três operários que sou-
a expulsão, além daqueles concernentes
be serem os oradores que iam falar
ao que se pudesse constituir em a m e a ç a
nesse comício: chegada a hora do iní-
para o regime, a c o n d e n a ç ã o por tribu-
cio do mesmo, dispus-me a explicar aos
nais brasileiros de crimes ou delitos de
operários o motivo por que não se rea-
natureza comum, como a vagabundagem,
lizava o comício (...)•
a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados, sendo relevante res-
Desta data em diante passei a ser um
saltar o fato do homicídio n ã o se consti-
dos chamados 'oradores operários' (...)"
tuir em motivo de expulsão, por ser um
Transformado em "orador improvisado', J .
crime de alcance individual que n ã o ame-
Madeira tornou-se alvo da vigilância per-
açava a ordem urbana.
18
manente das autoridades policiais, terminando por ser expulso no ano de 1920.
Anarquistas, militantes operários, vadios,
Anarquista "por força das circunstâncias",
ladrões, gatunos, vigaristas, jogadores,
se considerarmos verdadeiro o teor de sua
ébrios, mendigos e cáftens eram vistos
carta, ou anarquista por convicção, J .
pelo discurso oficial, com o respaldo do
Madeira, independente de sua opção ideo-
discurso científico da época, como hós-
lógica, era um trabalhador humilde dis-
pedes perigosos,
posto a lutar por um lugar ao sol. Muitos
tecido social, principais responsáveis pela
como ele, a partir da s u s p e i ç ã o e de uma
desordem urbana. Dentre todos, os anar-
primeira prisão, não raras vezes aciden-
quistas mereceram uma a t e n ç ã o especial
tal, tornaram-se personagens cativos das
por parte das autoridades constituídas de-
diligências policiais, transformados em
vido à sua e x t r e m a
anarquistas profissionais por força do dis-
advinda do fato de serem definidos como
curso repressivo.
corruptores de n a ç õ e s inteiras, reprodu-
vírus contaminados
do
perlculosidade,
zindo, no cotidiano da prática política, as
A c o m p r e e n s ã o ampla do que se configurava como (des)ordem permitiu que, no
teorizações feitas por Lombroso acerca do
crime político.
19
mesmo grupo dos indesejáveis, ao lado
dos militantes operários, fossem englo-
Considerado o conjunto dos imigrantes
bados
e
que foram alvo das leis de expulsão, al-
contraventores variados. Todos eles so-
guns podiam ser de fato nocivos e peri-
freram uma repressão ininterrupta no pro-
gosos, tomados os valores em processo
cesso de estabelecimento de disciplina
de s e d i m e n t a ç ã o como referenciais. Ou-
sobre o mundo do trabalho e as ruas, con-
tros foram objeto dos desmandos produ-
templados nas leis que regulamentavam
zidos por um regime que priorizava a or-
a entrada e a permanência dos estrangei-
dem em vez da lei. A maior parte, p o r é m .
criminosos
p i g . 12. J u l / d e z
1997
comuns
O
V
K
era fruto direto das condições adversas
cipalmente em relação ao caftismo, que
no Rio de Janeiro.
transformara a cidade em um dos pontos
Messe contexto, a expulsão definiu-se,
a l é m de um p r o c e s s o de s e l e ç ã o
posteriori,
a
como uma estratégia privile-
giada de limpeza urbana'. Conjugada à
deportação,
20
ela possibilitou um melhor
controle social, através do processo de
eliminação de todo aquele que, conside-
de chegada das rotas internacionais do
tráfico de brancas.
22
Também era verda-
deira a versão de que as idéias revolucionárias que seduziam a classe operária em
formação eram importadas, com destaque
para
o
comunismo-anárquico
de
Kropotkin.
rado sobra do arranjo social, pudesse ser
Mão correspondia à realidade, entretan-
definido como elemento perigoso à or-
to, a explicação oficial de que a desordem
dem política, social ou moral. O ideal de
reinante no Rio de Janeiro devia-se à sim-
c o n s t r u ç ã o de uma cidade disciplinar
ples importação de indivíduos viciosos e
norteou práticas autoritárias, destinadas
anarquistas profissionais; aues de arriba-
ao esvaziamento político da capital, que
ção chegadas na vasa da i m i g r a ç ã o , ver-
atingiram tanto o mundo do trabalho
s ã o que mascarava as contradições inter-
quanto o do não-trabalho, separados por
nas existentes que apanhavam os estran-
fronteiras fluidas e móveis que tendiam a
geiros pobres em suas malhas.
desaparecer nos momentos de contestação ampla, marcados por quebra-quebras
generalizados, nos quais os excluídos
demonstravam toda a sua revolta e descontentamento.
A a n á l i s e dos processos de e x p u l s ã o ,
excetuados aqueles movidos aos cáftens,
não corrobora a consagrada tese da contaminação por agentes exógenos.
A mai-
oria dos cidadãos processados, principal-
O medo de um levante global dos excluí-
mente os portugueses, tinha uma longa
e alimentado
residência no país. Sua opção ideológica
pelo i d e á r i o a n a r q u i s t a , que via no
ou ingresso na marginalidade eram, em
lumpesinato uma força revolucionária,
última instância, uma decorrência das d i -
tornou-se um fantasma permanente a
ficuldades e embates travados na própria
povoar a mente das elites. Esvaziar a ca-
cidade; a expulsão, uma intervenção
pital, portanto, livrando-a dos 'elementos'
rúrgica capaz de eliminar parasitas e er-
desordeiros, dentre os quais sobressaí-
vas daninhas.
dos, ensaiado em 1904
21
ram-se os estrangeiros, era uma necessidade a um s ó tempo r e p r e s s i v a e
profilática, que visava transformar o Rio
de Janeiro no cartão de visitas do Brasil.
ci-
Messe contexto de excludência, o período
que vai de 1907 a 1930 marca, no plano
das relações intersocietais, um capítulo
de violência da nossa história. Aos ho-
É certo que o Rio de Janeiro sofria a atu-
mens que, expulsos, voltavam à Europa,
a ç ã o de criminosos internacionais, prin-
depois de anos vividos no Brasil, restava
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , j u l / d e z 1997
- p á g . 13
C
A
a pobreza, a fadiga e o desalento. Pobre-
rios matizes permitiram sua r o t u l a ç ã o
za que com eles cruzava, mais uma vez,
como nocivos e/ou perigosos, colocados
o oceano. Fadiga e desalento por muitos
barra a fora como indesejáveis, mesmo
anos de frustrações e derrotas, j á que, em
que a maior parte de suas vidas tivesse
sua grande maioria, os estrangeiros que
sido passada no Brasil, na maioria dos
retornavam como indesejáveis não havi-
casos, haviam cruzado os mares embala-
am cruzado a estreita entrada da baía da
dos pelo sonho de uma vida melhor, su-
Guanabara como desordeiros ou crimino-
portando, com resignação, as dificulda-
sos. Mo momento de sua chegada, eram
des da travessia oceânica. Muito diferen-
tão somente camponeses pobres que, na
te era a viagem de volta, sem utopias ou
conjuntura de encurtamento das distân-
sonhos para o futuro, embarcados para
cias possibilitada pelo avanço técnico,
p a í s e s que j á n ã o podiam considerar
transformaram os portos num ponto de
como pátrias, sem a certeza sequer de
passagem no processo de busca de suas
que poderiam desembarcar do outro lado
utopias no além-mar. Dificuldades de vá-
do Atlântico."
N
O
T
A
s
7
1. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 169.
2.
Este conceito era utilizado pelos chefes de polícia, na época estudada, para caracterizar os
que se posicionavam à margem da sociedade organizada, cujos limites colocavam-se na fron-
p á g . 14, J u l / d e z
1997
O
V
R
teira entre o trabalho e o n ã o - t r a b a l h o . Meste mesmo aspecto, é c a r a c t e r í s t i c a a p r e o c u p a ç ã o
constante das elites p o l í t i c a s e de parte significativa da elite intelectual em apartar os anarquistas, qualificados como agitadores profissionais infiltrados no conjunto da classe trabalhadora.
3.
Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ
7
156.
Idem. Pacotilha IJJ
7
132.
Idem. Pacotilha IJJ
7
136.
6.
Idem. Pacotilha IJJ
7
163.
7.
Esta q u a n t i f i c a ç ã o e s t á baseada em s e l e ç ã o feita na d o c u m e n t a ç ã o que c o m p õ e o m ó d u l o 101
do Arquivo nacional relativa a estrangeiros processados e residentes na capital, que totaliza
531 i n d i v í d u o s . Esta amostra foi a base principal de tese de doutoramento defendida na USP
acerca dos i n d e s e j á v e i s , d i s t r i b u í d o s em vadios, mendigos, vigaristas, l a d r õ e s e gatunos, por
n ó s englobados na categoria freqüentadores
assíduos
dos cárceres
(248), c á f t e n s (194) e anarquistas e/ou comunistas (79), demonstrando que a e x p u l s ã o na capital brasileira posicionouse como instrumento global de limpeza social e n ã o simplesmente como p o l í t i c a direcionada
para a p e r s e g u i ç ã o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c a como tradicionalmente se supunha, neste conjunto, os
portugueses representam 45,9% do primeiro grupo; 11,3% do segundo e 59% do terceiro. Ver
L e n á Medeiros de Menezes, Indesejáveis
desclassificados da modernidade: protesto, crime e
e x p u l s ã o na capital federal (1890-1930), Rio de Janeiro, ESDUERJ, 1997.
8.
Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ
9.
Lima Barreto, Recordações
4.
5.
do escrivão
7
163.
/saias Caminha. S á o Paulo, Brasiliense, 1976, p. 166.
7
10. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 163.
11. A noite, 2 de maio de 1914.
12. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ
13. Correio da Manhã.
7
129.
18 de fevereiro de 1917.
14. Cf. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ
15. Idem. Pacotilha IJJ
7
7
168.
151.
16. A C o n s t i t u i ç ã o Federal, em seu artigo 72, garantia igualdade de direitos a nacionais e estrangeiros residentes.
17. Brasil, Anais da C â m a r a dos Deputados de 1920, s e s s ã o de 12 de agosto. Rio de Janeiro,
Imprensa nacional, 1921, p. 504.
18. Decreto n ° 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Brasil. C o l e ç ã o das Leis da R e p ú b l i c a , Rio de Janeiro, Imprensa nacional, 1908.
19. Sobre o tema, ver Cesare Lombroso e R. Laschi. Crime politique
Librairie Félix Alcan, 1892.
et les revoluttons.
Paris,
20. Havia uma d i f e r e n c i a ç ã o entre e x p u l s ã o e d e p o r t a ç ã o . A primeira atingia os estrangeiros; a
segunda, os nacionais enviados para c o l ô n i a s penais situadas em zonas de fronteira. Ambas
conjugaram-se, p o r é m , como e s t r a t é g i a s c i r ú r g i c a s complementares no processo de limpeza
urbana que acompanhou as reformas urbanas a partir da virada republicana e, mais especificamente, depois da a d m i n i s t r a ç ã o de Pereira Passos (1902-1906).
21. A r e f e r ê n c i a é a revolta popular contra o decreto de v a c i n a ç ã o o b r i g a t ó r i a ocorrida naquele
ano. Sobre o tema, ver, entre outras obras, nicolau Sevcenko, A revolta da vacina: mentes
insanas em corpos rebeldes, S á o Paulo, Brasiliense, 1984. [Tudo é História, 89].
22. Sobre o tráfico de brancas no Rio de Janeiro, ver Lená M. de Menezes, Os estrangeiros e o
comércio
do prazer nas ruas do Rio. Rio de Janeiro, Arquivo nacional, 1992, P r ê m i o Arquivo
nacional de Pesquisa, 2.
23. C o m r e l a ç ã o aos relatos acerca de todo o processual da e x p u l s ã o , ver Everardo Dias, " M e m ó rias de um exilado". E p i s ó d i o s da d e p o r t a ç ã o de Everardo Dias contados por ele mesmo à Voz
do Povo, 20-24 de fevereiro de 1920.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 5
Carla Brandalise
Professora do Departamento de História
da Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
Camisas~\er<cles
O iníegralisnio no S u l cio B r a s i l
""^ idéia corrente ter sido o Ri
constante ação repressiva desencadeada
J"^
Qrande do Sul uma região
pelo poder público estadual. Vamos,
1 Si
t\p desenvolvimento, por
assim, analisar os fatores que propi-
-
excelência, da Ação Integralista Brasilei-
ciaram este quadro peculiar.
ra (AIB) — uma organização política de
A organização oficial da AIB no Rio Qran-
âmbito nacional da década de 1930, que
de do Sul ocorreu de modo relativamen-
Esta
te tardio em relação a outras regiões do
idéia enfrentou, antes, a forte competi-
país. Somente em meados de 1934- é
ção de um sistema partidário consolida-
constituído
do. A h i s t ó r i c a p r e s e n ç a de partidos
"Triunvirato Provincial', base da adminis-
oligárquicos baseados na lealdade e na
tração integralista nos diversos estados.
fidelidade à s lideranças autocráticas do
Em sua reduzida composição urbana ini-
estado limitou, consideravelmente, a di-
cial j á se definia o público que preferen-
fusão do integralismo. lio entanto, é in-
cialmente optaria pelo integralismo. De
discutível que naquelas á r e a s ocupadas
modo geral, predominavam profissionais
pelo processo ulterior de colonização ale-
liberais, estudantes, bancários, emprega-
mã e italiana, o apelo doutrinário da AIB
dos do c o m é r c i o e alguns o p e r á r i o s .
obteve ampla receptividade, apesar da
Como ponto comum, estes segmentos
apresentava um c a r á t e r fascista.
1
em
Porto
Alegre
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997
um
- pág.17
A
C
E
sociais médios partilhavam um sentimen-
primórdios pelos litígios fronteiriços en-
to de frustração política ensejada ora pela
tre Espanha e Portugal. Tais lutas cons-
percepção da marginalização político-par-
tantes
tidária, ora pela visão do fracasso e de-
militarizada e autocrática, medida pela
cadência dos partidos oligárquicos. Em
hierarquia da força. Ao mesmo tempo, foi
termos discursivos, a AIB pretendia orga-
possível a esta p o p u l a ç ã o aproveitar eco-
nizar-se no estado como uma alternativa
n o m i c a m e n t e o gado s e l v a g e m
político-ideológica ao tentar objetar as
disseminara-se em larga escala na á r e a .
formas partidárias vigentes em favor de
Desta c o m b i n a ç ã o caracterizou-se
um modo de participação radicalmente
Campanha a figura do 'militar-estanciei-
novo. A a t u a ç ã o dos indivíduos n ã o seria
ro', que d o m i n a v a as a t i v i d a d e s e c o -
mais mediada por políticos profissionais
n ô m i c a s g a ú c h a s sob o regime
e influências oligárquicas. Pelo contrário,
grande p r o p r i e d a d e .
geraram
uma
sociedade
que
na
da
iria constituir-se através do compromis-
interesse do povo, e o voto ocasional e
A
secreto
centro do país. A partir do início do s é c u -
so e dedicação total ao movimento, porque
a
prática
política
tradicional
obstaculizava a e x p r e s s ã o do verdadeiro
implicava
no
reduzido
envolvimento com o destino da nação.
segunda formação social, de
origem mais tardia, estabe-
.leceu-se sem a aprovação dos
estancieiros locais e por deliberação do
lo XIX, foram introduzidos no estado os
imigrantes a l e m ã e s e italianos. Eles cons-
A partir de Porto Alegre, a AIB expandese pelo interior do estado. Porém, o movimento assume um caráter estacionário,
salvo nas zonas de imigração italiana e
alemã.
A inserção
do
movimento
integralista no Rio Qrande do Sul, com
grande a c e i t a ç ã o em algumas á r e a s e
quase nenhuma em outras, encontra suas
origens no processo interno de formação
sociopolítico. A o c u p a ç ã o territorial do
estado fez surgir dois tipos básicos de
sociedade, os quais, por muito tempo,
conviveram lado a lado sem
maiores
interações e c o n ô m i c a s e culturais.
2
tituíram uma sociedade baseada nas pequenas e médias propriedades, na produção agropastoril diversificada e no trabalho familiar. A c o l o n i z a ç ã o
ítalo-
germânica expandiu-se nas serras do Sudeste e na Depressão Central. Entre as
duas formações sociais houve, desde o
início, um certo antagonismo. Os estancieiros n ã o apenas constrangiam a fixação dos colonos europeus em terras impróprias à prática da pecuária extensiva,
como também procuravam desacelerar ou
mesmo impedir o movimento migratório.
Os imigrantes, por sua vez, manifestavam
A primeira formação social desenvolveu-
uma tendência ao isolamento, à circuns-
se na região Sul, na denominada 'zona da
crição a sua própria cultura, preservando
Campanha', sendo condicionada em seus
os valores da pátria de origem.
p á g . 1 8. J u l / d e z 1 997
A
C
E
mobilização constante, sua retórica anti-
pios europeus ou por meio do domínio
oligárquica e c o n d e n a t ó r i a do sistema
direto da Alemanha ou Itália sobre o Bra-
partidário republicano, encontra nesses
sil, mas pela valorização a u t ô n o m a das
indivíduos campo fértil a sua expansão.
potencialidades e características nacio-
Apesar das c o n d i ç õ e s s o c i o e c o n ô m i c a s
favoráveis, o interesse pela AIB nas zonas coloniais n ã o pode ser explicado sem
a variável étnico-cultural, sob o risco de
descaracterizar a complexidade do problema. Se o contexto conjuntural da região propiciou certos requisitos básicos
ao fomento do integralismo, a q u e s t ã o
étnica sobredeterminou a sua aceitação.
Tal especificidade deve ser analisada a
partir da m o í í u a ç ã o que levou estes setores intermediários a aderir à AIB.
nais. Os integralistas de descendência alemã ou italiana admiravam os movimentos considerados como correlatos em
seus países de origem, p o r é m a n a ç ã o
brasileira deveria engendrar a sua 'regen e r a ç ã o ' e 'transformação' de modo independente, com a exaltação das tradições e costumes do país. Mão havia, assim, a princípio, contradição entre o discurso nacionalista da AIB e a d e s c e n d ê n cia étnica desses adeptos. Messe sentido,
as lideranças do integralismo no Rio Qrande do Sul prezavam de forma pública e
Quanto aos simpatizantes de origem ita-
aberta os movimentos europeus, contra-
liana e a l e m ã , o movimento n ã o lhes
riando a cúpula nacional que procurava
atraía enquanto uma forma de resistên-
geralmente
cia à integração em sua nova pátria. Pelo
c i a ç ã o direta.
n ã o incorrer numa
asso-
contrário, o integralismo aparecia como
a forma mais viável de se tornarem 'brasileiros de fato' através da participação na
vida política do país. A q u e s t ã o por eles
reconhecida de que a AIB apresentava
s e m e l h a n ç a s visíveis com os movimentos
fascistas da 'pátria-mãe' reforçava sobremaneira o interesse por esta força política que se introduzia no estado. Ma sua
concepção, as realizações tidas como benéficas do fascismo italiano e do nazismo
a l e m ã o , amplamente divulgadas por periódicos especializados, evidenciavam a
viabilidade da construção de uma nova ordem mundial. O integralismo deveria concretizar no país esta ordem, n ã o através
O conjunto desses fatores revela-se nos
depoimentos prestados pelos adeptos do
integralismo. Para o caso da zona a l e m ã '
s ã o representativas as reflexões do chefe
municipal da AIB da cidade de Qramado,
Alcides Arendt, para quem:
O integralismo teve r e c e p ç ã o fácil na
zona de c o l o n i z a ç ã o a l e m ã porque a
Alemanha naquela é p o c a tinha o nazismo. Durante o integralismo eu via com
simpatia o Hitler em muitas coisas, n ã o
que q u e r í a m o s imitar, o nosso movimento surgiu como um movimento ind í g e n a , o objetivo de P l í n i o Salgado
nunca foi imitar. A luta do integralismo
da r e p r o d u ç ã o pura e simples dos princíera de formar, educar a juventude. O
p á g . 20 . J u l / d e z
1 997
o
V
Hitler fez coisas boas, levantou a Ale-
intra-oligárquica. Um dos momentos cul-
manha organizando o trabalho.*
minantes da prática coercitiva ocorreu em
O
projeto, de acordo com Arendt,
era introduzir os pontos altos
do
nazismo,
como
o
corporativismo, a valorização da autoridade e do trabalho, o combate ao liberalismo e ao comunismo, sem a interferência da Alemanha. Outros militantes creditavam confiabilidade à AIB pela identificação direta que faziam entre o movimento e o nazismo, reconhecendo a autonomia do integralismo. Este é o caso
do professor Maximiliano Hahan, da cida-
fevereiro de 1935 por ocasião de um grande encontro estadual de integralistas na
cidade de São Sebastião do Cai, região
de imigração alemã. Durante uma passeata, que contou com mais de trezentas
pessoas, houve um tumulto, com troca de
tiros entre a polícia e os militantes. O saldo foi a morte de dois policiais e de um
ativista. O prefeito do Cai, Morais Forte
(PRL), denunciou os integralistas por tumultuar a cidade e provocar o incidente,
pois teriam comparecido ao desfile fortemente armados. Argumentava tratar-se de
de de Canela, que revela:
agitadores dirigidos por elementos es... falando a verdade, eu entrei na AIB
trangeiros, representando uma a m e a ç a na
por causa do nazismo. O integralismo
medida em que atacavam o governo, o
era da mesma ordem, a disciplina, as
Exército e as instituições republicanas, rio
m i l í c i a s , o corporativismo. E Hitler sal-
seu relato a Flores da Cunha, o prefeito
vou a Alemanha do caos. Hitler era ver-
revela que prendera mais de cinqüenta
dadeiramente um grande homem, mas
pessoas, porque "... a concentração aqui
eu preferia o Plínio. O Hitler era muito
realizada tinha por fim menosprezar as
violento. As i d é i a s do Plínio eram mui-
autoridades locais devido a uma repres-
to
O
são feita no interior do município num
integralismo queria justamente o patri-
núcleo integralista que estava atentando
superiores
otismo.
ao
nazismo.
6
contra a ordem". O chefe municipal da
5
Ao mesmo tempo, o visível crescimento
da AIB nas á r e a s coloniais chama a atenção das autoridades públicas que logo
desencadeiam uma onda de repressão ao
m o v i m e n t o . Flores da C u n h a , e n t ã o
interventor do estado e líder do partido
governista, o Partido Republicano Liberal
(PRL), n ã o p r e t e n d i a
renunciar
ao
AIB, o médico Metzler, confirma em parte
o objetivo da passeata. Ha sua versão,
pretendia-se prestar solidariedade pacífica aos integralistas da vila de liova
Petrópolis, pois estes teriam sofrido violência injustificada por parte das autoridades:
Devido ao incremento tomado pelas
enquadramento e ao rígido controle das
nossas i d é i a s , o prefeito do m u n i c í p i o
suas bases eleitorais nesta zona, cada vez
começou
mais indispensáveis na disputa política
integralistas de Mova P e t r ó p o l i s . Em vis-
a
perseguir
todos
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. j u l / d e z 1997
os
- pág.21
ta disso, a chefia provincial resolveu
lia perspectiva da acirrada c o m p e t i ç ã o
fazer um grande desfile no Cai para dar
pelo e s p a ç o político na zona colonial que
uma demonstração de apoio moral aos
se estabeleceu entre a AIB e o PRL, o caso
perseguidos.
7
de Nova Petrópolis revela-se interessan-
Apesar dos esforços do chefe nacional,
te. O subdistrito da cidade do Cai, uma
Plínio Salgado, para que fosse mantida no
pequena comunidade de imigração ale-
Rio Qrande do Sul a liberdade de expres-
mã voltada basicamente para a p r o d u ç ã o
são, o interventor Flores da Cunha decla-
rural, apresentava um elevado índice de
ra ser a AIB perniciosa à s e g u r a n ç a inter-
a d e s ã o ao integralismo. Dados oficiais do
na do estado. Proíbe, desta maneira, o uso
movimento contabilizavam 320 inscritos
da camisa-verde' (símbolo do movimen-
no subnúcleo local, resultado este obtido
to), as passeatas, os comícios e as mani-
pelos esforços do professor
festações em lugares públicos. Pela reso-
que propagava o integralismo enquanto
Straatman,
lução, as reuniões ficavam limitadas à s
ensinava p o r t u g u ê s aos agricultores.
sedes integralistas. Isto restringia a pro-
Como elemento a incentivar o interesse
paganda da AIB, que utilizava teatros e
pelo novo partido, estava o fato de os co-
cinemas para congregar o maior n ú m e r o
lonos visualizarem a possibilidade de
de pessoas. Sem a evolução das milícias
romper com a exigência das autoridades
organizadas, com seus tambores e hinos,
estaduais quanto ao voto compulsório no
tirava-se do integralismo o apelo visual,
partido situacionista, no caso, o PRL. Em
tão importante na divulgação da doutrina.
época de eleição garantia-se o voto do pe-
Plínlo S a l g a d o | c e n t r o | e Integralistas. P e t r ó p o l i s (RJ), m a r ç o d e 1935. Correio d a M a n h ã , A r q u i v o
Nacional.
p á g . 22 . J u l / d e z
1997
o
V
queno agricultor com práticas compensa-
com relato de Elisabeth K. Evers:
tórias ou repressivas. Após a votação, era
Quando alguém náo queria mais
oferecido o 'churrasco eleitoral', como des-
acompanhar, sua ficha e sua camisa-
creve Felipe Stahl, "quando a gente chega-
verde eram queimadas sob maldição.
va ao local de votação, recebia-se as cha-
Os que saíam eram evitados pelos
pas... Elas j á estavam prontas. Havia fis-
outros. Os integralistas não pagavam
cais mas tudo j á estava combinado. A gen-
imposto algum, nem contribuição
te votava e daí podia comer o churrasco".
8
para comunidade, nem taxas escola-
Caso fosse descoberta uma ação contrária,
res. Mas festas mais simples ou nos
as autoridades policiais n ã o tardavam a
cultos dominicais apareciam os cha-
desencadear a r e p r e s s ã o , como atesta o
mados camisas-verdes, fechados, em
depoimento de Irmgard Schuch:
uniformes, eles marchavam para den-
A urna ficava num canto fechado com um
tro e ficavam lá (...) notava-se clara-
pano, a pessoa ia lá (...) em cima do só-
mente como o partido aumentava em
táo fizeram um furo e o cara deitado ali
número aqui em nosso município e
com o olho no furo, ele olhava que chapa
estavam conscientes de sua força.
o cara botava no envelope, se botava a
chapa certa, ele saía, se o cara botava a
chapa errada, deixava cair um pouco de
farinha no chapéu ou na camisa, e aí
quando o cara chegava na rua e tinha farinha de trigo, ele entrava no laço.'
10
Para efeito de c o m p a r a ç ã o , observa-se
que este quadro conjuntural se manifesta em outra importante zona de imigração alemã, no estado de Santa Catarina.
Em relatórios enviados a Roma,
11
o en-
t ã o e m b a i x a d o r i t a l i a n o no B r a s i l ,
Tal estado de coisas, vigente na República
Roberto Cantalupo, descreve o "parti-
Velha, permaneceu como regra na década
cular desenvolvimento" do integralismo
de 1930. Com a chegada da AIB, ensaiou-
naquele estado, onde nas eleições de
se uma resistência, onde as 'chapas pron-
1935 o movimento teria vencido em oito
tas' eram discretamente trocadas pela cha-
municípios sobre 11, contando em suas
pa dos i n t e g r a l i s t a s . A e x i s t ê n c i a do
fileiras com maioria absoluta de descen-
integralismo, no entanto, estava longe de
dentes de a l e m ã e s . Segundo Cantalupo,
ser um consenso entre esta mesma popu-
vários eram os fatores que explicavam
lação seja pelo assim considerado caráter
esta rápida expansão, entre eles o de-
de f a n a t i s m o , seja p e l a a s s o c i a ç ã o
sejo desses militantes em implantar um
c o m o m o v i m e n t o nazista. Straatman
sistema social baseado na ordem, justi-
e r a a c u s a d o de o r g a n i z a r a m i l í c i a
ça e honestidade; o medo do comunis-
integralista nos moldes da força de cho-
mo que p o d e r i a fazer sua v i o l e n t a
que do nazismo a l e m ã o e de cultuar a
irrupção no país e a q u e s t ã o racial, onde
i m a g e m de Hitler. E, ainda, de acordo
"não seria uma q u e s t ã o de raça, mas an-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997
- pág.23
,
A
C
E
tes uma q u e s t ã o de mentalidade com uma
movimentos e u r o p e u s . lio
natural simpatia pelos regimes fascista e
parecia uma s a l v a ç ã o . Hitler tinha pres-
nacional-socialista". Segundo sua análi-
t í g i o no mundo inteiro, n ó s aqui s e n t í -
se, os integrantes da AIB poderiam sem-
amos esta i n f l u ê n c i a . A c h á v a m o s
princípio
que
pre contar com o clero "que faz constan-
um regime que era bom para um p a í s
te e m e t ó d i c a obra de propaganda em
que j á contava com mil anos de exis-
favor do integralismo, protegendo os va-
t ê n c i a , t a m b é m seria bom aqui. Mas
lores da religião". For todas essas razões,
n ã o se pode falar em simbiose entre
a s e s s ã o catarinense da AIB representa-
integralismo e nazismo. Havia certas
ria "uma reserva moral" na influência dos
afinidades.
outros estados.
A ênfase étnica e a identificação com o
nazi-fascismo dada pelo embaixador confirma-se no depoimento dos militantes de
Santa Catarina. Segundo o secretário de
imprensa da AIB, Enrico Muller:
C
13
omo c a r a c t e r í s t i c a s c o m u n s
Ferreira da Silva aponta a tendência
anti-semita,
o
corporativismo, a representação classista,
a estrutura organizativa, o antiliberalismo,
a indumentária, a estrutura paramilitar e,
Havia em Blumenau certa t e n d ê n c i a de
principalmente, afirma que "o nazismo e
aceitar o integralismo pela semelhan-
o integralismo eram espiritualistas".
ç a com o nazismo. Quando um c i d a d ã o
descende de uma outra r a ç a , de um
outro pais, ele, se é uma pessoa de
acordo, de exata c o n s c i ê n c i a , tem simpatia (...) a maioria tinha simpatia pela
Alemanha, pelo Hitler, era natural."
um movimento singular e a u t ô n o m o j á
que a doutrina integralista seria "... puramente brasileira, com origens na nossa história, adaptada ao povo brasileiro,
lião era um movimento estrangeiro, n ó s
p r e g á v a m o s justamente a integração, ens i n á v a m o s aos o p e r á r i o s e aos colonos o
hino nacional". As mesmas c o n c e p ç õ e s
aparecem no depoimento de J o s é Ferreira
da Silva, e n t ã o secretário de Educação e
Cultura da AIB em Blumenau:
p á g . 2 4 . Jul/dez
1997
foco de análise para as zonas de colonização italiana do Rio Qrande do Sul, é
possível, mais uma vez, constatar uma coincidência de valores quanto à s motivações de a d e s ã o à AIB. Em relação ao ca-
Todavia, t a m b é m para Muller, a AIB era
O clima aqui era de simpatia com
Deixando Santa Catarina e dirigindo o
ráter de participação política alternativa
oferecido pelo integralismo, um artigo do
militante Luís Compagnoni, publicado em
fevereiro de 1935 no jornal do movimento, O Bandeirante, em Caxias do Sul, revela o desagrado com a onipotência dos
partidos tradicionais. Estes s ó se interessariam em quantificar votos em é p o c a s
eleitorais, menosprezando os problemas
da comunidade a p ó s a vitória nas urnas.
A AIB, inversamente, permitiria a representação direta das demandas locais. Isto
os
porque a organização interna e os assun-
V
o
tos prioritários para o movimento depen-
dos. O integralismo poderia ter feito o
deriam, antes, do consenso e da partici-
mesmo pelo Brasil, tirar o povo da mi-
pação de todos os seus membros e n ã o
s é r i a , dar trabalho para todo mundo,
apenas de a l g u n s poucos l í d e r e s . O
naquela é p o c a o fascismo e o nazismo
integralismo, por fim, representaria a
estavam em grande ê x i t o no mundo, por
t r a n s c e n d ê n c i a da simples politicagem
isso n ã o havia argumento contra n ó s .
regional:
nossos a d v e r s á r i o s eram obrigados a
ver isto.
n ó s representamos
15
muito mais que a
i m p l a n t a ç ã o de um regime p o l í t i c o . Um
O processo de organização oficial da Ação
camisa-verde que passa é uma consci-
Integralista na área de imigração italiana
ê n c i a reta e pura que serve de conde-
efetuou-se a partir da principal cidade da
n a ç ã o à imoralidade, à c o r r u p ç ã o . O
região — Caxias do Sul, propagando-se
povo v ê em n ó s o restabelecimento do
rapidamente pela zona rural. Essa área
e q u i l í b r i o e da harmonia na vida mo-
concentrou o maior n ú m e r o de adeptos
ral, e c o n ô m i c a e cultural. O povo sabe
no estado e foi a base do movimento po-
que n ã o estamos neste movimento para
lítico de oposição por excelência devido,
obter vantagem material (...) no atual
entre outras coisas, à ausência de outro
regime n i n g u é m deposita c o n f i a n ç a _e
partido o p o s i c i o n i s t a c o m r e p r e s e n -
dos homens que dele fazem parte pou-
tatividade. A grande e x p a n s ã o
cos se salvam. É a n ó s , exclusivamente
integralismo entre os pequenos produto-
do
a n ó s , que cabe a tarefa de expurgar,
res rurais dependeu n ã o somente de uma
de varrer, de demolir, de construir, de
atitude centrípeta maior em relação à cul-
aprovar e de desaprovar."
tura originária italiana, mas t a m b é m da
Da mesma forma, a aproximação entre
integralismo e fascismo justifica-se pelas
conquistas j á empreendidas pelos movi-
influência decisiva do clero católico, em
particular
da
Congregação
dos
Capuchinhos.
mentos europeus. Segundo o depoimen-
O assentamento dos colonos italianos no
to de um ativo militante local, Oswaldino
Sul
Ártico:
direcionado à encosta superior do nordes-
do p a í s ,
iniciado
em
1875 e
O integralismo é parecido com o fas-
te, área de difícil acesso e coberta de in-
cismo. Aqui todo mundo achava, as idéi-
tensa vegetação, bem como o descaso das
as, o uniforme, a o r g a n i z a ç ã o do movi-
autoridades governamentais concorreram
mento. Mussolini fez muita coisa pela
para confinar os imigrantes a um quase
Itália, tornou o p a í s moderno, tirou da
total isolamento, condição esta reforçada
m i s é r i a o povo italiano, antes eles ti-
pela heterogeneidade do grupo. Vindos de
nham que sair do p a í s , ir embora; de-
diferentes regiões da Itália, com costu-
pois tinha trabalho e riqueza para to-
mes e dialetos próprios, os colonos nem
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, Jul/dez 1997 - p á g . 2 5
A
C
E
mesmo associavam-se entre si com faci-
leitores era muito maior. Os que sabi-
lidade. Assim, foi a religião comum, o
am ler, liam para os que n ã o sabiam
catolicismo, que acabou desempenhando
ou contavam as n o t í c i a s . O jornal era
o elo preponderante na interação socio-
d i s t r i b u í d o a t é por o c a s i ã o da missa do-
cultural. Tal papel, obviamente, conferiu
minical, era levado a t é a igreja.
à Igreja um poder ainda maior de persua s ã o sobre seus fiéis. O desenvolvimento
da região colonial, com a abertura de estradas e o crescimento da indústria e do
comércio, fez com que esta influência d i m i n u í s s e consideravelmente o fluxo de
novos contatos culturais nos centros urbanos, lia área rural, no entanto, a instituição m a n t é m a sua importância originária, sendo os freis capuchinhos os mais
atuantes. Além de manter núcleos de inst r u ç ã o religiosa, voltados basicamente
18
Influenciados pela a d e s ã o manifesta do
clero da Itália ao regime de Mussolini, os
capuchinhos não s ó acolheram este sistema político, como associaram-no ao
integralismo, o qual representava, para os
freis da Ordem, o fascismo brasileiro. A
AIB pretenderia defender os mesmos princípios, ou seja, lutar pela grandeza da
pátria e da família, e estruturar-se de
acordo com as leis de Deus. Em janeiro
de 1934, o Stafetta apresenta o novo movimento:
para os filhos dos pequenos agricultores,
a Ordem possuía um destacado ó r g ã o de
A A ç ã o Integralista Brasileira tem suas
imprensa,
primeiras
o
Riograndense,
periódico
Stafetta
publicado em italiano. O
j o r n a l , s e g u n d o d e p o i m e n t o de frei
m a n i f e s t a ç õ e s no estado,
com a r e a l i z a ç ã o de um primeiro encontro
em
Porto
Alegre
(...)
o
integralismo é fascismo, mas um fas-
Alberto,
cismo com c a r á t e r nacional. O progra(...)
era
o p o r t a - v o z da c o l ô n i a . O
jornal va-
lia mais do que um co-
mício.
liavia naquela é p o c a
entre
ma do partido n á o apenas d á um lugar
de honra à r e l i g i ã o , mas é nela que se
inspira.
17
15 mil a 20 mil assinaturas, mas o n ú mero
de
Pelo testemunho de Carlos Fabris, podese observar que os pequenos produtores
rurais endossaram.
-jil-jil
Porto A l e g r e em a g o s t o d e 1 9 3 5 . Correio d a M a n h a , A r q u i v o N a c i o n a l .
p á g . 2 6 . Jul/dez
1997
V
R
andava de camisa
gação daquela ideologia. Ma visão da Igre-
preta, pregava no meu povoado em
ja, o comunismo avançava sem t r é g u a s e
Conceição.
o
para destruí-lo não bastava reprimir as
integralismo e n ó s p e n s á v a m o s que era
suas manifestações. Era preciso eliminar
a
o
quaquer foco que pudesse favorecê-lo,
integralismo, nosso, brasileiro e n t ã o ,
como a injustiça social e econômica. As
Eu era fascista (...)
mesma
Mas,
coisa
então
e
com o Plínio Salgado.
veio
fomos
para
disposições gerais do integralismo eram
18
Ou ainda, a associação entre os dois movimentos é evidenciada no relato de frei
Veronese:
apontadas como a grande e s p e r a n ç a de
transformação nacional. Tratava-se de um
movimento que obedeceria o ideal da verdade, da liberdade, da disciplina e do
A AIB foi muito aceita na zona italiana,
nacionalismo. Num mundo subordinado
com
facilidade o c o l o n o recebeu o
aos problemas de ordem material, onde
integralismo, pois havia o exemplo do
as correntes políticas agiam à luz de pro-
fascismo italiano. Mussolini, enquanto
blemas imediatistas e os princípios mo-
n ã o desbordou de seu sentido, tinha
rais eram relegados a segundo plano, os
belas i d é i a s , fez muito pela Itália, de-
postulados cristãos integralistas poderi-
senvolveu a agricultura, o trigo. Depois
am reconduzir a humanidade a seus al-
desbordou... Havia muita simpatia por
tos destinos, afastando-a, portanto, do
Mussolini na zona italiana.
19
O apoio dado ao integralismo pela Ordem
dos Capuchinhos e, de resto, por membros de todo o clero brasileiro deveu-se
não s ó à simpatia com o fascismo italiano, mas t a m b é m a uma convergência de
idéias. A análise da realidade brasileira e
das possíveis s o l u ç õ e s aos problemas
nacionais eram semelhantes. Da mesma
forma que a AIB, a Igreja católica considerava serem responsáveis pela situação
crítica do país o enfraquecimento do princípio de autoridade, a carência de leis
constitucionais, a fraqueza da hierarquia
ateísmo comunista. Combater as mazelas sociais, nessa perspectiva, significava
t a m b é m incentivar a população a exercer
seu poder de voto:
O lugar dos c a t ó l i c o s e de todos os brasileiros que ainda amam a integridade
da pátria é na batalha das urnas em
defesa da nossa t r a d i ç ã o . . . A r e l i g i ã o
n ã o impede nem i m p õ e a a d e s ã o
dos
c a t ó l i c o s ao integralismo (...) mas pode
ser de grande alcance ao futuro do Brasil que ingressem no movimento
os
c a t ó l i c o s leigos que tenham v o c a ç ã o
política.
20
e da ordem e a infiltração comunista. Sobretudo esse último fator, o suposto pe-
Aos que acusassem os r e l i g i o s o s de
rigo iminente do comunismo, alterava a
extrapolar suas funções ao imiscuir-se em
classe sacerdotal. Medidas urgentes de-
atividades políticas, os freis capuchinhos
veriam ser tomadas para evitar a propa-
alegavam que o estágio a que chegara o
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36, j u l / d e z 1997
- pág.27
C
A
E
fascismo italiano fora alcançado principal-
capuchinhos na zona rural. Quando os
mente com a ajuda do clero. Este traba-
integralistas da sede chegavam para alar-
lhara junto ao povo, incentivando-o a
dear a nova causa, encontravam invaria-
melhorar seu sistema de cultura, instru-
velmente grupos de pessoas predispos-
indo-o e dando o exemplo direto. O go-
tas à conversão imediata. Tratava-se, en-
verno nacional deveria, portanto, seguir
tão, de oficializar o trabalho de divulga-
o exemplo e aproveitar a válida coopera-
ção feito pelo clero. Referindo-se a essa
ção dos padres. Por fim, o integralismo
fase, o integralista cidadino Oswaldino
encampava uma defesa cara à Igreja ca-
Ártico comenta:
tólica, a defesa do sistema corporativo, o
N ó s p a s s á v a m o s os domingos envolvi-
qual era considerado o modo ideal de
dos com isto. í a m o s todos depois da
organização política. As corporações esmissa falar e distribuir folhetos. D e i x á -
tabeleceriam a paz e a justiça, diminuinvamos l i d e r a n ç a s locais encarregadas
do os conflitos entre p a t r õ e s e empregade organizar o movimento. í a m o s
em
dos; objetivando a composição orgânica
dois ou t r ê s c a m i n h õ e s cheios de 'ca-
da sociedade, eliminariam as lutas de
misas-verdes'. Era um movimento ca-
classe. Frente a tal c o m u n h ã o de interest ó l i c o e aqui é r a m o s todos c a t ó l i c o s . A
ses, a AIB aparecia como uma alternativa
Igreja nos recebia muito bem,
éramos
viável na resolução dos impasses nacioum b a t a l h ã o de frente da Igreja. As i d é i -
nais, como demonstra o depoimento de
as nos empolgavam, a linguagem era
frei Alberto:
diferente, falava-se em modernidade,
Quando surgiu o integralismo houve
civismo... Em Garibaldi, o movimento
grande receptividade... no clero secu-
não
lar
ao
Compagnoni fomos lá fazer propagan-
integralismo, devido ao lema 'Deus,
da, depois da missa d i s t r i b u í m o s folhe-
Pátria e F a m í l i a ' . A t r a v é s do
tos.
a
maioria
era
simpática
Stafetta
e n d o s s á v a m o s com grande e s p e r a n ç a
estava
organizado,
eu
e
o
Mas j á estavam todos esperando
por n ó s , pelo movimento.
22
as i d é i a s do integralismo, pois acredit á v a m o s que seriam capazes de endireitar o Brasil, e n t ã o em crise. Isto n ã o
era s ó exprimido em palavras, havia
t a m b é m um certo ar de ufanismo. Havia a c o n v i c ç ã o , aqui no Rio Grande do
Sul, de que o integralismo iria triunfar.
21
A relação estabelecida entre o fascismo
italiano e o 'fascismo nacional' ajudou o
integralismo na canalização das hostilidades latentes destes colonos a muitas d é cadas de descaso das autoridades municipais e estaduais. A AIB aparecia como o
movimento político que lhes proporcio-
lieste quadro favorável, os 'camisas-ver-
n a r i a m e l h o r e s c o n d i ç õ e s de
des' da cidade empenhavam-se em refor-
ensejando, para tanto, a participação nas
çar
atividades partidárias da região. Os colo-
a
propaganda
p á g . 28 . J u l / d e z
1997
já
feita
pelos
vida,
o
V
nos acreditavam ter encontrado na AIB
AIB, a doutrina e o sentido político do
uma forma de manifestação de seus di-
novo movimento eram objeto de anima-
reitos frente aos partidos tradicionais.
do debate. Tais líderes, em geral empre-
Com dificuldades nas técnicas de plantio,
gados especializados do comércio e da in-
problemas de escoamento da produção
dústria, acreditavam que o integralismo
conjugados com os baixos preços dos pro-
prosseguia os ideais da Revolução de
dutos agrícolas, os pequenos agriculto-
1930, dando ao episódio o seu verdadei-
res desconfiavam da assim denominada
ro significado. Decepcionados com os ru-
'política dos brasileiros' que pouco con-
mos da política nacional na conjuntura do
tribuía para a solução de seus problemas.
pós-1930, classificavam uma outra revo-
A d e s a t e n ç á o e a r e p r e s s ã o por parte das
lução, a Constitucionalista de 1932, como
autoridades governamentais diminuíra o
o momento revelador da c a r ê n c i a de
interesse político dos colonos. Sem fide-
substrato ideológico das elites dirigentes
lidades partidárias enraizadas e mesmo
do país. Essas visualizariam na prática
avessos aos partidos regionais, constitu-
partidária apenas a o b t e n ç ã o de vanta-
íam-se num público em disponibilidade
gens e proveitos pessoais. Em meio a
política, lias palavras de frei Dionísio
busca de alguma manifestação política
Veronese:
que lhes atraísse, haviam, inclusive, flertado com o comunismo, julgado pelo gru-
lio interior, na zona rural, n ã o havia
po, em última análise, como por demais
partido. O colono n ã o se ligava a ne-
violento e materialista. J á as c o n c e p ç õ e s
nhum partido. Mão tinha interesse na
e os partidos liberais apareciam como 'an-
p o l í t i c a do p a í s . Sua vida era cuidar da
tigos', 'ultrapassados', destituídos de va-
família, do trabalho. Para eles a políti-
lor com seus 'políticos profissionais'. Sen-
ca era c o n f u s ã o , n ã o queriam se meter
do esses últimos responsáveis por todas
em c o n f u s ã o . O pouco contato que ti-
as mazelas e entraves nacionais, n ã o
nham com a política nacional s ó decep-
mereceriam confiança. Ao invés disso, o
cionava os colonos. O fato era que o
integralismo, conhecido através dos jor-
colono sentia-se muito prejudicado pela
nais, expressaria uma 'mudança de men-
falta de c o n d i ç õ e s , de transportes, de
talidade', um 'partido dotado de unidade
conhecimentos. As melhorias n ã o che-
de idéias' e, acima de tudo, o primeiro
gavam na c o l ô n i a . A política partidária
partido que surgia no mundo fundamen-
em nada adiantava para o colono, fo-
tado numa 'filosofia espiritualista'. Em
ram muito mal tratados. Se tinham que
contraposição ao agnosticismo comunis-
votar, votavam e pronto. Havia muita
ta, defendia a crença em Deus. Da mes-
r e p r e s s ã o , perseguiam e matavam."
ma forma, o grupo era receptivo quanto
Por sua vez, entre o pequeno grupo urbano responsável pela organização local da
à identificação entre a AIB e os movimentos europeus.
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez
1997 - p á g . 2 9
C
A
E
Para Arthur Rech, militante do grupo, as
eleições municipais de 1935. Como ban-
ligações entre o integralismo e o fascis-
deira eleitoral, a moralidade e o controle
mo eram evidentes e positivas, pois mos-
dos gastos públicos: combatiam o aumen-
travam a universalidade de uma idéia, de
to de impostos, a criação de novas tribu-
uma doutrina que deveria vingar no mundo:
tações e a proliferação de funcionários;
Mesmo sendo os movimentos da mesma ordem, n ã o q u e r í a m o s uma identif i c a ç ã o direta, nossa m i s s ã o era com o
Brasil. O verde simbolizava a terra brasileira.
Queríamos
ser
pessoas
marcadas na sociedade pelo exemplo:
virtude, religiosidade, disciplina, amor
pelo trabalho, isto o integralismo pregava. Q u e r í a m o s tudo nativo, é r a m o s
brasileiros e n ã o italianos. Os imigrantes passaram a aderir à camisa-verde,
deixaram de usar a camisa-parda. O
nosso movimento era melhor, era mais
democrático."
defendiam a n ã o sobrecarga de impostos
aos colonos agricultores e a política do
equilíbrio orçamentário, com a compress ã o de todos os gastos. Para um partido
que havia se organizado em apenas um
ano na região, os resultados do pleito
eleitoral foram extremamentes favoráveis,
sendo os melhores que o partido obteve
no estado. A AIB elegeu em Caxias do Sul
três vereadores, Arthur Rech (representante comercial), Humberto Bassanesi
(empregado do comércio) e Emílio Pezzi
(comerciante), contra quatro vereadores
do partido situacionista, o PRL, equiparando praticamente o público de eleito-
O ponto focai de interesse do grupo re-
res. Ha votação geral, os vereadores do
pousava antes no que era percebido como
PRL receberam 1.470 votos enquanto os
um apurado sentido nacionalista da AIB,
vereadores da AIB obtiveram 1.218.
preocupada com assuntos de toda a na-
A partir desse resultado e da atuação sem-
ção e concebendo a idéia de partido na-
pre
cional', longe, portanto, das a m b i ç õ e s
integralistas na c â m a r a municipal, a hos-
restritivas e dos imediatismos dos parti-
tilidade do partido governista, a t é e n t ã o
dos regionais. O comunismo, mais uma
relativamente contida em função da pre-
vez, ia de encontro a esses princípios,
sença do clero nas fileiras da AIB, tornou-
mostrando-se 'internacionalista'. Assim,
se ostensiva. As rivalidades latentes tor-
dentro do quadro político da época, a AIB
naram-se explícitas e o movimento
teria se mostrado ao grupo como a op-
integralista passou a ser alvo de ataques
ção mais promissora.
constantes que visavam d e s a c r e d i t á - l o ,
entusiasmados com a numerosa a d e s ã o
pondo em dúvida suas atitudes e seu ca-
ao movimento na zona rural, com o apoio
ráter. O PRL procurava identificar a AIB
de uma parcela do clero e com a sempre
ao comunismo, explicando que, em am-
crescente inserção na própria zona urba-
bos os movimentos, o governo deixava de
na, os integralistas articulam-se para as
ser uma e x p r e s s ã o da vontade da maio-
p á g . 3 0 . jul/dez
1997
contrastante
dos
25
vereadores
O
V
R
ria. Passava, antes, a representar apenas
os interesses de uma oligarquia, que impunha o seu poder através da violência e
da força. Da mesma forma, a AIB é acusada de servir aos propósitos do fascismo italiano, preparando as condições à
infiltração
e s t r a n g e i r a no p a í s .
Os
integralistas seriam apenas versões mal
acabadas dos fascistas europeus, conduzidos por um mitomaníaco disfarçado de
salvador: Plínio Salgado, lia verdade, denunciavam, a AIB teria se afirmado com-
da ingenuidade do clero:
A Igreja aconselha a i m p l a n t a ç ã o
integralismo no Brasil. Que
a
palavra
Deus
na
do
significará
prática
integralismo o dia em que ele
do
estiver
no poder? Por ventura, Mussolini j á n á o
ameaçou
a
Igreja?
Os
regimes
m i n o r i t á r i o s jamais p o d e r ã o
tolerar
uma Igreja prestigiosa e popular, lia democracia nada tem a Igreja a temer. A
legenda integralista 'Deus, Pátria e Família' é mais um e n g o d o .
28
batendo os operários, os negros, os j u deus, a democracia, a liberdade e a inte-
Em editorial, O Momento aponta quais
ligência. Era, portanto, um movimento
seriam
perigoso, destituído de respeitabilidade e
integralismo. De acordo com sua visão,
motivado por intenções escusas. Parecia,
muitas pessoas eram atraídas ingenua-
assim, i n c o m p r e e n s í v e l o apoio que a
mente em função da novidade política, da
Igreja oferecia à AIB. O jornal oficial do
oportunidade de aparecer, da falácia dos
PRL colocava nesses termos a considera-
postulados morais. Porém, as lideranças
as
razões
E x p o s i ç ã o anti-Integralista n o Teatro M u n i c i p a l . Rio de Janeiro, o u t u b r o d e 1957.
Arquivo
de
adesão
ao
Correio da M a n h ã ,
Nacional.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10.
n ° 2, pp.
17-36. Jul/dez 1997
- pág.31
C
A
E
que difundiram o movimento na região
cidamente I n ú t e i s , nada mais justo e
seriam indivíduos condenados ao ostra-
natural que sua e x t i n ç ã o . *
cismo por evidente falta de qualidade
política e moral. Segundo esse raciocínio,
o jornal sentenciava com veemência os
dirigentes do integralismo local, mas tentava eximir a massa de seus adeptos, os
quais não passariam de "inocentes úteis".
2
nessa lógica, os membros da AIB negavam que sua organização fosse um partido político. Apenas se inscrevera como tal
a fim de propagar legalmente suas idéias. A política ocupava somente uma seção do movimento, agora extinta. A AIB
Em meio as a g r e s s õ e s constantes, os
passava a ser, no novo sistema, uma as-
integralistas tentam relativizar seus an-
sociação de estudos, de e d u c a ç ã o moral
tagonistas, argumentando que perturba-
e esportiva. Por sua vez, o PRL conside-
vam estes velhos políticos por não parti-
rou a dissolução dos partidos políticos
ciparem na "falsa vida política do país e
uma prova cabal do espírito d e m o c r á t i c o
lutarem para reerguer a nação do caos
do governo Vargas. O fim do integralismo
provocado pelo regime liberal":
como partido foi comemorado como uma
O alarme na família liberal é grande.
medida ímpar. Os i n ú m e r o s incidentes
Todos os meios de defesa e s t ã o sendo
entre o governo federal e a AIB a p ó s a
mobilizados. Os jornais da terra atacam
d e c r e t a ç ã o do Estado Movo renovaram as
os ' p e r i g o s í s s i m o s '
a c u s a ç õ e s ao integralismo na região:
camisas-verdes,
nunca pusemos em d ú v i d a estes políticos, apenas negamos a e f i c i ê n c i a
de-
les em meio aos partidos p o l í t i c o s que
dividem e semeiam o ó d i o .
Prossegue por todo o p a í s a campanha
que o governo desenvolveu contra
os
adeptos do 'pano verde'. Precisamos
2 7
olhar com firmeza ao redor,
verificar
Às animosidades generalizadas das forças
bem de perto quem eram os adeptos
políticas dominantes na região agregou-
de ontem e os inimigos de hoje; mais
se o advento do Estado Movo em novem-
cuidado deve ter o governo, debaixo de
bro de 1937. Porém, tanto a AIB quanto o
d e m o n s t r a ç õ e s h i p ó c r i t a s pode estar
PRL locais apoiaram, no início, o novo re-
escondido aquele que mais tarde po-
gime. Para os integralistas, o fim das prá-
deria ser o portador do punhal homici-
ticas político-partidárias no país viera ao
da contra o povo que n ã o quer o regi-
encontro de seus princípios:
me estrangeiro e contra o governo que
Os homens de partido n ã o trepidavam
se inicia e que trabalha.
29
em p ô r em e x e c u ç ã o os meios violen-
Concomitante aos acontecimentos do
tos, sacudindo o p a í s , de tempos em
p a í s , a d e s a r t i c u l a ç ã o d e f i n i t i v a do
tempos, com movimentos armados que
integralismo na zona colonial italiana su-
pertubavam o ritmo normal da vida da
cedeu-se com o fracasso do golpe de maio
n a ç ã o (...) se os partidos eram reconhe-
de 1938, ocasião em que as lideranças da
p á g . 32 . J u l / d e z
1997
o
V
AIB rebelaram-se contra o governo fede-
determinadas regiões do país onde esta
ral na expectativa de tomar o poder. No
fase de transição mostrou-se mais agu-
planejamento nacional do golpe, alguns
da, a receptividade à AIB foi, em geral,
integralistas desta área de imigração fo-
mais intensa dado o seu caráter de movi-
ram convocados ao Rio de Janeiro a fim
mento político tido como alternativo ao
de receber instruções. Segundo depoi-
status
mento de Oswaldino Ártico:
postas doutrinárias consideradas radical-
quo
vigente. Suas práticas e pro-
Em Caxias, ficamos reunidos esperan-
mente novas forneceram um projeto po-
do o sinal da rádio Mairink Veiga para
lítico a u t ô n o m o para segmentos sociais
c o m e ç a r m o s a r e v o l u ç ã o . Iniciava no
emergentes que se identificaram com este
Rio. O sinal n ã o foi feito. N ó s n ã o t í n h a -
tipo de apelo. Essa realidade, presente ém
mos armas. Nada organizado. Na hora,
maior ou menor grau nas á r e a s onde a
í a m o s pensar no que fazer, mas nada
AIB encontrou aceitação, não pôde impe-
aconteceu. Eicou por isto mesmo e o
dir o reconhecimento das particularida-
movimento integralista terminou para
des locais que diferenciaram e enrique-
sempre.
ceram
30
a
análise
da
natureza
do
O integralismo representou ao longo de
integralismo. Qual seja, no caso das zo-
sua existência legal (1932-1938) a mani-
nas de imigração alemã e italiana, pare-
festação de uma sociedade mais comple-
ce evidente a importância da q u e s t ã o ét-
xa engendrada com as t r a n s f o r m a ç õ e s
nico-cultural sobredeterminando as mo-
sociopolíticas e econômicas ocorridas ao
tivações de a d e s ã o ao novo movimento
longo das d é c a d a s de 1920 e 1930. Em
brasileiro.
N
1.
O
T
A
S
O integralismo tem sido nas ú l t i m a s d é c a d a s objeto de interesse em uma perspectiva nacional
e, mais recentemente, em a n á l i s e s comparativas com os movimentos fascistas europeus. Ver
entre outros: tlelgio Trindade, Integralismo: o fascismo brasileiro na d é c a d a de 30, 2 ed., S ã o
Paulo, Difel, 1977; J o s é Chasin, O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no
capitalismo hipertardio, S á o Paulo, Editora C i ê n c i a s Humanas, 1978; Ricardo Benzaquen de
Araújo, A cor da e s p e r a n ç a : totalitarismo e r e v o l u ç ã o no integralismo de Plínio Salgado, Rio de
Janeiro, CPDOC/PGV, 1984; Elmer Broxson, Plínio Salgado and brazilian integralism (1932-1938).
a
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 17-36, Jul/dez
1997
- pág.33
C
E
Washington. The Catholic University of America, 1972; Juan Linz, "O integralismo e o fascismo
internacional". Porto Alegre, Revista IFCtl. J.1976; Walter Laqueur (ed.), Tasc/smo: a reader's
guide, University of Califórnia Press, 1976; Pierre Milza, Les fascisme. Paris, Impremerie
Nationale, 1985; Stanley Payne, El fascimo, Madrid, Alianza Editorial, 1982.
2. Sobre a formação histórica do Rio Qrande do Sul ver: Joseph Love. O regionalismo
gaúcho,
São Paulo, Perspectiva, 1975; Paul Singer, Desenvolvimento econômico
e evolução
urbana, 2
ed., São Paulo, Companhia nacional Editora, 1977; Helga Piccolo, "A política rio-grandense no
Império", em J. Dacanal e S. Gonzaga, Rio Qrande do sul: economia e política. Porto Alegre,
Ed. Mercado Aberto, 1979; Sandra Pesavento, Rio Qrande do Sul: economia e poder nos anos
30, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1980.
a
3. Jean Roche, A colonização
alemã
e o Rio Qrande do Sul,
vol. II, Porto Alegre, Ed. Qlobo, 1969.
4.
Entrevista de Alcides Arendt (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPEROS/COnsUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
5.
Entrevista de Maximiliano Hahan (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
6. Telegrama de Morais Forte a Flores da Cunha, publicado no jornal
gre, (26/2/1935).
7.
Entrevista de Metzler ao jornal
8.
Relato de Felipe Stahl. Contribuição
para
nova Petrópolis. EDUCS. 1985. p. 245.
9.
Relato de Irmgard Schuch, ibidem, p. 249.
Correio do Povo,
a história
Correio do Povo.
Porto Ale-
Porto Alegre, (26/2/1935).
de Mova Petrópolis,
Prefeitura Municipal de
10. Relato de Elizabeth K. Evers, ibidem, p. 256.
11. Telespresso n° 2.085/656 (Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1936) e Telespresso n° 235.417
(Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1936), Arquivo Histórico do Ministério de Relações Exteriores-Roma.
12. Entrevista de Enrico Muller (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, NUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
13. Entrevista de José Ferreira da Silva (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COMSUL/
Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Integralista de Blumenau, o diretor da Biblioteca
Pública, Ferreira da Silva, era luso por descendência paterna e alemão pela linha materna.
14. "Os homens somos nós" de Luís Compagnoni, publicado no jornal O Bandeirante, (10/2/1935).
15. Entrevista de Oswaldino Ártico, concedida em 1991.
16. Entrevista de frei Alberto Stawiski, concedida em 1991. De origem polonesa, formou-se no
curso de Filosofia e Teologia da cidade de Qaribaldi em 1925.
17.
Stafetta Riograndense,
Caxias do Sul, (12/9/1934).
18. Entrevista de Carlos Fabris (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Fabris tornou-se chefe do integralismo no distrito de Conceição, interior de Caxias do Sul.
19. Entrevista de frei Dionísio Veronese, concedida em 1991. Para o frei capuchinho: "Os líderes
do integralismo estavam nas cidades, mas a penetração do integralismo era principalmente
nas colônias, no interior. Eram agricultores, os colonos que entravam para o integralismo".
Oswaldino Ártico, por sua vez, observa: "A gente aqui em Caxias dirigia o integralismo, mas
nas colônias, nestes vilarejos, havia muitos integralistas. Os colonos eram todos integralistas
por causa da Igreja".
20. Jornal Stafetta Riograndense, (21/3/1934). Segundo a reportagem *(...) diversos países europeus sofreram uma profunda revolução política transformando-se em estados corporativos,
como a Itália, a Alemanha. O movimento deveria ampliar-se (...) a AIB que vem surgindo defende o sistema corporativo".
21. Entrevista de frei Alberto Stawiski.
22. Entrevista de Oswaldino Ártico.
23. Entrevista de frei Dionísio Veronese.
24. Entrevista de Arthur Rech (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, MUPERQS/COnSUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul.
p á g . 3 4 . Jul/dez
1997
O
V
R
25. Jornal O Momento, Caxias do Sul. (5/12/1935).
26. Jornal O Momento, Caxias do Sul, (9/8/1936).
27. Jornal O Bandeirante, (31/7/1936), p u b l i c a ç ã o oficial do integralismo na r e g i ã o colonial italiana.
28. Jornal O Bandeirante.
(18/11/1937).
29. Jornal O Momento, (6/12/1937).
30. Entrevista de Oswaldino Ártico.
B
I
B
L
I
O
G
R
A
F
I
A
1. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Bibliografias): Arthur Rech;
Humberto Bassanesi; Emílio Germano Pezzi.
2. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Periódicos e Documentos).
3. Anais da Câmara Municipal de Caxias do Sul: 1935, 1936, 1937.
4. Arquivo AIB/Helgio Trindade. riUPERQS/COHSUL/Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
5. Arquivo Flores da Cunha. MUPERQS/COHSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do
Sul.
6. Arquivo de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade de Caxias
do Sul.
7. Jornais regionais integralistas: A Luta (Porto Alegre), A Revolução
(Porto Alegre), O
Integralista (Porto Alegre), O Bandeirante (Caxias do Sul).
8. Jornais regionais: O Momento (Caxias do Sul), // O/orna/e delVAgrlcoltore (Caxias do
Sul), Stafetta Riograndense (Caxias do Sul), Correio do Povo (Porto Alegre), Diário de
notícias
(Porto Alegre).
9. Boletins informativos: Cinqüentenário
delia Colonlzzazlone
dei Sud, Porto Alegre, Qlobo, 1925; Documentário Histórico
do Sul, 1875-1950,
Italiana nel Rio Qrande
do Município
Sáo Leopoldo, Artegráflca, 1950; De Província
de Caxias
de São Pedro a
Estado do Rio Qrande do Sul, censos do Rio Qrande do Sul, 1803-1950.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, J u l / d e i
1897 - p á g . 3 5
A
B
^
T
R
A
C
T
The essay describes the setting of the Brazilian Integralist Action (AIB) of Plínio Salgado wlthin the
social and political context of Rio Qrande do Sul in the 1930s. The analysis places the í n t e g r a l l s m
in the same category as the fascists movements. Thus, the subject is focused on the problems
encountered by the movement during its regional expansion process, considering the particularities
of that moment in history.
R
É
S
U
M
É
Lessai entend d é c r i r e la mise en place de 1'Action I n t é g r a l i s t e B r é s i i i e n n e (AIB) de Plínio Salgado,
dans le contexte social et politique de 1'état du Rio Qrande do Sul pendant la d é c a d e de 1930.
Lanalyse situe 1'intégralisme dans la c a t é g o r i e des mouvements fascistes. Par rapport à cette i d é e ,
le sujet est centre dans les vicissitudes qui connait le mouvement au cours de son processus
dexpansion r é g i o n a l e , en fonction des p a r t i c u l a r i t é s de ce moment historique.
Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos
Geógrafa do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
O U n i v e r s o do T r a b a l h o do
làa - S P
(1876/1930)
A
paulista, até e n t ã o essencialmen-
nalisar o universo do
2
trabalho imigrante,
te rural.
na cidade de Itu, de
A expulsão desses imigrantes
uma forma mais ampla, no pe-
de seus p a í s e s de origem,
notadamente da Itália, foi
ríodo de 1876 a 1930, é uma
tarefa extremamente exaustiva, cuja di-
causada pela e x p a n s ã o do capitalismo
m e n s ã o extrapola a abrangência de um
a p ó s 1850 e c o n s e q ü e n t e divisão inter-
artigo. Porém, a pesquisa realizada a par-
nacional do trabalho. O fato de eles n ã o
tir das fontes p r i m á r i a s resgatou dados
se
essenciais para a análise das diferentes
proletarização em sua terra natal esti-
categorias de trabalho, da composição da
mulou a emigração para o Brasil, rece-
1
submeterem
ao
processo
de
3
população imigrante por nacionalidade e
bendo esse movimento pleno apoio go-
de alguns aspectos de sua trajetória ao
vernamental, tanto no país receptor como
c h e g a r ao B r a s i l . O corte t e m p o r a l
no expulsor. Em 1871, sancionava-se
corresponde à fase de transição da m ã o -
uma lei em que o governo brasileiro era
de-obra escrava para a mão-de-obra l i -
autorizado a emitir apólices de a t é seis-
vre, m o m e n t o em que as correntes
centos contos, visando o pagamento de
imigratórias tornaram-se mais expressi-
passagens de imigrantes, dando-se pre-
vas, povoando grande parte do interior
ferência aos do norte europeu. Messe
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. X0. n ° 2. pp. 37-52, J u l / d e i 1997 - p á g . 3 7
m e s m o a n o , criava-se a A s s o c i a ç ã o
para a a c e l e r a ç ã o do fluxo imigratório,
Auxiliadora de Colonização e Imigração.
entre eles a abolição da escravatura e a
Em 1884, uma lei provincial autorizava o
ampliação da nascente rede viária na re-
presidente da província a dispor anual-
gião de Itu, em face da e x p a n s ã o da la-
mente de duzentos contos para a cria-
voura canavieira. A abolição da escrava-
ção de núcleos coloniais, e quatrocentos
tura (1888), embora tenha abalado a es-
contos para auxiliar na introdução de imi-
trutura e c o n ô m i c a de grande parte do
grantes tanto nos núcleos como nas gran-
país, incentivou, por outro lado, o pro-
des lavouras. E em 1886, fundava-se a
cesso imigratório, pois o café se expan-
Sociedade Promotora de Imigração, jun-
dia para as zonas de povoamento mais
to ao governo provincial, que funcionaria
recentes do interior paulista, g r a ç a s ao
oficialmente a t é 1895.
4
Somente em
trabalho do colono imigrante. As relações
1923 seria criada, em Itu, a primeira As-
de trabalho, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se mo-
sociação de Trabalhadores Têxteis, trans-
dificaram, permitindo uma melhor distri-
formada em sindicato em 1944.
5
Vários foram os fatores que contribuíram
buição das riquezas, j á que o trabalho
assalariado, configurado no sistema de
D e s e m b a r q u e d e u m g r u p o d e Imigrantes n a e s t a ç ã o d a H o s p e d a r i a d e Imigrantes. M u s e u d a
Imigração.
p á g . 3 8 . Jul/dez
1997
o
V
colonato, tinha no núcleo familiar seu
(16,5%), francesa (15,2%), espanhola
maior suporte. Zuleika Alvim, em seu l i -
(8,6%), sueca (8,6%), inglesa (4,7%),
vro Brava gente, mostra que a preferên-
holandesa (3,3%), suíça (2,7%), norte-
cia do fazendeiro pelo trabalho familiar,
americana (2%) e belga (0,6%). Verificou-
em detrimento do assalariado, dava-se
se, ainda, que o movimento migratório
pela maior exploração da mão-de-obra,
para Itu, por província, era o seguinte:
uma vez que os salários eram pagos por
96,5% originário da própria província,
tarefa e n ã o por indivíduo, o que ainda
1,2% do Rio de Janeiro e o restante da
garantia uma maior estabilidade de m ã o -
Bahia, Maranhão, Ceará, Pernambuco,
de-obra nas fazendas. Por outro lado, do
Alagoas, Rio Qrande do Sul, Minas Ge-
ponto de vista do imigrante, era a única
rais, Pará e Piauí.
forma de fugir da proletarização iminen-
A
te. Vários autores analisaram a q u e s t ã o
da rentabilidade do trabalho do colono,
comparado
ao
do
escravo.
José
Vergueiro, um dos defensores do trabalho
livre,
e s p e c i f i c o u num
artigo
jornalístico que para a aquisição de cem
escravos, obtinha-se o equivalente a
1.660 trabalhadores livres.
por sua vez, fez ainda com
que a capital de São Paulo se
tornasse o centro de irradiação, trazendo alterações em toda a conjuntura social e econômica do estado. Itu j á recebia
os benefícios da Estrada de Ferro Ituana,
interligada com Jundiaí — inaugurada em
1873 — que, sem dúvida, se configurou
A imigração converteu-se, portanto, num
fenômeno concreto, mudando a qualificação técnica da força de trabalho, tornando-a superior à do trabalho escravo.
O afluxo dessa massa imigratória resultou da existência e/ou melhoramento do
sistema de transporte na região, a p ó s o
crescimento da lavoura cafeeira. O recenseamento de 1872 j á indicava, em Itu,
um g r a n d e n ú m e r o de
expansão da rede ferroviária,
estrangeiros
(1.187 no total, sendo 707 livres e 480
escravos). Dentre os livres, 75,5% eram
homens e 24,5% mulheres. A população
estrangeira escrava era formada por 71%
de homens e 29% de mulheres. A pre-
num marco importante para o fluxo
imigratório. A população e a economia da
região cresciam, principalmente com a
afluência desses trabalhadores. O tráfego ferroviário entre Itu e Capivari, pela
nova via, fora aberto em 1875, e o de Itu
6
a Piracicaba, em 1876. Essa ampliação
da rede de comunicações com a capital
permitiu, por sua vez, um maior movimento de capital, resplandecendo a r i queza, portanto, em todo o t e r r i t ó r i o
paulista. Embora incipiente, essa rede e
o porto de Santos garantiam o êxito do
processo imigratório e da economia de
exportação cafeeira.
s e n ç a dos estrangeiros era restrita aos
A e m i g r a ç ã o estrangeira para o Brasil
de origem portuguesa (37,8%), italiana
teve no elemento italiano seu principal
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 3 7 - 5 2 . Jul/dez 1997
- p á g . 39
A
C
E
componente. A média anual que se diri-
Os imigrantes italianos, em sua maio-
gia para o Brasil era de 43.116 italianos
ria, originavam-se principalmente do nor-
(1870/1902), caindo depois para 14.328
te da Itália. Dentre as principais provín-
8
(1902/1920). A diminuição desse contin-
cias, destacavam-se as do Vêneto (107):
gente foi acentuada, pois enquanto de
Verona (19), Treviso (16), Veneza (15),
1902 a 1920 vieram para o Brasil 290.027
Pádova (14), Trento (13), Rovigo (11),
italianos, para os Estados Unidos enca-
Vicenza (7), Udine (5), Pádua (5), Beluno
minharam-se 3.920.330" pessoas.
(2); Lombardia (28): Mântua (24) e Milão
Itu, a s s i m c o m o o u t r o s
municípios
paulistas de povoamento antigo, teve
maior aumento populacional no mesmo
período em que o estado de São Paulo
recebeu a massa imigrante, por ocasião
da primeira fase do desenvolvimento industrial paulista (1890 a 1914). Entre
1887 e 1917, entraram 809.650 imigrantes italianos, dos quais 387.990 no curto
período de nove anos (1892 a 1901). Por
essa razão, as cifras sobre o crescimento populacional da cidade de São Paulo
quase quadruplicaram, embora estivessem incluídos distritos tipicamente rurais.
C
omparados ao
7
recenseamento
de 1872, os registros da população imigrante residente em
Itu, no período de 1939 a 1969, permi-
tem avaliar que ocorreu o aumento da
diversidade da procedência desses novos
habitantes. Constata-se, e n t ã o , que pred o m i n a v a m os i m i g r a n t e s i t a l i a n o s
(46,6%), seguidos pelos espanhóis (36%),
portugueses (4%) e os demais (13,4%),
compostos por suíços, franceses, libaneses, a u s t r í a c o s , venezuelanos, argenti-
(4); E m í l i a R o m a n a (8): Ferrara(4),
Castelnuovo (2), Módena (1) e Forli (1).
Caracterizavam-se, de modo geral, como
uma população extremamente jovem, com
idade inferior a 13 anos, na maioria dos
casos (60%). O universo do trabalho imigrante estava concentrado principalmente
no campo, como lavradores (92) (9%), lavradores/proprietários (67) (6,6%), jornaleiros/diaristas (2), agricultorres (2) e arr e n d a t á r i o s (2) (0,6%). Sem considerar
aqui as 'domésticas', que atingiam altos
índices (189) de o c u p a ç ã o , tanto no campo como na cidade.
Enquanto a maior parte da massa imigrante — notadamente de origem italiana, que se Fixava na capital paulista no
início do processo imigratório — dedicava-se à p r o d u ç ã o fabril, como o p e r á r i o s
e proprietários de estabelecimentos i n 9
dustriais, no interior do estado, em particular em Itu, essa p o p u l a ç ã o restringiase ao trabalho no campo, principalmente
nas lavouras de café, pois tinha na agricultura melhor oferta de trabalho e moradia.
nos, egípcios, romenos, a r m ê n i o s , ale-
O pequeno proprietário, a r r e n d a t á r i o e
m ã e s , holandeses, paraguaios, h ú n g a r o s
meeiro, italiano, na sua terra de origem,
e ingleses.
em quase nada diferia do
p á g . 4 0 . Jul/dez
1997
bracciante,
O
V
R
embora fosse proprietário de pequena
parcela de terra ou detivesse um certo
Tabela 1
E m i g r a ç ã o italiana
regiões
capital para arrendamento de á r e a s para
cultivo. Em vista do insuficiente quadro
industrial para absorção de mão-de-obra,
transformava-se em proletário rural.
para o Brasil por
(1876-1920)
Vêneto
365.710
Campânia
166.080
10
113.155
Calábria
105.973
O universo do trabalho do imigrante, em
Lombardia
Itu, atrelava-se certamente à escolha
Abruzzi/Molise
93.020
ocupacional, condicionada à s raízes his-
Toscana
81.056
tóricas dessa massa imigratória, levan-
Emília
59.877
do-se em conta os valores próprios de
Basilicata
52.888
uma sociedade pré-industrial e as dife-
Sicília
44.390
renças regionais de cada nação. A esco-
Piemonte
40.336
lha inicial do imigrante pelo campo, em
Puglia
34.833
detrimento da cidade, dava-se com base
Marche
25.074
nos seus valores socioculturais. Por essa
Lázio
15.982
r a z ã o , eram assustadoras as cifras de
Úmbria
11.818
emigração da região setentrional da Itá-
Ligúria
9.328
lia, notadamente do Vêneto (30%) para o
Sardenha
6.113
Brasil, entre 1876 a 1920, estudado por
Total
Zuleika Alvim, tomando-se por base o
Fonte: Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, São
Paulo, Brasiliense. 1966.
recenseamento do Brasil de 1920.
Romana
1.243.633
11
Dentre os sócios relacionados no livro de
lio estado de São Paulo, segundo o cen-
registros da antiga Sociedade de Mútuo
so
Socorro Luigi de Savoia, fundada em
de
1920, a
massa
imigrante
1J
correspondia, de um modo geral, a 18,1%
1919,
da população total. Qrande parte desse
(58,8%) italianos e seus descendentes j á
contingente era composta por italianos
haviam se tornado trabalhadores urba-
(60%), e s p a n h ó i s (27%), portugueses
nos e destacavam-se como pequenos co-
(5%), a u s t r í a c o s (3,6%), turcos (1,2%),
merciantes ou a r t e s ã o s . As diferentes ca-
franceses (0,7%), a l e m ã e s (0,6%), argen-
tegorias desses trabalhadores e o número
tinos (0,5%), uruguaios e americanos
de pessoas ocupadas podem ser obser-
(0,2%), poloneses e suecos (0,1%) e, em
vadas a seguir: proprietário (34), nego-
menor escala ainda, dinamarqueses, rus-
ciante (22), trabalhador (10), industrial
sos, s u í ç o s , venezuelanos, cubanos e
(8), sapateiro (8), alfaiate (7), carpintei-
húngaros
ro (6), ebanista (5), açougueiro (4), mo-
(esses dados referem-se aos
verificou-se que, nesse ano, 168
que inclusive adotaram nacionalidade
torista (4), construtor (3), carreteiro (3),
brasileira).
construtor de edifício (3), padeiro (2),
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 1
A
C
E
serralheiro (2), barbeiro (2), guarda-livros
(I) , Merja (1), A d i a (1), G u e r b a (1),
(2), artista (2), m e c â n i c o (2), relojoeiro
Algarrobo (1), Alcandete Jaen (1) e sem
(2) , bilheteiro (2), vigilante (2), cocheiro
identificação de origem (7). C o m e ç a r a m
(1), operário de olaria (1), chefe de es-
a chegar, em maior n ú m e r o , no Brasil,
t a ç ã o telefônica (1), pastor (1), ourives
somente a partir dos anos de 1910, con-
(1), leiteiro (1), pastato (1), marmorista
forme verificado na d o c u m e n t a ç ã o da
(1), ferrador (1), hoteleiro (1), negocian-
série registro de estrangeiros. Assim sen-
te de madeira (1), caixeiro-viajante (1),
do, notou-se o registro de (1) espanhol
arrieiro (1), o p e r á r i o (1), t é c n i c o (1),
em 1878, (2) em 1888, (1) em 1889, (2)
carrero (1), comerciante (1), farmacêuti-
em 1890, (2) em 1892, (3) em 1893, (4)
co (1), médico (1), agricultor (1), funileiro
em 1894, (2) em 1895, (2) em 1896, (4)
(1), pedreiro (1), tipógrafo (1), arquiteto
em 1897, (2) em 1898, (2) em 1899, (2)
(1), marmoreiro (1), vendedor de tripas
em 1900, (2) em 1901, (1) em 1902, (1)
(1), proprietário de garagem (1), profes-
em 1903, (5) em 1904, (6) em 1906, (1)
sor (1) e litógrafo (1).
em 1907, (2) em 1909, (6) em 1910, (13)
C
em 1911, (13) em 1912, (16) em 1913,
omo s ã o escassos os estudos
sobre a i m i g r a ç ã o espanhola
no Brasil, verificou-se, nas fon-
tes documentais j á destacadas, que a sua
grande maioria em Itu era originária de
Granada (31), Málaga (19), Almeria (16)
e Toledo (9), seguindo Múrcia (6), Lorca
(3) , Ruvite (3), Madri (3), Pazo-Alcon-Jaon
(II) em 1914, (3) em 1915, (3) em 1916,
(1) em 1917, (2) em 1920, (4) em 1921,
(7) em 1922, (7) em 1923, (4) em 1924,
(3) em 1925, (3) em 1926, (4) em 1927 e
(1) em 1929, sendo que sete elementos
não forneceram dados sobre a data de
sua chegada ao Brasil.
(3), Cádis (3), Pamplona (2), Leon (2),
Embora numericamente inferior ao imi-
C á c e r e s (2), Orenze (2), Sevilha (2),
grante italiano, o espanhol n ã o diferia
Alicante (2), Palácios Rubios (1), Caim (1),
substancialmente daquele, pois era tam-
Narmeriana (1), Salamanca (1), Vila Coim
bém colono e lavrador, visto que a pe-
(1). Haen (1), Ubida (1), Hetea (1), Ávila
quena propriedade predominava e se
(1), Cartagena (1), Samora (1), Motril (1),
configurava nos moldes da p r o d u ç ã o e
Ponte Vedra (1), Sogronha (1), Armedo
consumo familiar. O sobreproduto cres-
(1), Albaceti (1), Colmenar (1), Colúmbria
cente da agricultura, no entanto, trans-
(1), Pliego (1), C ó r d o b a (1), Sierra dei
formava aos poucos a cidade e o siste-
Lehgua (1), Mazarron (1), Montilla (1),
ma de manufatura urbana, e reforçava a
Luidarrar (1), Valdeverdeja (1), Vila de
capacidade produtiva, ampliando o n ú m e -
Albandon (1), Albunol (1), Cuia de Vassa
ro de pequenas lojas e a r m a z é n s e a pro-
(1), Jaen Pazo (1), Castres (1), Merga (1),
d u ç ã o artesanal organizada (alfaiatarias,
Pear de Becerro (1), Sorbas (1), Mendoza
c o n f e i t a r i a s , s a p a t a r i a s , o f i c i n a s de
p á g . 4 2 . Jul/dez
1997
costura e outras). A presença de operá-
rurais, 127 (26,7%) de origem italiana.
rios fabris e 'avulsos', entre os imigran-
Mo ano de 1910, ela constatou 151 pro-
tes italianos e e s p a n h ó i s , era constan-
priedades de italianos e, para o ano de
te, o b s e r v a ç ã o t a m b é m revelada em
1920, concluiu que 10,1% da população
anúncios classificados da imprensa peri-
residente no município de Itu era de ori-
ódica. O trabalho feminino estava volta-
gem italiana, considerando-se que, de um
do principalmente para as atividades do-
total de
mésticas, destacando-se, nesse univer-
italianos. A cidade vizinha de Salto cha-
so, os imigrantes italianos, e s p a n h ó i s ,
mou a atenção da autora, pois o quadro
portugueses, austríacos e romenos. Mas
era ainda mais marcante: em 1905, pos-
atividades eclesiásticas, era freqüente a
suía 96 propriedades rurais, sendo 41
presença de freiras portuguesas no Co-
(42,7%) de italianos; em 1920, possuía
légio Mossa Senhora do Patrocínio e no
147 propriedades rurais, sendo 53 (36%)
Mosteiro da Imaculada Conceição; de sa-
também de italianos. Mo ano de 1920, a
cerdotes franceses, ingleses, holandeses
população urbana residente na cidade de
e uruguaios no Colégio São Luís, na Igre-
Salto era de 9.934 habitantes, sendo
j a do B o m Jesus e no S e m i n á r i o do
1.583
Carmo; e de religiosas francesas e bel-
embora
gas no Colégio Mossa Senhora do Patro-
correspondessem a 16,6% da população
cínio e no Mosteiro da Imaculada Con-
do município de Itu, a t é o ano de 1904 a
ceição.
renda do solo urbano era restrita aos
30.392 habitantes, 3.087 eram
(15,9%)
os
italianos.
imigrantes,
14
em
Porém,
1920,
ob-
ituanos natos, conforme se observou no
servamos que ainda era freqüente a pre-
registro dos 1.256 imóveis urbanos, ca-
sença do imigrante no campo, pois 168
dastrados no livro de imposto predial de
(35,5%) estabelecimentos rurais se en-
Itu, daquele ano. Somente os nomes de
contravam nas m ã o s de estrangeiros e
Francisco Villaron e de Valentini e Irmão
seus descendentes. Zuleika Alvim, em seu
estão ali presentes como proprietários de
trabalho Emigração,
imóveis urbanos.
Ao examinarmos o censo de 1920,
13
família e luta: os ita-
15
Toscano e Trindade
18
lianos em Sáo Paulo 1870-1920, encon-
observaram que, em 1917, a cidade j á
trou no município de Itu, para o ano de
contava com acréscimos numéricos sig-
1920, de um total de 474 propriedades
nificativos quanto à população estrangei-
Accrvo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 37-52, Jul/dez 1997 - p á g . 4 3
ra (14,8%). Aos italianos a t r i b u í a - s e o
balho, que, por sua vez, como j á se ob-
maior adensamento (67%), seguidos pe-
servou, permitiu grandes a c r é s c i m o s na
los espanhóis (13,4%). Por essa razão, era
economia cafeicultora de exportação. Ma
expressivo o n ú m e r o de casas alugadas
cidade, a intensificação da massa prole-
em 1920, principalmente nas ruas Santa
tária se fez sentir, especialmente, na ca-
Cruz, Santa Rita e do Comércio.
tegoria de operários das fábricas de fia-
Os dados contidos nos registros de estrangeiros
17
permitiram observar que os
imigrantes de outras nacionalidades,
18
e
os portugueses, escolhiam a cidade como
local de moradia e trabalho — dedicando-se a atividades ligadas ao comércio,
ensino e construção civil, principalmente
—, ao passo que os descendentes de esp a n h ó i s e italianos tanto residiam no
campo como na cidade, conforme tabela
ção e tecelagem (São Pedro, S ã o Luís,
Maria Cândida, Fabril Redenção S. A. e
Reprensagem de Algodão S. A.). A partic i p a ç ã o em outras fábricas e oficinas,
além dos que trabalhavam por conta própria ou em s e r v i ç o s diversos, era freq ü e n t e . Essa massa proletária era composta por 44 operários italianos (37 homens e sete mulheres), 18 e s p a n h ó i s (12
homens e seis mulheres), quatro portugueses (três homens e uma mulher), três
que se segue:
argentinos (dois homens e uma mulher),
Tabela
1
um a l e m ã o , um l u x e m b u r g u ê s e um
Campo
Cidade
Italianos
47
45
Espanhóis
37
34
Portugueses
1
9
Outras nacionalidades (8)
6
21
lituano (quadro 1). Durante o período de
1939 a 1969, o movimento m i g r a t ó r i o
campo-cidade j á alcançava índices ele-
Total
91
109
vados no país, ao contrário do ocorrido
nas p r i m e i r a s d é c a d a s do
processo
imigratório.
O trabalho feminino, tanto no campo
como na cidade, n ã o era bem definido,
Outro dado importante, merecendo des-
pois declararam-se como ' d o m é s t i c a s '
taque, é que a população imigrante em
356 (37%) imigrantes de um total de 963.
Itu foi capaz de garantir a m a n u t e n ç ã o
Entretanto, como trabalhador rural pro-
do exército de reserva e da força de tra-
priamente dito, destacaram-se o lavra-
dor, lavrador/proprietário, agricultor, ar-
acumulação de riquezas: objetos, tesou-
rendatário e meeiro, em que 306 (31,8%)
ros, capitais virtuais. Tornava-se deposi-
eram notadamente de nacionalidade ita-
tária da riqueza monetária, tendo como
liana e espanhola.
fonte, principalmente, o c o m é r c i o e a
usura.
Como trabalhador urbano, 277 (28,7%),
destacavam-se os operários de fábrica e
avulsos, 71 (7,4%); e os comerciantes e
comerciantes/proprietários, 65 (6,7%). As
demais atividades enfatizadas a seguir
correspondem a uma parcela menor da
população imigrante urbana, que dedicava-se à educação religiosa e a outras ativ i d a d e s p r o f i s s i o n a i s : r e l i g i o s o 12
(1,2%), sacerdote 10 (1%), freira 12
(1,2%), padeiro 9 (0,9%), pedreiro 8
(0,8%), ferroviário 8 (0,8%) e diarista/jornaleiro 6 (0,6%).
19
Essa população imigrante, ao chegar no
Brasil, nem sempre se dirigia diretamente
para Itu. As certidões de primeiro casamento, em número de 252, anexadas a
essa d o c u m e n t a ç ã o de registro de estrangeiros, permitiram destacar que,
dentre os italianos que tinham contraído
as primeiras núpcias em diferentes cidades paulistas, a maioria o fizera em Itu,
e em cidades circunv izinhas: Itu (92),
Cabreúva (11), São Paulo (8), Capivari (6),
Indaiatuba (5), Campinas (5), Jundiaí (5),
Salto (4), Cravinhos (2), Cosmópolis (2),
A apropriação da renda urbana por agen-
Bauru (1) e Valinhos (1). Dentre os espa-
tes do setor privado (fábricas e oficinas)
nhóis: Itu (52), Indaiatuba (6), Sorocaba
e pelo Estado dificultou o acesso da po-
(5), São Paulo (4), Salto (3), Cabreúva (4),
pulação de baixa renda à s á r e a s privile-
Jundiaí (2), Mandaguari (2), Porto Feliz
giadas do solo urbano. Em face dessa si-
(1), Valinhos (1), Rio Claro (1), Conchas
tuação, o subúrbio da cidade, que j á es-
(1) e Capivari (1). Dentre os portugue-
tava segregado à população de baixa ren-
ses: Itu (6), Sáo Paulo (3) e Santos (1).
da, passou a ser gradativamente o espa-
Dentre outras nacionalidades: Itu (5),
o dessa nova p o p u l a ç ã o residente. O
Cabreúva (5), Indaiatuba (4), Mogi Mirim
imigrante recém-chegado à cidade sub-
(1), Jundiaí (1) e Porto Feliz (1). Essas ob-
metia-se ao trabalho urbano nos arrabal-
s e r v a ç õ e s s ã o indicativas de que antes
des e ali se instalava precariamente. A
de declararem-se como moradores de
cidade e n t ã o passava a ser o espaço de
Itu, por ocasião do cadastramento, pro-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 5
vavelmente haviam residido nessas cida-
poder oligárquico começou a ser questio-
des, onde contraíram as primeiras n ú p -
nado e novos grupos sociais emergiram.
cias, ou e n t ã o seus respectivos cônjuges
eram residentes nessas localidades
paulistas.
A c o n s e q ü e n t e a m p l i a ç ã o do q u a d r o
multirracial brasileiro, nesse p e r í o d o , foi
incisiva; o imigrante passou e n t ã o a res-
A massa proletária, composta por imi-
ponder, t a m b é m , pelas t r a n s f o r m a ç õ e s
grantes, era predominante na cidade e
nos hábitos e costumes cotidianos da so-
encontrava-se distribuída nas diferentes
ciedade paulista, procurando desenvol-
fábricas e oficinas: 44 o p e r á r i o s italia-
ver uma vida em comum, dentro das suas
nos (37 homens e sete mulheres), 20 es-
possibilidades. A atração à s novas zonas
p a n h ó i s (15 homens e cinco mulheres),
cafeicultoras estava em p r o g r e s s ã o cres-
quatro portugueses (três homens e uma
cente, o que fez com que aumentasse o
mulher), três argentinos (dois homens e
universo de trabalhadores livres estran-
uma mulher), um luxemburguês, um ale-
geiros. Essas novas culturas permitiram
m ã o (químico) e um lituano. Destacavam-
expandir o quadro dos estratos sociais,
se, dentre os estabelecimentos fabris e
trazendo uma nova divisão do trabalho.
oficinas, a fábrica de C h a p é u s Univer-
A ampliação das classes sociais urbano-
sal,
industriais fundamentava-se
fábrica
de
Vassouras
Ituana,
principal-
funilaria Lamoglia, firma Augusto Veloso
mente nas atividades comerciais. Dava-
Cia., firma Bolognesi 6c Botelho, firma
se e n t ã o à cidade de Itu uma nova feição
Comercial Limongi, Instituto Borges de
e função. Porém, diferente da imigração
Artes e Ofícios, Oficina Irmãos Qazzolla,
italiana, a espanhola (predominantemen-
firma Irmãos Conti, funilaria
Lamoglia,
te camponesa) chegara ao Brasil no final
Pilar SP firma Pegado et Souza Cia. Ltda.,
do colonato, num momento penoso de
Cortume Ituano, firma Simon 8t Cia., fir-
transição das relações de trabalho escra-
ma Alexandre Tocheton, firma Renato
vo para o assalariado.
Sandel Moura, Cerâmica Paraíso, Cerâ-
ras oportunidades, gerando-se uma m ã o -
mica Cury 6c Cia. A a s c e n s ã o na escala
de-obra pouco qualificada e diversificada.
social e de poder, por parte do imigran-
Por essa razão, diferentemente do italia-
te, s ó ocorreu bem mais tarde, a partir
no, por excelência, o espanhol n ã o dei-
da Primeira Querra Mundial, quando o
xou marcas significativas na sociedade.
p á g . 4 6 . Jul/dez
1S97
20
Ocasião de ra-
O
V
R
Quadros
Categorias de trabalho dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, e que
foram registrados no período de 1939/1969 na delegacia de polícia de Itu (quadros 1 a 6).
Ouadro 1
Nacionalidade
Irahanoa
Etpanhoii
No campo
Número de indivíduos
1
2
3
1
92
67
2
1
61
31
1
Portuflueae»
Franceaee
lníl»«
Alemaee
Búlgaro*
Belftai
Iugoslavo!
Luxem bunrueaea
5
6
2
2
1
1
I1
2
j
Na cidade
Numero de indo Iduos
9
10
11
2
44
7
18
|
j
8
13
»
7
12
3
13
6
1
14(a)
5
3
1
4
10
1
i
3
4
2
1
1
-
1
1
1
Holandeae»
Lituano*
Húngaro!
Ruaaoa
Armênios
Ejdpde»
Sinos
Ubaneaea
2
1
2
2
2
1
1
2
1
4
-
1
1
!
3
:
1
5
1
4
3
2
3
Venezuelano!
Norlc-arneneanoe
lotai
1
112
2
182
1
10
6
28
37
1
71
15
4
9
S
1 - lavrador; 2 - lavrador/proprietário; 3 - agricultor; * - arrendatário; 5 - meeiro; 6 - diarista/Jornaleiro; 7 - comerciante;
8 - comerciante/proprietário; 9 - negociante; 10 - operário de fábrica e avulso; 11 - proprietário; 12 - sapateiro; 13 - padeiro;
14 - pedreiro (autônomo e empregado)
Nacionalidade
lulum»
espanhóis
Hortu^ucsoi
Franceses
Ingleses
15
1
1
1
16
6
.
1
17
1
1
Quadro 2
Na cidade
Ni mero de IndiMdi •
19
20
21
22
18
2
2
2
3
1
2
1
1
2
1
5
23
1
1
24
11")
104
12
25
1
26
4"
2
9
13
2
1
1
Austríacos
Ikil caros
lklws
Iugoslavos
luxcmburgucscs
Sui'.is
1 lolandeses
ljtuatMK
Húnearoa
Russos
Japoncaca
Armemos
KRÍPC.O,
Sírios
1
2
s
Argentinos
Uruguaios
Paraguaio!
Vcnc/uclanoa
Noríc-amerícanoa
Total
1
1
3
1
5
1
4
3
1
—
1
2
4
9
2
3
3
4
4
8
2
356
1
12
13 - chapelro; 16 - mecânico; 17 - oleiro; 18 - carpinteiro; 19 - ferreiro; 20 - motorista; 21 - carroceiro;
22 - ferroviário; 23 - relojoelro; 24 - doméstica; 23 - cirurgião dentista; 26 - religioso
•
Colégio riossa Senhora do Patrocínio
• • Seminário do Carmo
• • • Mosteiro Imaculada Conceição
• • • " residência e Igreja do Bom Jesus
• • • • • Colégio Sáo Luís em São Paulo
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 7
A
C
Quadro 3
Na cidade
Nacionalidadc
Número de indivíduos
27
28
29
30
31
32
33
34
Italianos
-
-
•1
-
1
-
1
2
F.spanhóis
-
•
r
1
-
i
.
Portugueses
-
1"
1
.
-
-
-
Franceses
-
-
-
-
-
-
Ingleses
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
'4 * 1 * * *
1"
Alemães
-
Austríacos
-
-
Romênios
-
1*
llúlearos
-
-
iklgas
-
Iugoslavos
-
Luxemburgueses
-
Suíços
-
Holandeses
Liluanos
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
6"*
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
i
-
Húngaros
-
-
-
Russos
-
-
-
Japoneses
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Hcipcios
-
-
-
-
Sírios
-
-
-
-
Libaneses
-
-
-
-
-
Argentinos
-
•
-
]...
-
-
-
-
2
2
-
-
-
1
-
1
-
-
-
-
-
-
_
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
4
1
-
-
-
Paraguaios
-
-
-
-
-
-
Uruguaios
37
2
-
-
Armênios
36
_
•
35
Venezuelanos
-
-
-
-
-
Norte-americanos
-
-
-
-
-
-
Tolal
10
-
12
1
1
2
-
2
2
4
27 - sacerdote; 28 - icminarisU; 29 - freira; 30 - ministro evangélico; 31 - músico/professor; 32 - artista/pintor; 33 - professor;
34 - inválido; 35 - estudante; 36 - aposentado; 37 - sem especificação; 38 - outras atividades (a/x)
*
Colégio Mossa Senhora do Patrocínio
**••
• • Seminário do Carmo
* • • Mosteiro Imaculada Conceição
Quadro 4
Número de lndi\idun*
Nacionalidade
Italianos
l-spanhois
Portugueses
residência e Igreja do Bom Jesus
Colégio Sào Luís cm Sào Paulo
W
4
C)
H2
w1
2
1
(c)
1
0
2
1
(h)
0)
1
1
1
2
Franceses
fcajlINi
Alemães
AMÉM
M M H
líiilil.-if Belgas
Iugoslavos
1 jjxcm burguês cs
Suis.»
1
IMMHM
UMMM
Húngaros
Russos
Jiiporiescs
Armênios
Egípcios
Sírios
I ih.mescs
Argentinos
Uruguaios
1'araguak»
Venezuelanos
Norte-americanos
T5S
6
1
1
(a) vendedor ambulante
(d) pirotécnico
(g) encanador
(b) chanilciro
(c) funileiro
(e) carregador
(0 lipògnuo
(h) criador de abelhas
(i) caldeúeiro
p á g . 4 8 . J u l / d e z 1997
Quadro 5
.Número dc lndmduos
(m)
(n)
M
0)
]
1
2
1
Niiiiorui liti.uk(k)
Italianos
Espanhóis
Portugueses
O
V
R
i
<»)
1
w
1
-
1
(r)
1
•
maMi
Ingleses
Alemães
Austríacos
Romenos
IJúl caros
Belgas
IlieOslaVuS
I li vem burgueses
Sulcos
1 U M deses
Iiluanos
Húngaros
Russos
Japoneses
Armênios
l-.gijvi.*
Sírios
. sj-qenhnos
l 'ruguaios
Paraguaios
Venezuelanos
Norte aniericanos
i
(j) foguista/operário
(k) construtor
Nacionalidade
Italianos
Espanhóis
Portugueses
Franceses
Ingleses
Alemães
Austríacos
Romenos
Húlgaros
llelgas
Iugoslavos
Luxemburgueses
Suíços
1 lolandeses
Lituanos
I Iúngaros
Russos
Japoneses
Aniiênios
Egípcios
Sírios
Libaneses
Argenlinos
Uruguaios
Paraguaios
Venezuelanos
Norte-americanos
Total
(s) guarua-noile
(t) barbeiro
1
1
(1) rebolci.ro
(m) seleiro
1
1
1 2
(n) marceneiro
(o) contador
1
1 1
(p) cleiricista
(q) lenhciro
Quadro 6
Número de indivíduos
(v)
(u)
(s)
(D
1
1
(r) alfaiate
(x)
1
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-•
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
1
1
1
2
-
-
-
(u) química
(v) engenheiro civil
1
-
-
-
<*) fotógrafo
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 37-52, j u l / d e z 1997 - p á g . 4 9
D o c u m e n t a ç ã o (impressa e manuscrita)
503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de
- Livro de imposto predial de Itu, ano
Estatística, 1926.
1904, Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
- Recenseamento do Brasil, ano 1920, Ministério da Agricultura e Comércio, D i -
- Livro de registro de sócios, ano 1919,
retoria Qeral de Estatística, Tipografia
Arquivo da Sociedade Ítalo-Brasileira
de Estatística, Rio de Janeiro, FIBQE,
'Dante Aleghieri' em Itu.
ano 1927.
- Recenseamento do Brasil, província de
- Coleção delegacia de polícia de Itu,
São Paulo, Paróquia de Mossa Senhora
série registro de estrangeiros, período
da Candelária de Itu, ano 1872.
de 1939 a 1969, Museu Republicano
- Recenseamento do Brasil, vol. III, pp.
N
O
T
'Convenção de Itu'.
A
S
1. Coleção delegacia de polícia de Itu - série registro de estrangeiros, Recenseamento do Brasil,
de 1920 e de 1926, registro de estrangeiros (italianos) e livro de registro de sócios da
Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Aleghieri' e livros de impostos prediais de Itu, do acervo do
Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
2.
Pasquale Petrone, ao analisar as indústrias paulistas e os fatores de sua expansão, destaca,
com base nos trabalhos de Vicente U. Almeida e Otávio T. Mendes Sobrinho, sobre migração
rural-urbana, que após o ano de 1930 o movimento em direção aos centros urbanos tornou-
p á g . 5 0 , Jul/dez
1997
O
V
R
se mais intenso, particularmente para a cidade de São Paulo. Ver Pasquale Petrone, "As indústrias paulistanas e os fatores de sua expansão". Boletim Paulista de Geografia (14), São
Paulo, julho de 1953, p. 34.
3. A Itália se desfez de cerca de 20 milhões de indivíduos entre 1861 e 1940, sendo que 85%
saíram entre 1861 e 1920. Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, 2 ed., São
Paulo, Brasiliense. 1986, p. 24.
4. Ver Zuleika Alvim. op. cit., pp. 42-49.
5. Ver Jonas Sousa e Júlio Wakahara, Itu: quatro séculos de história, s.d., p. 3.
6. Ver Francisco Nardy, Cronologia
ituana,
São Paulo, Ed. Bentivegna, 1951, vol. 4.
7. Conforme Pasquale Petroni, op. cit., pp. 26-37.
8. Essa documentação foi coletada na delegacia de polícia de Itu e doada ao Museu Republicano 'Convenção de Itu', em 1995, embora grande parte dela, correspondente aos registros de
'italianos', j á tivesse sido incorporada, também por doação, à Sociedade Ítalo-Brasileira
'Dante Alighieri', antiga Sociedade de Mútuo Socorro 'Luigi di Savoia'. Portanto, apenas
cerca de 50% do número total de registros dos 1.015 imigrantes, cadastrados nessa documentação do arquivo do registro de estrangeiros da delegacia de polícia de Itu (período de
1939 a 1969), foi anexado ao MRCI, dando-se então origem à Coleção delegacia de polícia
de Itu - série registro de estrangeiros. Embora essa coleção seja mais ampla, analisou-se
somente a documentação dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, cujos
registros foram efetuados no período de 1939 a 1969. Essa documentação originou-se do
efetivo cadastramento desses imigrantes, em obediência ao decreto-lei n° 7.967, de 18 de
setembro de 1945. Legislação essa que visava efetuar rigorosamente esses registros, com o
objetivo de imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação única e definitiva, que
atendesse à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desenvolver a imigraçáo que fosse fator de progresso para o país (Bureau de Informações Policiais,
São Paulo. 1945, p. 2, datilografado).
9. Petrone, avaliando a obra de Bandeira Jr. sobre a indústria em São Paulo, em 1901, observou
que já eram em número de cem as principais fábricas paulistas (fiação, tecelagem, móveis,
vestuário, bebida etc). Trinta e quatro delas eram de propriedade de italianos, e as demais
de estrangeiros de outras nacionalidades. O quadro do operariado, que mantinha proporções equivalentes (dentre adultos e crianças de ambos os sexos), continha oito mil operários
fabris, sendo cinco mil estrangeiros (na grande maioria italianos), 803 nacionais e cerca de
2.100 de nacionalidade não especificada. Pasquale Petrone, op. cit., p. 28.
10. Zuleika Alvim, op. cit., p. 32.
11. Idem, ibidem, pp. 62-73.
12. Atualmente denominada Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Alighieri'.
13. Recenseamento do Brasil - relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recenseados no estado de São Paulo, vol. III, pp. 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de Estatística,
1926.
14. Zuleika Alvim, Emigração,
família
e luta: os italianos em São Paulo 1870-1920, dissertação
de mestrado apresentada ao Departamento de História da fFLCH/USP, São Paulo, 1983, p.
263.
15. Documentação pertencente ao acervo do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI).
16. João Toscano e Jaelson Trindade,
um programa
de ação
cultural.
Diagnóstico
geral da cidade de Itu para implantação
de
São Paulo, Condephaat, 1977, vol. 1, pp. 60-61,
(mimeografado).
17. As declarações contidas nessa documentação referem-se ao período de 1892 a 1930. Os
dados obtidos foram extraídos dos 197 documentos que acusavam declarações de tempo de
residência em Itu (campo e cidade).
18. Considerados aqui de outras nacionalidades: sírios, franceses, libaneses, austríacos,
venezuelanos, argentinos, egípcios, romenos, armênios, alemães, holandeses, paraguaios,
húngaros e ingleses.
19. Ver Henri Lefebvre, O direito à cidade, São Paulo, Ed. Documentos Ltda., 1969, p. 10.
20. Ver José Martins, "A imigraçáo espanhola para o Brasil e a formação da força de trabalho na
economia cafeeira: 1880-1930", Revista de História, n. 121, São Paulo, ago./dez. de 1989,
p. 25.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 3 7 - 3 2 . j u l / d e z 1997 - p á g . 3 1
A
B
S
T
R
A
C
T
This article seeks to draw a general profilc of the immigrants in Itu, state of S ã o Paulo, with the
focus on their work universe. The analysed period, from 1876 to 1930, corresponds to the period
of transition from slave labour to free labour, when the latter was integrated, in large part, in the
countryside of S ã o Paulo, till then essencially agricultural.
R
É
S
U
M
É
Cet article a pour but exposer un profil general de Ia ville d'ltu — S ã o Paulo, ayant comme
r é f é r e n c e son universe de travail. Le p é r i o d e a n a l y s é (1876/1930) se rapporte à la transition de
Ia main-d'oeuvre esclave à la libre, quand la d e r n i è r e fut i n c o r p o r é e à 1'intérieur de la province de
S ã o Paulo, jusqu' alors essentlellement agricole.
Elena Pájaro Feres
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
99
' P r ©vertia! Hospiíalicilaííle ?
A Revises, de Ixnigréição e Colonização
e
o JiscMrso oficial sotre o imigraiiíe
'^N.
1 9 4 0 , os
-A_
lo de três anos, apenas mais um volume,
V a s d é c a d a s de 1930 e
e m 1 9 5 5 , q u a n d o a p u b l i c a ç ã o foi
intelectuais
suspensa.
\ J brasileiros empenhados
em controlar a imigração sus-
O
tentaram um discurso marcado
centrava-se em assuntos dire-
pelo preconceito, sendo um dos
tamente relacionados à i m i -
canais oficiais de divulgação des-
gração, reproduzindo artigos publicados
tas idéias a Revista de / m i g r a ç ã o e Colo-
pela grande imprensa, a legislação em
nização.
vigor, relatórios, estudos e pareceres. Se-
Publicada entre os anos de 1940 e 1955
pelo Conselho de Imigração e Colonização (CIC), ó r g ã o criado em 1938 para fis1
calizar e selecionar os imigrantes, a Revista de Imigração
e Colonização
foi
conteúdo
da
revista
gundo Tucci Carneiro, esse periódico era
consultado por t é c n i c o s e autoridades
diplomáticas, em busca de uma orientação para a q u e s t ã o imigratória brasileira. A autora considera que:
lançada para ser, inicialmente, um peri-
A t r a v é s de artigos cientificamente' re-
ódico com quatro volumes anuais. Entre
digidos e assinados por autoridades
1950 e 1952, todavia, saíram somente
médicas, diplomáticas, bacharéis
dois volumes anuais e, a p ó s um interva-
direito, s o c i ó l o g o s e educadores, a re-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 5 3 - 7 0 . j u l / d e z 1987
em
- pau. 33
A
C
E
vista defendeu nos anos de 1940 a ma-
o aproveitamento das grandes corren-
n u t e n ç ã o de uma p o l í t i c a
tes i m i g r a t ó r i a s e u r o p é i a s que se
imigratória
restritiva apoiada em c r i t é r i o s é t n i c o s ,
p o l í t i c o s e morais.
3
zem
e s p e r a r no p e r í o d o
do
fa-
após-
guerra.*
Durante o Estado Movo, a Reu/sta de / m i -
A preocupação com esse novo imigrante
g r a ç ã o e Colonização
foi porta-voz de um
transparece em grande parte dos artigos
pensamento racista, legitimador da polí-
da Reuista de Imigração e Colonização, cujo
tica discriminatória do governo Vargas em
conteúdo nos permite reconstruir o per-
relação ao estrangeiro. Mo entanto, mes-
fil do imigrante ideal e o conceito que lhe
mo
chamada
era conferido enquanto "elemento inde-
'redemocratizaçào' do país, em 1945, a
sejável e estranho" à sociedade brasileira.
com
o
início
da
q u e s t ã o imigratória continuou a ser tratada pelos colaboradores da revista como
um problema nacional, persistindo o tom
de intolerância contra o estrangeiro, visto como um perigo que ameaçava a se-
Os autores que contribuíam com esta publicação eram, principalmente, médicos,
psiquiatras, higienistas, jornalistas, juristas, educadores e diplomatas, muitos dos
quais j á escreviam sobre o assunto des-
gurança do país.
de a década de 1920, como é o caso dos
IMIGRANTE -
BRAÇO E SANGUE
psiquiatras Antônio Xavier de Oliveira e
5
C
Antônio Carlos Pacheco e Silva. A maioom o fim da Segunda Guerra
ria desses intelectuais teve ligações d i -
Mundial, as atenções das potên-
retas com o Estado durante o governo de
cias voltaram-se para a tarefa
Qetúlio Vargas, tendo assumido cargos
de 'reconstrução' da Europa devastada e
políticos ou propondo a ç õ e s que deveri-
para o problema dos refugiados de guer-
am ser executadas pelo poder estatal.
ra, denominados displaced persons ou DPs.
Mas páginas da Reu/sía de Imigração
Mo Brasil, com a reabertura da imigra-
Colonização,
ção pelo decreto-lei n. 7.967, de 18 de
grantes desde que devidamente selecio-
setembro
de 1 9 4 5 ,
3
esperava-se um
grande a fluxo de imigrantes dada a situa ç ã o de caos e miséria em que se encontrava o continente europeu. O Conselho de Imigração e Colonização, representante do posicionamento político do
Ministério das Relações Exteriores, preparou-se para orientar essa nova imigração procurando:
... aparelhar eficientemente o p a í s para
p á g . 5 4 . Jul/dez
1997
e
defendiam a entrada de imi-
nados no tocante a suas qualidades físicas, mentais, profissionais e raciais.
Mo artigo "Aspectos psicológicos na imigração após-guerra", publicado em junho
de 1946 pelo psiquiatra Lira Cavalcanti,
encontramos idéias que foram recorrentemente utilizadas pelos intelectuais colaboradores da revista. Cavalcanti toma
a imigraçáo como um problema que deveria ser solucionado através "da verifi-
O
V
R
cação biotipológica do imigrante e de
rece como sendo de extrema importân-
suas qualidades eugênicas" para que se
cia a q u e s t ã o do potencial reprodutor do
pudesse evitar a entrada de indivíduos
imigrante. Fala-se em braços
"inaptos física e mentalmente". A preo-
voura e a i n d ú s t r i a , mas t a m b é m em
cupação imediata era com a possível che-
"sangue novo' ou 'plasma de reprodução',
gada dos chamados "egressos de guer-
acreditando-se que os imigrantes viriam
ra", vistos como "psicopatas incubados".
"aduzir sangue novo à nossa etnia", como
Afirma que necessitamos de braços e téc-
afirmou Fernando Mibielli de Carvalho
nicos e não de ociosos e aproveitadores,
no a r t i g o " I m i g r a ç ã o : u m p r o b l e m a
nem tampouco de "raças estanques", que
nacional".
não se misturam. Para dar crédito a suas
A metáfora do sangue acompanhou a po-
conclusões, Cavalcanti utiliza dados es-
lítica nacionalista brasileira nos anos de
t a t í s t i c o s r e c o l h i d o s pelo professor
1930. Era preciso controlar a circulação
Pacheco e Silva, no hospital de Juqueri,
desse fluxo s a n g ü í n e o representado pelo
entre 1921 e 1942, demonstrando que a
imigrante portador do ' s a n g u e - s ê m e n ' ,
maioria dos criminosos e alienados era
constituída de refugiados de guerra.
para a la-
7
princípio da vida, mas t a m b é m do 'san-
6
g u e - d o e n ç a ' , princípio da d e s t r u i ç ã o e
8
De forma geral os artigos seguem este
morte. A continuidade desse pensamen-
raciocínio, estipulando qual seria o imi-
to no período p ó s - g u e r r a deixa clara a
grante desejável e o indesejável, quais
importância conferida ao sangue como
os perigos provenientes de uma imigra-
símbolo formador da nacionalidade.
ção descontrolada e quais as possíveis
A idéia de r e p r o d u ç ã o vinha atrelada à
s o l u ç õ e s . O apelo à chamada 'ciência
c o n d i ç ã o de ' e l e m e n t o de f o r m a ç ã o
moderna' é constante, especialmente nos
e u g ê n i c a ' , ou seja, seriam bem-vindos
artigos escritos por médicos, e as medi-
aqueles que pudessem colaborar de for-
das eugênicas s ã o evocadas como a gran-
ma positiva para a configuração racial do
de saída para o aperfeiçoamento da população.
homem brasileiro. O fator raça era uma
prioridade, seguido do fator
O imigrante ideal, considerado imprescindível para o progresso do país, conti-
econômico,
e n t ã o secundário. Antônio Xavier de Oliveira alertava:
nuava sendo, como na década de 1930,
Tfenha-se o imigrante, em primeiro lu-
o agricultor, o técnico e o operário quali-
gar, comp um
ficado. O que importava, em um primei-
como um elemento de
ro momento, era a sua capacidade em
eugênica
desempenhar funções ou transmitir co-
integrá-lo em nosso cruzamento raci-
nhecimentos que atendessem aos inte-
al, de modo a torná-lo um fator 100%
resses do país adotivo. Ho entanto, apa-
positivo na constituição de cada M . H I -
plasma de
reprodução,
formação
do nosso povo, visando-se
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 33-70. J u l / d e i 1997 - p á g . 5 3
A
C
onalidade americana, e depois, secundariamente, como um fator e c o n ô m i -
E
que era tomado como dever patriótico na
intenção de salvaguardar a nacionalidade. Segundo o dr. Antônio Viana, no arti-
9
co a p r e c i á v e l . (grifo meu).
Assim, os critérios de seleção do imigran-
go "O imigrante solteiro em face à políti-
te se pautavam na sua capacidade de tra-
ca biológica", de março de 1946,
balho e assimilação, bem como no seu
para a melhoria dos rebanhos é exigi-
potencial reprodutivo, considerado pelos
do, como garantia,
médicos como o mais importante.
reprodutores e com muito mais direito
Constatamos, através do discurso oficial
e mais racional e humano seria, tam-
contido na Revista de Imigração
e Colo-
b é m , o solicitar, indiretamente, atra-
um processo de d e s u m a n i z a ç ã o
v é s de um severo « x a m e m é d i c o , para
do imigrante, tratado como um objeto,
o imigrante solteiro — falando em nos-
um elemento portador de características
so favor toda essa vasta t r a g é d i a
que
que podem ou não interessar ao país re-
representa o tenebroso c a p í t u l o
da
ceptor. Esta d e s u m a n i z a ç ã o torna-se evi-
heredopatologia
humana, a l é m de um
dente quando percebemos os termos aci-
dever patriótico
de orientarmos e res-
onados constantemente para designar o
guardarmos o destino de nossa nacio-
imigrante: alienígena;
bom ou mau ele-
nalidade, sabendo-se que somos um
mento;
ou
nização,
desejável
Indesejável;
reprodutor; entre outros de sentido mais
ou menos pejorativo que abordaremos a
seguir. O critério de avaliação do imigrante é sempre utilitário, possibilitando a sua
classificação de acordo com "distinções
funcionais', seguindo as d e t e r m i n a ç õ e s
de uma política de s a ú d e .
(grifo meu).
Esse pedigree seria determinado, segundo as s u g e s t õ e s , através de rigorosa seleção médica, de acordo com os p a d r õ e s
estipulados pela ciência e u g ê n i c a . Pretendia-se, desta forma, evitar a entrada
de imigrantes portadores de deficiências
físicas, mentais e morais, explícitas ou
O imigrante, segundo os autores da revazios"" e cultivar os campos, mas tamb é m contribuiria para a formação étnibrasileira,
1 4
dos
10
vista, serviria para "encher os e s p a ç o s
ca
povo em f o r m a ç ã o .
o pedigree
favorecendo
"embranquecimento da raça",
12
formação de uma "nova raça",
13
o
ou até a
uma vez
que o brasileiro continuava sendo, na
opinião de muitos, um povo em formação.
ocultas nos gens.
A medicina como e s t r a t é g i a biopolítica
aparece com evidência nesses textos, revelando o que Foucault chamou de "socialização do corpo" como forma de controle da sociedade sobre os indivíduos.
O corpo investido pelo poder e controlado por uma meticulosa disciplina exercida
pelo Estado através dos médicos e psi-
Considerava-se n e c e s s á r i o , e n t ã o , exa-
quiatras. Mas sociedades industriais a
minar o "pedigree dos reprodutores", o
a g l o m e r a ç ã o urbana trouxe à tona a
p á g . 5 6 . Jul/dez
1997
o
V
necessidade de o r d e n a ç ã o da população
população pobre, composta em grande
e à biopolítica coube orientar este pro-
parte por imigrantes, mas sim a neces-
cesso, cuidando do "corpo social", asse-
sidade de s e l e ç ã o de um contingente
gurando a c r i a ç ã o ou m a n u t e n ç ã o de
imigratório positivo, concedendo-se vis-
uma homogeneidade positiva.
tos apenas aos chamados bons elemen-
15
Neste sentido, o imigrante apenas interessava quando vinha compactuar com a
tos: "Deve ser escolhido o europeu de
raça branca. Homens m o ç o s , solteiros ou
18
criação de uma identidade nacional, to-
casados".
mando parte na construção do futuro tra-
Apesar de muitos colaboradores da re-
balhador brasileiro, e não como elemen-
vista defenderem que não se tratava de
to de d e s a g r e g a ç ã o e discórdia.
16
um problema racial, mas sim médico, ou
eram
seja, o que importava não era a raça do
responsabilizados pela p r o p a g a ç ã o de
imigrante, mas o seu estado físico e men-
doenças contagiosas como a tuberculo-
tal, ainda se condenava, como nos anos
Os
imigrantes
também
Mão se mencio-
de 1930 e início dos anos de 1940, a imi-
nava a falta de assistência sofrida pela
gração de judeus e japoneses, conside-
se, o tracoma e a lepra.
17
fnmeira leva d e imigrantes Italianos i n t r o d u z i d a pela C i a . Brasileira d e C o l o n i z a ç á o e I m i g r a ç ã o ,
chegada pelo v a p o r Salta e m 15 d e setembro d e 1951
Pedrlnhas,
e
m
Assis.
e destinada a o N ú c l e o d e Colonização d e
Boletim do Departamento de Imigração
e Colonizaçáo,
São Paulo, n . 6, dez. d e
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. S3-70. j u l / d e z 1997 - p á g . 5 7
A
C
E
rados como elementos inassimiláveis e
para a lavoura. O imigrante seria dispen-
perigosos para a s e g u r a n ç a nacional.
sável uma vez que o país teria seu pró-
Dava-se preferência aos imigrantes de
prio suprimento de m ã o - d e - o b r a . Segun-
origem latina: portugueses, italianos e
do J o ã o Maurício Muniz de Aragão,
e s p a n h ó i s , por serem vistos como os
mais p r ó x i m o s culturalmente, além de
mais assimiláveis. Recusava-se o negro
e, muitas vezes, o a l e m ã o .
se deveria praticar uma p o l í t i c a diferente da i m i g r a t ó r i a , a qual teria como
responsabilidade p r e c í p u a e
funda-
mental fomentar a natalidade (...),
O decreto-lei n. 7.967, ao restabelecer
pois no Brasil de cada mil c r i a n ç a s nas-
oficialmente a imigração, trouxe de volta
cidas vivas, mais de duzentas morrem
o regime de cotas para a imigração es-
antes do primeiro ano de vida.
pontânea,
1 9
proibindo a entrada de me-
nores de 14 anos desacompanhados, indigentes ou vagabundos, doentes, indivíduos nocivos à s e g u r a n ç a nacional, estrangeiros anteriormente expulsos, condenados etc. Do ponto de vista legal n ã o
se discriminava explicitamente raças ou
21
A q u e s t ã o da assimilação do imigrante
continuava sendo uma preocupação constante e deveria ser promovida pelo Estado. De acordo com o relatório do delegado especializado de estrangeiros em
São Paulo, publicado em 1945,
etnias, mas dava-se preferência ao por-
O emigrante inassimilado, o imigran-
t u g u ê s e à imigração dirigida. Mo entan-
te que deliberadamente se isola do
to, a discriminação estava presente nos
meio que o recebeu, é um mau elemen-
artigos publicados pela Revista de Imi-
to com o qual nunca poderemos contar
gração e
como filho adotivo da terra que o aco-
Colonização.
Os e s t e r e ó t i p o s elaborados desde o final
lheu. Mão p a s s a r á de um a d v e n t í c i o (...).
do s é c u l o XIX, baseados nos autores
Daí a necessidade imperiosa em que
racialistas franceses e retomados no iní-
se acham os governos verdadeiramen-
cio deste século, acrescidos das máximas
te p a t r i ó t i c o s em n ã o medir s a c r i f í c i o ,
da eugenia, continuavam em ação na d é -
no sentido de ser uma realidade a as-
cada de 1940 e início dos anos de 1950,
s i m i l a ç ã o do elemento a l i e n í g e n a .
estigmatizando os imigrantes e os transformando em seres inanimados, passíveis
de qualquer tipo de manipulação, seleção, classificação e a b s o r ç ã o .
20
2 2
Era indesejável o imigrante que vinha
apenas para se enriquecer e que depois
retornava ao seu p a í s . Considerava-se
n e c e s s á r i o que ele criasse raízes, con-
Alguns autores chegaram a ser contrári-
tribuindo para a formação do povo bra-
os a qualquer tipo de imigração, acredi-
sileiro, esquecendo tudo o que fosse ex-
tando que o incentivo à natalidade seria
terior e sendo absorvido pela sociedade
a melhor forma de produção de 'braços'
adotiva.
p á g . 3 8 . j u l / d e z 1997
V
R
O
A temível i n a s s i m i l a ç ã o , segundo este
ízo da terra acolhedora s ã o , pois, cen-
mesmo relatório, era apresentada como
tros de a t r a ç ã o para os imigrantes re-
fonte geradora de "nefastos quistos ét-
cém-vindos".
nicos" entendidos como
25
"agrupamentos
de elevado n ú m e r o de nacionais da mesma origem em determinado ponto do ter-
A m e t á f o r a do corpo é u t i l i z a d a por
Ricardo para expressar a necessidade da
integração não apenas racial, mas tam-
ritório"."
bém psicológica nas formas de ser e de
Esse pensamento não era novo. Intelec-
sentir, para que se pudesse desenvolver
tuais como Alberto Torres j á haviam, no
o 'espírito coletivo':
início do século, debatido essas idéias,
considerando o imigrante, quando n ã o
Ao lado do bom funcionamento do or-
assimilado,
de
ganismo, para o qual se exige um cer-
desnacionalização. Também Oliveira
to grau de i n t e g r a ç ã o de seus compo-
Viana alertara para o perigo dos "quistos
nentes, h á que considerar t a m b é m o
como
um
agente
2
raciais". * O que chama a a t e n ç ã o é a
bom
f u n c i o n a m e n t o da c u l t u r a
do
povo, sendo este um f e n ô m e n o s ó c i o -
permanência do discurso.
p s i c o l ó g i c o cujo grau de intensidade
y \ f ^ a n t o o a l e m ã o quanto o japonês e o judeu eram os elemen-
não
tem
símile
na
história
da
evolução.
tos mais visados, sendo apontados como perigosos à s e g u r a n ç a naci-
Inês Barreto Correia d'Araújo aborda a
onal por serem 'inassimiláveis', postura
q u e s t ã o da escola como sendo um dos
preconceituosa que vinha sendo alimen-
meios de controle do imigrante, com con-
tada desde d é c a d a s anteriores. Durante
dições de impedir a formação de quistos
a Segunda Querra, essa postura tornou-
raciais. O Estado deveria auxiliar a assi-
se mais forte, sem entretanto desapare-
milação do imigrante através da educa-
cer após cessado o conflito mundial.
ção para "filiar o alienígena à s tradições
As associações de imigrantes eram vistas com desconfiança por incentivarem a
preservação da cultura natal. Aristides
do país "e fazer do imigrante um cidadão "cuja prole se integra no verdadeiro
espírito nacional".
Ricardo, no artigo "Assimilação do estran-
Para Correia d'Araújo, primeiramente de-
geiro", de maio de 1946, afirmava que
veria ser ensinada a nova língua ao imi-
nem sempre ao 'caldeamento
étnico'
grante e promovido o ensino da história
corresponde o 'caldeamento psicológico',
e da geografia; em segundo lugar, de-
e a raça não influiria nesse aspecto, mas
senvolver no imigrante o 'espírito de as-
sim o fato dos imigrantes se isolarem em
sociação' com o elemento nacional; por
'nódulos'. Para Ricardo, "esses n ú c l e o s
último, o imigrante deveria ser prepara-
de idealização da terra natal com preju-
do para a naturalização, que é vista como
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70. Jul/dez 1997
- pág.59
A
E
C
renúncia e conversão. O governo brasileiro deveria seguir, neste aspecto, o
exemplo dos Estados Unidos.
26
servado à chamada escumalha
ra,
33
da guer-
ou seja, aos refugiados da Segunda
A 'conver-
Guerra Mundial que estavam abandonan-
s ã o ' final, patrocinada pelo Estado, seria
do a Europa em busca de uma vida me-
como uma verdadeira remissão dos 'er-
lhor, impulsionados pela miséria e as per-
ros' do passado estrangeiro.
s e g u i ç õ e s . * Esses refugiados eram
O mito do Brasil como paraíso racial man-
apontados pelas m i s s õ e s d i p l o m á t i c a s
teve-se nos artigos publicados pela Re-
brasileiras como um perigo iminente,
se-
vista de Imigração
res nefastos, indesejáveis,
de
e Colonização
3
que, em
neuróticos
v á r i a s passagens, referiam-se ao p a í s
guerra, parasitas humanos,
como sendo: um laboratório
racial," uma
etc. Munindo-se de um vocabulário rico
e até mesmo uma
em adjetivos preconceituosos, os auto-
negando o preconceito de
res n ã o ocultavam suas opiniões recor-
raça apresentavam o Brasil como u m p a í s
rendo aos exemplos do passado — mar-
211
democracia
étnica,
29
babel étnica.
to/erante,
30
apesar de se continuar i n -
imprestáveis
cado pelo trauma da vivência da Primei-
vestindo no elemento branco como ga-
ra Querra Mundial — como experiência a
rantia para uma política imigratória bem
ser evitada. Deusdedit Arauújo declara-
orientada. Segundo Jaime Poggi,
va:
entre n ó s o p r e c o n c e i t o de r a ç a
é
... devemos nos
lembrar de que
as
atenuado e, por isso mesmo, uma bem
guerras se acompanham n ã o s ó de epi-
orientada p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a e o cru-
demias ... mas t a m b é m de uma multi-
zamento do elemento branco com
dão
os
de
estigmatizadores
É
a
(sic)
corte
e
descendentes africanos ou j á m e s t i ç o s
enfermiços.
dos
d e t e r m i n a r á que o branqueamento se
comocionados e neurosados da guer-
f a ç a (...)."
ra ....
3 5
Mão se admitia a existência do precon-
Era preciso evitar a r e p e t i ç ã o do que
c e i t o , mas mantinha-se o desejo do
ocorreu a p ó s a Primeira Querra Mundial,
embranquecimento, através do processo
quando, segundo Araújo, a "Liga das Na-
de miscigenação oficialmente orientado.
ções chegou a nos mandar uma legião
Para Poggi, os negros e mulatos eram
de apátridas indesejáveis sobrados dos
"sub-raças fracas e doentes". A "prover-
campos de c o n c e n t r a ç ã o " .
bial hospitalidade" brasileira, mencionada pelo conselheiro do CIC, J o s é de
Oliveira Marques,
32
servia nesses artigos
como um mero apelo retórico articulado
para ocultar a discriminação.
O ataque maior, no entanto, estava re-
p á g . 6 0 . Jul/dez
1997
36
O mesmo autor conclui que certos políticos europeus viam o Brasil "como um
escoadouro para os poor whtte trash e
outros parasitas humanos que aqui vêem
inferiorizar a raça e explorar o homem",
numa clara alusão aos imigrantes judeus,
V
R
O
acusados de se dedicarem exclusivamen-
exames neuropsiquiátricos nos candida-
te a atividades mercantis.
tos à imigração persiste em vários artigos assinados por Antônio Xavier de Oli-
Lira Cavalcanti, como vimos no início,
apelava para os exemplos da psiquiatria
para justificar sua posição contrária aos
refugiados. Insensível ao drama daqueles que haviam vivido o inferno do III Reich
e sobrevivido ao holocausto planejado
pelo Estado nazista, Cavalcanti se referia a eles como se fossem "doentes disfarçados" e, como tais, indivíduos "física
e mentalmente imprestáveis" para a América Latina:
veira, Lira Cavalcanti, Antônio Viana e
Antônio Carlos Pacheco e Silva, entre outros. Aliás esta posição j á havia sido defendida anteriormente por Antônio Xavier
de Oliveira, quando do debate sobre a
emenda
Miguel
Couto
para
as
reformulações pretendidas na Constituição de 1934, momento em que se mostrou um dos mais exaltados defensores
da campanha a n t i n i p ô n i c a .
39
Segundo
Antônio Xavier de Oliveira, se não t o m á s -
S e r ã o i n d i v í d u o s quase que expulsos
semos uma providência imediata, estarí-
de suas p á t r i a s , como na guerra pas-
amos recebendo
sada se verificou, p a í s e s que impelicom
c â n d i d a bondade e r e s p o n s á v e l
ram todos os seus filhos i m p r e s t á v e i s
i n o c ê n c i a e s p é c i m e s degenerados de
física e mentalmente para a A m é r i c a
r a ç a s i n d e s e j á v e i s , velhos e c r i a n ç a s
Latina, ó t i m o campo para esses doentes
disfarçados.
A
i n ú t e i s para o trabalho produtivo, e
3 7
tudo isso c o m a cumplicidade de um
s causas da loucura são atri-
governo de homens cultos e patriotas,
buídas aos problemas da guer-
mas
ra ou à inferioridade do imi-
nhecem as conquistas da c i ê n c i a mo-
grante, mas nunca ao trauma da imigra-
'derna e n ã o ouvem os conselhos dos
ção, à discriminação vivenciada na Euro-
seus cultores maiores. Se assim n ã o
pa e à s dificuldades de i n t e g r a ç ã o na
fora, certo que n ã o c o n t i n u a r í a m o s a
sociedade brasileira. A estreita relação
receber os rebutalhos humanos, a es-
entre a psiquiatria e conceitos como he-
c ó r i a de raças
reditariedade, degenerescência, eugenia,
de todas as p r o c e d ê n c i a s , para incor-
demonstrada por Foucault, perpassa todo
porar à n o s s a n a c i o n a l i d a d e , n u m
o discurso desses m é d i c o s brasileiros,
atentado, num crime de
que pretendiam assumir um papel de van-
que
guarda na construção do homem do fu-
b é m , (...), a toda a
turo, livre de imperfeições e totalmente
meu).
controlado pela 'ciência'.
que, embora estadistas, desco-
miseráveis,
proxenetas
lesa-pátria,
n ã o afeta s ó o Brasil, mas tam0
América.* (grifo
38
A missão do médico era considerada pa0 aconselhamento para que se fizessem
triótica, pois, baseado na 'ciência moder-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, p p . 33-70. Jul/dez 1997 - p á g . 6 1
A
C
E
na', que lhe conferia autoridade, estaria
da entrada de "elementos indesejáveis"
preservando não s ó o Brasil, mas toda a
caracterizados como a "escória da huma-
América da 'invasão' de alienígenas.
nidade". Esses indivíduos eram represen-
Este
discurso
inflamado
revela o
inconformismo com a legislação considerada
pouco
rigorosa,
e uma
agressividade incontida em relação aos
imigrantes, apontados como causadores
de imensos males e, a t é mesmo, responsáveis por todas as d e s g r a ç a s do país.
Exageros a parte, esse texto é uma exemplar amostra da mentalidade racista que
permanecia nas p á g i n a s da Revista de
Imigração
e
Colonização.
tados c o m o
tarados,
perturbados,
neurosados e a t é "psicopatas incubados",
cheios de complexos. A solução, no entanto, dependia dos milagres da 'ciência
moderna' que, por sua vez, vinha atrelada à necessidade de se criar, numa primeira instância, um grupo médico consciente da urgência de se adotar uma política imigratória preventiva
e
higiênica.
Lira Cavalcanti considerava
necessária a criação de uma consciência médica e higiênica entre os nossos
Os médicos psiquiatras colaboradores da
homens públicos, é necessário valori-
revista viam com terror a possibilidade
zar tanto o brasileiro nato como
incrementar em grande escala a imigração de elementos sadios, realizar
uma
triagem
rigorosa
entre os
ádvenas, tanto adultos como crianças,
sem distinção de nacionalidade, uma
seleção perfeita, principalmente quanto
às
suas
características
neuropsíquicas, uma seleção de modo
a náo permitir que se integrem e permaneçam no meio gregário brasileiro,
indivíduos tarados, perturbados e
exaustos pela guerra, neurosados e
psicopatas incubados, cheios de complexos, desajustados, enfim, imigrantes que náo servem porque vêm em
lugar de nos ajudar, vêm como
peso
morto.*' (grifo meu).
Imigrante s u b s i d i a d o p e l o C o m i t ê
Internacional para as M i g r a ç õ e s E u r o p é i a s
ICIME) e e m p r e g a d o em I n d ú s t r i a n o Brasil.
M i g r a t i o n s Internationales. Le role des
mouvements mlgratolres dans le monde
contemporaln, G e n e b r a , v. 1, n . 1, 1963.
p á g . 6 2 . j u l / d e z 1997
Mas o papel salvacionista n ã o cabia apenas aos m é d i c o s e a o s p o l í t i c o s . Ao
pedagogo t a m b é m era atribuído um papel importante, segundo Deusdedit Ara-
V
R
O
ujo." A ele cabia a o r i e n t a ç ã o da assi-
Também Emílio Willems, em seu artigo "O
milação do imigrante, contribuindo, des-
problema da imigração japonesa", data-
ta forma, para a construção de um Bra-
do de 1946, denuncia o preconceito e o
sil maduro, civilizado e que, assistido por
r a c i s m o e x p l i c i t a d o s na
técnicos de todos os campos do conheci-
a n t i n i p ô n i c a , b e m c o m o o m i t o da
mento, teria condições de se assemelhar
i n a s s i m i b i l i d a d e de algumas r a ç a s .
aos Estados Unidos, considerado como "a
Willems denuncia a atitude de alguns
mais bela
mundo",
publicistas que, utilizando argumentos
e que, por sua
falsamente científicos, predispõem a opi-
vez, possuía uma política imigratória bas-
nião pública contra a "imigração amare-
tante restritiva.
la". Afirma que esses autores s ã o segui-
Raramente encontram-se na Revista de
dores de Qobineau ou Lapouge, acusan-
Imigração e Colonização
posições contrá-
do-os de racismo dissimulado. O objeti-
rias a este discurso intransigente sobre
vo de Willems é salvaguardar a respon-
o imigrante. Uma exceção é o artigo de
sabilidade da antropologia e diferenciar
Francisco de Assis Chateaubriand, que
os posicionamentos científicos daqueles
defendendo a livre i m i g r a ç ã o alertava
marcados pelo racismo.
para o absurdo do preconceito em rela-
Estas opiniões divergentes achavam-se
ção aos a l e m ã e s e japoneses:
cercadas e enfraquecidas pelo discurso
civilização
"amálgama de r a ç a s " ,
43
do
campanha
4 6
Nós pagamos o mesquinho resgate da
autoritário e intolerante disfarçado sob
nossa condição de terra atrasada, que
a forma da moderna ciência. Pacheco Sil-
vive a levantar todo dia fantasmas com
va chegou a sugerir medidas e u g ê n i c a s
as colônias estrangeiras que labutam
como a esterilização em massa dos maus
conosco. Até contra nossos irmãos
elementos e o exame pré-nupcial obri-
portugueses já investiu o nosso boçal
gatório, pois, como médico que era, con-
jacobinismo.
siderava como "(...) falsa c o m p r e e n s ã o
44
Assis Chateubriand, jornalista polêmico,
da liberdade permitir que se perpetuas-
dono dos Diários Associados, manteve
sem estirpes degeneradas (...)"."
relações dúbias com o governo Vargas e
A Alemanha nazista j á adotara medidas
declarava-se simpatizante do fascismo,
com esse caráter e no Brasil dos anos
além de ter sido acusado de atitudes
de 1930 e 1940 não foram poucos os de-
anti-semitas nos anos de 1930. Apesar
fensores desta política repressiva, esta-
de defender neste texto de 1945 uma po-
belecendo prescrições e u g ê n i c a s que, no
sição de tolerância, permitiu, ao mesmo
entanto, nunca foram oficializadas.
tempo, a p u b l i c a ç ã o de vários artigos
Napoleão Lopes, em "Colônias para os es-
preconceituosos em seus jornais. Artigos
trangeiros que ingressarem irregular-
estes que depois foram reproduzidos pela
mente no território brasileiro", em 1946,
Revista de Imigração
considerou necessária a criação de colô-
45
e
Colonização.
J a n e l r o . v. 10, n ° 2. pp. 5 S - 7 0 . Jul/dez 1997
48
- pág.63
C
A
E
nias administradas pelo governo federal
(...)
para os deslocados de guerra, cujo sis-
bastam ao Brasil os cinco m i l h õ e s que
tema de funcionamento e o r g a n i z a ç ã o
s o m o s , os
deveria ser um "misto de comunismo e
p l a n a l t i n o s de
fascismo — o comunismo oferecendo a
Grosso e G o i á s , sem falar nos a u t ó c t o -
sua essência colonizadora e o fascismo
nes do Sul e da A m a z ô n i a , aos quais
as suas faculdades policiais e penitenci-
estes quatro s é c u l o s de c i v i l i z a ç ã o pas-
árias".
49
de m o n g o l ó l d e s a s s i m i l á v e i s
(sic)
nortistas, n o r d e s t i n o s e
Minas,
Bahia,
Mato
saram indiferentes a sua inferioridade
Assim, os refugiados seriam mantidos
sob vigilância em verdadeiras colônias
penais ou talvez campos de concentração.
s o m á t i c a patenteada numa
decadên-
cia i n c o n t e s t á v e l que marcha para a
e x t i n ç ã o talvez n ã o m u i t o r e m o t a ,
oriunda do meio insalubre a que n ã o
lio discurso oficial do pós-guerra temos
a p e r m a n ê n c i a de uma retórica nacionalista impregnada de conceitos fundamentados
na
ciência
eugênica,
que
condicionava o desenvolvimento étnico e
c i v i l i z a t ó r i o do p a í s a uma p o l í t i c a
p o d e r ã o vencer sem a c i ê n c i a e sem o
governo.
Ainda b e m ,
porque n ã o é
p o s s í v e l um povo forte ser c o n s t i t u í d o
de homens fracos, nem, tampouco, fazer uma grande n a ç ã o com um povo
c o n s t i t u í d o de doentes.
50
(grifo
meu).
imigratória em defesa do branqueamento da raça. Com raras exceções, as opi-
A política i m i g r a t ó r i a
niões emitidas através da Revista de Imi-
portanto, em garantia para um futuro
transformou-se,
gração e Colonização,
a p ó s 1945, vinham
promissor. O Brasil deveria se posicionar
ainda impregnadas de idéias racistas de-
como avesso ao 'estranho' buscando a
fendidas pelo nazi-fascismo. A n t ô n i o
homogeneidade racial que, por sua vez,
Xavier de Oliveira, em dezembro de 1946,
sustentaria a n a ç ã o que se formava. A
não ocultava suas posições anti-semitas
ciência atrelada ao Estado seria a res-
e antinipônicas, indiferente à s notícias so-
ponsável pela criação do futuro Brasil,
bre crimes nazistas que, nesse ano, j á
livre dos entraves representados
eram manchetes na grande imprensa na-
'maus elementos' que vinham de fora,
cional e internacional, nesta é p o c a , o
mas t a m b é m pela p e r m a n ê n c i a de uma
mundo inteiro ainda estava sob o impac-
população nativa fraca e doente. A solu-
to da divulgação do que o III Reich arti-
ção era a seleção eugênica e racial dos
culara, acobertado pela ciência moder-
imigrantes e o abandono das p o p u l a ç õ e s
na, em prol de uma raça pura. Para Xavier
carentes a sua própria sorte, levando-as
de Oliveira,
à extinção.
pelos
51
o Brasil n ã o deve ser a terra prometida
Para que possamos compreender esse
de Israel nem S ã o Paulo e a A m a z ô n i a
posicionamento intransigente e, poderí-
a N a n c h ú r i a do
amos dizer, antiético, devemos nos re-
p á g . 6 4 , jul/dez
1997
futuro.
O
V
R
meter aos princípios da eugenia e como
vam a simplificações para facilitar a com-
ela é ainda hoje exaltada no sentido de
p r e e n s ã o dos leitores. Chegou-se a com-
trazer a felicidade futura e criar um mun-
parar o imigrante a uma m á q u i n a e o
do sem d o e n ç a s ou imperfeições, nitida-
processo imigratório ao processo de in-
mente, e s t á caracterizada a ânsia pelo
d u s t r i a l i z a ç ã o , dependente sempre de
controle do devir histórico e a crença na
planejamento. Segundo Valentim Bouças,
possibilidade de uma p o p u l a ç ã o gover-
a interrupção do fluxo imigratório trans-
nada pela ciência. Os avanços da genéti-
formaria o Brasil em "uma indústria que
ca t ê m mantido a atualidade dessas
não renova suas m á q u i n a s . Estas enve-
questões."
lhecem, os custos aumentam, os desperdícios crescem".
A REVISTA
Bouças referia-se ao
imigrante de maneira muito técnica, mas
DE IMIGRAÇÃO E
COLONIZAÇÃO
55
NOS ANOS DE
1950
encarava-o t a m b é m , retomando a m e t á fora do corpo, como sangue novo, impor-
a d é c a d a de 1950, e especialmente no volume da
de Imigração
e
Revista
tante na formação do tipo étnico brasileiro.
Colonização
publicado em 1 9 5 5 , a s s u m i u - s e
um
nos artigos publicados pela Revista
posicionamento mais t é c n i c o visando,
sobretudo, uma solução para o proble-
1950, persistia a p r e o c u p a ç ã o com a for-
ma da distribuição dos imigrantes no ter-
m a ç ã o dos quistos raciais. Mo entanto, a
ritório nacional. Isto n ã o significou, no
maioria dos autores ataca a teoria da
entanto,
idéias
inassimibilidade de algumas raças trans-
preconceituosas anteriormente utilizadas.
ferindo a culpa da formação dos quistos
Continuou-se clamando, com mais inten-
para a s i t u a ç ã o de isolamento em que
sidade, pela imigração de técnicos, agri-
eram mantidos os imigrantes.
abandono
das
e Colonização
de
Imigração
na d é c a d a de
56
53
cultores e operários qualificados. O imi-
A introdução de refugiados de guerra per-
grante pemaneceu sendo visto, pela
manece como q u e s t ã o de s e g u r a n ç a na-
grande maioria dos autores, como bra-
cional. Apesar de defendida por alguns,
ço, ou seja, como elemento de produção,
que tentavam demonstrar o proveito que
independente de sua posição enquanto
o Brasil poderia tirar destes imigrantes,
indivíduo. Alguns autores, como Antônio
muitos pensavam como Antônio Vieira de
Vieira de Melo, chegaram a acrescentar
Melo, que os chamava de "parasitas de
um cérebro
asfalto e das boites":
a esse braço, mas desde que
esse fosse um cérebro
assimilado: " bra-
ço qualificado e cérebro afim do nosso,
5
que aqui se irmane conosco". *
Mesmo a t r a v é s do crivo de uma comiss ã o militar infiltraram-se entre os aceitos
As metáforas, como sempre, se presta-
falsos t r a b a l h a d o r e s , que
aqui
aportaram ostensivamente mais dls-
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 5 3 - 7 0 . Jut/dez 1997
- pág.65
A
C
postos ao parasitismo do asfalto e das
E
A
'DEMOCRACIA' INTRANSIGENTE
'boites', de todo alheios à luta porfia-
Y o discurso oficial enunciado
da no amanho da terra ou em qual-
através da Revista de Imigra-
quer outra forma á r d u a de c o n s t r u ç ã o
ção e Colonização,
da riqueza e do bem-estar."
nos anos
de 1940 e 1950, os imigrantes foram
O conselheiro do CIC e autor do relatório
sobre a imigração holandesa e italiana,
publicado em 1952, J o s é Caracas, foi ainda mais longe. Para ele os refugiados s ã o
nada menos do que o
classificados por rótulos e de acordo com
critérios preconceituosos. Sua história
lhes foi negada, bem como sua identidade étnico-cultural e individualidade. Eram
sempre vistos como um e s p é c i m e a ser
pior r e s í d u o humano que imaginar se
selecionado, nos moldes do cientificismo
p o s s a . (...)
do século XIX.
deveríamos
rejeitar
in
limine quaisquer entendimentos nesta
questão
tal
é
o
grau
de
A mensagem não era unívoca visto que
imprestabilidade desses elementos. É
diferentes opiniões circulavam pela re-
um rebutalho humano, sem
profissão,
vista, mas a essência do discurso se con-
sem dignidade, sem capacidade, em
serva. O trinômio suspeita, vigilância, eli-
cujo seio figuram i n d i v í d u o s tarados,
minação,
propagandistas ocultos de ideologias
seu artigo "O discurso da intolerância:
r e a c i o n á r i a s e altamente perigosos ao
fontes para o estudo do racismo",
nosso p a í s . "
presente nas linhas e entrelinhas deste
analisado por Tucci Carneiro em
61
está
periódico, porta-voz do discurso oficial
A constituição da nacionalidade dependia, para a maioria dos colaboradores da
revista, de uma rigorosa seleção, sendo
que os indesejáveis
continuavam sendo
os mesmos, apesar de não encontrarmos
explicitamente r e f e r ê n c i a s ao
perigo
amarelo ou semita. Doentes, refugiados
de guerra, n ã o católicos, comerciantes,
não deveriam fazer parte da "democracia racial brasileira",
59
nem mereciam a
nossa "hospitalidade cordial". A formação do caráter nacional persistia como
forma para se justificar a discriminação
ao 'outro', expressando a posição do go-
sobre a imigração. Levantava-se a suspeita da entrada no país de 'elementos
perniciosos', propunha-se a vigilância
constante por parte das m i s s õ e s diplomáticas e a 'eliminação' dos 'indesejáveis', impedindo sua entrada através de
uma rigorosa seleção ou promovendo seu
repatriamento através da a ç ã o repressiva da polícia política.
Assim, as decisões
deveriam reservar-se aos m é d i c o s e à s
autoridades
policiais, enquanto
ao
pedagogo cabia a responsabilidade pela
assimilação daquele que j á se encontrava radicado no país.
verno brasileiro que demonstrava n ã o
saber conviver com as d i f e r e n ç a s .
p á g . 6 6 . Jul/dez
1997
60
Esse discurso se prestou para legitimar
O
V
R
a práxis discriminatória em relação ao
no Rio de Janeiro, a respeito de uma re-
imigrante, dificultando-se a entrada no
portagem de J o s é Leal sobre a hospeda-
país de refugiados de guerra, que eram
ria da ilha das Flores.
na sua maioria judeus e exilados políticos."
J o s é Leal critica a falta de seleção rigorosa dos imigrantes, denunciando que a
Cabe ressaltar que a Revista de Imigra-
hospedaria estava repleta de inúteis,
ção e Colonização
principal-
não eram agricultores nem técnicos, mas
mente, junto aos ó r g ã o s públicos e à s
gente para a cidade, o que traria conse-
autoridades diretamente envolvidas com
qüências funestas para o Brasil. Rubem
a questão imigratória e as á r e a s de co-
Braga pede licença para discordar do
lonização do país. Ou seja, atingia, es-
r e p ó r t e r e encaminha sua crônica em
pecificamente, grupos
de decisão
defesa
ponsáveis pela práxis
circulava,
res-
desses
imigrantes
que
não
de uma política
especializados, de origens diversas, e
imigratória mais ou menos restritiva.
que, se não correspondem ao tipo ideal
Sabe-se, todavia, que grande parte dos
sonhado,
artigos deste periódico j á haviam sido
patrimônio de sua inquietação e de seu
publicados pela grande imprensa de vá-
apetite de vida".
"trazem
pelo
menos
o
rios estados, ficando claro que estas idéias eram veiculadas junto à opinião públi-
Suas últimas linhas podem ser lidas como
ca. Uma investigação sistemática a esse
resposta à q u e l e s que pregavam uma po-
respeito com base nos ó r g ã o s da grande
lítica i m i g r a t ó r i a restritiva e medidas
imprensa permitiria elucidar como essa
eugênicas com o intento de
veiculação se dava.
dar a n a ç ã o :
Vemos, portanto, que o período da chamada 'redemocratização' do Brasil, proclamado muitas vezes como é p o c a de
participação, m o d e r n i z a ç ã o , progresso,
desenvolvimento, trazia, no discurso oficial, o peso de um pensamento intransi-
salvaguar-
Sejamos humildes diante da pessoa
humana: o grande h o m e m do Brasil
de a m a n h ã pode descender de um clandestino que neste momento e s t á saltando assustado na p r a ç a Mauá, e n ã o
sabe onde ir, nem o que fazer. Façamos uma política de i m i g r a ç ã o s á b i a ,
gente.
perfeita, materialista; mas
deixemos
Mão obstante, vozes contrárias à intole-
uma pequena margem aos
inúteis e
rância se levantaram, mostrando-nos a
aos vagabundos, à s aventureiras e aos
possibilidade da d i s s e n s ã o . neste senti-
tontos porque dentro de algum deles,
do, lembremos da crônica "Imigração",
como sorte grande da f a n t á s t i c a lote-
de Rubem Braga, escrita em janeiro de
ria humana, pode vir a nossa reden-
1952 e publicada no Correio da Manhã
ç ã o , a nossa g l ó r i a .
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 53-70, j u l / d e z 1997
- pág.67
A
N
1.
C
O
T
E
A
Maria Luiza TUcci Carneiro, O anti-semitismo
Paulo, Brasiliense, 1995, p. 184.
S
na era Vargas (1950-1945),
2*- ed. S ã o
2.
Idem, ibidem, p. 151.
3.
C o í e ç ã o das leis da República
dos Estados Unidos do Brasil, atos do Poder Executivo, v. (7),
out./dez. de 1945, pp. 378-390.
,
4.
Revista de Imigração
e Colonização
(RIC), v. 1, mar. de 1945, p. 12. A revista s e r á a partir de
agora identificada nas notas pela sigla RIC.
5.
A n t ô n i o Xavier de Oliveira e A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva foram deputados constituintes
e m 1934, tendo uma p a r t i c i p a ç ã o ativa na campanha a n t i n i p ô n i c a . Ver n a v i o V e n â n c i o
Luizetto, Os constituintes em face da imigração:
estudo sobre o preconceito e a discriminaç ã o racial e é t n i c a na Constituinte de 1934, d i s s e r t a ç ã o de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP. 1975.
6.
RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 243.
7.
RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 57.
8.
Alcir Lenharo, S a c r a í i z a ç á o da política.
112.
9.
"Da profilaxia psicoracial da i m i g r a ç ã o para o continente americano", RIC, v. 4, dez. de 1946,
p. 710. O c o n t e ú d o deste artigo foi publicado novamente em 1948 na mesma revista, v. 4,
dez., pp. 3-28, sob o t í t u l o "Da i n c i d ê n c i a das psicoses nos estrangeiros no Brasil", com
pequenas a l t e r a ç õ e s .
Campinas, Papirus/Editora da Unicamp, 1986, p.
10. Michel Foucault, estudando a p o l í t i c a de s a ú d e no s é c u l o XVIII, demonstra como foram tomadas as primeiras medidas de "esquadrinhamento da p o p u l a ç ã o " , no momento em que a
d o e n ç a passa a ser considerada um problema p o l í t i c o - e c o n ô m i c o e o Estado assume a funç ã o de elevar o nível de s a ú d e do "corpo social". Microfísica
do poder. Rio de Janeiro, Qraal,
1995, pp. 194-196.
11. Fernando Mibielli de Carvalho, "Imigração: um problema nacional", RIC, v. 1, mar. de 1945, p.
59.
12. Jaime Poggi, "O papel do m é d i c o na r e a l i z a ç ã o do magno problema", RIC, v. 2, j u n . de 1946,
p. 160.
13. J . F. Mormano, " T e n d ê n c i a s brasileiras", RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 490.
14. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 37.
15. Michel Foucault, op. cit.
16. Angela M. de Castro domes, "A c o n s t r u ç ã o do homem novo", em Estado tlovo - ideologia
poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
e
17. "Debates na Academia nacional de Medicina sobre os problemas da i m i g r a ç ã o e tuberculose", RIC, v. 2-3, mai./set. de 1945, pp. 316-318 e S e b a s t i ã o Hermeto J ú n i o r , "Valorização do
brasileiro e a i m i g r a ç ã o estrangeira", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 491.
18. Jaime Poggi, RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 165.
19. L o u r e n ç o Mário Prunes, "Aspectos do problema i m i g r a t ó r i o " , RIC, v. 2, 2
214-215.
o
sem., 1950, pp.
20. Todorov {tios e os outros: a r e f l e x ã o francesa sobre a diversidade humana, v. 1, Rio de
Janeiro, Zahar, 1993), sintetiza as teorias racialistas que vigoraram durante o s é c u l o XIX e
que segundo Lilia Schwarcz foram incorporadas por intelectuais brasileiros. Ver Lilia Moritz
Schwarcz, O espetáculo
das raças: cientistas, i n s t i t u i ç õ e s e q u e s t ã o racial no Brasil - 18701930, S ã o Paulo, Companhia das Letras, 1993. A Sociedade E u g ê n i c a de S ã o Paulo foi
fundada em 1917 Dor Renato Khel e o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia se realizou
em 1929 no Rio de Janeiro. Ver Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit.
21. "Puericultura e I m i g r a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 140.
22. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198.
23. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198.
p á g . 6 8 . Jul/dez
1997
V
R
O
24. Maria Luiza Tucci Carneiro, op. cit.
25. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 270.
26. "A e d u c a ç ã o do imigrante", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 303.
27. Fernando Mibielli de Carvalho, op. cit., p. 63.
28. Joaquim Pimenta, " S i t u a ç ã o j u r í d i c a do trabalhador a l i e n í g e n a no direito brasileiro", RIC, v.
4, dez. de 1945, p. 426.
29. Deusdedit Araújo, " I m i g r a ç ã o e eugenia", RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 102.
30. M. Paulo Filho, "A nova i m i g r a ç ã o " , RIC, v. 3, set. de 1946, p. 498.
31. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 160.
32. "Bases para um plano de c o l o n i z a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 130.
33. Relatório do delegado especializado de estrangeiros de S ã o Paulo encaminhado ao s e c r e t á rio de S e g u r a n ç a Pública, RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 197.
34. A esse respeito ver, de Maria Luiza TUcci Carneiro, o c a t á l o g o da e x p o s i ç ã o Brasil, um
refúgio
nos trópicos,
S ã o Paulo, E s t a ç ã o Liberdade, 1996. Ver t a m b é m , da mesma autora, O antisemitismo na era Vargas, op. cit., p. 343.
35. Deusdedit Araújo, op. cit., p. 109.
36. Idem, ibidem.
37. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 240.
38. Michel Foucault, op. cit.
39. Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit.
40. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 706.
41. RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 240.
42. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 110.
43. Colares J ú n i o r , "A r e v o l u ç ã o da Norte-América", RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 190.
44. Francisco de Assis Chateaubriand, " C o l o n i z a ç ã o g e r m â n i c a " , RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 471.
45. Fernando Morais, Chato: o rei do Brasil, S ã o Paulo, Cia. das Letras, 1994.
46. RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 276.
47. A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva, "Medicina e higiene", RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 275.
48. Alcir Lenharo, op. cit., p. 79.
49. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 732.
50. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 703.
51. E importante salientar que Xavier de Oliveira havia se dedicado ao estudo do sertanejo na
obra Beatos e cangaceiros: h i s t ó r i a real. O b s e r v a ç ã o pessoal e i m p r e s s õ e s p s i c o l ó g i c a s de
alguns dos mais c é l e b r e s . Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, 1920.
52. Para se ter uma i d é i a desta atualidade, ver o artigo de Osvaldo Frota-Pessoa "Raça e eugenia",
em Lilia Moritz Schwarcz e Renato da Silva Queiroz (orgs.). Raça e diversidade, S ã o Paulo,
EDUSP/Estação C i ê n c i a , 1996, pp. 29-45. Segundo Frota-Pessoa, a solidariedade e o antagonismo t ê m bases g e n é t i c a s "É natural, portanto, que sejamos nepotistas, bairristas
corporativistas, patriotas e x e n ó f o b o s " (p. 32). Para esse autor, a t r a v é s de medidas e u g ê n i c a s
como a s e l e ç ã o artificial chegaremos a um mundo melhor, mas para isto é n e c e s s á r i o esperar
a c o n s o l i d a ç ã o dos regimes d e m o c r á t i c o s e maiores a v a n ç o s da g e n é t i c a para que n á o haja
d i s t o r ç õ e s p o l í t i c a s no emprego dessas medidas (p. 42).
53. "A i m i g r a ç ã o no Brasil", RIC, Mova Fase, 1955, p. 11.
54. "Imigração e s p o n t â n e a e i m i g r a ç ã o dirigida", RIC, v. 1, I
o
sem.,
1951.
55. Valentim F. B o u ç a s , " I m i g r a ç ã o n á o é despesa, é capital", RIC, v. 2, 2
o
56. Alberto Querreiro Ramos, "Imigração e mortalidade Infantil", RIC, v. 1, I
sem., 1950, p. 258.
o
sem., 1950, p. 140.
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70, J u l / d e i 1997 - p á g . 6 9
57. RIC, v. 1, I
o
sem., 1950, p. 151.
58. J o s é Caracas, RIC, v. 1, 1952, pp. 73-74.
59. " I m i g r a ç ã o Japonesa", editorial da Folha Carioca,
RIC, v. 1, I
o
sem., 1952, p. 168.
60. Maria Luiza Tucci Carneiro, " R e p ú b l i c a , identidade nacional e anti-semitismo".
História,
n°*. 129-131, ago./dez. de 1993 a ago./dez. de 1994, p. 156.
61. M. do Carmo Sampaio Di Creddo (coord.), fontes históricas:
UNESP, 1996, pp. 21-32.
Revista de
abordagens e m é t o d o s , Assis,
62. Leonardo Senkman, "La p o l í t i c a inmigratoria dei primer peronismo respecto de los refugiados de ia postguerra: una perspectiva comparada con Brasil, 1945-1954", em B. Qurevich e
C. Escude (orgs.), El genocídio
ante la historia y la naturaleza humana, Buenos Aires,
Universidad Torcuato Di Telia/Grupo Editor Latinoamericano, 1994, pp. 263-298.
A
B
S
T
R
A
C
T
This article analizes the regulation of immigration in Brazil.
In this way, the Immigration and Colonization Magazine (Revista de Imigração
e
Colonização),
published between 1940 and 1955 by the Immigration and Colonization Council, was one of the
official channels of publishing the procedures related to the entrance of immigrants. Therefore.
the immigrants are firstly selected by their physical, professional and racial qualities.
However, in the 1950s, the Immigration and Colonization Magazine took up a more technical
position respecting the problem of the distribution of immigrants in the national territory.
R
É
S
U
M
É
Cet article a pour but analyser le controle de I' immigration au Brésil.
Dans ce contexte, la R é v u e d' Immigration et Colonisation (Revista de Imigração
e
Colonização),
p u b l i é e entre 1940 et 1955, par le Conseil d' Immigration et Colonisation, a é t é un des canaux
officiels de divulgation des directrices relatives à I' e n t r é e des immigrants. Alnsi, d' abord lis sont
s é l e c t l o n n é s par ses q u a l i t é s fisiques, professionnelles et raciques.
Cependant, à la d é c a d e de 1950, la R é v u e d' Immigration et Colonisation a a s s u m é e une position
plus technique par rapport à le p r o b l è m e de la distribution des immigrants dans le territoire
national.
Gladys Sabina Ribeiro
Professora do Departamento de História da UFP.
"Immigos IVIascarados c o m o
T í t u l o de C i d a d ã o s
A vigilância e o controle soore os portugueses no
R i o de J a n e i r o <rlo P r i m e i r o R e i n a d o
M:
esmo com toda a admi-
Brasil' para confeccionarem listas
ração que d. J o ã o tinha
semelhantes, observando todos os es-
.pela arte e pela cultu-
trangeiros que entrassem nos portos,
ra que os estrangeiros pudessem
vindos de e m b a r c a ç õ e s nacionais ou
trazer para a Colônia, em 1808 esse so-
estrangeiras. Pedia-se-lhes para compa-
berano ordenou ao conselheiro Paulo
recerem à polícia com a finalidade de
Perraz Viana, ouvidor-geral do crime da
apresentarem declarações de onde pre-
Relação, através do conde de Linhares,
tendiam morar e quem eram as 'pessoas
ministro e secretário de Estado dos ne-
portuguesas que conheciam'. Essas or-
gócios da Querra e Estrangeiros, que fi-
dens foram cumpridas com urbanidade e
zesse um alistamento de todos os estran-
delicadeza, pois o príncipe regente havia
geiros residentes na Corte. Deveria con-
recomendado que os estrangeiros fossem
ter nome, emprego e nação a que per-
'tratados com bondade'.
tenciam. Tal e s c r i t u r a ç ã o foi feita por
Embora se valorizasse a p r e s e n ç a dos
Micolau Viegas Proença e enviada para
estrangeiros, todo cuidado era pouco. A
aquele ministério no final do m ê s de mar-
cidade estava recebendo a Corte e tor-
ço. Assim que a Intendência de Polícia foi
nava-se a capital do Império p o r t u g u ê s .
criada, remeteu-se ordem a todos os
A s e g u r a n ç a era fundamental. Entretan-
'ouvidores das comarcas dos estados do
to, não cabia magoar aqueles que tinham
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96, j u l / d e z 1997 - p á g . 7 1
A
E
C
escoltado os portugueses da Europa à
e s a í d a s . ' Portanto, vigiar os imigrantes,
distante América. Nem mesmo outros es-
mesmo discretamente, sempre foi tare-
trangeiros que quisessem contribuir para
fa das autoridades policiais, em conso-
o engrandecimento da capital, até e n t ã o
nância com as ordens governamentais.
com ares acabrunhados e que agora co-
Mas, acontecimentos externos à América
m e ç a v a m a usufruir dos benefícios co-
portuguesa reavivaram as p r e o c u p a ç õ e s
nhecidos na Europa.
reais e as providências com relação aos
Um pouco mais tarde, em 1818, houve
estrangeiros. Em 24 de agosto de 1820,
uma nova matrícula geral de estrangei-
iniciou-se a Regeneração Portuguesa na
ros. For essa ocasião, deu-se aos matri-
cidade do Porto. A 17 de outubro do mes-
culados um atestado com o qual poderi-
mo ano, chegaram ao Rio de Janeiro as
am circular livremente pelos domínios de
primeiras notícias sobre a revolução; e a
Sua Majestade. Além disso, mensalmen-
28 do mesmo m ê s entrou no porto o bri-
te, fazia-se um mapa dos que entravam
gue mercante Providência
e s a í a m , totalizando quantos existiam.
mais concretas. O 'Povo e a Tropa' sau-
Contudo, como muitos ausentavam-se
daram as idéias de liberdade que amea-
sem passaportes e as ordens de apre-
çavam o absolutismo p o r t u g u ê s sediado
s e n t a ç ã o na polícia eram descumpridas,
no Brasil; elas eram encaradas como
a I n t e n d ê n c i a deixou de executar este
franco e aberto desafio ao rei.
serviço. Continuava, entrementes, a re-
Portanto, com tantas a m e a ç a s liberais,
alizar as costumeiras visitas a bordo,
não se estranha que a a t e n ç ã o e o zelo
cuidando da inspeção geral das entradas
dispensados aos estrangeiros tivessem
com novidades
2
•
E m b a r q u e d a f a m í l i a real p o r t u g u e s a para o Brasil em 27 de n o v e m b r o d e 1807. G r a v u r a a t r a ç o d e F.
Bartolozzi a partir d o d e s e n h o de H. L E v e q u e . A r q u i v o N a c i o n a l .
p á g . 7 2 , jul/dez
1997
V
R
O
sido renovados com o decreto de 2 de
ponsabilizariam pela informação e vera-
dezembro de 1820, que regulou as en-
3
cidade dos documentos. Para os desem-
tradas na Corte. Deste modo, consolida-
barcados fora do porto do Rio de Janei-
ram-se em forma de lei as medidas prá-
ro, as medidas seriam semelhantes.
ticas de 1808 e 1818, tomadas com o devido cuidado para não ofender os ilus-
Assim, pretendia-se controlar a má influência, vinda especialmente de portos
tres visitantes.
europeus, dos portugueses ou de regi-
Doravante, mestres e comandantes de
embarcações declinariam nomes, empregos e o c u p a ç õ e s dos passageiros que
trouxessem a bordo. Caso omitissem ou
mentissem, se denunciados, pagariam
õ e s afetadas pelas idéias francesas de
liberdade. Evitavam-se os exemplos peninsulares de Portugal e Espanha. Tentava-se t a m b é m controlar a clandestinidade e a população imigrante.
multa de 100$000 réis por cada passageiro, sendo a metade para o denunci-
Entretanto, apesar de esta lei continuar
ante e a outra parte para a Intendência.
vigorando a p ó s a Independência, o peri-
Para desembarcar, todos os adventícios
go representado pelo estrangeiro era ou-
teriam que ter passaporte. A lei cuidava
tro; não mais as idéias liberais. A preo-
o
em alertar que de I de junho em diante
cupação passou a ser especificamente os
as medidas recrudesceriam. Quem vies-
'portugueses'. Através do decreto de 14
se para o Brasil deveria ter o passaporte
de janeiro de 1823, o governo estipulou
passado por embaixador p o r t u g u ê s ou
princípios para a entrada e
estabeleci-
ministro encarregado dos Negócios de
mento dos lusos no Brasil. Náo era pos-
Portugal. Quem desobedecesse a norma
sível continuar com a "arriscada admis-
legal não poderia desembarcar ou resi-
são franca dos súditos de Portugal em um
dir em qualquer parte do Reino, a n á o
país com o qual aquele Reino se acha em
ser com portaria assinada por algum mi-
guerra". Era preciso acautelar-se
nistro e secretário do rei. O infrator se-
causas de desassossego e d i s c ó r d i a ,
ria multado t a m b é m no valor de 100$000
mantendo a honra e a dignidade. Daque-
réis, como os comandantes e mestres das
la data em diante, o súdito português que
embarcações. As exceções ficariam por
quisesse residir temporariamente aqui
conta dos militares e das pessoas em
deveria prestar fiança i d ô n e a do seu
das
missão política, obrigadas a trazerem
comportamento diante do juiz territorial.
algum tipo de despacho. De igual manei-
Seria reputado súdito do Império enquan-
ra, seriam dispensados das formalidades
to aqui ficasse, sem que, contudo, go-
de visita e a p r e s e n t a ç ã o de passaporte
zasse foros de cidadão brasileiro. Além
os que já viessem com portaria assinada
disso, se viesse para se estabelecer 'pa-
por ministro de Estado ou s e c r e t á r i o .
cificamente', a fim de ser considerado c i -
Mesmo assim, os comandantes se res-
d a d ã o brasileiro, teria por o b r i g a ç ã o
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 71-96, jul/dez 1997
- pág.73
6
apresentar-se à Câmara e "prestar sole-
Macau.
ne juramento à causa do Brasil e ao im-
nha se declarado negociante e outro fun-
perador".
Embora somente um deles te-
cionário público, é bem possível que na
4
Fruto deste decreto, encontramos os 'ter-
sua maioria fossem negociantes.
7
mos de a d e s ã o ' de alguns portugueses
O decreto mencionado foi suspenso por
na Câmara. lio geral, eram bastante se-
outro datado de 20.11.1823, acompanha-
melhantes. Seu formato era o seguinte:
do pela portaria de 3.1.1824 e por um
Aos
(data)
nesta Corte do Bra-
sil em os P a ç o s do limo. Senado em
auto de V e r e a ç ã o que fazendo e s t a r ã o
o d e s e m b a r g a d o r juiz presidente e
mais oficiais do limo. Senado aí apareceu presente
ral de
(fulano)
natu-
(lugar de Portugal)
lícia à Câmara da cidade do Rio de Jan e i r o , c o m c ó p i a s para as vilas de
ltaguaí, Pati do Alferes, São J o ã o do Príncipe, Macacú, Resende, Praia Grande e
Cabo Frio.
O primeiro decreto julgava "incompatíveis
(tal lugar)
com a segurança interna" do Império as
(na Corte, por exem-
medidas de janeiro de 1823 e suspendia,
do proximamente de
estabelecer-se
vin-
ofício de 8.1.1824, do intendente da po-
onde j á reside h á
(tantos
temporariamente, as condições para que
anos ou desde tal data)
e pelo
alguém fosse considerado súdito, dele-
desembargador juiz presidente lhe foi
gando à Assembléia Qeral tal tarefa. A
deferido o juramento dos Santos Evan-
alegação era a de "manter segura a tran-
gelhos prometendo guardar
fidelida-
qüilidade dos povos", que podia ser "per-
de e a d e s ã o à causa do I m p é r i o sujei-
turbada com a afluência de inimigos mas-
tando em tudo e por tudo as leis do
carados com o título de c i d a d ã o s " .
plo)
p a í s como c i d a d ã o dele e obedecendo
no seu imperador e por constar fez este
termo. Assinaturas:
8
Já a portaria e o ofício pediam a remessa das listas de estrangeiros que tives-
5
sem atendido ao decreto de 14.1.1823 e
Estes termos foram encontrados em to-
feito os devidos juramentos. Chegando
dos os meses do ano de 1823 até janeiro
depois de 20 de novembro e n ã o os ten-
de 1824. A maioria dos lusitanos vinha
do feito, deveriam apresentar-se para o
da cidade do Porto, seguida daqueles que
cumprimento de suas obrigações e "para
partiam de Lisboa e de outros que j á re-
se proceder na mesma maneira". Tam-
sidiam no país, e que se deslocavam da
bém aqueles que não tivessem respeita-
Bahia e de Pernambuco para o Rio de Ja-
do o primeiro decreto deveriam ser de-
neiro, m u d a n ç a provocada pelas perse-
nunciados. Outra portaria, de 10.1.1824,
guições frontais e sanguinolentas que so-
complementava a datada de 3 do mesmo
friam por lá. Havia ainda os provenien-
mês, pedindo ao intendente que fizesse
tes das ilhas atlânticas, de Angola e de
as mesmas diligências com os presos e
p á g . 74, j u l / d e z
1997
V
R
com os que chegassem em navios de
guerra.
O
d o c u m e n t a ç ã o dos termos de a d e s ã o ' ,
encontramos os juramentos de Félix J o s é
9
dos Santos, J o s é Doro, Hipólito J o s é
Com base nesses diplomas, o intendente
publicou um anúncio no Diário
Janeiro
do Rio de
convocando os portugueses que
nâo cumpriram a legislação de 14.1.1823
Ferreira, J o s é Muniz, Domingos J o s é Leite, Domingos Rodrigues Lima e Joaquim
Tavares Macedo, entre outros. Todos entre 1 7 e 2 1 de janeiro de
e os que chegaram depois de 20.11.1823
1824."
a comparecerem à sua presença, no pra-
to, os avisos e porta-
e n d e r e ç o s . Deveriam sair do I m p é r i o
rias do final de 1823
imediatamente. O prestativo policial, en-
e dos p r i m e i r o s
tão, elaborou várias listas com prisionei-
Triunfante
(ou do Triunfo)
no navio Leaí
conde
de São
ja, Paquete,
dias de j a n e i r o
José
de 1824.
Amigos.
nos brigues Vis-
Finalmente,
Triunfo
Inve-
24.3.1824, a ques-
galera Diana, na es-
tão da cidadania por-
Português,
Lourenço,
Baiana,
e Três
datas
extrapolavam, em mui-
zo de t r ê s dias, para anotar nomes e
ros apreendidos nas sumacas São
As
da
em
e outras embarca-
tuguesa foi parcial-
ções. Muitos deles tinham feito escalas
mente resolvida com a
na Bahia e em Pernambuco e foram apri-
outorga da Constitui-
cuna Boa
Esperança,
sionados pela esquadra imperial.
o
o
ção. O seu artigo 6 , parágrafo 4 , considerava cidadão brasileiro
É evidente que estas medidas provocaram r e a ç õ e s e alguns problemas, n ã o
sendo claras sobre o que fazer com os
todos os nascidos em Portugal e suas
p o s s e s s õ e s , que sendo j á residentes
desembarcados depois de 20.11.1823, a
no Brasil na é p o c a em que se
Câmara continuou aceitando o juramen-
mou a i n d e p e n d ê n c i a nas
to de portugueses. Em aviso de 5.2.1824,
onde habitavam, aderiram a esta, ex-
João Severiano Maciel da Costa, na oca-
pressa ou tacitamente, pela continua-
sião ministro de Estado dos negócios do
ç ã o da sua
residência.
procla-
províncias,
1 2
Império, alertou para esta prática do Se-
Apesar da Lei Magna naturalizar todos os
nado da Câmara: ainda em 1824 aceita-
que aqui se encontravam na época da In-
va juramentos como o do p o r t u g u ê s J o ã o
dependência e que nâo se tivessem ma-
Batista Moreira, vindo do Porto. Isto co-
nifestado contra o Brasil, j á que poderi-
locaria, segundo pensava, o Império em
am aderir à nacionalidade 'expressa ou
apuros: o descuido poderia custar a se-
tacitamente', as autoridades continuaram
gurança interna.
10
Esse, é claro, não foi
exigindo o juramento ou suspeitando de
um caso isolado. Juntamente com ele, na
todos os que fossem portugueses. 'Ser
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, jul/dez 1997
- pág.75
E
C
A
p o r t u g u ê s ' era uma construção política e
nos fins de 1823, o espírito republicano
por isto poder-se-ia expulsar pessoas
ressurgira nessas províncias, embalado
consideradas inimigas, ou se exigir para
pelos anseios federativos. A dissolução
elas a lei, ou seja, o passaporte. Foram
da Constituinte, a 12 de novembro de
estes, por exemplo, os casos de Antônio
1823, revelava os ímpetos absolutistas de
Brás, preso em Campos e remetido para
d. Pedro I, fazendo uma e s p é c i e de 18
a Corte a fim de ser "mandado para fora
Brumário. As Câmaras de Olinda e de Re-
3
do Brasil como vadio e suspeito";' o do
cife negaram s a n ç ã o ao ato imperial e
negociante J o s é Henrique da Silva, pre-
enviaram
moção
receando
"o
mido a ausentar-se no prazo de oito dias,
restabelecimento do antigo e sempre de-
"pelas circunstâncias de ser súdito portu-
testável despotismo".
g u ê s , e como tal desafeto à causa do
na verdade, a 'agitação' em Pernambuco
Brasil", e que pediu o prazo de seis me-
não
ses para concluir n e g ó c i o s ;
14
de Paulo
Jordan, J o s é Vaz de Oliveira, Teotônio
cessara
18
desde
A r e ó p a g o de I t a m b é ,
os
1 9
tempos
do
passando pelo
movimento revolucionário de 1817 e pe-
Simião, Antônio Francisco Munes, que
las confusões políticas de a d e s ã o ou não
presos na sumaca Três Amigos
tiveram o
ao Rio de Janeiro, na época da Indepen-
prazo de sessenta dias para irem para
dência. Ainda em abril do ano de 1823,
portos europeus e, por último, de Acácio
Cipriano J o s é Barata de Almeida iniciou
Joaquim Correia, que pediu passaporte
a publicação do
para Buenos Aires.'
Sentinela
da
Liberdade,
5
em Recife, considerado por muitos como
Concretamente, o que atemorizava as
preparador indireto da futura Confede-
autoridades? Temia-se que os estrangei-
ração do Equador, n ã o foi por acaso que,
ros aqui estabelecidos agissem contra a
logo dissolvida a Assembléia Constituin-
causa do Brasil'. Vigiava-se igualmente
te no Rio de Janeiro, aquele que havia
para que os adventícios não trouxessem
sido deputado baiano à s Cortes de Lis-
idéias de liberdade contrárias à Indepen-
boa foi preso e recolhido à fortaleza do
visando a recolonizaçáo, a frag-
Brum, onde permaneceu a t é 1830. Es-
m e n t a ç ã o do território ou a instalação do
tando Barata no catre, um discípulo seu
regime republicano, ria verdade, os 'ne-
e participante de 1817, frei Caneca, con-
gócios políticos' seriam o motivo do pâ-
tinuou divulgando i d é i a s republicanas
nico. O alerta se fazia contra aqueles que
através do jornal
viessem de Portugal, com a "nova ordem
gido a 25 de dezembro daquele mesmo
das coisas" que imperava por lá, ou con-
ano. Sem entrar numa análise detalhada
tra os que viessem do nordeste do país,
dos acontecimentos, cumpre registrar
de regiões como a Bahia e Pernambuco,
que, a 2 de julho, Manuel de Carvalho
t a m b é m conhecidas pelo apreço aos ide-
proclamou a Confederação do Equador.
dência,
10
ais revolucionários.
p á g . 76.
jul/dez
1997
17
Tífis
Republicano,
sur-
Portanto, mal d. Pedro conseguira debe-
V
H
O
lar as chamadas guerras da Independên-
gente j á circulavam no país. O pruden-
cia' no Morte e nordeste, a situação era
te Estevão Ribeiro de Resende aconse-
novamente crítica. O 'medo político' era in-
lhava a confecção de um plano secreto
terno e externo. Uma conspiração política
ao ministro da Justiça: deveriam 'ex-
interna poderia sagrar os princípios repu-
pulsar' alguém de confiança e mandar
blicanos no nordeste do país e estender
essa pessoa para o Prata, como espião.
suas teias ao Sul, além de a m e a ç a r a uni-
Ali ela poderia descobrir os planos de
dade.
20
Os que aportavam de fora do país
Portugal a respeito do Brasil. Segundo
poderiam conspirar contra o governo. Em
desconfiava, os lusos usavam uma base
janeiro de 1824, o correio era violado. Do-
na América espanhola para espalhar
mingos da Silva Pimentel havia chegado do
idéias republicanas, enviando homens
Porto no dia 18. Foi considerado suspeito
ao território brasileiro, em especial à
pela polícia: teria um 'nome suposto' e se
Bahia
focos
do
corresponderia com J o ã o Maria da Costa,
aliciamento.
proscrito da Ilha da Madeira, de onde ha-
Dessa m a n e i r a , na c o n c e p ç ã o
do
via assinado termo de não mais lá voltar.
e
Pernambuco,
21
intendente,
recolonizaçáo
e
Ambos foram expulsos do Império com
republicanismo estranhamente se uni-
passaporte para Buenos Aires.
riam. Para ele, a República seria uma
forma de desestabilizar o sistema faci-
Meses depois, era de Buenos Aires que
partia a suspeita. A Corte recebia com bastante freqüência passageiros da capital
portenha e igualmente deportava muita
gente para lá. no m ê s de junho, desembarcaram os negociantes portugueses J o ã o
Francisco, J o ã o R o b e r t o neves, J o s é
Vitorino e Manuel Rodrigues Flores, chegados de Lisboa. Os primeiros, no brigue
dinamarquês Cecília; o último, no brigue
inglês Bell. Mal chegaram à terra, foram
mandados para a Argentina. Sobre eles
pesava a suspeição de virem espalhar idéias republicanas no solo brasileiro, mormente
visando
as
províncias
de
Pernambuco e da Bahia, onde desejavam
formar um país republicano ao estilo dos
Estados Unidos'.
litando o ingresso de tropas portuguesas, que estariam sendo compradas a
peso de ouro. Tentar-se-ia, através do
estratagema da espionagem, desbaratar
os
planos
portugueses
de
reescravizaçáo e incitamento à rebelião
das províncias brasileiras "com a lição
demagógica de Repúblicas".
22
Diante do
fechamento da Assembléia, as idéias l i berais começavam a ser perigosas e a
autoridade do imperador questionada.
Há muito tempo o movimento popular
estava nas ruas, em Recife e Olinda. A
Confederação estourou pouco depois,
mas n ã o por planos portugueses. As
formas republicana e federativa n á o
eram adequadas aos interesses
do
sudeste brasileiro, muito menos a separa-
E claro que as notícias do nordeste insur-
ção de parcela importante do território.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, Jul/dez 1997
- párj.77
A
C
E
Mão sabemos se os planos do denodado
gociante, que diziam ser um 'atrevido
intendente foram levados a cabo, contu-
jacobino'; e Carlos Alfadiner, desembar-
do, ainda em setembro daquele ano, o
cado como súdito francês, mas que pa-
policial alarmava-se novamente, na sua
recia ser p o r t u g u ê s de Mesão Frio. As-
correspondência com o ministro da Jus-
sim, chamando para si a responsabilida-
tiça, queixava-se dos juizes criminais e
de pela segurança pública, pedia ao côn-
dos ministros de bairro por não fornece-
sul francês informações sobre a suposta
rem notícias circunstanciadas dos estran-
nacionalidade de Alfadiner. Determinava
geiros que visitavam a bordo dos navios,
para os demais o prazo de oito dias para
e sobre os quais tinham responsabilida-
saírem do Império.
de de vigilância. Andava a t r á s dos seus
agentes secretos 'a mendigar notícias'
porque tinha em m ã o s formulários preenchidos com inépcia e "má vontade'.
As medidas repressivas e de controle tomadas contra os portugueses, nos finais
de 1823 e inícios de 1824, ainda causaram dois outros tipos de problemas: o
Suplicava que naqueles dias de tantos
primeiro era o dos que atenderam aos
perigos, quando mal o Império havia de-
anúncios de se apresentarem à Intendên-
belado
o
cia para obterem passaportes e, depois
Paulo de F i g u e i r o a
disto, ou sumiram, ou simplesmente iam
Nabuco Araújo permanecesse em sua
se deixando ficar em solo brasileiro, ale-
companhia, necessitava da sua ajuda.
gando inclusive falta de m e i o s para
Para tal deveria ser dispensado dos ser-
retornarem a Portugal. Pouco adiantava
viços da Casa de Suplicaçáo: sua função
marcar prazos de s a í d a .
seria vasculhar navios e perscrutar as
governo começou a exigir uma espécie
notícias que trouxessem, "para se toma-
de declaração de intenções. Responderi-
rem prontas medidas não s ó contra os
am sobre os motivos da vinda para o Bra-
inimigos externos, como os inimigos das
sil, quais os meios de vida e subsistên-
províncias do norte".
cia.
o
perigo
desembargador
nordestino,
O medo do intendente justificava-se
frente à chegada da galera americana
O/eaner. Entre os passageiros vinham
J o s é Antônio Ferreira Braklami
"um dos membros
nomeados
2 4
verno
da
Bahia";
Para estes, o
Outro problema dizia respeito
àqueles que vinham trabalhar e ganhar a
vida, querendo inclusive se naturalizar.
Trabalhar no Brasil era a meta de
muitos portugueses. Depois da Ind e p e n d ê n c i a , as autoridades
pelas cortes jacobínicas
de Lisboa para o go-
23
empregaram vários pri•Al
sioneiros lusos, como
foi o caso
daqueles
Bernardo Ribeiro de
aproveitados na Mari-
Carvalho Braga, ne-
nha.
p á g . 78. J u l / d e z
1 997
2 5
Além
disso,
V
K
O
também deixavam desembarcar todos os
sinal de suspeição — importava muito, a
que explicitamente viessem trabalhar. As-
ponto de provocar a expulsão ou impedir
sim, logo depois das medidas de janeiro
o desembarque. Assim, o fundamental
de 1824, ainda no dia 8, o intendente
seria d e i x á - l o s entrar, uma vez que a
pedia esclarecimentos do que fazer com
maioria vinha trabalhar. A necessidade
os lusos chegados ainda meninos, sem
básica era a de vigiar: vasculhar as suas
completarem 14 anos, "incapazes de
vidas, controlá-los no cotidiano. Desta
prestarem juramento, e de ação, ou im-
forma, assistimos nesta ocasião ao res-
putação", enviados por seus pais a ne-
surgimento do decreto de 2.12.1820: as
gociantes da praça carioca. Qual foi o
autoridades deveriam cobrar os passa-
resultado da consulta? Foram considera-
portes dos estrangeiros que chegassem,
dos impúberes, não se lhes exigiu nada
com o zelo da polícia, e, por outro lado,
e deixaram que ficassem e trabalhas-
seriam concedidos esses documentos aos
sem...
que se dirigissem para o interior do Im-
26
Por volta de meados do ano de 1824, a
questão deixou de ser unicamente referente ao controle sobre os lusitanos. A
Constituição tinha tentado estabelecer as
bases da cidadania, delimitando o papel
destes: eram cidadãos brasileiros do §4°
aqueles que houvessem aderido expressa ou tacitamente, pela continuação da
sua residência no país, à "causa nacional'. Por essa o c a s i ã o , era preciso ter
pério. Os barcos seriam vistoriados. Foi
este o sentido da longa história de controle e do relato das primeiras matrículas de estrangeiros, contados por Estevão Ribeiro de Resende, no ano de 1824.
Por isso historiou as listas elaboradas
desde a época de d. J o ã o VI, em 1808 e
18 1 8 .
27
Era preciso retomar o mesmo
cuidado anterior, sem proibições de entradas.
atenção a todos os estrangeiros, portan-
Com os mesmos pretextos de 1820, jus-
to, esquecer um pouco dos que haviam
tificava-se o aperto do controle geral so-
ou não jurado a Constituição por conta
bre todas as nacionalidades. Estava em
dos decretos de 14.1.1823 e 20.11.1823,
q u e s t ã o a s e g u r a n ç a miúda da cidade:
ou portaria de 3.1.1824. Contudo, náo se
havia aumentado o número de roubos e
deveria descuidar dos amigos ou inimi-
de vadios nos últimos tempos. Os estran-
gos, dos suspeitos ou não de amarem a
geiros eram em maior n ú m e r o nas esta-
terra.
tísticas e considerados os responsáveis
pelas altas cifras de criminalidade.
28
A partir de e n t ã o , ficou claramente definido quem eram os portugueses 'brasi-
Foi desta maneira que, a partir da porta-
leiros'. Entretanto, era preciso
to-
ria de 23.6.1824, obrigou-se "a todos os
dos os estrangeiros, inclusive os portu-
estrangeiros a munirem-se de cartas de
gueses adventícios. Ser estrangeiro' —
seguro, firmadas pelos cônsules". Tais
vigiar
Acervo, Rio
e Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez, 1997
- pág.79
A
C
E
cartas eram fornecidas pela Intendência
omisso, ou mal compreendido, ao menos
e corroboradas pela autoridade. Renovou-
a princípio e no que tocasse ao bom en-
se a prática dos livros de escrituração de
tendimento entre os estrangeiros e a
estrangeiros. Neles constavam a decla-
nova terra de a d o ç ã o .
31
ração de rua, casa, estado civil, condição, destino ou emprego. Se mudassem
Para fiscalizar a entrada marítima, ofíci-
de residência ou de trabalho, teriam que
os do intendente foram enviados ao ge-
comunicar à Intendência. Voltou-se a pe-
neral de Armas da Corte, em 19.9.1824,
dir os passaportes dos que chegavam,
e ao ministro encarregado das Visitas do
ainda nos navios, os quais eram entre-
Mar, em 16.2.1827. O primeiro ordenava
gues aos c ô n s u l e s ou agentes das res-
ao
pectivas n a ç õ e s , para fazerem os devi-
Villegaignon que nenhum passageiro, ofi-
dos assentamentos (os julgados conve-
cial ou tripulação, desembarcasse sem a
nientes), e posteriormente devolvidos na
visita da polícia a bordo. O segundo re-
Intendência.
em locais públicos. O primeiro, datado
de 8 de agosto de 1824, estabelecia o
comparecimento dos p r o p r i e t á r i o s de
de
da
fortaleza
de
forçava a necessidade das visitas antes
29
Dois editais foram publicados e afixados
casas
governador
aluguel,
estalajadeiros,
vendeiros e taberneiros à polícia, no pra-
do desembarque e pedia a r e l a ç ã o de
todos os indivíduos chegados, em todos
os tipos de e m b a r c a ç õ e s , classificandoos segundo trouxessem ou n á o o passaporte ou algum outro título comprobatório
da sua segurança e de cautela.
32
zo de oito dias, para declararem as ca-
Se por um lado, de 1824 em diante, o
sas que alugaram a estrangeiros. Decli-
governo controlou mais a entrada de es-
nariam, na ocasião, suas profissões, de
trangeiros, por outro t a m b é m facultou o
onde vieram, quando entraram, o n ú m e -
desembarque daqueles que viessem tra-
ro e qualidade da família, nos termos dos
balhar, apresentando as devidas garan-
parágrafos 8, 11 e 12 do alvará de 1760.
tias. Há exemplos disso na documenta-
O segundo, dirigia-se aos próprios es-
ção. Um deles é o caso de J e s u í n o Antô-
trangeiros. Alegando q u e s t ã o de seguran-
nio Horta, que obteve autorização para
ça pessoal para os adventícios, deveri-
trabalhar e residir em companhia de seu
am apresentar-se diante das autorida-
tio, em Campos. Nessa missiva, o secre-
des, no prazo máximo de trinta dias, para
tário encarregado dos Negócios da Jus-
declararem nome, naturalidade, empre-
tiça esclarecia ao intendente ser esta a
go e destino.
30
E para auxiliar na matrí-
atitude que se devia respeitar com rela-
cula, foi nomeado Joaquim Luís Alves,
ção a "quaisquer outros indivíduos que
com 300$000 réis anuais (30 mil réis
aqui chegarem de Portugal", providenci-
mensais), para "servir de i n t é r p r e t e e
ando as cautelas indicadas. Com exceção
tradutor de línguas". Nada poderia ser
dos militares e dos empregados públicos.
p á g . 8 0 . Jul/dez
1997
33
V
K
O
Tamanho cuidado e a t e n ç ã o redobrada
nhum português, ou qualquer outro es-
para com os estrangeiros podem ser ex-
trangeiro, foi proibido de desembarcar,
pressos no número de registros de en-
contanto que agisse de acordo com a lei.
tradas de imigrantes portugueses que
De 1825 em diante se intensificaram as
pesquisamos. Para 1820 foram encontra-
negociações de um tratado com Portugal
das três matrículas de portugueses na po-
para o reconhecimento da Independên-
lícia, bem como para 1822. Em 1821, náo
cia. É t a m b é m a partir desta data que
foi encontrado nenhum registro de che-
encontramos respostas dadas pelo minis-
gada e legitimação de passaportes de in-
tro da Justiça à s consultas feitas pelo
divíduo lusitano na d o c u m e n t a ç ã o . Pro-
intendente da polícia, nelas havia a per-
vavelmente, essa escassez de dados de-
missão para o desembarque de estran-
via-se a pouca prontidão com que se cum-
geiros chegados sem
pria a lei desde 1808, como nos infor-
contanto que dessem as 'cautelas', ou
mou o intendente, e porque, apesar da
seguros, e que, obviamente, não fossem
lei de 2 de dezembro de 1820 renovar a
suspeitos.
exigência
de p a s s a p o r t e
e da sua
legitimação, a p r e o c u p a ç ã o com o seu
cumprimento s ó se deu com a Independência e depois da resolução de questões imediatas relativas à organização do
Estado e à s divisões internas entre os que
passaportes,
35
"Y ' ^
ncontramos algumas listas com
~~*^
a relação de passageiros entra-
•
dos no porto e apresentados na
Intendência. Essas listagens corroboram
a permissão de entrada para trabalhar,
bem como apresentam as profissões de-
participavam da política.
claradas, que estão em consonância com
Para 1823 e 1824, os registros de entra-
as profissões e idades anotadas no ma-
das de estrangeiros e a p r e s e n t a ç ã o de
terial dos códices de a p r e s e n t a ç ã o de
passaportes também náo foram pródigos:
passaportes e entrada de estrangeiros na
36 e 39, respectivamente. Esses foram
polícia. Entre elas podemos constatar
anos em que algumas sérias a m e a ç a s se
grandes
fizeram presentes: n ã o se controlar a
metodologias de anotação diferenciadas.
intervalos
de
tempo
e
guerra civil no nordeste; a deflagração
de uma outra guerra civil no Sul e no Sudeste, com a participação escrava, e, finalmente, o receio de uma guerra com
Portugal. Para os c o n t e m p o r â n e o s a Independência era algo a ser construído...
Antes de prosseguirmos, analisando cronologicamente as medidas de repressão,
controle e/ou vigilância sobre os estrangeiros, passemos os olhos nas relações
encontradas.
A partir dessas datas os registros aumen-
A lista de 1.1.1828 a 31.5.1829 apresen-
taram ou diminuíram t a m b é m de acordo
tava 2.564 colonos, 704 diversos oficiais
com a circunstância política.
e empregados, 627 negociantes e empre-
34
Já vimos que desde o ano de 1824 ne-
gados do comércio, 731 a l e m ã e s para a
acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 1
Tropa, 44 artistas, 45 meneiros (minei-
biano e dois suecos, perfazendo um to-
ros?), 41 militares, 148 mulheres, 169
tal de 69 pessoas.
crianças, 818 viajantes de diversas ocup a ç õ e s que seguiam para outro destino,
lio total eram 5.891 pessoas.
37
Fora esses, ainda acusava a existência
de 124 estrangeiros que apresentaram os
passaportes a bordo e n ã o haviam ido
O desembargador encarregado do expe-
buscá-los na Intendência. Somados uns
diente de polícia fazia duas observações:
e outros, o total era de 193 estrangei-
não podia somar os passageiros das em-
ros. Havia t a m b é m 16 pessoas que Fize-
b a r c a ç õ e s de guerra e paquetes, por não
ram escala e se retiraram do país, além
estarem
e,
de onze que resolveram tirar o passa-
costumeiramente, não se apresentarem
porte e ficar residindo aqui. A diminui-
à polícia; fora os 818 viajantes, os de-
ção do n ú m e r o de imigrantes talvez se
sujeitos
a
visitas
mais se estabeleceriam no I m p é r i o .
36
devesse à s novas regras estabelecidas
Apesar de náo haver especificação de na-
pela Regência. Mo início de 1831, o con-
cionalidades, exceto para os que integra-
trole sobre os portugueses novamente se
riam a Tropa, parece que os n ú m e r o s
estreitou. Da mesma forma, isto apare-
acima diziam respeito a indivíduos de
ce
nacionalidade portuguesa. Chama aten-
legitimação e a p r e s e n t a ç ã o de passapor-
ção o total daqueles lusos que vinham
tes, em que vemos a cifra decrescer:
para o campo: 2.564; contrastavam com
passou de 893, em 1829, e 638, em 1830,
os que provavelmente ficariam na cida-
para 373, em 1831.
de: 1.778 (excetuou-se os a l e m ã e s e viajantes e incluiu-se na soma o n ú m e r o de
mulheres e crianças). Entretanto, o número geral de estrangeiros que ficavam
no e s p a ç o urbano n ã o se distanciava
muito daquele dos colonos: 2.509.
refletido
na
documentação
de
Se a d i m i n u i ç ã o continuou no ano de
1832, com as atitudes repressivas, igualmente as entradas aumentaram, paulatinamente, quando as medidas não surtiram o efeito esperado e muitos clandestinos chegaram ao país, apesar do re-
Já em 21 de junho de 1831, obedecendo
gresso de d. Pedro a Portugal e das per-
aos cuidados da Regência, Antônio Pereira
s e g u i ç õ e s aos portugueses.
Barreto Pedroso, desembargador encar-
De 25 a 30 de abril de 1832, apareceram
regado do expediente da polícia, apre-
os seguintes n ú m e r o s na relação de es-
sentou um extrato das a p r e s e n t a ç õ e s dos
trangeiros apresentada ao governo: sete
estrangeiros. Dele constavam 14 france-
franceses, sendo um com a família e duas
ses, seis ingleses, 35 portugueses s ó s ,
mulheres; três a l e m ã e s ; oito e s p a n h ó i s ;
quatro portugueses com família, quatro
35 portugueses, sendo um com a família
e s p a n h ó i s , um italiano s ó e um com fa-
e duas mulheres; t r ê s ingleses; dois
mília, um americano do Morte, um colom-
genoveses; um prussiano com a família
p á g . 82. j u l / d e z
1997
V
o
e dois sardos. lia soma total, 65 estran-
estrangeiros entrados no porto em 1831
geiros. Profissionalmente, eram empre-
e 1832 (56,5% e 56,9%, respectivamen-
gados nas seguintes atividades: um m é -
te). Eram acompanhados de longe por
dico, um advogado, um na milícia, 15 no
franceses, ingleses e e s p a n h ó i s , que
comércio, 17 caixeiros, dois agentes, um
guardavam nessas relações o mesmo tipo
estudante e dois em diferentes ofícios.
38
Além desses, na relação constava ainda
a observação de que 4-4 vinham 'formando'; havia um fabricante de vela, sete com
negócio de a r m a z é n s e tabernas, oito em
vários serviços como alugadores de cavalos, criados de servir e de padaria, e
um vivendo de suas propriedades. Somando todos, daria 61. A totalizaçáo de
65 se faria com a inclusão de quatro mu-
de percentual dos anos anteriores. Essa
característica manteve-se a t é pelo menos 1834. Portanto, concluímos que, de
1808 a 1834, entraram estrangeiros das
mesmas nacionalidades no porto do Rio
de Janeiro e a política de controle sobre
eles mudava de acordo com o momento
político, fazendo-se sentir com maior
desvelo em relação aos portugueses.
A mudança de política a que nos referi-
lheres.
mos, em 1824, visando o maior controle
Por listas semelhantes a esta, os portu-
da entrada de estrangeiros, igualmente
gueses ainda constituíam a maioria dos
pode ter tido como conseqüência o au-
Rua Direita, Rio de Janeiro. Litografia de Engelmann a partir de desenho de Rugendas.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 1. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 3
A
c
mento da clandestinidade e dos que de-
preferido dos l i b e r t o s ,
sembarcavam fugidos nos anos posteri-
com o mar, fácil de desembarque nas
ores; isto porque teriam vindo matricu-
suas muitas ilhotas, de onde os portu-
lados como tripulação. Chegando aqui,
gueses em situação de ilegalidade podi-
escapavam da polícia e esgueiravam-se
am alcançar a terra ou escapar em pe-
pelas estreitas ruas da cidade.'
quenos botes para o interior da baía de
Em 1826, Francisco Alberto Teixeira de
Aragão, e n t ã o intendente, via-se às voltas com a recaptura de cinqüenta 'marinheiros' lusos, desembarcados da nau d.
João
VI.
Eles haviam fugido, abrigando-
se em casas de lusitanos nas ruas da
Vala, Prainha e Valongo.
39
Matriculados
como marujos, tinham por intenção ficar
no Brasil. O navio queria retornar a Portugal e n ã o tinha tripulação. Através do
ministro da Justiça, foram muitas as instâncias do imperador para vigiar e prender estes homens. Mas, como fazer isto
justamente numa cidade habitada por
tantos portugueses? C o m o pegar os
40
era fronteiriça
Guanabara. Além disso, contavam com a
solidariedade dos comerciantes lusitanos
do Valongo. Entre escravos, libertos e
portugueses fujões, esta era uma região
que preocupava as autoridades e onde
rixas variadas aconteciam com freqüência. A cidade, portanto, era igualmente
esconderijo para os imigrantes brancos
portugueses, que contavam com a solidariedade de seus patrícios.
Para ilustrar o que foi dito, um caso de
fuga, semelhante a tantos outros encontrados na d o c u m e n t a ç ã o , aconteceu em
1831; envolveu portugueses matriculados
na galera portuguesa
liouo
Comerciante
e outros indivíduos da mesma nacionali-
fujões?
dade sem passaporte. Era um total de vinMa freguesia da Candelária ficava parte
da rua da Vala e essa região abrigava a
maior percentagem de filhos de Portugal.
Quem seria fugitivo e quem morador fixo?
Difícil tarefa a da polícia, se tivesse que
vasculhar casa por casa. Além do mais,
poderia contar com a revolta dos lusitanos j á estabelecidos aqui, aqueles do pao
rágrafo 4 da Constituição. As confusões
relacionadas à cidadania e à identidade
nacional perduraram ao menos a t é o final da Regência.
Q u a n t o a Santa
te e três pessoas. O encarregado de Negócios de Portugal defendia o desembarque por ser "a maior parte oficiais de
artes mecânicas, que passam ao Brasil a
viver da sua indústria, e muitos deles
moços de menor idade...".
41
Vinham tra-
balhar da mesma forma que aqueles
meninos enviados pelos pais a comerciantes da praça do Rio, em 1824, e aos
quais n ã o se podia cobrar juramento à
'causa brasileira'. Na sua maioria, também eram menores de idade. De acordo
Rita, onde
se l o -
com a relação apresentada à polícia,
42
calizavam a Prainha e o Valongo, se é ver-
havia seis pessoas na faixa de 10 a 14
dade que homiziava negros e era o local
anos; nove, de 15 a 19; três, de 20 a 24;
p á g . 84 . j u l / d e z
1997
V
R
O
quatro, de 25 a 29; e um indivíduo com
exacerbação de â n i m o s e de persegui-
30 anos.
ç õ e s contra os lusitanos. O segundo é
§
relacionado à posição das autoridades a
e alguns vinham como colonos e
tentavam a vida no interior, como
aqueles do rol de 1828/29" e nos
casos encontrados nos códices de polícia, outros chegavam com p r o f i s s õ e s
definidas, o que muitas vezes era mais
um indício de um trabalho 'arranjado' ou
'contratado'. Mo caso desses imigrantes
chegados em 1831, havia 14 caixeiros,
três marinheiros, dois tanoeiros, um
copeiro, um criado de servir, um sapateiro e um alfaiate. Sem sombra de dúvida, a profissão de caixeiro ocupava a
maior parte desses imigrantes. Pode-se
verificar isso tanto nesta lista como naquela apresentada pela polícia no ano de
respeito da mão-de-obra portuguesa na
cidade. Em documentação tão pródiga em
cartas, ofícios e a t é mensagens secretas, as responsabilidades dos comandantes, não encontradas para o período anterior a 1831, têm significado claro: sabiam do papel desses imigrantes e dos
altos índices de clandestinidade, mas
essa força de trabalho era importante na
Corte, o que fazia com que as autoridades não dessem tanta importância à s formalidades legais... J á vimos que, para o
ingresso no Brasil depois de 1824, o governo s ó exigia cautelas dos imigrantes
e colocava como condição não serem inimigos ou suspeitos.
1832. Quanto à s suas origens, eram quase todos do norte de Portugal." Assim,
É nesse sentido que o episódio dos vinte
nessa listagem, de 1832, assinada pelo
e três lusitanos, chegados a bordo da ga-
capitão da galera Cidade do Porto, con-
lera novo Comerciante,
firmam-se as t e n d ê n c i a s reveladas, na
tância. Foram tratados com rigidez; os
documentação das legitimações de pas-
seus casos serviriam de exemplo para
saporte e nas matrículas, quanto à faixa
outros semelhantes. Pela primeira vez, e
assume impor-
de idade, tipo de trabalho, não raro ati-
não seria a última, o encarregado de Me-
vidade j á contratada e procedência.
gócios de Sua Majestade Fidelíssima de
Portugal agiu com presteza junto ao go-
Mas, se a lei mandava que os c a p i t ã e s
verno imperial. Ma mesma data da che-
de navio e mestres se responsabilizas-
gada, a p r e e n s ã o e c o n f e c ç ã o da lista
sem por aqueles vindos sem passaporte,
pelo capitão Domingos da Costa e Sá, ele
por que, então, s ó em maio de 1831 en-
remeteu um ofício suplicando pelos sú-
contramos essa relação acima, assinada
ditos portugueses. Além de argumentar
pelo capitão? Afinal, comentamos que
que vinham trabalhar, o que náo consti-
muitos vinham trabalhar sem portarem
t u í a novidade para n i n g u é m , pedia
o passaporte. A resposta é clara e apon-
a boa vontade dos "esclarecidos mem-
ta em dois sentidos. O primeiro respon-
bros da Regência Provisória", para que
de pela data: no ano de 1831 houve uma
prestassem
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g .
A
C
a t e n ç ã o ao m é t o d o de livre prática com
l u ç ã o cujo perigo n ã o e s t á de
o p a í s , que a transata a d m i n i s t r a ç ã o
permitia aos passageiros desta qualidade, e de outras c i r c u n s t â n c i a s ponderosas capazes de produzir a b o a - f é ,
com que se transportaram ao Brasil,
passado.
todo
45
Diante dessa explanação, n ã o houve jeito: concedeu-se trinta dias, a partir do
despacho de 7.7.1831, para que esses
imigrantes retornassem à cidade do Porto.
46
sem solicitarem para esse fim as licen-
Por conta desse episódio, através do mi-
ç a s do governo de Lisboa.
nistro da Justiça, a Regência enviou aviPedia que a p e r m i s s ã o solicitada fosse
so
extensiva a outros p o r t u g u e s e s que
desembarque de estrangeiros sem pas-
aportassem ao Brasil, por um prazo pre-
saporte, prendendo os imigrantes a bor-
determinado, até que comunicasse a Por-
do e dando ordens para que as autorida-
tugal "que as leis policiais a este respei-
des policiais providenciassem a extradi-
to, anteriormente em desuso, se acham
ção de todos os desembarcados que náo
de novo em seu pleno vigor".
atendessem aos preceitos legais.
A
resposta do ministro da Justi-
47
à Intendência da Polícia proibindo o
Em 1831, a situação política n ã o estava
ça da Regência, Manuel J o s é
muito boa para d. Pedro I e os portu-
de Sousa Trança, foi bastante
gueses'. O imperador era acusado de pro-
dura e nada amistosa. Repisava a lei de
porcionar vários favorecimentos pesso-
2 de dezembro de 1820 e concedia, no
ais a grupos, principalmente de privile-
máximo, "prazo razoável para fazer sair
giar a sua antiga nacionalidade. Dizia-se
infalivelmente do Império os mesmos vin-
que dava maior a t e n ç ã o aos negócios da
te e três portugueses recém-chegados".
antiga Metrópole do que aos problemas
Quanto ao pedido de prazo para comuni-
internos brasileiros. Depois da viagem de
car a Portugal as 'novas' medidas, argu-
d. Pedro a Minas Gerais, as ruas da cida-
mentava
de do Rio de Janeiro tornaram-se
negativamente:
e quanto à segunda parte, que n á o é
mister assinar-se novo prazo para notícia de que e s t ã o em vigor as leis policiais do p a í s a tal respeito, porque
sempre elas tiveram em vigor, e se acaso se n ã o executaram alguma vez com
o rigor devido que cumpria, foi isso
efeito da p é s s i m a a d m i n i s t r a ç ã o
do
governo transato, sempre conivente a
este e outros respeitos que nos levaram a borda do abismo de uma revo-
p á g . 86.
jul/dez
1997
trin-
cheiras numa batalha travada entre portugueses' e 'brasileiros'. As noites das
garrafadas foram sangrentas e fizeram
o despertar forçado das autoridades, novamente, a imagem do imigrante 'perig o s o ' e ' m a r g i n a l ' , avesso à ordem,
descumpridor das leis, amigo da anarquia e do roubo — até mesmo do roubo
da terra e dos direitos dos nacionais —,
voltou à cena.
no dia 5 de abril, algumas decisões fo-
O
V
R
ram tomadas pela Secretaria de Estado
coincidência, o governo mandava reali-
da Justiça. Essas medidas foram resul-
zar um novo registro e assentamento ge-
tado de muita p r e s s ã o . Ainda em março,
ral de todos os estrangeiros que chegas-
vinte e três deputados e mais o senador
sem à Corte. Essa medida foi tomada jun-
Vergueiro reuniram-se na casa do padre
tamente com a de prisão de 'delinqüen-
José Custódio Dias, na rua da Ajuda, con-
tes'. Todos os cadastrados indicariam a
fiando a Evaristo da Veiga a redação de
sua n a ç ã o , naturalidade, sexo, idade,
uma representação ao governo contra o
estado civil, e m b a r c a ç ã o em que haviam
procedimento dos portugueses; pediam
chegado, data de chegada, ofício e em-
também a desafronta para os 'briosos'
prego, moradia e finalidade da perma-
nacionais.
nência no país. Registro bem mais completo do que os anteriores, pelo menos
A partir daquele momento as patrulhas
da guarda militar da polícia deveriam
prender em flagrante os perturbadores
da t r a n q ü i l i d a d e pública, que vinham
dasassossegando o povo nos ú l t i m o s
tempos. O juiz de Faz da freguesia onde
o delinqüente fosse preso teria por obrigação proceder rapidamente ao corpo de
na letra da lei! Se os estrangeiros mudassem de e n d e r e ç o , deveriam participar o novo local de moradia à Intendência. Esta, por sua vez, reabilitaria o costume de mandar listas mensais ao ministro da J u s t i ç a .
4 8
liessas relações, o
intendente deveria fazer uma apreciação
sobre a
delito e enviá-lo ao juiz Criminal, em 24
horas. Os moradores eram forçados a
moralidade e costumes desses estran-
colaborar, sob pena de oito dias de pri-
geiros em geral, e do bem ou mal que
são fechada: quando as desordens se ini-
entenda resultar da sua p r e s e n ç a en-
ciassem, deveriam colocar luzes nas j a -
tre n ó s , para sobre tais i n f o r m a ç õ e s se
nelas com o objetivo de facilitar o traba-
adotarem as medidas policiais que as
lho das rondas. Aqueles que fossem pre-
c i r c u n s t â n c i a s exigirem.
sos seriam fichados', tomando-se-lhes o
nome, a naturalidade, a idade e o estado civil, n ã o por
48
Vigiando ainda os estrangeiros, havia
duas decisões regulamentando a vida e
Vista da praça d o Palácio ( p r a ç a X V d e N o v e m b r o ) , Rio d e Janeiro. Litografia d e Thierry Frères a
partir de d e s e n h o d e D e b r e t .
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 7
a conduta de marinheiros que estavam
Iam escoltados pela assinatura do capi-
fora da terra e que tinham participado
tão Antônio Alves Marta,
dos recentes distúrbios na cidade. O go-
grande coisa.
51
o que náo era
verno convocava a Marinha para fazer
rondas no mar e vigiar as á g u a s do porto e da Prainha. Os marujos náo poderiam estar desembarcados depois das avemarias porque perturbavam a ordem pública. Para as autoridades policiais e j u diciais, incitavam a população. Portanto,
visava-se controlar não s ó as tripulações
das e m b a r c a ç õ e s atracadas no porto, e
que com elas retornariam ao país de origem, mas igualmente os portugueses,
vindos sem passaporte, que deveriam ser
mantidos nos navios a fim de não fugirem.
rias palavras dos c o n t e m p o r â n e o s , a Abdicação havia evitado que a anarquia se
espalhasse pela cidade. Pouco depois, a
Câmara Municipal adotou uma série de
posturas para controlar a população. Os
'brasileiros' e os estrangeiros deveriam
alistar-se nas suas freguesias, no prazo
de oito dias a p ó s a publicação do edital.
O alistamento duraria uma quinzena. Todos os chefes de família apresentariam
ao oficial de q u a r t e i r ã o dados completos, como idade, emprego e estado civil,
de todos os indivíduos que estivessem
O porto e a Prainha eram campos aber-
sob a sua autoridade: parentes, agrega-
tos e livres, salvos-condutos para as fu-
dos, fâmulos e escravos. Os chefes de
gas, lia ocasião das 'garrafadas', os ma-
quarteirão preencheriam mapas com os
rinheiros lusos e 'portugueses', em geral
dados e indicariam 'desconfianças' sobre
sem passsaportes, foram acusados de
as condutas dos "ociosos, jogadores de
terem auxiliado os 'portugueses' e os
profissão, vadios, b ê b a d o s , ladrões, tur-
o
'brasileiros do parágrafo 4 ' . Passado o
bulentos e mendigos". Nestes casos, o
tumulto, a polícia alegou que continua-
juiz de Paz daria as devidas providênci-
vam vagando pelas ruas cariocas. Fala-
as. Os c i d a d ã o s deveriam participar as
va-se da possibilidade de fazerem parte
desconfianças que tivessem, sobretudo
dos bandos armados, como o do portu-
contra os taberneiros.
g u ê s J o s é Vivas.
50
Quanto aos estrangeiros, havia dois paA partir dessa decisão, com o aumento
rágrafos que cuidavam das suas sortes.
da vigilância, alguns marinheiros foram
O 12° obrigava-os a se apresentarem ao
pegos. lieste caso, eram matriculados em
juiz de Paz com o passaporte. Deveriam
algum navio que estivesse zarpando para
declarar por que vinham para o Brasil e
Portugal, sob a custódia do seu capitão.
como pretendiam sobreviver. Investiga-
Algumas dessas histórias foram encon-
ções seriam feitas para se ver a possibi-
tradas. Bons exemplos s ã o os de Inácio
lidade de admitirem-nos, ou proceder
J o s é , Augusto e Antônio Tavares, reme-
contra eles no termo da lei. Em outras
tidos de volta no navio português Trajano.
palavras, e x p u l s á - l o s . O 6
p á g . 8 8 . jul/dez
1997
o
parágrafo,
V
R
O
embora não se referisse explicitamente
causa dos portugueses 'naturalizados'
aos estrangeiros, tocava-os em cheio.
pela Constituição ou pelos devidos jura-
Era evidente a intenção de tentar pren-
mentos. O 1 I artigo mais uma vez proi-
der os lusitanos fugitivos, escondidos em
bia os marinheiros de andarem em terra
casas de amigos e parentes. Mele havia
durante a noite.
a obrigatoriedade do chefe de família declarar compulsoriamente os indivíduos
que viessem a morar consigo ou que
eventualmente hospedasse." Em um primeiro momento, os únicos 'estrangeiros'
olhados com benevolência seriam os que
tivessem colaborado na luta da Independência, incluídos os soldados e oficiais
do antigo Corpo de Estrangeiros, que
havia sido dissolvido pela carta de lei de
o
P
ortanto, não é de se estranhar
que tamanha confusão acontecesse com os vinte e três pas-
sageiros da galera Nouo Comerciante.
A
Regência tentava controlar a situação e,
em especial, conter os 'ânimos exaltados' de 'nacionais' e 'portugueses'. De
certa maneira, não interessava admitir
mais lusos e realimentar a discórdia e
d e s u n i ã o entre os habitantes do país,
24.11.1830."
reacender os motivos dos variados conQuase dois meses depois, houve um novo
edital da Câmara tentando disciplinar a
população.
54
Mele tornava-se a falar em
crise' e proibia-se a venda de armas a
escravos e pessoas suspeitas. Os cativos deveriam ser vigiados a miúdo, limitando-se os seus movimentos e obrigando-os a trazerem permissão dos senho-
flitos que assolavam a cidade. Assim, as
autoridades recordavam as leis reguladoras da entrada de estrangeiros, apertavam o cerco na exigência de passaportes e tentavam não deixar desembarcar
quem n ã o tivesse emprego acertado e
cautelas atestadas por pessoas idôneas
ou pelo cônsul do país de origem.
res, por escrito, para se locomoverem
depois das sete da noite. Os donos de
Assistia-se a um momento parecido com
taverna t a m b é m seriam
estreitamente
aquele do ano de 1824. Mo decreto de
observados, por facilitarem ajuntamen-
18.8.1831, a Regência constatava haver
tos e jogos. Como não podia deixar de
muitos "portugueses" inimigos do Brasil
ser, os estrangeiros foram objeto de dois
e que eram "escandalosamente conside-
o
artigos. O 5 punia as pessoas que inci-
rados como cidadãos brasileiros pelo go-
tassem a discórdia e a cizânia contra os
verno transato, só pelo motivo de conti-
nacionais' do Brasil, embora esse mes-
nuarem a permanecer no Brasil depois
mo artigo t a m b é m punisse com igual
daquela época". Continuava dizendo tam-
multa e penalidade os nacionais que xin-
bém existirem os que gozavam direitos e
gassem os nascidos fora do Império'.
foros de cidadania, mesmo chegados
Note-se que náo se chamava a estes de
a p ó s a Independência, s ó pelo fato de
estrangeiros', muito provavelmente por
terem jurado a Constituição. Zelando pe-
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 9
A
C
E
los direitos e garantias dos cidadãos 'bra-
achassem no gozo dos seus direitos civis
sileiros legítimos', ordenava três medi-
no país a que pertencessem; 3 ) aos que
o
das: I ) mandava que os chefes das re-
tivessem declarado na c â m a r a do muni-
partições civis, militares e eclesiásticas
cípio da sua residência qual era a sua
'escrupulosamente' examinassem a cida-
pátria, a real intenção de fixar residên-
o
o
dania daqueles nascidos em Portugal; 2 )
cia no Brasil e religião; 4 ) aos que, de-
orientava as autoridades ^a se certifica-
pois de terem feito a declaração acima,
rem de que os estrangeiros que quises-
estivessem residindo no Brasil por qua-
sem usar de regalias e vantagens conce-
tro anos consecutivos, feita a exceção
didas a 'brasileiros' fossem investigados;
para os que fossem domiciliados no Im-
o
3 ) pedia ao cônsul p o r t u g u ê s que envi-
pério por mais de quatro anos na época
asse uma lista de todos os portugueses
de promulgação da lei e requeressem a
existentes na Corte ao intendente-geral
carta no prazo de um ano; 5 ) aos que
da polícia, complementada por relações
fossem possuidores de bens de raiz no
dos que chegassem com passaporte e
Brasil, ou de parte em fundos de algum
o
o
quisessem aqui residir. Pia mesma data,
estabelecimento industrial, ou exerces-
a Regência enviava aviso à Secretaria de
sem alguma profissão útil, ou, enfim, vi-
Justiça e ao intendente de polícia para
vessem honestamente de seu trabalho.
55
não bulirem com estrangeiros que estivessem a serviço de suas respectivas
n a ç õ e s . Ordenava-se que n ã o fossem
'apalpados', contanto que mostrassem
certificados assinados pelo respectivo
A
Regência, portanto, tentou regularizar a s i t u a ç ã o dos es-
-trangeiros, sem barrar a en-
trada dos portugueses ou enterrar em de-
ministro e encarregado da nação estran-
finitivo os projetos de colonização. En-
geira a que pertencessem, ou pelo ofici-
tretanto, concomitantemente a estas de-
al maior da Secretaria de Estado dos ne-
cisões, esmiuçava-se o controle. A situa-
gócios Estrangeiros.
ção dos lusos foi contraditória em todo o
56
Apertava-se o cerco sobre a vida dos estrangeiros na Corte e no país. Era urgente
a p r o m u l g a ç ã o de uma carta de lei específica, que estabelecesse regras e normas claras para se adquirir, sem equívocos, a cidadania. Tál legislação foi sancionada em 2 3 . 1 0 . 1 8 3 2 ,
57
curiosamente
logo depois dos eventos de abril, julho e
outubro.
58
Por ela, conceder-se-ia carta
o
de naturalização: I ) aos que provassem
o
ser maiores de 21 anos; 2 ) aos que se
p á g . 9 0 . jul/dez
1997
período.
no final do ano de 1834, parece que a lei
passou a ser vista novamente com maior
benevolência.
59
Deixando de expulsar, as
autoridades brasileiras permitiram a permanência de alguns lusitanos, contanto
que apresentassem as fianças, corroboradas pelos juizes de Paz ou por homens
idôneos, e que, em alguns casos, se dirigissem ao interior. Davam como opções
Santos ou São Paulo. Afinal, as relações
V
R
O
embarcações
da problemática nativista, que insistia em
descortinavam a mesma realidade: imi-
opor brasileiros a portugueses como o
grantes homens, maciçamente vindos do
cerne da q u e s t ã o política" e "a imposi-
Porto ou do norte de Portugal, solteiros,
ção da q u e s t ã o da escravidão, no mo-
com idade entre 10 e 30 anos, vindos "a
mento de consolidação do Estado impe-
de
passageiros
empregar-se"...
das
rial".
60
61
Certamente, os problemas dos
Talvez essa mudança tenha se dado com
portugueses deixaram o cenário político,
a afirmação gradativa dos liberais do 're-
juntamente com os maiores anos de pres-
gresso'.
os
são e tentativas de participação popular
'saquaremas' fizeram com que as preten-
na política; todavia, o antilusitanismo não
sões dos liberais se e s v a í s s e m . O seu
esmoreceu e teve renovados dias na Re-
maior trunfo teria sido "o esvaziamento
pública Velha.
N
1
Nos
anos
O
futuros,
T
A
S
Tais medidas foram descritas pelo intendente-geral da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende,
em ofício a Luís de Carvalho e Melo. justificando as atitudes da p o l í c i a em 1824. Comentava
t a m b é m a impossibilidade de se precisar o n ú m e r o exato de estrangeiros na cidade. Obcio
do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro Resende, a Luís de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323,
11 6.1824. v. 7, A.N. Estes censos e mapas comentados pelo intendente nao foram encontrados na d o c u m e n t a ç ã o pesquisada.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 1
C
A
E
2.
O Povo e a Tropa' e s t ã o com letras m a i ú s c u l a s por designarem segmentos importantes do
Antigo Regime, lia d o c u m e n t a ç ã o é comum aparecerem grafados desta forma; participaram
ativamente de quase todos os acontecimentos de rua da cidade, nesse p e r í o d o .
3.
Decreto de 2.12.1820 (mandava exigir passaporte das pessoas que entravam e s a í a m do
Reino do Brasil). Coleção
das Leis do Brasil de 1820, Rio de Janeiro. Imprensa nacional,
1889. pp. 113-117. A . n .
4.
Decreto de 14.1.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, L e g i s l a ç ã o brasileira ou
coleção
cronológica
das leis, decretos, resoluções
de consulta, provisões
etc. do Império
do Brasil
desde o ano de 1808 até 1831. Inclusive, contendo, a l é m do que se acha publicado nas
melhores c o l e ç õ e s , para mais de duas mil p e ç a s i n é d i t a s coligidas pelo conselheiro J o s é
Paulo de Figueiroa Mabuco de Araújo, Rio de Janeiro, Tip. Imp. e Const. de J . Villeneuve c
Comp.. 1836, 7 V. , V. 4, p. 7.
5.
I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . Q . C . R . J .
6.
Luís Filipe Alencastro mostra a i m p o r t â n c i a do c o m é r c i o brasileiro com a África por ocasião
da I n d e p e n d ê n c i a e nos anos s u b s e q ü e n t e s . Citando um documento de C r i s t ó v ã o A. Dias
para Manuel G o n ç a l v e s de Miranda, escrito de Luanda e datado de 19.6.1823. afirma que em
1823 o governo de Benguela informou à M e t r ó p o l e que lá havia um partido que achava
melhor se unir ao Brasil independente, colocando-se sob sua p r o t e ç ã o . Para o governo de
Benguela. Angola n á o poderia viver sem o tráfico, sua principal riqueza, e Portugal nâo
conseguiria comercializar seus produtos. Segundo este autor, ricas f a m í l i a s portuguesas de
Angola teriam se transferido para o Brasil e circulado em Benguela panfletos convocando a
a d e s ã o à causa brasileira'. Portanto, chegou a haver aí um clima insurrecional, com s e q ü e s tros de bens de i n d i v í d u o s do 'dito' I m p é r i o do Brasil, n ã o submissos ao governo e simpatizantes dos rebeldes, e uma espera c o n t í n u a de uma e x p e d i ç ã o naval que viria do Rio de
Janeiro. Este clima teria sido promovido por negociantes de escravos que tinham ligações
estreitas com o Rio de Janeiro e Pernambuco, e do lado brasileiro v á r i a s personalidades
teriam acompanhado a a g i t a ç ã o , entre elas Vergueiro. O c o m é r c i o com Angola teria c o m e ç a do a sofrer revezes a partir de 1829 com a a m e a ç a de e x t i n ç ã o do tráfico no Rio de Janeiro.
Alencastro t a m b é m cita a i m p o r t â n c i a do Brasil, em 1823, para Cabo Verde e para a Costa da
Mina, onde os 'brasileiros' davam as cartas. Conferir Luís Filipe Alencastro, Le commerce des
vivants: traite desclavages et pax lusitana' dans I' Atlantique Sud, Paris, 1985-1986, 2 v.,
tese de doutorado. Departamento de História — U n i v e r s i t é de Paris X, pp. 440-449.
7.
Esta s u p o s i ç ã o baseia-se na d o c u m e n t a ç ã o dos c ó d i c e s de p o l í c i a do Arquivo nacional, em
que h á pedidos de outros negociantes para entrarem sem passaporte ou s ú p l i c a s para obterem p e r m i s s ã o para cuidar dos seus n e g ó c i o s fora do p a í s .
8.
Decreto de 20.11.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 163.
9.
Portaria e o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a à Uma. C â m a r a da cidade do Rio de Janeiro,
c ó d i c e 329 (1818-1824), respectivamente de 3.1.1824 e de 8.1.1824, v. 5, pp. 141-142,
A.li. A portaria de 10.1.1824 é citada no o f í c i o do intendente E s t e v ã o Ribeiro de Resende a
Clemente Ferreira Pereira França, ministro da J u s t i ç a , prestando contas do cumprimento que
deu à s citadas portarias e decretos, e enviando listas de nomes. IJ 6 163 (1822-1824).
30.10.1824, Secretaria de Policia da Corte, rei. IA, o f í c i o s com anexos, A.li. Se por um lado
as escalas em Pernambuco e na Bahia eram comuns, por outro, como j á vimos, essas províncias eram r e g i õ e s de f e r m e n t a ç ã o de i d é i a s liberais e de a g i t a ç ã o da plebe urbana. Isto náo
foi desprezado naquele momento de medo das i d é i a s recolonizadoras e de uma possível
guerra com Portugal.
10. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o de Estado dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , J o ã o Severiano Maciel da
Costa, IJJ 1 193 (1823-1824), Ministério do I m p é r i o , Registro de Avisos e O f í c i o s , livro 23 da
Corte, 5.2.1824, A.n.
11. I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . G . C . R . J .
o
o
12. Artigo 6 , 4 p a r á g . ; " C o n s t i t u i ç ã o p o l í t i c a do I m p é r i o do Brasil", em Constituições
do Brasil
(de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações),
í n d i c e Ana Valderez A. li. de
Alencar, Brasília, Senado Federal, S u b s e c r e t á r i a de E d i ç õ e s T é c n i c a s , 1986, 2 v., p. 593.
13. Ofício do ministro da J u s t i ç a , Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao intendente-geral da
p o l í c i a , c ó d i c e 319 (1824-1825), 13.3.1823, V. 1, p. 10, A.n.
14. Ofício remetido pela R e p a r t i ç ã o do I m p é r i o , c ó d i c e 319 (1824-1825), 21.6.1824 , v. 1, p. 26,
A.n.
15. Respectivamente, o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de
Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 24.1.1824, v. 7, p. 26, A.n. e o f í c i o do intendente
p á g . 92 . J u l / d . : z
1997
V
R
O
da polícia, E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (18221836), 24.1.1824 , v. 7, p. 28, A . l i .
16. Estas seriam as i d é i a s de liberdade apregoadas pelas Cortes lisboetas, que segundo o entendimento dos c o n t e m p o r â n e o s visavam a reescravizar o Brasil, tia verdade, como j á foi
largamente discutido pela historiografia, os ideais r e v o l u c i o n á r i o s da R e g e n e r a ç ã o t ê m dupla leitura: para Portugal seriam o triunfo do liberalismo contra o absolutismo; para o Brasil,
significariam a c a s s a ç ã o de uma s i t u a ç ã o de e q u i v a l ê n c i a com o Reino. Reabilitavam prefer ê n c i a s comerciais para os comerciantes do Porto e transfeririam a a d m i n i s t r a ç ã o para Portugal, lia prática, contrariavam os interesses das classes dominantes brasileiras, mais especificamente dos comerciantes aqui enraizados.
17. O governo temia tanto o que considerava excesso de liberdade quanto a liberdade mal
entendida das Cortes. Entretanto, amedrontava-se igualmente com o novo estado de coisas
em Portugal. A corrente absolutista mais radical tinha seus adeptos e, a 30 de abril de 1824,
d. Miguel tentou um golpe de estado fracassado contra d. J o ã o VI. Apoiado por embaixadores estrangeiros residentes em Lisboa, a bordo da nau inglesa Windsor Castle, d. J o ã o concedeu-lhe direito à c a p i t u l a ç ã o , caso se submetesse inteiramente à s suas ordens. Logo depois da sua r e n d i ç ã o , exilou-se na Áustria.
18. Citado por Amaro Quintas, "A a g i t a ç ã o republicana no nordeste", em S é r g i o B. de Holanda,
História geral da civilização
brasileira, 4 ed., S ã o Paulo/Rio de Janeiro, Difel/ D i f u s ã o Editorial S.A., 1976, 7 vol., v. 3, cap. 4, pp. 207-237, p. 228.
a
19. Idem, ibidem, p. 208. Amaro Quintas afirma que o A r e ó p a g o foi fundado pelo padre Manuel
Arruda da C â m a r a , que teria sido homem de i d é i a s libertárias' e cuja i m p o r t â n c i a n ã o teria
sido devidamente estudada. O objetivo desta o r g a n i z a ç ã o , para o autor, seria a ' l i b e r t a ç ã o
nacional', a ' e x t i n ç ã o do colonialismo'.
20. As i n f o r m a ç õ e s a respeito da a g i t a ç ã o republicana no nordeste foram retiradas do artigo de
Amaro Quintas, supracitado.
21. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a ,
Clemente Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com
anexos, 10.1.1824, A.n.; o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende,
a J o ã o Severiano Maciel da Costa, c ó d i c e 323 (1822-1836), 29.1.1824, v. 7, p. 27, A . n . ;
ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo,
c ó d i c e 323 (1822-1836), 31.1.1824, v. 7, p. 28, A.n.
22. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a ,
Clemente Ferreira França, IJ 6 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com anexos, 1.6.1824, A . n . ; o f í c i o do ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (18241825), 4.6.1824, p. 22, A.n.
23. Casos como estes podem ser encontrados nos c ó d i c e s 319 e 323. Conferir, por exemplo, os
o f í c i o s seguintes: o f í c i o da R e p a r t i ç ã o de Estrangeiros, c ó d i c e 319 (1824-1825), 3.4.1824,
p. 12, A . n . ; o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de
Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 3.4.1824 , v. 7, p. 31. A.n.; ofício do intendente
da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (18221836), 7.4.1824, v. 7, p. 31, A.n.
24. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 18.3.1824, v. 1, p. 10, A.n.
25. Decreto de 21.3.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 43.
26. Ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a Clemente
Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rei. 1 A, o f í c i o s com
anexos, 8.1.1824, A . n . ; portaria de 12.1.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v.
7, p. 193. Entre 1824 e 1830, a maioria vinha com idade entre 15 e 24 anos. Contudo, a faixa
entre 10 e 14 anos ocupou o terceiro lugar nos desembarques. Os portugueses eram m ã o de-obra i m p o r t a n t í s s i m a na cidade.
27. Conferir documento citado na nota 1, ofício, c ó d i c e 323, 11/6/1824, v. 7, A.n.
28. Muitos estrangeiros eram considerados vadios e criminosos. Esta c a r a c t e r í s t i c a n ã o era exclusiva da Corte. É apontada, por exemplo, para Minas Gerais, por Laura de Melo e Sousa em
Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no s é c u l o XVIII, Rio de Janeiro, Editora Qraal,
1982.
29. Portaria de 23.6.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v 4, p. 289.
30. Edital de 8.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, Rio de Janei-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 3
A
C
E
ro. Tip. de Silva Porto e Comp., e edital de 11.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , Estevão
Ribeiro de Resende, Rio de Janeiro. Tip. de Silva Porto e Comp. Ambos foram encontrados no
IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rel.l A., o f í c i o s com anexos, A . l i .
31. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rel.l A, o f í c i o s com anexos, 3.8.1824, A . l i . ; o f í c i o do intendente da
p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte,
r e l . l A, o f í c i o s com anexos, 16.8.1824 , A . l i .
32. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao general de Armas, Joaquim
Xavier Curado, c ó d i c e 326 (1822-1826), 17.9.1824, v. 6, p. 127, A.M.; o f í c i o do intendente
da p o l í c i a , Francisco Alberto Teixeira de A r a g á o , ao ministro encarregado das Visitas ao Mar,
desembargador A n t ô n i o Luís Figueira Pereira da Cunha, c ó d i c e 329 (1824-1830), 16.2.1827
p. 74, A.Ii.
,
33. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o encarregado dos N e g ó c i o s da J u s t i ç a . Clemente Ferreira Franç a , ao intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, c ó d i c e 319 (1824-1825,
14.7.1824, p. 32, A.Ii.
34. Em 1825, 468; em 1826, 600; em 1827, 578; em 1828, 351; em 1829, 893; em 1830, 638;
em 1831, 373; em 1832, 160; em 1833, 410 e em 1834, 680. Este s ú b i t o aumento de
registros para 1829 talvez se deva à chegada dos emigrados portugueses. C o n s t i t u í r a m
tropa recrutada na Inglaterra para defender o trono de d. Maria da G l ó r i a . Proibidos de
desembarcar em Portugal pela p r ó p r i a Inglaterra, alegando ter o m a r q u ê s de Barbacena
ferido o direito internacional ao recrutar homens para combater em outro p a í s , sem porto de
arribada, vieram atracar no Rio de Janeiro. Muitos passaram a integrar a TVopa nacional,
outros enredaram-se na cidade; outros, ainda, arrumaram emprego no interior.
35. Conferir, entre outros, o f í c i o de Clemente Ferreira França, IJ 6 96 (11 dezembro 1824-30
julho 1825), Corte, Registro de Avisos, rei. 29/ parte 14, livro V, n ° 121, pp. 63-64 , 28.2.1825,
A.Ii.; o f í c i o de Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 29.2.1825, p. 69, A.Ii.
36. R e l a ç ã o de passageiros estrangeiros que consta terem entrado neste porto de 1.1.1828 a
31.5.1829, 4.7.1829, c ó d i c e 323 (1822-1836), pp. 108-109, A.Ii.
37. Extrato do livro das a p r e s e n t a ç õ e s dos estrangeiros na I n t e n d ê n c i a Geral da Polícia referente
aos que chegaram do dia 25 de abril de 1931. quando foi reorganizado este s e r v i ç o , a t é 20
de junho de 1931, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832),
Secretaria de Polícia da Corte, rei. A, o f í c i o s com anexos, 21.6.1831, A.N.
38. R e l a ç ã o dos estrangeiros apresentada à Secretaria Geral da Polícia, entre os dias 25 e 30 de
abril de 1832, em conformidade com o edital da mesma Secretaria, de 16 do referido m ê s e
ano, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832), Secretaria de
Polícia da Corte. rei. 1 A, o f í c i o s com anexos, A.N.
39. Ofício do indentende-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto Teixeira de A r a g ã o , ao ministro dos
Estrangeiros, conde de Inhambupe, c ó d i c e 319 (1825-1833), 29/10/1826, p. 23, A.N; ofício
do ministro da Guerra, conde de Lages, ao intendente-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto
Teixeira de A r a g á o , c ó d i c e 319 (1825-1833), 30.10.1826, p. 23, A.N.
40. Isto se dava por ser uma r e g i ã o com uma porcentagem maior de homens 'de cor' (em 1821,
50,6% de livres e 49,4% de escravos, sendo entre os livres somados os libertos).
41. Aviso, IJ 1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do Ministério da Justiç a , lata 1.212, IA, 14.5.1831, A.N.
42. Lista dos passageiros que chegaram sem passaportes na galera portuguesa novo Comerciante, c a p i t ã o Domingos da Costa e S á , vindos da cidade do Porto em 14 de maio de 1831, U
1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do M i n i s t é r i o da J u s t i ç a , lata
1.212, IA, 15.5.1831, A.N.
43. As autoridades recomendavam à I n t e n d ê n c i a que ou expulsasse esses imigrantes, ou lhes
concedesse passaportes para irem para o interior, sendo os locais preferidos S ã o Paulo e
Santos.
44. Eram 15 do Porto; um de Sarredo; um de Penafiel; um de M e s á o Frio; um de Viseu; um de
Braga e um de Viana do Castelo.
45. Portaria de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit.. v. 7, p. 312; este documento t a m b é m pode ser encontrado no IJ 1 181 (12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro
de Avisos 407 (60), p. 34. A.N.
p á g . 9 4 , Jul/dez
1997
V
o
Aviso do ministro dos Estrangeiros, Francisco Carneiro de Campos, ao intendente-geral da
polícia, c ó d i c e 319 (1825-1833), 7.7.1831, p. 117, A.n.
47. Aviso de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 312.
4-8. D e c i s ã o de 5.4.1831 dando " p r o v i d ê n c i a s para a p u n i ç ã o dos delitos e p r i s ã o dos d e l i n q ü e n tes", em Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil de 1831, Rio de Janeiro,
Tipografia nacional, 1876, pp. 44-45; d e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "abrir assento de
p r i s ã o aos i n d i v í d u o s presos em flagrante como perturbadores da t r a n q ü i l i d a d e p ú b l i c a " ,
em Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil de 1831, op. cit., pp. 42-43.
49. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "proceder ao assentamento geral de todos os estrangeiros
que chegarem a esta Corte", em Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil de
1831, op. cit., p. 46.
50. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "estabelecer rondas de mar que evitem o desembarque de
marinheiros depois do sol posto", em Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil
de 1831, op. cit., p. 43; d e c i s ã o de 5.4.1831 ordenando "que sejam presos todos os marinheiros que se acharem em terra depois das ave-marias", em Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil'de 1831, op. cit., p. 44.
51. Aviso do ministro da J u s t i ç a . Manuel J o s é de Sousa França, ao intendente da p o l í c i a , IJ 1 181
(12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro de Avisos 407 (60), 10.5.1831, p. 25, A.n.
52. Edital da C â m a r a Municipal do Rio de Janeiro sobre a " a d o ç ã o de posturas que viabilizem
maior controle da p o p u l a ç ã o " , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Municipal da Corte, o f í c i o s , 9.4.1831, A.n. A carta de lei de 6.6.1831 t a m b é m dá p r o v i d ê n c i a s para
o controle da p o p u l a ç ã o . Pode ser encontrada na obra de J o s é Paulo de Figueiroa Araújo,
op. cit. , v. 7, p. 314.
53. D e c i s ã o de 13.4.1831 que nomeia "uma c o m i s s ã o para informar acerca das c i r c u n s t â n c i a s de
cada um dos oficiais dos Corpos de Estrangeiros, que se mandaram dissolver", em
Coleção
das decisões
do governo do Império
do Brasil de 1831. op. cit., pp. 49-50.
54. Edital da C â m a r a M u n i c i p a l do Rio de J a n e i r o a d o t a n d o p o s t u r a s p r o v i s ó r i a s de
d i s c i p l i n a r i z a ç á o da p o p u l a ç ã o , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Municipal da Corte, o f í c i o s , 1.6.1831, A.n.
55. Decreto de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 406.
56. Aviso de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 408.
57. Carta de lei de n a t u r a l i z a ç ã o dos estrangeiros de 23.10.1832, em Coleção
das leis e decretos do Império
do Brasil de 1832, Rio de Janeiro, Tipografia Imp. e Constitucional de Seignot
e Plancher E. C , 1834, v. 4, pp. 229-231.
58. O m ê s de abril de 1832 tinha sido d r a m á t i c o e t r a u m á t i c o para a R e g ê n c i a , no dia 3 teve que
se haver com uma revolta dos liberais exaltados', que como sempre tinham fama de levantarem a p o p u l a ç ã o e manipularem os negros, no dia 17 do mesmo m ê s foi a vez dos restauradores', comandados pelo b a r ã o de Bullow. Desde finais de 1831 chegavam n o t í c i a s de planos de derrubada da R e g ê n c i a , tramados no exterior. As novidades vinham de Londres e
Paris. Esses boatos prolongaram-se a t é 1833, mesmo depois da morte de d. Pedro 1 do Brasil
e IV de Portugal. Em julho e outubro novas revoltas aconteceram.
o
59. Ofício de 14.8.1834 do juiz de Paz do 2 dis"trito da freguesia da C a n d e l á r i a , Luís Francisco
Braga, ao intendente-geral da p o l í c i a da Corte, IJ 6 169, Secretaria de Polícia da Corte, p. 1,
A.n; ofício do intendente-geral da p o l í c i a da Corte, E u s é b i o de Q u e i r ó s Coutinho Matoso da
Câmara, ao ministro dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , A n t ô n i o Pinto Chichorro da Qama, c ó d i c e 323
(1822-1836), 24.5.1834, v. 7, p. 118, A.n. no IJ 1 168 ( I de fevereiro de 1834 — 30 de abril
de 1835), Registro de Avisos, há v á r i a s listas de portugueses expulsos sem passaporte e
listas daqueles que ficaram, pagaram fiança e foram encaminhados para o interior.
o
60. Das 26 pessoas da lista de passageiros do brigue p o r t u g u ê s Boa Hova. duas eram brasileiras
(22 anos e 38 anos, negociante e marceneiro) e uma inglesa (14 anos e caixeiro). Sem
e x c e ç ã o , eram solteiros. Os portugueses vinham todos do Porto. Como o c u p a ç ã o , declaravam: "a empregar-se', a e x c e s s ã o de quatro lavradores, três caixeiros e um sapateiro. Suas
idades: dois com nove anos, dois com dez, dois com 11, um com 12, dois com 13, quatro
com 14, t r ê s com 16, t r ê s com 17, dois com 18, um com 21 e um com 37 anos.
61. limar Rohloff de Matos, O tempo saquarema,
do Livro, 1987, p. 152.
S ã o Paulo, Editora HUCITEC/Instituto nacional
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 5
A
B
S
T
R
A
C
T
When the Brazilian citizenship was defined during the First Empire, the arrival and settlement of
the Potuguese' started to be submitted to inspection and control. This policy — operated by the
government — fluctuated in conformity to the political moment, since the 'Brazilian' had his
process of development gradually constituted, and the Portuguese labor was essential to the
Empire.
R
Avec la d é f i n i t i o n
É
S
d'une c i t o y e n n e t é
U
brésilienne,
M
É
lorsque du Premier R è g n e ,
1 ' é t a b l i s s e m e n t des 'Portugais' furent soumises au controle et vigilance. Cette
par le gouvernement oscillait selon le moment politique, une fois que
1 ' e n t r é e et
politique adoptée
le ' B r é s i l i e n ' eut son
processus de d é v e l o p p e m e n t graduellement c o n s t i t u é et la main-d'oeuvre portugaise se portait
indispensabie à la Cour.
Fernando Teixeira da Silva
Professor de História da Universidade
Metodista de Piracicaba (UMMEP), mestre e doutorando
em História Social na Universidade Estadual de Campinas (UMCAMP).
I m i g r a ç ã o Portuguesa e
M^OYimento O p e r á r i o no B r a s i l
Fontes e arquivos de Lisl&oa
outras c i d a d e s b r a s i l e i r a s .
ste artigo é o resultado
1*^
parcial de um e s t u d o
PORTUGUESES
realizado durante sete
DEPORTADOS DO
BRASIL
meses em arquivos portugueses
para o desenvolvimento do proje-
Há uma grande quantidade de documen-
to 'A colônia portuguesa em Santos: imi-
tos referentes a trabalhadores e militan-
gração, trabalho, cultura e movimentos
tes portugueses que foram deportados do
sociais ( 1 8 8 0 - 1 9 3 0 ) . Seu objetivo é
território brasileiro, entre 1912 e mea-
apontar algumas possibilidades de pes-
dos da década de 1930, acusados de 'in-
quisa sobre a relação entre movimento
desejáveis' em razão, especialmente, de
operário e imigração portuguesa, nas três
sua atuação no movimento operário. Por
primeiras d é c a d a s do século XX, a partir
meio de investigações realizadas no Bra-
da apresentação do c o n t e ú d o das fontes
sil (correspondências diplomáticas no Ar-
e dos respectivos arquivos localizados em
quivo Histórico do ltamarati; processos
Lisboa. Embora as investigações tenham
de expulsão de estrangeiros no Arquivo
sido orientadas sobretudo para o caso
nacional; processos criminais no Arquivo
específico de Santos (litoral paulista), se-
do Fórum de Santos; ofícios da Delega-
rão feitas indicações que podem forne-
cia Regional de Santos; jornais da gran-
cer i n d í c i o s p a r a p e s q u i s a s
de imprensa e operários) e em Portugal
1
sobre
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp'. 97-108, jul/dez 1997 - p á g . 9 7
(correspondências diplomáticas no Arqui-
a continuidade da a t u a ç ã o política de al-
vo do Ministério dos Negócios Estrangei-
guns militantes nos dois países, aspec-
ros e imprensa operária), foi possível en-
tos em geral ignorados pela literatura
contrar no Arquivo Nacional da Torre do
sobre o tema. Possibilitam ainda o con-
Tombo algumas dezenas de documentos
fronto com as informações contidas nos
nominais (processos, fichas cadastrais e
processos de e x p u l s ã o elaborados no
registro geral de presos) da ex-PIDE/DQS
Brasil, uma vez que, com base em de-
(Polícia Internacional e de Defesa do Es-
clarações dos deportados, dos agentes
tado/Direção Qeral de Segurança) relati-
d i p l o m á t i c o s e na a u s ê n c i a de provas
vos a portugueses deportados de Santos
quanto à s diversas c o n d e n a ç õ e s , as au-
e de outras partes do Brasil a partir de
toridades portuguesas, em certos casos,
1919.
2
denunciavam as arbitrariedades jurídicas
Constam de alguns desses processos relatórios de agentes e informantes secretos remetidos à s diversas polícias políticas portuguesas,
4
3
contendo informações
sobre a a t u a ç ã o dos envolvidos e o seu
na formação de culpa e restituíam a liberdade aos presos.
5
No Arquivo do Ministério dos Negócios
Estrangeiros foi localizada a maior parte
da d o c u m e n t a ç ã o sobre esse tema. A
passado de atividades no Brasil. Além
dos dados pessoais (idade, profissão,
estado civil, filiação e local de nascimento), determinados processos contêm ainda c o r r e s p o n d ê n c i a s trocadas entre o
Ministério dos Negócios Estrangeiros, os
iAos Trabalhadores da
Liáhf, em Geral
í o r u i i animador o eulLu-avaimo q N M noU •*» lodoa M e c n p é nb*:roa A compantui, 4wwl* daaaa TIIIC Klniriii! «nlhoMMo pela noaaa
..'pi.ni:>, »a-aa m—me üeaoriaaLd*. poia, já É f M Mio d* toda* M mmm*
• implantar a diaeorriia ao IOMO M.O. taado »
htil oom toda t
*<>(.( <U M U M l M , [I
« o.n i £ : i ha (..oro. m « i
«a Linha* • Caboa, o «baia tarai
«••lar S u , u Uutou eontmear *q asila* e—paaaaifa. por M M oa mmit a
araVta. a * i parar lai ai rU Unilo. laTiriiiajdi. para uao. d.nhairo para l * * f I I I I
4a* taatiw praaiau a. anta, I N ald n * n a a d . lataaiiaa «atra oa oosuanbatraa 4m -Tr.it ^o.
O,J* r i . r u da UrLofi.p 1 detcaradoi patifa* a.«a aa aptonlram aparor*
doa d**nt* do Inpirtar «oa UabaLnadaras. 4a fro«U arfaida. aap.ntoa ilam.
oadoo %w*m raattciMUamia aaMoa para a eoaqstati doa atoa diraUoa, avBai
P»r» • rantoaWa .,0.1a d* cootma daa cri*MB qa* aaaa corja á a avataadrat
ias pavpatrado «tra»«a daa aaaaataa I
Oa taaapaarttairaa da linhia a caboa, aa gafai, ncraoaa) toda è ma.or
adaatracaa da todo* oa o a troa trabalhadora* áa Ufat, aai (oral, aaaiai ooato
••> t*ral da ladoa - « trataihadoraa. pala * H d i a i n i É i l i • * « * * aoclaJ ra*aliado saa* Ioda a rnargia d* coatpanhaire* aaaaa ia ald ta a,
r • * • altaa aahaaa aoatprahaadar qa* a >icion* daila* Japaadi da
. 11 tona d** out/u* wouani.nro* tralalttaiJaraa aaaiai tomo a derrota da om I
* derrota do* oalroa.
r í
consulados, a Embaixada de Portugal no
Brasil e as polícias políticas dos dois países, documentos anexos (jornais, panfletos, boletins e t c ) , cartas de presos a
autoridades policiais e 'autos de perguntas' onde e s t ã o registradas as declaraç õ e s dos deportados acerca dos motivos
de sua expulsão.
«finti. i»is. ( « M t U t r i s ! . Viu 1
<i I i i i : 11 tnUI*i*«o
l i U t i t U Vir» • siliüritiid tttotalL .
h pir latos I tefcs i«t ia!...
OONVOOAQAO
• •wgaajji
* • | m l . «Wva
r"-
Embora vários processos contenham poucas informações, sobretudo os anterioA Commissão
res à i m p l a n t a ç ã o da ditadura militar
portuguesa, em 1926, podem revelar certas conexões e contatos entre as práticas repressivas do Brasil e de Portugal e
p á g . 9 8 . j u l / d e z 1997
Panfleto d o s t r a b a l h a d o r e s d a L l g h t d e S ã o
P a u l o . Parte Integrante d o i n q u é r i t o p o l i c i a l
contra L a m p i o n e L e o n e . S á o P a u l o , 1 9 1 9 .
Arquivo Nacional.
o
V
correspondência consular inclui recortes
ais, do Grupo de Propaganda e Defesa
de jornais do Brasil e de Portugal, mani-
Social e de várias a s s o c i a ç õ e s de traba-
festos e boletins operários, indicação dos
lhadores nos mais diversos lugares do
motivos das expulsões, destino dos de-
país); cartas de presos e de deportados
portados, s i t u a ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a de
para a África, detalhando suas condições
algumas famílias de portugueses expul-
de vida e solicitando auxílio material e
sos, protestos das colônias portuguesas
jurídico; e c o r r e s p o n d ê n c i a de familiares
no Brasil contra as violências policiais,
dos expulsos e de militantes no Brasil
requerimentos e p e d i d o s de
narrando, entre outros aspectos, as vio-
habeas
corpus remetidos às autoridades de Por-
lências praticadas pela polícia brasileira.
6
tugal, intervenções diplomáticas em favor da liberdade de presos e expulsos,
C O N T A T O S E INFORMAÇÕES E N T R E
relatórios consulares e da embaixada de
O MOVIMENTO OPERÁRIO DO
Portugal no Brasil que t a m b é m denunci-
BRASIL E O DE P O R T U G A L
avam irregularidades jurídicas na elabo-
rios, localizados no Arquivo Histórico-So-
A
cial da Biblioteca nacional de Lisboa, tam-
vimento operário do Brasil e de Portugal.
bém podemos encontrar várias matérias
O Arquivo Histórico-Social possui um
a respeito das d e p o r t a ç õ e s , sobretudo na
acervo de quase duas dezenas de jornais
conjuntura de 1919-1921. Inúmeros são
das mais diferentes regiões do país, clas-
os artigos contendo informações e pro-
sificados como anarquistas, bolchevistas
testos contra a prisão e o envio dos de-
e antifascistas, corporativos (jornais de
portados para as colônias portuguesas na
diferentes categorias de trabalhadores),
África (espécie de segunda e x p u l s ã o ) ;
sindicalistas, o p e r á r i o s e socialistas,
manifestações de solidariedade do mo-
além
vimento operário p o r t u g u ê s (atividade da
esperantistas, de juventudes o p e r á r i a s e
Comissão Pró-Presos por Q u e s t õ e s Soci-
libertárias. Uma exaustiva pesquisa per-
ração dos processos de expulsão.
Ha grande imprensa e nos jornais operá-
imprensa operária é, sem dúvida, a principal fonte para a
.história dos contatos e trocas
de informações entre militantes do mo-
de
periódicos
E' preciso reagir, • já, contra ossa corja do
iaal bani, wtnrit lanllaaw • M MMTI iha k m Mata, a*a a ar priaaiiià, •
M
tutu, • «ícaua •
republicanos,
bandidos!
MI atiaaiarti i amhrai
M rm a atraia laanaat, a* «ai ihiaa a ultn uan, In mjéu k ai:
uaaiti itsj, H M i a te taatm kt croftara, aaaaaaaro artes i aata atraiam attiati i i,ir liraaati I
Até quando a povo supportiri semelhante situação ? Urge reagir promptamente! Que se pronuncie o proletariado I
Manchete d o Jornal A Plebe, de 16 de j u n h o de 1919.
Lampione L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l .
Parte integrante d o i n q u é r i t o policial
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n° 2, pp. 97-108, j u l / d e z 1997
contra
- pág.99
A
C
E
mite encontrar informações sobre os tra-
libertários portugueses sobre as depor-
balhadores portugueses e o movimento
tações.
operário no Brasil, artigos de correspondentes e colaboradores de jornais nos
dois países e visitas de militantes a sindicatos de Portugal. Igualmente relevantes s ã o as diversas matérias sobre a oposição dos jornais à emigração em massa
para o Brasil, à s dificuldades impostas
pelo nosso mercado de trabalho e à a ç ã o
8
Embora náo tenha encontrado referências ao Brasil, o Arquivo Histórico-Social
guarda um monumental acervo manuscrito, bibliográfico e iconográfico, produzido pelo movimento operário e anarquista português, de espólios de instituições
representativas dos mesmos, a l é m de
m e m ó r i a s escritas e orais.
9
repressiva da polícia brasileira aos tra10
balhadores e militantes lusos.
no Arquivo Pinto Quartim, localizado no
Instituto de Ciências Sociais da Universi-
Ainda na s e ç ã o de espólios da Biblioteca
dade de Lisboa, há alguns documentos e
nacional, o Arquivo Histórico-Social con-
jornais com referências ao movimento
tém volumosos núcleos documentais de
operário e anarquista brasileiro."
militantes portugueses. De interesse para
o anarquismo brasileiro destaca-se o
IMIGRAÇÃO, T R A B A L H O E
núcleo neno Vasco, que foi um atuante e
COLÔNIAS PORTUGUESAS N O BRASIL
influente anarquista no Brasil e em Por-
Edgard Leuenroth, durante a década de
P
tugal, com mais de uma centena de corr e s p o n d ê n c i a s trocadas, sobretudo com
arte considerável da documentação investigada diz respeito a
temas relacionados à emigração/
imigração e à s colônias portuguesas em
1910. nesta farta d o c u m e n t a ç ã o sobres-
diferentes cidades do Brasil, destacan-
saem informações de ordem pessoal (di-
do-se o material referente aos trabalha-
ficuldades financeiras, familiares etc.) e
dores imigrantes, no Arquivo Histórico do
detalhes sobre as inúmeras colaborações
Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros,
de neno Vasco em jornais o p e r á r i o s e
onde foi realizada a maior parte de nos-
libertários brasileiros. Trata-se de um rico
sa pesquisa, encontra-se c o r r e s p o n d ê n -
material, por enquanto inexplorado, ca-
cia d i p l o m á t i c a com os consulados, a
paz de fornecer valiosas c o n t r i b u i ç õ e s
embaixada e a l e g a ç ã o de Portugal no
para a constituição de uma história bio-
Brasil, entre outras i n s t i t u i ç õ e s . Essa
7
gráfica de neno Vasco. no núcleo Edgard
correspondência
Rodrigues, outro anarquista p o r t u g u ê s
sobretudo, em processos classificados
que militou no Brasil, encontram-se, en-
tematicamente (fichário ideográfico), tais
tre outros documentos, artigos sobre a
como: propaganda de Portugal no estran-
está
localizada,
história dç> movimento operário brasilei-
geiro; emigração portuguesa para o Bra-
ro, além de alguns recortes de jornais
sil; notícias da imprensa estrangeira e
p á g . 100. j u l / d e z
1997
V
R
O
portuguesa sobre Portugal; exilados, pre-
Destacam-se neste volumoso material di-
sos, emigrados políticos e 'indesejáveis';
versos temas relativos à colônia portu-
comunismo e anarquismo; degredo, de-
guesa de Santos, embora possam ser per-
portações e extradições; socorros e re-
feitamente estendidos a outras cidades.
patriações; informações políticas prove-
Mo que se refere à s q u e s t õ e s de emigra-
nientes dos consulados de Portugal; polí-
ção/imigração, podemos listar os seguin-
tica interna e externa brasileira; direitos,
tes assuntos: mapas estatísticos da imi-
garantias individuais e atividades dos por-
gração pelo porto de Santos, indicando
tugueses no estrangeiro; s e n t e n ç a s e re-
datas de embarque e desembarque, ida-
clamações estrangeiras; emigração e imi-
de, sexo, estado civil, profissão e origem
gração.
processos
dos imigrantes; demografia portuguesa;
temáticos, existem diversos r e l a t ó r i o s
a t u a ç ã o perniciosa dos agentes aliciado-
anuais, monografias e inquéritos sobre
res de imigrantes; informações e dados
as colônias portuguesas no estrangeiro,
estatísticos sobre socorros e repatriações
elaborados pelos cônsules de diferentes
de 'imigrantes desamparados'; remessas
cidades.
financeiras a Portugal feitas pelos imi-
Além
desses
grantes; quantificação dos portugueses
inscritos no consulado e respectivos daFederaçáo Operaria de São Paulo
Ao Operariado em Geral
Companheiras, a reação policial /a cameçau. 41/aas
ilu nasssas ctmpinhelras Já laram a a m sem tater auol a motivo. As ca teias de tantas et lia atarroladas de trata lha dores, i as aafmittHt em mas
sn de aperatias pelapallcia da Mija mm mm*.
Portanto cimpaaatirat, samos cèemeéet á lucm,
i Ioda pela nessa causa, Iodar pelas aassas reivindicações aperarlas. i i CRttl ÊtMU mm Mamei m
protesto ciam Mas as /insanas abusos * arbitrariedades de que saa rlctimas as classes apanhas.
A Greve pois!
dos sobre idade, profissão, sexo, estado
civil e distritos de origem; problemas decorrentes dos fluxos e das políticas de
emigração/imigração dos dois países, sobretudo quanto ao mercado de trabalho.
Mo que diz respeito à cidade de Santos,
há d e s c r i ç õ e s sobre os bairros, sanea-
» ente Berat am Um a estada m t. Haia para
mento, infra-estrutura e equipamentos
azar ralar as aassas direitas amaesprtiada pata
classe UmAlMTA, ÊtlKtlCU a CLUI CtWEMNAHUtTAl
urbanos, transporte, turismo, instrução,
Trabalbadans, anl-ias para tantas lartes!
fira a immwmmm das traba/baacres!
assistência social e empresas, particularCamaradas: preteslemas tem alta canIra lados estas
uilamias me centra nas am praticadas, certas m
mente estabelecimentos comerciais, banaae am veltartmas m tramita enauaalu is nossas
campbnheiras am taram resiiluidas t liberdade t cários e industriais portugueses.
asseguradas par parte das pederes cumpelenlu.t a direito de reunião e Urre pensamento, milarmt aas
O material pesquisado fornece vários elegarante a constituição m Paii
Viva a Greve G e r a l L
mentos sobre as condições de vida e de
Sexta Feira IU IIUIM jilie m t r i l i l i i !
i federação Operaria
ê*mOm ar -tvtíu«n-n ar* mrv
trabalho na cidade: quadro das ocupações profissionais dos imigrantes e sua
distribuição por empresas; movimento de
Panfleto d a F e d e r a ç ã o O p e r á r i a d e S ã o P a u l o ,
° > 1919. Parte integrante d o i n q u é r i t o policial
contra L a m p i o n e L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l .
i m p o r t a ç ã o e exportação pelo porto de
Santos, em especial quanto aos produ-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108 . j u l/dez 1997 - p á g . 1 0 1
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tos portugueses; custo de vida e média
no Arquivo Histórico do Tribunal de Con-
de salários por profissão; reivindicações
tas, no Arquivo da Câmara Municipal de
e mobilizações operárias; sociedades re-
Lisboa e no Arquivo Distrital do Porto.
creativas, de beneficência, de instrução
e de classe; informes sobre expulsão de
'indesejáveis'; interferência de membros
da colônia e de autoridades diplomáticas
portuguesas em movimentos grevistas e
em favor de operários perseguidos pela
r e p r e s s ã o policial; condições de habita-
12
A seguir listamos alguns documentos do
Arquivo do Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros, do Arquivo da Polícia Internacional e de Defesa do Estado e da imprensa operária portuguesa, por serem
os de maior relevância para os temas
aqui mencionados.
ção, instrução e s a ú d e dos imigrantes.
Apesar de conter poucas referências aos
ARQUIVO
trabalhadores e ao movimento operário,
M I N I S T É R I O DOS
outras fontes do Arquivo do Ministério dos
ESTRANGEIROS
n e g ó c i o s Estrangeiros apresentam ele-
(CORRESPONDÊNCIAS
mentos sobre a situação política brasi-
DIPLOMÁTICAS)
leira em diferentes conjunturas das d é -
Portugueses expulsos do Brasil
cadas de 1920 e 1930 e seus efeitos entre os imigrantes portugueses. Poucas in-
HISTÓRICO
DO
NEGÓCIOS
Correspondências da legação de Portugal no Rio de Janeiro (1912) [caixa 231]
formações políticas encontram-se na correspondência do Arquivo Antônio de Oli-
Correspondências da legação de Portuo
veira Salazar e no Arquivo do Ministério
do Interior (ambos localizados no Arqui-
gal no Rio de Janeiro (1913) [ 3 piso, armário 12, maço 50]
vo nacional da Torre do Tombo), mas sua
Entrada em Portugal de deportados peri-
quase totalidade é composta de grupos
gosos vindos do Brasil (1912) [ 3 piso,
de documentos produzidos a partir da dé-
armário 3, maço 29, proc. 270]
cada de 1930 e não oferece muitas indi-
Anarquistas portugueses e de outras na-
cações sobre o Brasil.
cionalidades expulsos da República do
na Sociedade de Geografia de Lisboa e
na Biblioteca nacional pode ser encon-
o
Brasil e da Argentina (1919-1921) [ 3
o
piso, armário 12, maço 50]
trada uma vasta bibliografia sobre a emi-
Comunismo e relação da URSS com di-
gração portuguesa para o Brasil.
versos países (1919-1923) [ 3 piso, ar-
Embora não revelem nenhuma documen-
o
mário 10, maço 18c]
tação importante para a pesquisa sobre
Comunismo e anarquismo - portugueses
Santos, outros investigadores p o d e r ã o
expulsos do Brasil (1924) [ 3 piso, armá-
ter melhor sorte no Arquivo Histórico-Par-
rio 7, maço 102]
lamentar, no Arquivo Geral da Marinha,
Portugueses expulsos do Brasil (1927) [3
p á g . 102. j u l / d e z
1997
o
o
V
R
O
o
piso, maço 110, armário 12]
Informações políticas (1932) [ 3 piso,
Portugueses expulsos do Brasil como in-
armário 4, maço 15; 3
o
piso, a r m á r i o
desejáveis (1927-1928) [ 3 piso, armário
12, maço 310]
7, maço 106]
Informações políticas da Embaixada de
Legação do Rio de Janeiro (1927-1928)
Portugal no RJ (1936) [ 3 piso, a r m á r i o
[caixa 233]
1, maço 472]
Emigração/imigração
Política interna e externa b r a s i l e i r a
o
o
o
Emigração para o Brasil e outros p a í s e s
(1937) [ 3 piso, armário 11, m a ç o 348]
da América do Sul (1924-1927) [ 3 piso,
Política interna e externa do B r a s i l
armário 8, maço 17b, proc. 255]
(1940) [ 3 piso, maço 86, armário 9]
Emigração para a América do Sul (1928)
Revolução no Brasil. Deportação de por-
o
o
tugueses para o Oiapoque (1924-1925)
o
[3 piso, maço 79, armário 19]
o
Emigração para a América do Sul (1921)
[3 piso, armário 7, maço 87]
Q u e s t õ e s resultantes do movimento re-
o
[3 piso, armário 6, maço 17b]
o
o
Emigração subsidiada (1927) [ 3 piso, ar-
volucionário brasileiro de 1930 [ 3 piso,
maço 5, armário 15]
mário 4, maço 42]
o
Emigração clandestina (1928) [ 3 piso, ar-
Relações políticas de Portugal com o
o
Brasil [ 3 piso, armário 12, m a ç o 310]
mário 10, maço 266]
Emigração/imigração (1935-1940) [ 3 piso,
Arquivo da Polícia Internacional e de
maço 85, armário 16]
Defesa do Estado (Arquivo nacional da
o
Torre do Tombo)
Colônias portuguesas no Brasil
Socorros e r e p a t r i a ç õ e s (1921-1931) [ 3
o
o
piso, armário 79, maço 38; 3 piso, a r m á -
Processos de portugueses expulsos
do Brasil
Adriano Pinto da Costa (cadastro PSE
rio 18, maço 66 a 68]
o
Inscrições consulares (1925-1926) [ 3 piso,
3.653/1919)
Alberto Augusto de Castro (cadastro PSE
armário 29, maço 91]
Colônias portuguesas no estrangeiro (1934)
3652/1919)
[3 piso, m a ç o 438, a r m á r i o 1; 3 piso,
Albino Constantino Martins Vilarinho
maço 117, armário 9]
(proc. PC 0878/39)
Condecorações portuguesas a brasileiros
Alfredo d Araújo (proc. PSE 1086)
o
o
[3 piso, armário 29, maço 38]
Antônio Alves Pereira J ú n i o r (proc. PSE
Informações p o l í t i c a s sobre o Brasil
1284/1920)
Defesa de interesses dos portugueses no
Antônio Couto de Castro (proc. PC 0027/
o
estrangeiro (1931-33) [ 3 piso, armário 1,
40; Registro Geral de Presos 11946)
maço 398]
Antônio Cardoso (cadastro 10300/28)
o
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 3
C
A
E
Antônio da Costa Coelho (proc. PSE 4/
J o ã o Queirós nogueira (proc. PSE 1063/
1920)
1920)
Antônio Fernandes Leite (cadastro PSE
J o ã o Soares Barbosa (proc. PSE 3151/
7474/1924)
1927)
Antônio Francisco Lopes (proc. PC 0162/37)
Joaquim Duarte Cerdeira (proc. PSE 12-
Antônio Mendes (proc. PSE 1023/1924)
5/1921)
Antônio Pinto (proc. PSE 3151/1927)
J o a q u i m Ferreira da Costa (proc. PC
Antônio Ramos (proc. PSE 518/1919)
Artur Inácio Bastos (proc. PC 0106/41,
2187/41, 0437/49; Registro Geral de Presos 13048/41)
Augusto Antônio Figueiras (Registro Ge-
0430/1949; proc. PC 2072/35; Registro
Geral de Presos 01994/35 e 18903/1949)
Joaquim Pinto Ferreira Martins (proc. PC
1052/36: Registro Geral de Presos 03819)
J o s é Cerqueira (proc. PSE 3151/1927)
ral de Presos 04652/1936 e 13138/41;
J o s é Maria Coelho (cadastro 01356; proc.
proc. PC 0364/41)
3151)
Belizário dos Santos (proc. PC 1512/39)
J o s é Maria de Carvalho (proc. SPS 0460/
Bernardino J o s é Marques do Vale (cadas-
1932)
tro 10218/28; proc. PSE 3702/1928; Re-
J o s é Maria Esteves (proc. PC 1065/1936,
gistro Geral de Presos 3888)
proc. 103; proc. SPS/1918; cadastro 8230)
Cesário Pinto da Cunha (proc. PC 1511/
J o s é Martins Ruas (cadastro 9992/1921)
39; Registro Geral de Presos, 11802)
J o s é de Oliveira (proc. PSE 3201/1927)
Euclides Venade Pinche (proc. SPS 0473-
J o s é Proença (proc. SPS 0317/1932; ca-
A/1932; proc. SPS 2099/1937-1939; ca-
dastro 01950/1927)
dastro 0492/27; proc. PC 0847/1937,
0391/1943 e 1022/1948)
J o s é Rocha da Silva (proc. PSE 455-A/
1919)
Franklin dos Santos Monteiro (proc. PSE
Júlio César Leitão (proc. PSE 322/1932-
1023)
1934; proc. PSE 460-A/1932; proc. SPS
Gil de Paiva (cadastro 01353/27; proc.
0460/1932; Registro Geral de Presos 545/34)
PSE 3151/1927)
Manuel S i m õ e s dos Santos (proc. PSE
Isaías Gomes de Pinho (proc. PSE 1063/
3151/1927)
1920)
Manuel Francisco Frutuoso (proc. PSE
J o ã o Marcelino (proc. PSE 1724/1922)
J o ã o Marques Melo (proc. PSE 1359/1920)
J o ã o Pereira (proc. PSE 3201/1927)
p á g . 104, j u l / d e z
1997
3151/1927)
Manuel Maria (cadastro 0 8 9 1 0 / 1 9 2 7 ,
proc. s/n)
R
V
O
Manuel Pereira (cadastro 08775/1927;
"Tio Brasil — Campanha contra a emigra-
proc. 3401/1927)
ção", 16.2.1913
Mário Augusto Alves (PSE 3763/1928)
"Solidariedade operária — duas m o ç õ e s
Militão Bessa Ribeiro (proc. QT 238/1932)
do Segundo Congresso Operário Brasilei-
Rodolfo Marques da Costa (proc. PSE
ro", 2.11.1913
2329/1924)
"Carta do Rio de Janeiro", 16.12.1913
Sebastião Lourenço (proc. PSE 2760/1925)
A Greve — s e m a n á r i o o p e r á r i o da Manhã e propriedade do Grupo de Propa-
IMPRENSA
OPERÁRIA
(ARQUIVO
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8, 3 0 . 4 . 1 9 1 1 ; 7 . 5 . 1 9 1 1 ; 4, 1 1 , 18,
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(Lisboa)
2 5 . 6 . 1 9 1 1 ; 2, 9, 16, 2 3 , 3 0 . 7 . 1 9 1 1 ;
10.8.1911; 8, 29.10.1911; 28.1.1912;
"Na República Brasileira. Inquisição policial", 23.6.1912
11.2.1912; 3 . 3 . 1 9 1 2 ; 2 1 , 2 8 . 4 . 1 9 1 2 ;
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2,16,30.6.1912;
17,
"Do Brasil", 31.10.1915
24.11.1912, 1,8.12. 1912; 12, 19.1.1913;
"Greve geral em São Paulo", 23.9.1917
9.2.1913;
"Uma cilada policial... e governamental",
13, 2 0 . 4 . 1 9 1 3 ;
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"Carta do s e c r e t á r i o do Sindicato dos
"A emigração", 2.3.1913
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23.3.1913
"A guerra social", 8.9.1912
"A vida no Brasil", 4.5.1913
"A emigração", 16.10.1912
"Carestia de vida no Brasil", 1.6.1913
"Carta do Rio de Janeiro", 15.12.1912
"Crônica do Brasil", 8.6.1913
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14.9.1913,
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"Emigração portuguesa", 13.11.1913
13.6.1925
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"Brasil. A situação econômica do seu proletariado", 17.4.1926
"A moderna escravidão", 27.9.1914
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Terra Livre (Lisboa)
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s
1.
O trabalho contou com o a u x í l i o da CAPES e foi desenvolvido de janeiro a julho de 1996, sob
o r i e n t a ç ã o de Míriam Halpern Pereira, professora do Instituto Superior de C i ê n c i a s do Trabalho e da Empresa (Lisboa).
2.
De acordo com normas do Arquivo nacional da Torre do Tombo, os processos posteriores a
1927 s ó podem ser pesquisados a p ó s cerca de sessenta dias a partir da data do pedido de
sua consulta. Outro problema relativo a essas fontes é identificar, com s e g u r a n ç a , os processos referentes à s pessoas a serem investigadas, tia medida em que s ã o muito comuns os
h o m ô n i m o s , torna-se n e c e s s á r i o colher o maior n ú m e r o de dados individuais (idade, local
de nascimento, filiação etc.) a fim de se obter o processo procurado a partir da r e l a ç ã o de
nomes apresentada nos computadores.
3.
Ver Maria da C o n c e i ç ã o Ribeiro, A polícia
Estampa, 1995.
4.
É o caso, por exemplo, de Militáo Bessa Ribeiro que. em sua autobiografia anexada ao
processo, afirma ter vindo para o Brasil em 1909, com a idade de 13 anos. "Empregou-se
como o p e r á r i o numa f á b r i c a de a l g o d ã o , onde trabalhou muitos anos como t e c e l á o . Conduziu v á r i a s lutas reivindicativas na sua fábrica, que tinha mais de mil o p e r á r i o s , e foi dirigente
sindical de sua classe. Filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, onde em breve foi chamado
para os seus cargos e onde travou conhecimento com alguns de seus dirigentes". Foi expulso
do Brasil ( n á o menciona a data), mas conseguiu desembarcar clandestinamente sem ser
preso. Seguiu para sua terra natal, em T r á s - o s - M o n t e s , c o m e ç a n d o a "fazer propaganda e a
organizar lutas do campesinato". o que lhe custou anos de p r i s ã o na d é c a d a de 1930 (processo QT 238). J ú l i o C é s a r Leitão foi expulso do Brasil em 1927 como 'agitador comunista'.
De regresso a Portugal, "efetuada uma r e u n i ã o , o epigrafado orientou os presentes na forma
de se organizar o PCP (Partido Comunista de Portugal), copiando para esse fim a o r g a n i z a ç ã o
brasileira de que o epigrafado tinha feito parte durante sete anos" (processo SPS 460),
tendo sido preso v á r i a s vezes (processo SPS 322 e PSE 4960).
5.
É o caso de B e l i z á r i o dos Anjos, expulso do Rio de Janeiro em 1939, preso sob a a c u s a ç ã o ' d e
ser comunista e posto em liberdade por n â o haver 'prova de culpa' (processo PC 15512/39).
Outro caso encontra-se em um processo incluindo onze portugueses acusados de organizarem uma 'greve r e v o l u c i o n á r i a ' na Light, no Rio de Janeiro. O diretor da Polícia de Informaç õ e s do Ministério do Interior escreveu um r e l a t ó r i o afirmando que haviam sido expulsos
"sem processo formado e sem i n t e r r o g a t ó r i o p r é v i o , limitando-se as autoridades do Brasil a
indagar deles se tinham sido, ou eram, empregados da citada Light" (a maioria nem mais
pertencia aos quadros da empresa), a l é m de citar i n ú m e r a s outras arbitrariedades policiais.
(Processo PSE 3151). Estudos detalhados sobre tais arbitrariedades encontram-se em Sheldon
Leslie Maram, Anarquistas, imigrantes e o movimento operário
(1890-1920), Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1979; Paulo S é r g i o Pinheiro, " V i o l ê n c i a e cultura". B o l í v a r Lamounier et a l . ,
Direito, cidadania e participação,
S ã o Paulo, T. A. Queiroz, 1981.
6.
Os jornais que maior destaque deram à s e x p u l s õ e s foram O Século
Livre (1913) e A Batalha (1919-21).
7.
Meno Vasco permaneceu uma d é c a d a no Brasil, fixando-se definitivamente em Portugal em
1911. Ver J o ã o Freire, " I n t r o d u ç ã o " , Meno Vasco, C o n c e p ç ã o anarquista do
sindicalismo.
Porto, Afrontamento, 1984.
8
Mo Múcleo Jorge Quaresma (caixa 33) h á a biografia de um militante, A n t ô n i o Costa, que
"muito novo andou pelo Brasil e Argentina, tendo tido contatos com companheiros dessas
nacionalidades".
-
9.
política
Um guia de pesquisa bastante valioso é o Catálogo
Lisboa, 1983-84.
no Estado ttovo (1926-1945),
do Arquivo
Lisboa,
(grande imprensa). Terra
Histórico-Social.
2 vols.,
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 7
10. Pinto Quartim nasceu no Rio de Janeiro em 1887 e mudou-se para Portugal aos sete anos de
idade. Dirigiu, em 1913, o s e m a n á r i o Terra Livre, quando, sob a c u s a ç ã o de abuso de liberdade de imprensa, foi deportado por dez anos para o Brasil. Mo Rio de Janeiro, exerceu a
p r o f i s s ã o de jornalista, regressando a Portugal em 1915.
11. O Instituto de C i ê n c i a s Sociais publicou alguns n ú m e r o s do Boletim de Estudos
Operários,
p e r i ó d i c o rico em i n f o r m a ç õ e s sobre acervos, m e m ó r i a s , p u b l i c a ç õ e s e biografias o p e r á r i a s ,
a l é m de artigos e resenhas de livros sobre o movimento o p e r á r i o em Portugal e em outros
países.
12. O melhor guia para a pesquisa no Arquivo f l i s t ó r i c o - P a r l a m e n t a r , Arquivo Geral da Marinha,
Arquivo Histórico-Militar, Arquivo H i s t ó r i c o do M i n i s t é r i o s dos M e g ó c i o s Estrangeiros, Arquivo H i s t ó r i c o do Tribunal de Contas e Arquivo H i s t ó r i c o da C â m a r a Municipal de Lisboa encontra-se em Miriam Halpern Pereira et al.. Roteiro de fontes da história
portuguesa contemporânea.
Instituto Macional de I n v e s t i g a ç ã o Científica, Lisboa, 1985. Ver, t a m b é m , da mesma
autora, A política
portuguesa de emigração:
1850-1930, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981.
13. Os r e l a t ó r i o s consulares devem ser procurados na pasta R e l a t ó r i o s e Monografias, a partir
dos nomes dos c ô n s u l e s das cidades pesquisadas. Bahia, C e a r á , Manaus, M a r a n h ã o , Pará,
Pernambuco, Porto Alegre, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro contam com caixas e s p e c í f i c a s
de ' C o r r e s p o n d ê n c i a recebida dos consulados de Portuga'. O arquivo possui resumos manuscritos de todas as c o r r e s p o n d ê n c i a s consulares da Bahia. Pernambuco, Pará e Rio de
Janeiro. O consulado e a embaixada de Portugal no Rio de Janeiro e s t ã o contemplados com
pastas, livros e caixas depositados nos Arquivos das R e p r e s e n t a ç õ e s D i p l o m á t i c a s e Consulares de Portugal.
A
B
S
T
R
A
C
T
This article is the partial result of a research done in the Portuguese archives during seven
months for the development of the project 'Portuguese Colony of Santos: Immigration, Culture
and Working Class (1880-1930)'. It proposes to show some possibilities of research about the
relation between labour movement and Portuguese immigration to Brazil, from the beginning of
the century to the thirties, through the indication of contents of documents and respectives
archives of Lisbon.
R
É
S
U
M
É
Cet article est le r é s u l t a t partiel d'une é t u d e des archives portugais, m e n é e pendant sept mois,
en vue de d é v e l o p p e r le projet 'La Colonie Portugaise à Santos: Immigration, Travail, Culture et
Mouvements Sociaux (1880-1930)'. On y veut montrer quelques possibilites de recherche sur le
rapport entre le mouvement ouvrier et l'immigration portugaise au Brésil. à partir du d é b u t du
s i è c l e j u s q u ' à la d é c a d e de 1930, partant de la p r é s e n t a t i o n du contenu des documents et des
archives respectives de Lisbonne.
Maria Manuela R. de Sousa Silva
Professora Adjunta do Departamento de História/IFCS/UFRJ.
Poréui [meses mo .Brasil
I m a g i n á r i o social e t á t i c a s cotidianas
(1880-1895)
D
esde o final da ddécadi
écada
Por toda a parte irrompem minori-
de 1960 se instaura er
em
as organizadas reivindicando um
nossa cultura ocident
ital
ugar na história, exigindo direitos
tradicionalmente cassados ou sim-
uma crise sem precedentes. O con-
plesmente náo reconhecidos. Mão dçi-
senso social em torno da grande naros
xa de ser significativo que, a partir dos
primórdios da modernidade, alimenta um
anos de 1950, o vocábulo 'identidade' se
otimismo inabalável no progresso, nos
desprenda de seus antigos contextos
avanços tecnológico e científico e na con-
(campo da matemática, da lógica, da fi-
rativa
ordenadora
que,
desde
tínua e x p a n s ã o de bens e serviços aces-
losofia e do idealismo g e r m â n i c o dos iní-
síveis a um n ú m e r o cada vez maior de
cios do século XIX), passando a ocupar
homens, começava a ser alvo de d e s c r é -
um lugar proeminente nas ciências hu-
dito. São anos marcados por profundas
manas e sociais.
desilusões, por conflitos e t e n s õ e s soci-
Assistimos e n t ã o à o r g a n i z a ç ã o dessas
ais oriundas dos m u r m ú r i o s irracionais
minorias em grupos de p r e s s ã o política
das massas, dos ruídos inquietantes dos
e ideológica, que passam a questionar a
grupos outrora silenciados, mas que a
antiga ordem social e suas hierarquizações,
partir de agora passam a denunciar sua
procurando, através de múltiplas táticas,
exclusão do sistema.
nem sempre pacíficas, impor o reconheAcervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 109-118, jul/dez 1997
- pág.109
A
C
cimento de seus direitos e c o n s e q ü e n t e -
as diversas t á t i c a s de r e s i s t ê n c i a , em
mente o respeito à alteridade.
face das hostilidades e ressentimentos
São os trabalhadores, os estudantes, as
mulheres, os marginais, os pobres, os
velhos, as minorias étnicas, raciais, religiosas, sexuais e t c , por fim saindo do
anonimato e do esquecimento, rastreando
e reconstruindo suas próprias identidades, cujas m e m ó r i a s não coincidem com
os discursos de saber, a t é e n t ã o elabo-
acumulados ao longo de uma frustrante
e dolorosa convivência entre ex-colonizadores e ex-colonizados que em pouco
ou nada coincidiam com os discursos oficiais. Estes, ora apontavam para uma
convivência cordial e pacífica, tecida por
laços de fraternal amizade, cimentados
por uma língua, cultura e experiência histórica partilhadas, ora procuravam cons-
rados pelos historiadores.
truir uma imagem totalmente hostil à
Mas, se é verdade que vivemos um mo-
c o l ô n i a portuguesa, tentando
mento marcado pela inflação de discur-
qualquer traço em comum, circunstância
sos que apontam para a diferença, para
entendida como fundamental para cons-
o respeito à s alteridades e c o n s e q ü e n t e -
tituir uma nação soberana, na contramão
apagar
mente aos direitos das minorias, o fato é
de um passado colonial. Esta última ten-
que nossos tempos de 'renascimento ét-
dência ganharia ampla r e s s o n â n c i a na
nico' s ã o marcados pelo extermínio e a
opinião pública nos anos difíceis que se
morte do 'outro', seja ele o estrangeiro,
seguiriam à i m p l a n t a ç ã o da República,
o negro, o pobre, o imigrante, ou sim-
principalmente devido à propaganda ide-
plesmente o que difere de nós.
ológica antilusitana dos jacobinos.
Foi, sem dúvida, este paradoxo que des-
Porém, desde o início da imigração por-
pertou em mim o interesse em rastrear
tuguesa massiva para o Brasil, as rela-
as m e m ó r i a s sociais dos imigrantes por-
ções de convivência social entre súditos
tugueses no Brasil, tentando
portugueses
o
apreender
e
brasileiros
foram
Exposição comemorativa do 4 centenário do Brasil na Sociedade Propagadora das Belas Artes. Rio de
Janeiro, 1900. Arquivo Nacional.
p á g . 1 10. j u l / d e z
1997
V
K
marcadas por t e n s õ e s . Estas eram de-
positivos legais acarretava a ilegalidade
correntes das frustrações, das expecta-
dos contratos assinados, deixando os imi-
tivas e i n t e r e s s e s
e
grantes, uma vez em terras brasileiras,
ambivalentes que, a cada conjuntura, pu-
entregues à sua própria sorte. Porém,
nham em a ç ã o diferentes táticas de so-
eram comuns os casos de imigrantes que
brevivência cotidiana, tecidas por astú-
não se deixavam facilmente abater pela
cias sempre em mutação de sentido.
situação, reagindo com as armas de que
contraditórios
Os pontos geradores de maior t e n s ã o
poderiam ser, tratando-se de imigrantes
destinados
ao
setor
agrícola,
o
descumprimento das cláusulas que regiam os contratos de locação de serviços
ou contratos de parceria agrícola, através de vários artifícios que burlavam a
lei, decorrentes, na maioria das vezes,
da ganância de angariadores de m ã o - d e obra i m i g r a d a em c o n i v ê n c i a
com
dispunham. Estas podiam ir da fuga do
local de trabalho, ainda que sob a ameaça dos rigores da lei, à simples recusa
em trabalhar no ritmo proposto pelos capatazes ou ainda à denúncia em jornais
portugueses ou através das autoridades
consulares, passando pela o r g a n i z a ç ã o
de movimentos de rebelião, atitudes que
expressavam uma reação à s d e s i l u s õ e s ,
aos sonhos frustrados e à exploração de
tabeliães e patrões, situação decerto fa-
que eram vítimas.
cilitada pela ignorância e boa-fé dos tra-
Outro foco de atrito era constituído pe-
balhadores emigrantes.
las constantes rebeliões contra as péssi-
Dentre as situações irregulares mais co-
mas condições de higiene e a l i m e n t a ç ã o ,
muns, sobressaem aquelas em que o con-
ou ainda contra a s u p e r p o p u l a ç ã o , nas
trato era um simples instrumento parti-
precárias instalações reservadas à hos-
cular (um recibo ou escritura) e não uma
pedagem provisória dos imigrantes. Um
pública forma, celebrada perante tabe-
motim de grande repercussão ocorreu em
lião; as assinaturas dos contratados fei-
1888, quando cerca de dois mil imigran-
tas a rogo de terceiros, mesmo quando
tes, em grande n ú m e r o oriundos das
os imigrantes sabiam assinar seu nome;
Ilhas Atlânticas, se colocaram em pé de
a ausência do visto obrigatório do gover-
guerra contra as precárias a c o m o d a ç õ e s
nador civil, bem como do reconhecimen-
e a p é s s i m a qualidade da a l i m e n t a ç ã o
to do cônsul brasileiro sediado em terri-
fornecida.
tório
português,
ou
finalmente
a
inexistência de um dispositivo legal no
contrato proibindo a c e s s ã o de serviços
a terceiros, o que era amplamente praticado.
Mas
os
1
imigrantes
açorianos
e
madeirenses rebelar-se-iam ainda por
outro motivo. A Sociedade Central de Imigração e a Inspetoria de Terras e Colonização haviam tentado promover a sepa-
A ausência de qualquer um desses dis-
ração entre os pais e filhos menores, sob
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997
- pág.111
a alegação de que desta forma se facili-
de processos abertos por familiares ou
taria sua colocação nas fazendas de café.
tutores e à s r e c l a m a ç õ e s diárias veicu-
Anos antes, em fevereiro de 1882, quan-
ladas pela imprensa portuguesa . Contu-
do da internação de imigrantes na pro-
do, boa parte dos jovens que havia esca-
víncia de São Paulo, devido a um surto
pado ao recrutamento ilegal poderia ser
de febre amarela, mais de írezentos imi-
presa fácil dos destacamentos militares
grantes açorianos sublevados, alertaram
que patrulhavam a cidade. De fato, se
o vice-cônsul p o r t u g u ê s para o fato de
por acaso esses jovens fossem revista-
estarem dispostos a reagir à bala, se ne-
dos e não pudessem apresentar os do-
cessário fosse, caso a Inspetoria de Ter-
cumentos, comprovando sua condição de
ras e Colonização insistisse em separar
estrangeiros regularmente admitidos no
os homens de suas crianças e mulheres,
país (passaporte ou inscrição consular),
sob a a l e g a ç ã o de que isto favoreceria
eram imediatamente presos e encami-
3
sua alocação nos postos de trabalho.
2
A q u e s t ã o do recrutamento ilegal de menores portugueses para as fileiras do
nhados à s e s t a ç õ e s policiais, de onde
posteriormente seguiam para a Casa de
Detenção.
Exército, Marinha e destacamentos da
Porém, muitos desses jovens, a p ó s alguns
polícia foi t a m b é m , ao longo do século
dias de reclusão, eram conduzidos, à for-
XIX, uma fonte de constante tensão en-
ça, para estabelecimentos agrícolas si-
tre as autoridades consulares e as auto-
tuados no interior fluminense, onde en-
ridades brasileiras, em face do volume
grossavam o contingente de trabalhado-
Vista d a praça Q u i n z e de Novembro e da ilha das Cobras. Rio de Janeiro, 1900. Arquivo
p á g . 1 1 2 , j u l / d e z 1 997
Nacional.
V
R
O
res rurais. Esta modalidade ilegal de tra-
liciais, com a conivência das autoridades.
balho compulsório resultava, na maioria
Mas a violência poderia chegar a formas
das vezes, de um conluio estabelecido
mais brutais, como espancamentos, aten-
entre os delegados e fazendeiros, que,
tados, estupros e outros crimes.
sem qualquer ô n u s , passavam assim a
dispor de mão-de-obra para suas lavouras.
Assim, entre os anos de 1878 e 1889 foram instaurados 110 processos, sendo
Ainda em relação aos imigrantes meno-
todos eles contra brasileiros ou ó r g ã o s
res de idade, a correspondência consu-
oficiais. De uma maneira geral, os inqué-
lar, bem como o noticiário veiculado pela
ritos consulares eram abertos a partir de
imprensa, freqüentemente nos informam
uma denúncia pessoal (familiares da ví-
sobre casos de prisão irregular de jovens
tima, vizinhos ou comerciantes sediados
que, não sendo desocupados, se dedica-
no local da ocorrência) ou via imprensa,
vam a pequenas atividades e c o n ô m i c a s
referindo-se apenas aos casos mais gra-
informais, sendo utilizados como vende-
ves, dos quais haviam resultado agres-
dores ambulantes, carregadores de mer-
s õ e s físicas ou morte da vítima.
cadorias, estafetas, m o ç o s de recados
etc, atividades em que tiravam muitas
vezes o sustento próprio e o da família.
Se compararmos estes dados com as notícias divulgadas pela imprensa, agora
cobrindo apenas o p e r í o d o que vai de
É através dos processos que acompa-
1880 a 1888, verificaremos que num to-
nham boa parte da correspondência con-
tal de 121 ocorrências envolvendo exclu-
sular que podemos mapear os principais
sivamente s ú d i t o s p o r t u g u e s e s ,
focos de t e n s ã o e conflito gerados no
eram referentes à prisão arbitrária, 11 a
calor dos enfrentamentos cotidianos en-
invasões de domicílio por policiais e ca-
tre portugueses e nacionais, bem como
poeiras, dois diziam respeito a s e q ü e s -
rastrear as diversas táticas de resistên-
tros praticados por soldados, um a estu-
cia, assimilação e negociação que se ins-
pro de criança, 35 a flagrantes de espan-
4
crevem nas práticas sociais .
três
camento, em grande parte motivados por
Invariavelmente, os processos apontam,
todos eles, para situações de conflito em
que os s ú d i t o s portugueses aparecem
como vítimas de vários tipos de violên-
rixas de trabalho, 28 a prisões sem culpa formada, quatro a abusos de autoridade cometidos por delegados e policiais, vinte a atentados e 15 a assassinatos.
cia. Esta podia concretizar-se num sim-
São igualmente bastante comuns os tes-
ples saque a uma casa comercial, sob a
temunhos referentes à p a r t i c i p a ç ã o de
alegação g e n é r i c a de seu p r o p r i e t á r i o
imigrantes portugueses nos conflitos ur-
explorar os nacionais'; ou ainda num ato
banos que agitaram o Rio de Janeiro no
de invasão de domicilio cometido por ca-
final do século XIX e nas primeiras déca-
poeiras infiltrados nos destacamentos po-
das do século seguinte, q u e s t ã o que de-
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 109-118. Jul/dez
1997 - p á g . 113
C
A
safla as autoridades diplomáticas, dese-
riedade em todas as m a n i f e s t a ç õ e s da
josas de manter uma política de boa vizi-
vida p ú b l i c a e particular, este entrela-
nhança. Em 1880, na seqüência das ar-
ç a m e n t o complexo e absoluto de fa-
ruaças urbanas provocadas pêlo novo im-
m í l i a s , de n e g ó c i o s , de empresas, de
posto de vinte réis por pessoa transpor-
interesses de toda a ordem, que qua-
tada nos bondes, teriam sido feridos e
se tiram ao imigrante p o r t u g u ê s no
presos vários 'agitadores portugueses',
Brasil os direitos de s ú d i t o s estrangei-
decerto simpatizantes do movimento de-
ros, porque modificados e s t ã o na prá-
sencadeado por Lopes Trovão e que, por
tica e pela força das coisas, os seus de-
dias a Tio, enfrentariam a polícia nas ruas
veres.
do centro da cidade.
6
Mas o envolvimento de imigrantes portu-
Anos mais tarde, j á em pleno regime re-
gueses vai além dos conflitos de rua. Ma-
publicano, voltamos a encontrar a pre-
nifestava-se, igualmente, por meio de de-
sença de trabalhadores portugueses nos
bates veiculados pela imprensa, aspecto
graves conflitos de rua, ocorridos por oca-
que é amplamente denunciado e critica-
sião das greves desencadeadas em no-
do pelas autoridades consulares. A este
vembro, quando da queda de Deodoro e
respeito as palavras do cônsul-geral de
da subida ao poder de Floriano Peixoto,
Portugal no Rio de Janeiro, dr. Manuel
ou ainda nos tumultos desencadeados
Qarcia da Rosa, s ã o e m b l e m á t i c a s . Ao
durante a greve dos trabalhadores da
criticar o constante envolvimento de sú-
Estrada de Ferro da Central do Brasil.
ditos portugueses nas a r r u a ç a s e confli-
Em 1892, trabalhadores portugueses da
tos urbanos, afirma:
Estrada de Ferro de Sapucaí voltam a re-
... os portugueses aqui residentes es-
belar-se, decretando greve por pagamen-
quecem-se que s ã o estrangeiros e to-
to de salários atrasados. Paralelamente,
mam parte na p o l í t i c a brasileira, qua-
elaboram um documento com suas rei-
se com mais afoito que os p r ó p r i o s na-
vindicações que encaminham ao cônsul-
cionais, n ã o se contentando em falar,
geral de Portugal no Rio de Janeiro, solicitando sua intermediação junto ao governo brasileiro, com o objetivo de obter
mas recorrendo a t é à imprensa, o que
tem por vezes dado l a m e n t á v e i s resultados.
7
deste o rápido cumprimento das obrigaç õ e s patronais assumidas.
5
Um desses 'lamentáveis' incidentes com
a imprensa havia ocorrido em torno do
Como bem observava o ministro pleni-
j o r n a l Corsário,
potenciário de Portugal no Brasil, conde
Apulcho de Castro, que denunciara em
Paço de Arcos, em 1893:
suas páginas vários abusos de autorida-
de p r o p r i e d a d e de
... é esta p a r t i c i p a ç ã o ativa e quase
de cometidos por brasileiros contra sú-
preponderante, esta constante solida-
ditos portugueses.
p á g . 114. j u l / d e z
1997
O
V
R
Anos mais tarde, outros jornais portugue-
se opunha frontalmente à s diretrizes do
ses também s e r ã o vítimas de p e r s e g u i ç õ e s
governo brasileiro, que através do de-
e atentados, como é o caso da
creto de 10 de outubro de 1893 havia
Gazeta
Lu-
(1882-1889), invadida três vezes em
considerado os revoltosos n ã o simples
represália à s d e n ú n c i a s feitas contra poli-
dissidentes políticos, mas criminosos de
ciais integrantes da Guarda nacional, acu-
guerra.
sados de atentarem contra a vida de súdi-
"T ' ^
sitana
tos portugueses.
ra o início de uma longa e dramática disputa diplomática que
Mas é na última d é c a d a do século XIX e
> l^íexpunha
contradições, mal-
nas duas primeiras do seguinte que se
entendidos, interesses conflitantes e
adensam as t e n s õ e s entre portugueses e
ressentimentos m ú t u o s . É exatamente
nacionais, inscrevendo no imaginário so-
o momento propício para o recrudesci-
cial novas formas de rejeição. Assim, à
mento de uma onda de indignação po-
antiga e desgastada imagem do português,
pular contra Portugal, considerado ini-
visto pela p o p u l a ç ã o brasileira como o ex-
migo da causa nacional republicana e,
plorador/colonizador/patrão, acrescenta-se
por extensão, inimigo do povo brasilei-
a de estrangeiro/monarquista/conspirador.
ro, sentimento que foi amplamente ex-
De fato, o momento político é difícil a p ó s
plorado na imprensa pelos jacobinos,
a implantação da República, em decorrên-
facção política constituída por grupos
cia dos graves incidentes da Revolta da Ar-
republicanos mais radicais pertencen-
mada no início de setembro de 1893, na
tes à s camadas m é d i a s urbanas emer-
baía da Guanabara, que irão provocar o
gentes.
rompimento das relações diplomáticas entre os dois p a í s e s tradicionalmente 'ir-
O sentimento antilusitano generalizase,
mãos'.
graças
não só à
propaganda
jacobinista, mas t a m b é m à postura do
Após
a ocupação
d a fortaleza de
governo que, se n ã o apoia abertamen-
Villegaignon pelos revoltosos 'monarquis-
te qualquer tipo de represália ou vio-
tas', sob o comando direto de Custódio de
lência para com os portugueses, na prá-
Melo, o governo de Floriano Peixoto, em
tica nada faz para evitá-las.
face das hostilidades, solicita aos países
estrangeiros que tinham navios fundeados
na baía, apoio estratégico-militar para sustar a ação dos beligerantes e desta forma
evitar o bombardeamento do Rio de Janeiro.
De agora em diante os portugueses, independentemente de suas o p ç õ e s políticas e ideológicas, seriam considerados pelos jacobinistas como inimigos da
República, por serem inveterados segui-
A situação de Portugal no conflito armado
dores ou simples admiradores da cau-
complica-se de vez, a p ó s a c o n c e s s ã o de
sa monárquica. Se, por um lado, a ide-
asilo político aos revoltosos, atitude que
ologia jacobinista convertia suas des-
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997 - p á g . 1 1 5
A
C
confianças contra os súditos portugueses
E
Em Portugal, localiza-se o foco que ins-
num único p a d r ã o homogeneizador de
pira maior p r e o c u p a ç ã o à s autoridades
comportamento político, simplificando a
republicanas. De fato, é de Lisboa que
q u e s t ã o , pois transformava-os em 'bode
se articula um pólo de d i s s e m i n a ç ã o das
expiatório', por outro, sinalizava uma si-
idéias contrárias à República, bem como
t u a ç ã o que n ã o era nem um pouco in-
ao governo Floriano Peixoto, tendo por
fundada.
veículo a conhecida Revista de Portugal,
A este respeito, o desabafo do diplomata
dirigida por Eça de Queirós. Mela s â o ci-
português
F a ç o de A r c o s é
tados vários artigos da autoria de Eduar-
e m b l e m á t i c o . Em correspondência enca-
do Prado que, invariavelmente, os assi-
minhada ao Ministério das Relações Ex-
nava com o p s e u d ô n i m o de Frederico S.
teriores do governo Floriano Peixoto, a
Um outro locus de t e n s ã o era constituído
conde
certo momento afirma: "... esta iníqua
pela moradia popular urbana. Em torno
propaganda que pesa sobre toda a colô-
dela se agudizavam os conflitos que, tan-
nia portuguesa indiscriminadamente é
to podiam opor trabalhadores portugue-
enganosa pela generalização". E mais adi-
ses a trabalhadores nacionais, quanto
ante acrescenta:
proprietários portugueses a autoridades
Os portugueses que afinal s á o acolhidos com b e n e v o l ê n c i a no p a í s , n á o se
lhes perguntando se s á o plebeus ou
fidalgos, c a t ó l i c o s ou livre-pensadores, republicanos ou n á o , mas acabam
por abusar da magnanimidade
leira. São estes mesmos
de todas as condições
reação
portugueses
que
às claras ou ocultamente
fomentam
j á começara a delinear-se no final da década de 1880, ganha nos últimos anos
do século XIX e nos que se seguem novas e inusitadas p r o p o r ç õ e s , na seqüência das profundas transformações de caráter modernizador que vão ocorrer no
e s p a ç o urbano.
de
Numa cidade que se expandia rapidamen-
constituído
te, procurando disciplinar seu e s p a ç o , e
o espírito
contra o governo
(grifo meu).
brasi-
municipais brasileiras. Esta q u e s t ã o , que
6
Pelas ponderadas palavras do diplomata
p o r t u g u ê s , fica bastante claro que as desconfianças dos jacobinos, tanto quanto a
animosidade do governo brasileiro, não
que enfrentava ano a p ó s ano um crescente aumento de sua p o p u l a ç ã o trabalhadora, a moradia popular passava a
constituir um verdadeiro drama para as
classes mais desfavorecidas.
eram de todo infundadas. De fato, logo
Hoje sabemos que uma parte significati-
que a República é implantada no Brasil
va das moradias populares estavam em
surgem opiniões e atos de franca hostili-
m ã o s de portugueses. De acordo com a
dade ao novo regime, veiculados na im-
d o c u m e n t a ç ã o disponível, só nos bairros
prensa brasileira e estrangeira.
de São J o s é e da Glória, que no início do
p á g . 1 16. j u l / d e z
1997
V
K
O
século eram mais densamente povoados,
xa de ser desconcertante o fato de que
existiam 414 proprietários portugueses,
estes ú l t i m o s , sendo t ã o m i s e r á v e i s
representando 58% do total dos donos de
quanto os seus agressores, estavam ex-
cortiços da área.
postos ao mesmo tipo de e x p l o r a ç ã o .
lias fontes consulares encontramos inúmeros processos encaminhados por proprietários de cortiços, solicitando ao governo brasileiro o ressarcimento dos danos e perdas decorrentes das invasões,
Porém, o fato de terem moradia no centro da cidade, propriedade de patrícios,
próximo aos locais de trabalho, tornavaos verdadeiramente 'privilegiados' aos
olhos dos trabalhadores nacionais.
saques e d e s t r u i ç ã o de instalações por
Viver em constante t e n s ã o era o cotidia-
grupos de brasileiros desordeiros. Qua-
no da convivência social entre s ú d i t o s
se s e m p r e
portugueses e nacionais. Se, por um lado,
estes
incidentes
eram
deflagrados por turbas populares que,
essa t e n s ã o constituiu a e x p r e s s ã o de so-
aproveitando as inspeções sanitárias re-
nhos frustrados, do choque de interes-
alizadas pela Jnspetoria-Qeral de Higie-
ses ou ainda de visões peculiares do mun-
ne da Prefeitura, provocavam quebras-
do, por outro lado, deu origem a um es-
quebras generalizados, além de atos de
paço de negociação, em que as táticas
violência contra os inquilinos, na sua mai-
postas em circulação teciam suas espe-
oria trabalhadores portugueses. Hão dei-
cíficas astúcias de sobrevivência.
M
O
T
1- Gazeta Lusitana.
Rio de Janeiro, 31.12.1888.
A
S
2. Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 221, anos 1884-1886. Doe. 16, s é r i e A,
25.8.1885. Arquivo do MME/SE/Lisboa-Portugal.
3. Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 24.3.1889.
*• L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975/977, anos
1887-1890. Arquivo do M Ü E / S E / L i s b o a - P o r t u g a l .
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n" 2, pp. 109-118, jul/dez 1997 - p á g . 1 1 7
5. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota 68.
Arquivo 288.2,12 do Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati.
14.10.1893.
6.
L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975. Doe. 3,
proc. 8, s é r i e A, 30.05.1893. Arquivo MNE/SE/Lisboa-Portugal.
7.
L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 219. Anos 1880-1881. Doe. 5, s é r i e A, reservado, 13.10.1880. Arquivo MME/SE/Lisboa-Portugal.
8. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota de 18.12.1891.
Arquivo 288,2,11. Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati.
A
B
S
T
R
A
C
T
This article intends to discuss everyday conflits and tensions that opposed Portuguese subjects
and Brazilian during the last years of 19
R
É
m
century and the beginning of 20
S
U
,h
century.
M
Cet article fait une breve esquisse des conflits et tensions sociaux quotidiens qui opposaient
Portugais et les B r é s i l i e n s d ê s la fin du XIX
XX'"" s i è c l e .
t m e
É
les
s i è c l e et pendant les deux p r e m i è r e s d é c a d e s du
Walter i . Piazza
Professor doutor, titular da Universidade
Federal de Santa Catarina, inativo. Membro efetivo
do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina.
s e
A
eirenses no
Sul do B r a s i l
A
contribuição açoriana
do Brasil sul tratavam do as-
e madeirense foi ex-
sunto a partir do conhecimento
pressiva para a forma
da
ção da identidade nacional, apesar
documentação
existente
a q u é m Atlântico e que n ã o era
de ser pouco referida no contexto das mi-
muito esclarecedora. Daí a necessidade
grações brasileiras, tendo ocorrido des-
de
de os primórdios da o c u p a ç ã o do solo
arquivísticas e a leitura crítica da docu-
brasileiro, no período colonial, por po-
m e n t a ç ã o existente em arquivos brasilei-
vos de língua e nacionalidade portugue-
ros e portugueses.
sas.
A expressividade dessa imigração para o
Brasil meridional, em pleno século XVIII,
não fora merecedora de estudos mais
aprofundados, a t é recentemente. Os autores açorianos e madeirenses simplesmente limitavam-se a dar uma ou outra
informação, sem aprofundar a matéria,
aprofundar
as
investigações
A imigração a ç o r i c o - m a d e i r e n s e para o
Brasil meridional tem dois tipos de fundamentos: o sócio-econômico, que influi
sobre a população dos a r q u i p é l a g o s dos
Açores e da Madeira, e o político, representado pela ação da monarquia portuguesa.
porquanto era tido como natural que seus
Das nove ilhas do a r q u i p é l a g o dos Aço-
conterrâneos migrassem. Os estudiosos
res, oito s ã o v u l c â n i c a s , c o m s o l o s
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 1 9 - 1 2 8 , j u l / d e z
1997 - p á t ; . 119
A
C
E
basálticos, sujeitas a e r u p ç õ e s e tremo-
m ã o - d e - o b r a agrícola, sujeita aos pro-
res de terra, excetuando-se a ilha de San-
prietários de terras, num regime de semi-
ta Maria.
escravidão.
A partir de 1444, encontramos registros
A
sobre o vulcanismo no arquipélago dos
hegemonia no Atlântico Sul, notadamente
Açores.
provocavam
no que concerne à bacia platina, se de-
i n t r a n q ü i l i d a d e entre seus moradores,
senvolveu nos campos militar e diplomá-
Esses
sismos
luta
das
Coroas
ibéricas
pela
que, j á em 1720, pleiteavam para serem
tico. Poder-se-ia remontar à s bulas
transportados para o BrasH. Procede-se,
coetera e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , ao Trata-
e n t ã o , a um alistamento na ilha do Pico,
do de Tordesilhas e observar o desen-
onde s ã o inscritas 1.435 pessoas, pro-
volvimento da disputa até os idos de 1746.
nunciando-se favoravelmente sobre esse
alistamento, outras c â m a r a s municipais
das diversas ilhas.
Inter
Mo terreno militar, deve-se considerar a
fundação na margem setentrional do rio
da Prata, em 1640, da Colônia do Sacra-
Outros fatores sociais e econômicos po-
mento, que se tornou, desde então, pomo
dem ser aduzidos.
de discórdia entre as Coroas ibéricas.
As ilhas dos Açores estavam superpovo-
Para enfrentar os constantes ataques es-
adas, o que, periodicamente, incentiva-
panhóis e estabelecer uma linha de su-
va os homens a migrarem. Havia, em
primentos para aquele posto avançado da
média, cerca de cento e trinta habitan-
Coroa portuguesa, tornou-se necessária
tes por quilômetro quadrado, devendo-
uma ampla ação político-administrativa.
se ainda considerar a topografia das
De um lado, o estabelecimento de novas
ilhas. Esse fato, relacionado à s constan-
povoações fortificadas (1737, e r e ç ã o do
tes crises alimentares —
notadamente
forte Jesus, Maria e J o s é , marco inicial
quanto à produção de trigo e cevada —,
da atual cidade do Rio Qrande e, posteri-
o sistema fundiário e a fraca p r o d u ç ã o
ormente, o plano de fortificação da ilha
agrícola geraram o empobrecimento dos
de Santa Catarina) e, de outro, o levan-
moradores daquelas ilhas, de tal forma
tamento geográfico-astronômico do Bra-
que as autoridades eclesiásticas tiveram
sil meridional pelos "padres matemáticos',
que lhes dar a t e n ç ã o especial, e os de-
o que significou um melhor conhecimen-
nominaram 'mal-enroupados' — para não
to da realidade territorial brasileira, dan-
os dizer nus —, no tocante à assistência
do ensejo à formulação da doutrina do
ao culto, notadamente à p r e s e n ç a na
obrigação dominical.
o r i g e m v u l c â n i c a , e ao problema de
p á g . 1 20. j u l / d e z I 997
defendida por Alexandre
de Gusmão e vitoriosa com a assinatura
O arquipélago da Madeira é t a m b é m de
s u p e r p o p u l a ç ã o relacionava-se
uti possidetis,
o da
do Tratado de Madri (13.1.1750).
A corte de Lisboa precisava dispor de
elementos estratégico-militares para con-
V
o
solidar sua hegemonia. Consumara-se o
litoral meridional do Brasil, especialmen-
retorno à Coroa portuguesa das terras
te quanto as suas riquezas.
das capitanias de S ã o Vicente, Santo
Avolumavam-se, em Lisboa, os dados
Amaro e Terras de Santana, adquiridas
necessários para o sucesso da hegemonia
em 1709, por 44 mil cruzados, aos her-
portuguesa no Atlântico Sul e o homem
deiros de Martim Afonso de Sousa. Efe-
escolhido para servir no Brasil foi o bri-
tuada a compra, foi despachado, em 1711
gadeiro J o s é da Silva Pais. Nomeado em
e depois em 1714, Manuel Gonçalves de
1735 para a u x i l i a r G o m e s Freire de
Aguiar para reconhecimento minucioso do
Andrade no governo do Rio de Janeiro,
Mapa geral da América (detalhei, 1 746. Arquivo Nacional.
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 119-128. j u l / d e z 199 7 - p á g . 1 2 1
E
C
A
principalmente no que se refere à s forti-
João
V, e
Rafael
Pires
Pardinho,
ficações e obras de engenharia civil, Sil-
desembargador que servira como ouvidor
va Pais teve uma a t u a ç ã o bastante dinâ-
na capitania de São Paulo, com jurisdi-
mica. Em 1738, ordenou-se ao brigadei-
ção no sul do Brasil, e que fora, tam-
ro que f o r t i f i c a s s e a i l h a de Santa
bém, intendente de diamantes em Minas
Catarina, e ele solicitou a Lisboa o envio
Gerais.
de gente para povoamento, produção de
Veja-se, pois, como se pode melhor ana-
alimentos e guarniçáo da ilha, referindo-
lisar tal ação.
se nominalmente aos açorianos, uma vez
Pela resolução regia de 7 de agosto de
que, em 1720, tivera a oportunidade de
1746, foram definidas as formas de exe-
conhecer esse povo.
cutar, preliminarmente, a grande migra-
O planejamento dessa grande migração
ção. Assim, o rei de Portugal atendeu "a
coube, primordialmente, ao Conselho Ul-
r e p r e s e n t a ç ã o dos moradores das ilhas
tramarino, onde dois nomes pontificaram
dos Açores, que pediam mandar tirar
nas r e s o l u ç õ e s a respeito do assunto:
delas o n ú m e r o de casais para as partes
Alexandre de G u s m ã o , ministro de d.
do Brasil que fosse mais preciso".
Quadro 1 - "Tábua dos casais e pessoas que por ordem de Sua Majestade se alistaram nestas ilhas no ano de 1747" *
Ilhas
Vilas e cidades
Casais
Pessoas dos casais
Pessoas solteiras Todas as pessoas
47
Ilha dc São Miguel
Cidade da Ponta
257
257
Delgada
Vila da Ribeira
Grande
Ilha Terceira
Vila Franca
Cidade de Angra
Vila de Sam
Sebastiam
62
-
62
2
141
9
706
73
9
779
9
45
45
Ilha da Graciosa
Vila de Praia
Vila da Santa Cruz
12
62
88
291
82
88
373
Ilha de S. Jorge
Vila da Prava
Vila do Topo
64
76
309
369
99
50
399
419
Vila da Calheta
146
819
151
970
Vila das Velhas
Vila de S. Roque
246
96
1.433
445
157
1.433
602
54
292
146
438
6
210
446
1.207
290
-
736
1.207
1.294 (?)
6.778
1.039
7.817
Ilha do Pico
Vila das Lages
Ilha do Faial
Vila da Madalena
Vila da Horta
Soma
1
14
Como se verá adiante, dos 7.817 alistados nem todos embarcaram com destino ao Brasil meridional, porém mais de seis mil desembarcaram na ilha de Santa Catarina. Discriminadamente tem-se, pelas diversas ilhas, os totais alistados.
p á g . 122, j u l / d e z 1 997
V
K
O
Quail i. 2
Ilhas
1 ' o n u l a i ã o presente
S;1o Micuel
Alistados
% K.ntrr non. c alistados
46 415
328
4.280
....
Terceira
22.460
912
4.5]
Graciosa
6.799
"72
11,50
Rta. Maria
2 X22
S.JorEe
] ]
Kaial
•ti
Pi.o
19 192
91:
Flores
4.622
Corvo
427
2-4 00
1.207
2.75
1
9,00
"1
A partir daí, foram estabelecidas, atra-
Brasil. O resultado do alistamento foi, as-
vés de edital, as condições de alistamen-
sim, condensado pelo corregedor da
to para aqueles que desejassem migrar
comarca das ilhas, como poderá ser ob-
— o transporte à custa da Fazenda Real,
servado no quadro 1.
"não s ó por mar mas t a m b é m por terra
Para se avaliar melhor o peso desse alis-
até os sítios que se lhes destinarem" —
tamento na população então existente,
bem como fixadas as idades limite, quer
considerando-se, ainda, não haver dados
para os homens, quer para as mulheres,
concernentes à s ilhas de Santa Maria,
a ajuda de custo que receberiam ao che-
Flores e Corvo — das quais sabe-se ter
gar ao seu destino e, da mesma forma,
havido migrantes — ver o quadro 2.
as ferramentas, as sementes, os animais,
"um quarto de légua em quadra", além
do sustento que receberiam durante um
Um instrumento normativo estabelecia
quem organizaria os transportes — no
caso o corregedor das ilhas —, como se-
ano.
riam as regras de conduta e quem as fisOs alistados eram, notoriamente, dedicados à agricultura, na produção de tri-
calizaria, como se alojariam homens e
mulheres e como se velaria pela boa se-
go e de linho e de outras culturas como
gurança das mulheres, a condução dos
a uva, para fabrico de vinho.
alimentos ao seu alojamento — onde s ó
O corregedor da comarca das ilhas (dos
entrariam, em caso de doença, o cirur-
Açores), a quem esteve afeto o alistamen-
gião e o capelão — e sobre seu acesso
to, enviou à s c â m a r a s sob sua jurisdição
ao tombadilho, somente para'ouvir mis-
cópia do edital, datado de 31 de agosto
sa em "lugar mais vizinho ao altar".
de 1746, onde se estabelecia que, no ato
de alistamento, deveriam ser anotadas
as características somáticas de cada alistado; determinava-se t a m b é m que as aludidas c â m a r a s em vereação escolheriam,
dentre os inscritos em sua circunscrição,
três nomes para capitão, alferes e sargento das companhias de ordenanças que
se formassem e n t ã o e que serviriam no
Como se vê pelos demais tópicos deste
regimento, havia muito cuidado com a
moral de bordo. Ficou acertado que partiriam de Lisboa as e m b a r c a ç õ e s que
conduziriam os alistados para a grande
epopéia, que firmaria a hegemonia lusitana no sul do Brasil.
O brigadeiro J o s é da Silva Pais, a 5 de
A c e r v o , Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 1 1 9-1 28. j u l / d e z
1997
- pág.123
A
C
E
agosto de 1738, fora nomeado para or-
valos. Além disso, foi instruído o briga-
g a n i z a r as defesas da ilha de Santa
deiro Silva Pais para levantar em cada
Catarina, trabalho que se iniciou em mar-
local uma companhia de o r d e n a n ç a , pois
ço de 1739, quando nela desembarcou,
os oficiais haviam sido escolhidos pelas
passando a governar a ilha e seu conti-
c â m a r a s das respectivas ilhas açorianas.
nente fronteiro, incluído o Rio Grande de
O aspecto espiritual t a m b é m foi cuidado
São Pedro, o que ocorreu a t é 2 de feve-
e, para tanto, foram alertados os bispos
reiro de 1749.
do Funchal e de Angra, bem como o de
Para acomodar os 'casais' açorianos, foi
expedida provisão regia, em 9 de agosto
de 1747, a Gomes Freire de Andrade, governador e capitão-geral do Rio de Janeiro, a quem se subordinava a "capita-
São Paulo — a quem se subordinava naquele momento o território que estava
sendo ocupado — de "que se há de constituir em cada igreja destas um vigário",
fixando-se-lhe os direitos (côngruas).
nia da ilha de Santa Catarina". Mesta pro-
De tudo o brigadeiro Silva Pais deu exato
v i s ã o há minuciosas i n s t r u ç õ e s sobre
cumprimento.
como deveriam ser recebidos os açoria-
Estes 'casais' — t a m b é m chamados 'ca-
nos e madeirenses. Fixavam-se, e n t ã o ,
sais de n ú m e r o ' ou 'casais d'el rei' — for-
normas para o abastecimento de farinhas
maram comunidades que se estabelece-
e de peixes aos migrantes, declaravam-
ram ao longo do litoral catarinense e na
se as medidas para pagamento das aju-
própria ilha de Santa Catarina.
das de custo prometidas e determinava-
A partir de 1752, os açorianos que pri-
se ao brigadeiro J o s é da Silva Pais que
meiramente
escolhesse, "na mesma ilha como nas ter-
Catarina, devido à s dificuldades encon-
ras adjacentes, desde o rio de São Fran-
tradas, foram encaminhados, ou se en-
cisco a t é o serro de São Miguel, e no ser-
caminharam por conta própria, para o Rio
tão correspondente", as terras próprias
Grande de São Pedro. Por outro lado, a
para "fundar lugares em cada um dos
'diáspora' se deu, t a m b é m , com as ge-
quais se e s t a b e l e ç a m pouco mais ou me-
r a ç õ e s vindouras, que formaram, em
nos sessenta casais".
Santa Catarina e no Rio Grande do Sul,
A
novas comunidades.
referida provisão regia determinava,
se
fixaram e m
Santa
ainda, como seriam urbanizados tais lo-
Feito o alistamento, foi contratado o
cais, com a fixação da igreja, uma praça
'transporte',
fronteira e a forma de
para
o
que
foram
arruamento,
e s t a b e l e c i d a s n o r m a s , quer para os
estabelendo t a m b é m que, logo que os
transportadores, através dos 'assentos'
'casais' estivessem situados, se lhes en-
(contratos), quer para os transportados,
tregaria duas vacas e uma égua e, para
como se viu. Deve-se considerar que o
a comunidade, quatro touros e dois ca-
transporte, dadas as condições das em-
p á g . 124. j u l / d e z
1997
V
K
O
barcações na época, a duração da viagem
antamento ao assentista do preço do
e a quantidade de pessoas a serem trans-
transporte e, finalmente, ao conheci-
portadas, mereceu a t e n ç ã o máxima das
mento pelos 'casais' do aludido 'assento'.
autoridades portuguesas. Os assentos' foram disputados entre comerciantes e armadores das ilhas dos Açores e de Lisboa.
A análise da letra fria dos assentos esconde a odisséia de atravessar um oceano, em toda a sua vastidão, em frá-
O 'contrato de tabaco', gerido por Feliciano
geis embarcações, arrostando as agru-
Velho Oldenberg, j á tivera o privilégio de
ras da s e p a r a ç ã o e o isoJamento dos
conduzir um navio, anteriormente (1744),
entes queridos, sujeito a uma alimen-
dos Açores para o Brasil. Esse mesmo
tação deficiente e escassa, e a um aten-
Feliciano Velho Oldenberg, em 7 de agosto
dimento médico precário frente à s do-
de 1747, assinaria com a Coroa o 'assen-
enças e à morte. Enfrentar, depois, o
to', constante de 24 cláusulas, para efeti-
desconhecido, numa pugna incessante
var o transporte de mil pessoas para Santa Catarina. É o princípio de uma epopéia.
para adaptação ao novo país, com seu
clima tropical, e para superar as dificuldades e os obstáculos na instalação.
^ ' "
ste 'assento' trata do que deve-
~ ~ r i a
conduzir, da s e g u r a n ç a das
e m b a r c a ç õ e s , da a c o m o d a ç ã o
dos 'casais' a bordo, da rota a ser seguida, do tempo de p e r m a n ê n c i a nas ilhas
Com pequenas modificações, este tipo
de 'assento' p e r m a n e c e r á vigorando
nos posteriores e sucessivos contratos,
conforme o quadro 3.
para receber os 'casais', da data de parti-
Duas o b s e r v a ç õ e s devem ser, aqui,
da e da justificativa nas demoras. Refere-
efetuadas.
se ainda à s r a ç õ e s a serem servidas a
bordo, ao embarque de pessoas em Lisboa e ao preço do seu transporte, aos trastes de cada pessoa transportada, à alimentação a bordo e ao seu preparo, à dieta
dos doentes, à fiscalização dos alimentos,
ao preço do transporte para a ilha de San-
A viagem dos 59 madeirenses, de 1 749,
foi devida à insistência dos alistados,
mormente do capitão Henrique César
Berengue — apesar de, na ilha da Madeira, haver mais de duas mil pessoas
alistadas —, e tal se fez com navio do
'contrato do tabaco'.
ta Catarina, à sindicância que deveria efetuar o governador da ilha de Santa Catarina
lio tocante ao contrato de 28 de setem-
concernente a cada um dos transportes que
bro de 1751 com Francisco de Sousa
ali aportasse, à assistência médica a bor-
Fagundes, náo se encontrou documen-
do, ao atendimento religioso à capacida-
tação dos transportes realizados, a não
de dos pilotos das e m b a r c a ç õ e s , ao retor-
ser aquela do pagamento que lhe era
no do navio e as possíveis arribadas, à
devido e foi efetuado. Tem-se, pois, que
venda das sobras de mantimentos, ao adi-
se
localizaram
na ilha de
Santa
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 1 9-1 28, jul/dez 1997 - p á g . 1 2 5
E
C
A
Owun. 3
1 j|itLí'. '.11 nu-.Hi i l "
• *
Nome da n a l i a i i i i i u
Data de
partidu
C W f d i
Mortos
N-éc
Datada
checada
rmhartadin
Fcliciacii) V c l x i
OtuVnhcTi - mil
pessoas
7.*. 1747
21.10.1747
21.10.1747
16.10.1748
IA 10.1748
1.10.1749
N . Sra. das Maravilhai;
Antônio e Almas
Contrato du labacu
F n n c i K u i k Soara
F a i u n k * - quatro mil
JCMIÍ MJI U }OÉÍ
SJIIU Ana e Senhor do Bonfim
Jcsui Mana Juní
S i i Uofninro* c Alma
J a u * Mana ioti
: ; •
4 9
>
1749
1.7.1749
13.11.1753
13.11.1733
L u f i Looci Godclho
Pedro Lopes Arraia
Lult U x u G o d c l h o
Pedro Lopes Arraia
Pedro L o n a Arraia
i í : •;•
216
21
12
461 -
6.1.1748
233
47
36
238
7.1.1748
271
34
73
208
7.1.1748
217
29
13
233
20.12.1749
59
7 .9.1749
59
Sano
Total transportado:
1 141 Baaaaaa
M . :.
discriminação de
idades)
Santa Ana t Sr. do Bonfim
N . Sra. da Conceição e
Porto Seiraro
Bom Jetui
PcruVWí c
N . Sra. Rosário
Sanu A n a • Sr do Bonfim
N . Sra. da Conceição .
Porto Scjruro
Sr. do Bonfim c N . Sra. Rosário
Bom Jesus do* Perdoe* e
N . Sr». Rosário
N . Shf da Concctcao c
Porto Seguro
Bom Jesus d M Pciüfte* e
N . Sra. Rosário
N . Sra. da Conceição e
Purtu ScKum
Francisco Manuel de Lima
• • I Lopet Sü*a
220
20 12
480
25.12.1749
Sem l i s c n m n a ç a o
de idades
Manoel Correia Fraia
600
1.I.I7SO
Sem discriminação
239
482
234
1.066
1749
18.12.1750
19
52
8
67
17
600
12.1.1751
1.434
Sem <t i c n r r i nação
de idade*
7.1.1751
1732
Cutlodio FranciKo
600
Pedro Lopes Airaia
480
44
Custódio FranciKo
603
4(1
Pedro Lopes Arraia
SOO
Cu»hVlio Francisco
502
1752
1752
2.1754
2.1754
Total
iransncrtaüo*:
4 7 (-7 pcv.-o.is
1 •[...:» Sou/a
FutundM - mil
>
9
1751
Franci&o Souza
Ju*é Q a i c u Lisboa UUintvnla.< petáUat
:-• i
28.4.17»
N . Sra. da Concctcao e
Porto Scítin.
IX
520
'M
Madcircnsc*
(naufrágio no
litoral dj B j f i i j i
Catarina mais de seis mil açorianos e 59
populacionalmente e procurar novas á-
madeirenses,
reas para seu estabelecimento.
face
aos
'assentos'
efetuados pela Coroa portuguesa.
fio que tange à p r e s e r v a ç ã o da cultura
Até o término de nossa pesquisa, os nú-
ancestral, que tem merecido alguns es-
meros apresentados pelos diversos au-
tudos, é importante salientar as formas
tores e s t á o exemplificados no quadro 4.
artesanais (confecção de renda de bilro,
Desse movimento migratório pode-se, des-
utilização de teares manuais, m é t o d o s de
de logo, conhecer algumas c o n s e q ü ê n -
fabricação de c e r â m i c a utilitária e t c ) ,
cias, como a formação de novas comuni-
bem como as m a n i f e s t a ç õ e s religiosas
dades que, desde a sua implantação, ti-
(culto ao Divino Espírito Santo, com seus
veram organização político-administrati-
'impérios' e sua tradicional organização:
va devido à s companhias de ordenança
a coroaçáo do imperador; a distribuição
— que, apesar de sua finalidade militar,
de comida — 'bodos' — aos pobres) e a
funcionavam, localmente, como chefias
permanência de traços na literatura oral,
políticas.
nos a d á g i o s e no vocabulário.
As p o p u l a ç õ e s que migraram trouxeram,
além dos valores demográficos, valores
culturais.
Apesar das dificuldades enfrentadas, com
as promessas reais nem sempre completamente atendidas, os imigrantes açori-
lio que se refere à demografia, deve-se
anos e madeirenses se afirmaram como
dizer que muitas das 'freguesias' (comu-
excelentes povoadores, pois souberam
nidades)
adaptar-se ao c l i m a e à s c o n d i ç õ e s
iniciais
p á g . 1 26. j u l / d e z 1 997
vão
crescer
o
V
Quadro 4
461
1748-ianeiro
Mattos
Coelho
Brito
Data de checada
i74R-de7e.rp.bro
1749-ianeiro
-
-
461
461
-
-
239
-
-
-
208
509
600
-
233
109-
109*
-
-
1.066
1 066
1 540
-
_
-
1.066
-
1.755
1.540
_
_
1.342
-
_
1.379
-
-
-
1.080
9
-
615
-
-
502*
520*
520**
1749-sctembro
1749-dezembro
1.066
1750-ianeiro
1751 -janeiro
1752
500
1753-m.ítrco
-
1754-feverciro/marco
_
1756-iulho
2.627
-
59*
1.066
-
-
1.434
1 -rs
1.187
-
-
-
6.000
5.545
4.893
3.525
-
4.021
4.024
Totais aoresentados
Totais somados
Piazza
Cabral
461
451
461
1.600
1749-marco
Itoiteux
Fortes
461
-
• Madeirenses
«• Madeirenses (náufragos no litoral da Bahia não computados).
Fontes- Paulo José Miguel de Brito. Memória política soore a capitania de Sanía Catarina, p. 24, Manuel Joaquim dAlmeida Coelho,
Memória íiistòrica da prouíncia de Santa Catarina, pp. 20-21; Matos, Colonização, p. 2 1; João Borges-rortes, Casais, p. 57; Lucas Alexandre Boiteux, Açorianos e madeirenses em Santa Catarina, pp. 142-163; Oswaldo Rodrigues Cabral, Os açorianos.
ambientais — substituindo a cultura do
solidação da hegemonia portuguesa no
trigo pela da mandioca —, além de te-
sul do Brasil, iniciada com a criação da
rem conseguido adequar conveniente-
Colônia do Sacramento e posteriormen-
mente as técnicas de construção de em-
te acentuada com a assinatura dos Tra-
barcações à s exigências do mar brasilei-
tados de Madri (1750) e Santo lldefonso
ro. Foram t a m b é m responsáveis pela con-
(1777).
B
FONTES
I
I
B
O Q R
A
I
PRIMÁRIAS
Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, núcleos 'Bahia', Rio de Janeiro', Santa
Catarina', 'Açores' e 'Madeira'.
Arquivo nacional da Torre do Tombo, Lisboa, núcleo 'Desembargo do Paço'.
Arquivo do Tribunal de Contas, Lisboa, núcleo Erário Régio'.
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, núcleo Correspondência
dos governadores, 1739-1822'.
Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores, livros de vereações.
Arquivo Distrital de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, livros de vereações.
Arquivo Distrital da Horta, ilha do Faial, Açores, livros de vereações.
Biblioteca nacional, Lisboa, fundo' Qeral e coleção pombalina.
, c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 19-128. jul/dez 1997 - p á g . 1 2 7
A
B
S
T
R
A
C
T
This article describes the immigration of Azorians and Madeirans to meridional Brazil between
1748 and 1756 and it studies the reasons of such immigration, their social and political basis, its
organization in the Portuguese court, as well as in Brazil, its location in Brazilian land and the
results of this migratory movement.
R
É
S
U
M
É
Cet article a pour but d é c r i r e l'immigration d' A ç o r é e n s et M a d é r i e n s vers le Brésil meridional,
entre 1748 et 1756,
en é t u d i a n t les causes de cette immigration, ses fondements sociaux et
politiques, son organisation à courte portugaise et au Brésil, sa localisation en territoire national
et les c o n s é q u e n c e s de ce mouvement migratoire.
Adriano Luiz Duarte
Professor de História
da Universidade Federal de Santa Catarina.
A C r i a ç ã o Ao E s t r a n k a m e i i í o
e a C o i i s t r a ç a o do E s p a ç o P ú b l i c o
\J§
mponeses no EstaJo Novo
espalhando um conjunto bem es-
"...O j a p o n ê s é como o
enxofre: i n s o l ú v e l " .
tabelecido de valores, normas e
Oliveira Vianna
práticas sociais que objetivavam
a p r e s e r v a ç ã o da estabilidade
"De uma hora para outra um
social e, principalmente, da ordem p ú -
sopro vivificante despertou
blica, fundamentais para o exercício co-
as forças adormecidas da
tidiano da racionalidade do poder. São
nacionalidade e animou o
eles: o anticomunismo, o trabalho, a pápaís do desejo de viver
tria e a moral.
1
sadiamente".
Em torno destes quatro conceitos gira-
J o ã o Carneiro da Fonte
chefe de p o l í c i a , em
vam
1939.
os
discursos
e
práticas
estadonovistas, e é t a m b é m através de0
PAÍS D E U M A C A R A S Ó . . .
O
Estado Novo embasou todo o
seu r e p e r t ó r i o d i s c u r s i v o e
imagético sobre quatro pilares,
les que podemos perceber contra o que
se articulava o Estado Novo, e quais os
'fantasmas' que tanto amedrontavam a
elite dirigente do país naquela é p o c a .
a partir dos quais planejou adentrar to-
Por meio da enorme variedade de 'fan-
dos os e s p a ç o s e recantos da sociedade,
tasmas' que atormentou o sossego dos
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 129-146, j u l / d e z 1997 - p á g . 1 2 9
E
C
A
autores do Estado Movo, é possível ima-
tinuamente punham em perigo a pátria.
ginar contra quem e contra o que se vol-
Contudo, a própria possibilidade da ex-
tou toda a força repressiva desse proje-
p r e s s ã o de tal desejo nos revela que a
to de m a n u t e n ç ã o da ordem e estabili-
sociedade brasileira foi percebida como
dade sociais, e quais os oponentes cria-
h e t e r o g ê n e a , plural, d e s a r m ô n i c a e
dos como inimigos a,serem combatidos
incoesa. É sobre esta realidade, e para
no seio da sociedade. O apelo fundamen-
eliminá-la, que atuará o poder público.
tal que antecede e emana dos quatro pilares
que
sustentaram
o
projeto
estadonovista é o apelo à união, à unidade e à j u n ç ã o das forças imanentes à
nacionalidade para a construção de uma
pátria una e indivisa, que caminhasse coesa em busca da identidade.
11
As diversidades culturais que c o m p õ e m
a sociedade brasileira e s t ã o relacionadas
à s diferentes e múltiplas formas de se
vivenciar a proletarização, com o conseqüente surgimento de um mercado de trabalho urbano industrial e moderno. A necessidade de h o m o g e n e i z a ç ã o , centro do
"""N^niáo, c o e s ã o e indivisão eram
projeto estadonovista, emerge, ao que
os objetivos que sustentavam
tudo indica, das dificuldades apresenta-
esse projeto; o que se deseja-
das
pelas
classes
dominantes
em
va era apagar os sinais de uma possível
operacionalizar essas diversidades cultu-
heterogeneidade social, eliminar as d i -
rais dentro de uma ordem pública em
ferenças de todos os matizes, e assim
c o n s t r u ç ã o , onde o gerenciamento dos
construir uma nacionalidade h o m o g ê n e a
conflitos se torna cada vez mais comple-
e indistinta. Os diferentes modos de vida,
xo. A vigilância e a s u s p e i ç á o foram as
de opinião, de crença e de comportamen-
estratégias adotadas nesse processo de
to eram recusados, porque estas noções
homogeneização.
remetiam à imagem de uma sociedade
multifacetada e plural.
A noção de pátria, expressa no discurso
de Azevedo Amaral, um dos ideólogos do
A construção dessa homogeneidade so-
Estado novo, traz em seu bojo uma enor-
cial requereu uma prática profundamen-
me força estratégica. Ela é o elemento
te autoritária, porque pressupunha a pro-
imprescindível para a e l a b o r a ç ã o dos va-
gressiva eliminação de tudo que náo es-
lores e práticas que objetivavam a pre-
tivesse de acordo com o modelo de uni-
servação da ordem e da estabilidade so-
dade desejado. Aqueles que n ã o se en-
cial, da identidade coletiva, da racionali-
q u a d r a s s e m no m o l d e e s t a b e l e c i d o
zação do exercício do poder e da afirma-
deveriam ser eliminados do convívio so-
ção da unidade nacional. São os que in-
cial e, portanto, do e s p a ç o público, por-
sistem em escapar pelas fímbrias do
que eram os portadores da divisão, os
emolduramento que o poder vai erigindo
transmissores do desequilíbrio que con-
nestes anos, que s e r ã o
p á g . 1 3 0 . jul/dez
1997
2
rapidamente
K
O
V
transformados nos "inimigos' que devem
tentáculos e introduziam em meio à har-
ser e x e c r a d o s e e l i m i n a d o s . A s s i m ,
monia social a sua marcante e deletéria
explicita-se outra faceta da construção da
p r e s e n ç a . Pelas fissuras da sociedade
idéia de homogeneidade social e de
eles vão se instalando e, como um cân-
indivisão da pátria. A idéia de unidade e
cer, passam a corroer os pilares de sus-
c o e s ã o s ó pode efetivar-se se moldada a
t e n t a ç ã o da n a ç ã o . De externo ele se
partir de algo que lhe faça contraponto,
transforma em interno e passa a justifi-
algo que funcione como um espelho in-
car qualquer ação repressiva. Se o ini-
vertido. É a partir do inimigo a ser com-
migo estava em toda parte, isso exigia
batido, do outro, que é possível construir
uma
a imagem da nacionalidade una, coesa e
onipresente.
indivisa.
atuação
repressiva
também
Mas, qual era a exata dimensão desse ini-
Ao outro, o inimigo a ser execrado, se-
migo que se imiscuía com tanto ardil na
rão conferidos todos os maus atributos
sociedade para, por dentro, destruí-la va-
que c o m p õ e m a fantasmagoria repelida
garosa e continuamente? Se ele era o
pelo Estado Novo. Mele s e r ã o identifica-
portador da indisciplina, da barbárie, da
dos todos os males, todas as a m e a ç a s
instabilidade, do atraso, da imoralidade,
de d e c o m p o s i ç ã o e esfacelamento social; a ele se atribuirão as pechas da doença, da anarquia, da injustiça, da traição, da ruína, do pecado, da desobediência, do ócio, do desleixo e da promiscuidade. É com base nele que o poder
construirá sua auto-imagem. Por intermédio da criação do inimigo a ditadura
atingirá sua maior força e será capaz de
multiplicar sua c o a ç ã o em todas as esferas sociais, e assim produzir normas e
valores que atinjam amplamente a população.
da sensualidade, da indolência, era o retrato fiel de todos aqueles que, pelas
mais diversas razões, não se enquadravam nos preceitos do Estado Movo. Eram
inimigos todos os que náo contribuíssem
para a construção do projeto de nacionalidade esboçado nestes anos. Em toda
parte, em todo momento, podia ser localizado este inimigo. Portanto, nesta
época, toda a população estará sob permanente suspeição. É esta suspeição generalizada que justificará, além da ação
repressiva por parte do Estado, sua ação
profilática e terapêutica, adentrando nas
Mas o inimigo era muito ardiloso, o que
casas, creches, fábricas, atuando sobre
justifica o esmero com que foi construído
as famílias, os trabalhadores, as crian-
e mantido um enorme aparato militar e
ças, as mulheres, os adolescentes, ten-
repressivo, responsável nas d é c a d a s de
tando moldar-lhes o pensamento e as
1930 e 1940 por milhares de prisões, tor-
atitudes para criar um novo cidadão.
turas, d e p o r t a ç õ e s e assassinatos. Do exterior, estas vis criaturas estendiam seus
O que estava em jogo na configuração
neiro. v. 10. n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 1
A
do
C
E
era a q u e s t ã o da cidadania. É
atros e Divertimentos Públicos, e partici-
precisamente na edificação dos seus con-
paria t a m b é m o Serviço de Censura Pos-
tornos e na espessura do seu alcance que
tal. Este decreto estabeleceu que qual-
as
da
quer tipo de reunião somente poderia ser
s u s p e i ç ã o revelam seus desdobramen-
realizada com o prévio licenciamento e
outro
estratégias
da
vigilância
e
tos. Ao regular a amplitude do conceito
localização fornecido pelas autoridades
de cidadania, vinculando-o à ocupação no
policiais.
mercado de trabalho em profissão reconhecida pelo poder p ú b l i c o , o Estado
Novo
estava
também
definindo
a
abrangência da noção de marginalidade.
O poder público definia o que era ser c i d a d ã o , tanto quanto o que era ser marginal; estabelecia, portanto, quem teria
direitos bem como aqueles passíveis de
perseguição e exclusão da esfera pública.
O Serviço de Censura Postal tinha duas
funções: a censura postal exercida por
funcionários públicos federais, e a censura policial a cargo da polícia civil. A função do 'serviço' era fazer uma triagem
em toda correspondência dirigida ou emitida por estrangeiros residentes no Brasil. Quando algo considerado inconveniente fosse encontrado, seria imediata-
ESTRANGEIROS,
ESTRANHOS
mente encaminhado para um departa-
E
mento r e s p o n s á v e l pela e l a b o r a ç ã o de
DIFERENTES
seguidas exposições "destinadas a mos-
A
estranhamento
trar à parte sadia da população para des-
relacionado ao estrangeiro
pertar a a t e n ç ã o dos brasileiros contra
. n ã o se inicia, obviamente, com
as m a q u i n a ç õ e s dos inimigos da nossa
o Estado
s e n s a ç ã o de
Novo,
mas
é quando
se
civilização". Todo estrangeiro tornou-se,
explicitam alguns preconceitos e medos
com o decreto-lei n° 383, um potencial
que farão daqueles que eram simples-
inimigo da civilização, um portador de
mente diferentes um perigoso inimigo.
atributos
Em 18 de abril de 1938, foi proibida aos
estrangeiros, a t r a v é s do decreto-lei n°
383, a atividade política no Brasil. As sutilezas do decreto ficavam por conta de
como os policiais e os ó r g ã o s públicos
encarregados da v i g i l â n c i a deveriam
3
que
podiam
levar
à
d e g e n e r e s c ê n c i a da nacionalidade. As
medidas desta enorme burocracia, ao
aprofundar a vigilância sobre todos os
estrangeiros e seus descendentes, vai
lentamente se estendendo aos c i d a d ã o s
comuns, estrangeiros ou n ã o .
aplicá-lo na prática cotidiana. A fiscali-
Mais uma vez percebe-se a amplitude da
z a ç ã o das atividades dos estrangeiros
suspeição, pois, de acordo com os rela-
seria realizada pela Superintendência de
tórios de polícia, qualquer cidadão que
Segurança Política e Social, auxiliada pelo
tivesse um comportamento diferente, não
Serviço de Censura e Fiscalização de Te-
convencional, estranho, poderia ser de-
p á g . 132, j u l / d e z
1997
V
o
nominado 'estrangeiro'. De acordo com
milação dos estrangeiros, seja através da
esta categoria, que continuamente se
nacionalização em massa e forçada, seja
amplia, vão sendo rotulados todos os que
por meio do impedimento crescente do
podem suscitar estranheza. É óbvio que
contato com seus países de origem. O
a idéia do inimigo interno e n c o n t r a r á
plano estadonovista de recriação e apri-
campo fértil para vicejar.
moramento da nacionalidade, por meio
Se o objetivo primeiro é bloquear qual-
de um amplo e minucioso projeto peda-
quer possível canal de a t u a ç ã o político-
gógico, requeria, necessariamente, o de-
institucional aos estrangeiros, as medi-
saparecimento dos estrangeiros através
das citadas tiveram um alcance muito
de sua total adaptação e assimilação aos
maior. Praticamente em dois anos, 1938
valores nacionais e da progressiva per-
e 1939, foram fechadas todas as associ-
da dos laços culturais que os vinculavam
a ç õ e s culturais, escolas e jornais edita-
aos países de origem, como a língua, há-
dos no Brasil em língua estrangeira. Cm
bitos alimentares, vestuário, práticas cul-
25 de janeiro de 1938, foi criada, pelo
turais etc. Mas, os estrangeiros não eram
decreto n° 2.265, a Comissão de Nacio-
todos iguais e desigualmente foram tra-
nalização, que tinha por objetivo instituir
tados pelo Estado Novo, e aqueles cuja
e viabilizar os canais necessários à assi-
presença física causava maior estranhe-
O presidente Vargas, na sacada do Palácio do Catete, assiste a manifestações populares anti-Eixo.
Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional, Arquivo Nacional.
\ c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 129-146. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 3
E
C
A
za enfrentaram, de forma mais dramáti-
rlão se deve aplicar o mesmo critério
ca ainda, esse projeto totalitário. É em
assimilador a a s i á t i c o s e europeus. Por
relação ao j a p o n ê s — o estranho e dife-
maior que seja a nossa boa vontade,
rente por excelência — que se exercita-
por mais profundo que seja o nosso
rá ao paroxismo a aversão e o medo do
instinto de cordialidade
outro.
c u m p r e - n o s defender os
internacional,
caracteres
m o r f o l ó g i c o s do povo brasileiro,
As campanhas de nacionalização dos imi-
pre-
servar as suas possibilidades de apro-
grantes, embora ocupassem aspecto cen-
x i m a ç ã o com os tipos europeus inicia-
tral no debate político brasileiro desde a
dores, mantendo à parte os
s u b s t i t u i ç ã o da m ã o - d e - o b r a escrava,
grupos
a s i á t i c o s e impedindo o seu desenvol-
relacionado à eugenia, assumiram nas
vimento. Destarte, o j a p o n ê s fica des-
d é c a d a s de 1930 e 1940 um caráter de
de logo definido como um
s e g u r a n ç a n a c i o n a l . Os estrangeiros
problema
de p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a . A nacionaliza-
eram um perigo em potencial à constru-
ç ã o , neste caso, n á o deve significar as-
ção de um país uno, indiviso e coeso. En-
similação étnica.
4
tretanto, os japoneses eram encarados
V^ossa 'boa vontade' n ã o era ex-
de uma maneira especial. Mão se lhes
^-Nw
aplicavam os critérios assimiladores e o
projeto de nacionalização os excluía. A
A
tensiva aos asiáticos em ge-
\ ] ral e aos japoneses em parti-
singularidade da comunidade nipo-brasi-
cular. Eles eram o retrato do novo, do
leira e s t á na a m b i g ü i d a d e com que foi
estranho, daquilo que fugia ao controle
vista pelo poder público: como estrangei-
e projetava para o futuro uma inseguran-
ros deveriam ser assimilados e desapa-
ça presente. Quanto à unidade nacional,
recer em meio à comunidade nacional,
eles eram a e x p r e s s ã o do imprevisível
mas como diferentes por excelência de-
nesta ampla e s t r a t é g i a de controle do
veriam ser mantidos à margem dessa co-
trabalhador e do pobre. 'Impedir o seu
munidade e, portanto, destinados a uma
desenvolvimento' significava
e s p é c i e de limbo social. Assim, a ques-
a um gueto social e impossibilitar que se
tão à qual se viam remetidos não era sim-
espalhassem pelas cidades contaminan-
plesmente a da nacionalização, mas a de
do os nacionais.
serem projetados como a e n c a r n a ç ã o cabal dos entraves à construção do Estado
nacional.
confiná-los
O 'problema j a p o n ê s ' assume contornos
de s e g u r a n ç a nacional quando, em julho
de 1940, desembarca no porto de San-
A Comissão de Macionalizaçáo, dirigindo-
tos um carregamento de sessenta caixas
se ao Ministério da Educação e S a ú d e ,
contendo livros p e d a g ó g i c o s impressos
redigiu o seguinte relatório, em 16 de
em j a p o n ê s , destinados à s poucas esco-
outubro de 1940:
las que ainda funcionavam. O presidente
p á g . 134. j u l / d e z
1997
O
V
R
do Conselho de I m i g r a ç ã o , J o ã o Carlos
verdadeira a s s i m i l a ç ã o dos japone-
Muniz, enviou um ofício ao presidente Qe-
ses, que praticamente devem ser con-
túlio Vargas alertando-o que n ã o pudera
siderados i n a s s i m i l á v e i s . Eles perten-
apreender os livros porque não se desti-
cem a uma raça e a uma r e l i g i ã o ab-
navam à venda. O ofício vai parar nas
solutamente diversas; falam uma lín-
mãos do secretário-geral do Conselho de
gua irredutível aos idiomas ociden-
Segurança Nacional, general Francisco
tais; possuem uma cultura de baixo
José Pinto, que em comunicado reservado
nível que n ã o incorporou, da cultura
dirigido ao ministro da Educação e Saúde,
ocidental, s e n ã o os conhecimentos
Gustavo Capanema, solicita as providên-
i n d i s p e n s á v e i s à r e a l i z a ç ã o dos seus
cias legais cabíveis que tornassem efeti-
intuitos militaristas e materialistas;
vas as a ç õ e s repressoras do Conselho de
seu p a d r ã o de vida d e s p r e z í v e l repre-
Colonização. O comunicado termina
senta uma c o n c o r r ê n c i a brutal
explicitando o terror e medo causados no
o trabalhador do p a í s ; seu
general pelos livros infantis:
sua m á - f é , seu c a r á t e r refratário, fa-
com
egoísmo,
zem deles um enorme quisto é t n i c o
É sabido como s ã o f é r t e i s os japoneses
e cultural localizado na mais rica das
em seus processos de sutilezas e em sua
r e g i õ e s do Brasil. Há c a r a c t e r í s t i c a s
p e r t i n á c i a racial. Contamos que Vossa Exque nenhum e s f o r ç o no sentido da
c e l ê n c i a em seu alto patriotismo se diga s s i m i l a ç ã o c o n s e g u i r á remover. Ninnará mandar estudar o assunto pela Seg u é m logrará, com efeito, mudar a cor
ç ã o de S e g u r a n ç a deste m i n i s t é r i o
no
e a face do j a p o n ê s , nem sua concep-
sentido de ser encontrada uma
forma
ç ã o da vida, nem seu materialismo.
6
para neutralizar essa manobra de burla
à nossa p o l í t i c a
nacionalizadora.
5
O problema é resolvido permitindo-se apenas a entrada de livros didáticos impressos em língua portuguesa. Aperta-se o cerco.
O parecer de Francisco Campos expressa todas as facetas do preconceito, do
medo, do estranhamento, da intolerância e da i n s e g u r a n ç a . Mas, antes de
tudo, é a e x p r e s s ã o mais acabada da
Em 1941, o então ministro da Justiça, Fran-
construção do inimigo, do outro, do in-
cisco Campos, elaborou um extenso pare-
desejável, do inassimilável.
cer sobre a inconveniência de se aceitar a
entrada de quatrocentos japoneses que
desejavam migrar para o Brasil, dedicando-se à agricultura no interior do estado
Os japoneses que habitavam São Paulo
nestes anos percebiam muito bem a exclusão a que estavam submetidos, muitas vezes não entendiam por que isso
de São Paulo.
acontecia, j á que apenas desejavam faNem cinco, nem dez, nem vinte, nem cin-
lar sua própria língua, comer do seu
q ü e n t a anos s e r ã o suficientes para uma
modo; enfim, vivenciar livremente sua
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 129-146, jul/dez 1997
- p á g . 135
C
A
E
cultura. Causava-lhes profundo espanto
Em janeiro de 1942, foi emitida uma or-
que, além das medidas j á apontadas, e
dem pelo Gabinete de Investigação para
ainda no bojo da s u s p e n s ã o das relações
a evacuação das ruas Conde de Sarzedas
d i p l o m á t i c a s Brasil/Japão, eles fossem
e dos Estudantes, principais ruas de con-
proibidos de dirigir veículos automotores,
centração do comércio j a p o n ê s , no bair-
mesmo porque não eram poucos os mo-
ro da Liberdade. Todos os japoneses de-
toristas de praça japoneses.
veriam deixar o local em dez dias. O co-
Em 29 de janeiro de 1942, foi restringida
a liberdade de l o c o m o ç ã o , através das
normas
instituídas
pela
polícia.
Inconformados com estas medidas, os j a poneses criaram, em 1942, a sociedade
Táisai Yokusam Doshi Kai (Associação dos
Correligionários da Cooperação da Grande Política) que pretendia promover o retorno em massa para o J a p ã o dos imigrantes que n ã o se conformavam com a
p e r s e g u i ç ã o e eterna suspeição a que es-
mércio ficou completamente paralisado.
A e s t a g n a ç ã o duraria pelo menos a t é
1945. Em 6 de fevereiro de 1943, uma
nova ordem de d e s o c u p a ç ã o foi emitida,
desta vez atingindo p e n s õ e s e h o t é i s .
Esta notificação foi recebida por mais de
350 famílias. Ma quinta-feira, 8 de julho
de 1943, era a vez de serem notificadas
do início da evacuação do litoral, rumo
ao interior, cerca de mil famílias de japoneses, a l e m ã e s e italianos.
tavam submetidos. O desejo de retornar
A hospedaria dos imigrantes no Brás, por
ao J a p ã o era um velho sonho acalentado
onde muitos haviam passado ao chegar
pelos primeiros imigrantes e as perse-
no Brasil, foi transformada em p r i s ã o
guições durante o Estado Movo exacer-
onde eram confinados não s ó italianos e
baram esse desejo.
a l e m ã e s , mas principalmente japoneses;
os maus-tratos e a violência física torna-
A guerra forneceu as condições ideológi-
ram-se regra no tratamento aos imigran-
cas para o acirramento da r e p r e s s ã o e o
tes. Em O imigrante
aprofundamento do projeto estadonovis-
Manda conta:
japonês,
Tomoo
ta. Sem meias palavras ou justificativas
legais era possível aprisionar para ave-
...na p r i s ã o faltavam camas e por isso
riguação. Mofava-se nas cadeias a t é as
colocavam t r ê s ou quatro c o l c h õ e s so-
providências legais serem tomadas. Em
bre o c h ã o de cimento, onde dormiam
nome do estado de guerra a s u s p e i ç ã o
sete, oito e a t é dez pessoas. Dizia-se
assumiu sua faceta mais crua, e desdo-
que o que mais incomodava é que
brou-se em r e p r e s s ã o generalizada. To-
celas eram m i n ú s c u l a s , com janelas al-
dos aqueles que, por uma ou outra ra-
tas e pequenas causando
zão, ainda podiam escudar-se ao abrigo
por causa da p r e c á r i a r e s p i r a ç ã o e da
da lei foram finalmente colhidos pelo ven-
f u m a ç a de cigarros...
dava! que esculpia a nacionalidade.
p á g . I 36. J u l / d e z I 997
as
sufocação
7
A idéia da existência da 'quinta-coluna'
V
R
O
permitia todos os tipos de arbitrarieda-
Existiam três modalidades de salvo-con-
de. Os jornais contribuíram para o au-
duto: estrangeiros, nacionais e perma-
mento do medo e o recrudescimento dos
nentes; sendo que a l e m ã e s , italianos e
atos de exceção, alimentando de forma
japoneses não tinham acesso ao salvo-
sensacionalista a paranóia em torno da
conduto permanente. As prerrogativas
segurança nacional, publicando, todos os
abertas com a guerra levaram ao ponto
dias, mais e mais notícias sobre espio-
máximo a perseguição e a suspeição so-
nagem, atentados a usinas, reservatóri-
bre toda a população, "desvendando na
os de á g u a e indústrias básicas. Quanto
prática o que fica dissimulado nas fases
menos atos dessa e s p é c i e o c o r r i a m ,
democráticas: o caráter político da re-
maiores eram os brados temerosos da
pressão ao crime comum."
imprensa, que t a m b é m vivia uma férrea
Em março de 1943, os serviços de salvo-
censura.
conduto — que inicialmente eram expe-
Girando uma volta no torniquete da vigi-
didos pelas delegacias distritais, pelo Ga-
lância, a liberdade de l o c o m o ç ã o foi
binete de Investigações e pela Superin-
suspensa. Tornou-se n e c e s s á r i o obter
tendência de Segurança Política e Social
uma autorização da polícia — o salvo-con-
— foram centralizados em São Paulo, no
duto — para poder trafegar pelo estado.
prédio anexo ao da Superintendência de
8
"Queremos a guerra". Protesto contra o torpedeamento dos navios mercantes brasileiros pelas
forças alemãs. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional. Arquivo Nacional.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 129-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 7
E
C
A
Segurança Política e Social, no largo Ge-
jetivo fixar os limites da esfera pública,
neral Osório. Para retirá-lo, o candidato
determinados
deveria preencher um formulário e en-
homogeneizador
tregar, ao funcionário da superintendên-
Destarte, ao se estabelecer uma eficaz
cia, uma série de documentos que segui-
intervenção na esfera privada, o e s p a ç o
riam para pesquisa e averiguação dos an-
público, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se reduz e
pelo
do
anseio
novo
Estado.
tecedentes criminais; em seguida, caso
passa a ser concebido em função e de
nada constasse contra o requerente, se-
acordo com os limites impostos ao mun-
ria expedido o salvo-conduto. De março
do privado. Portanto, o Estado novo
a maio do mesmo ano, o serviço aten-
explicita com muita clareza e precisão,
deu 73.798 pessoas, sendo 40.329 es-
a t r a v é s do salvo-conduto, seu projeto
trangeiros e 33.469 brasileiros. Mas jus-
político: despolitizar a sociedade, silen-
tificativas para a criação do salvo-con-
ciar a ação e o discurso de uma popula-
duto, os ó r g ã o s policiais alegavam que
ç ã o transformando-a em massa. Essa
São Paulo possuía 1.500.000 estrangei-
'coisa' sem forma ou desejo definidos,
ros, grande parte dos quais cidadãos dos
onde se q u e b r a m as
países do Eixo.
grupais, sejam elas estabelecidas pela
solidariedades
profissão, pelo trabalho ou pela origem,
Era imperioso que a p o l í c i a exercesse
de maneira que os sujeitos a p a r e ç a m ab-
toda p o s s í v e l v i g i l â n c i a sobre o trânsito desses estrangeiros [...]
solutamente individualizados e sem vín-
o salvo-
conduto representava o meio mais eficiente de que d i s p õ e a p o l í c i a
controlar as atividades dos
para
indivíduos
que se locomovem de um para outro
ponto do p a í s e mesmo dentro
limites dos
estados [...]
dos
instituir a
obrigatoriedade do salvo-conduto é
função indiscutível da polícia preventiva.
culos no e s p a ç o público. É aí que a ação
interventora do Estado virá restabelecer
as solidariedades, não mais determinadas pela classe social, pela origem, ou
pela experiência da proletarização, mas
as que vinculariam os atores sociais ao
poder
público,
neste
momento,
a
massificação estaria realizada e o proje-
9
to corporativo encontraria caminho aber-
Impedir o livre trânsito, circunscrever um
to para sua efetivação. A maciça inter-
e s p a ç o para a 'ação' dos sujeitos soci-
v e n ç ã o estatal na vida privada com o
ais, criar uma e s p é c i e de gueto social
objetivo de determinar os limitados con-
onde seriam 'encarcerados' os estrangei-
tornos da esfera pública foi a maneira
ros e onde o controle pudesse ser exer-
encetada para a realização desse projeto.
cido com maior eficiência; eis o objetivo
da instituição do salvo-conduto. A inter-
Os anos da Segunda Guerra Mundial fo-
v e n ç ã o na vida privada, restringindo a
ram, sem dúvida, os mais terríveis do
possibilidade de circulação, tem por ob-
Estado novo, quando a s u s p e i ç ã o foi
p á g . 138. j u l / d e z
1997
V
R
O
maior sobre os trabalhadores pobres, os
O país imaginado pelos imigrantes já não
imigrantes e principalmente os japone-
existia mais; encerrava-se aí o imaginá-
ses. A s u s p e n s ã o dos direitos legalmen-
rio da volta. Para alguns náo havia outro
te constituídos foi o mais eficiente meio
caminho, j á que o retorno náo se coloca-
de controle e cerceamento da cidadania.
va em questão. Cabia mais uma vez seguir o Qambarê e resignar-se. Para outros o sonho não poderia simplesmente
O C A M I N H O DOS SÚDITOS
A
transformar-se no pesadelo de ficar. A
Segunda Querra significou um
resposta foi a criação da Shindô-Remmei.
decisivo momento de inflexão
_para a colônia nipo-brasileira.
Terminada a guerra, a situação náo me-
Seu final sepultava definitivamente o so-
lhorou para os japoneses, ao contrário,
nho de retornar ao J a p ã o . A vinda dos
agravou-se. A comunidade japonesa, após
imigrantes japoneses ao Brasil era en-
tantas e seguidas humilhações, dividiu-
carada como algo temporário, uma pas-
se entre os Kachigumi e os Makegumi.
s a g e m ; ao final de alguns anos eles
Os primeiros não acreditavam na derro-
retornariam ao J a p ã o ricos e vencedo-
ta do Japão, achavam que tudo era uma
res. Messe projeto assumia um papel cen-
grande farsa e que a qualquer momento
tral o Q a m b a r è , e x p r e s s ã o do esforço
os navios de guerra japoneses chegari-
para seguir adiante enfrentando todas as
am para levá-los à terra do sol nascen-
adversidades com resignação e aceitan-
te. Os Makegumis, conformados com a
do o d e s t i n o c o m o a l g o p o s i t i v o e
inescapável.
situação, aceitavam a derrota japonesa
e desejavam esquecer a guerra, as hu-
10
milhações sofridas e reconstituir suas viA c o n s t r u ç ã o do Estado nacional, do qual
das. Em meio a acirrados debates e mui-
estavam excluídos os japoneses, acirrou
tas desavenças na colônia, os Kachigumi
o retorno aos valores dos primeiros imi-
criaram, no dia 23 de setembro de 1945,
grantes e à p r á t i c a do S h i n d ô e do
no bairro do Jabaquara, a Liga do Cami-
Q a m b a r ê . O desejo de retornar ao Ja-
nho dos Súditos, a Shindô-Remmei. Seus
pão era proporcional à suspeição e per-
fundadores, desde os anos da guerra,
seguição a que estavam sujeitos. Messe
procuravam expressar o seu patriotismo
c o n t e x t o , o d i s c u r s o do i m p e r a d o r
através da prática do Shindô, o código
flirohito, pondo fim à guerra, em 14 de
de conduta que todos os súditos japone-
agosto de 1945, caiu como uma bomba
ses deveriam manter em relação ao im-
na comunidade nipo-brasileira. Abalada,
perador.
ela levou algum tempo para assimilar o
golpe, pois o J a p ã o que emergiu a p ó s
A Shindô-Remmei foi fundada com o prin-
1945 desfigurara a imagem imperial da
cipal objetivo de eliminar fisicamente os
ancestralidade divina e da invencibilidade.
derrotistas, e assim elevar o moral da
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n° 2, pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g .
c
E
comunidade, enquanto esperava a che-
triotismo e os tornaram propensos a re-
gada dos navios de guerra do J a p ã o . A
cusar a derrota. O profundo preconceito
polícia estimou que a S h i n d ô - R e m m e i
e desprezo com que foram tratados evi-
chegou a possuir cerca de cem mil asso-
denciava para muitos que, naquele mo-
ciados, a maioria no estado de São Pau-
mento, n ã o havia outra alternativa: ou
lo, realizando mais de 32 atentados con-
chegavam os navios da marinha imperial
tra os chamados derrotistas, durante o
japonesa para buscá-los, ou seu destino
período de 7 de março a 16 de agosto de
era desaparecer enquanto grupo étnico
1946, causando 13 mortes."
e cultural. Este estado de â n i m o presidiu
lião é difícil avaliar a responsabilidade que
teve o Estado Movo na criação de organizações como a Shindô-Remmei.
12
a c r i a ç ã o de o r g a n i z a ç õ e s
como a
Shindô-Remmei.
As con-
A a t u a ç ã o da polícia contra as organiza-
tínuas p e r s e g u i ç õ e s e h u m i l h a ç õ e s im-
ç õ e s nipônicas foi rápida, recheada de
postas aos japoneses a g u ç a r a m o seu pa-
lances teatrais para consumo da imprensa
Teijiro Suzuki, primeiro j a p o n ê s que emigrou para o Brasil. Correio da Manhã, Arquivo Nacional.
p á g . 1 40 , j u l / d e z I 997
V
R
O
e muito violenta, lio m ê s de julho de
tiros, que contudo náo atingiram o alvo.
1946, foram presos, em São Paulo, dois
O lavrador j a p o n ê s de 34 anos, Takeo
japoneses que confessaram ser membros
Kajiwara, vítima do atentado, ao depor,
da S h i n d ô - R e m m e i . O processo-crime,
dá algumas pistas de que esperava uma
e n t ã o instaurado, mostra-nos as a ç õ e s
ação dos grupos de extermínio.
da organização e as práticas dos grupos
Mo dia 23, mais ou menos à s vinte e
de extermínio, os Tokko-Tài.
t r ê s horas, achava-se repousando e
Que o declarante faz parte da TokkoTai,
13
o r g a n i z a ç ã o esta incumbida da
antes de dormir ouviu latido de seu
cão,
levantando-se,
imediatamente,
e l i m i n a ç ã o dos elementos n i p ô n i c o s
para fora pela porta da sala de visita,
c o n t r á r i o s à i d é i a da vitória do J a p ã o
que saiu ao terreiro e andou sessenta
na presente guerra do Pacífico, que o
metros em d i r e ç ã o da cerca do vizinho
d e c l a r a n t e foi i n c u m b i d o de matar
[...] ao chegar à mencionada cerca ou-
Takeo Kajiwara, por ser este um dos
viu o disparo de um tiro tendo, imedi-
mais fervorosos p r o p a g a n d i s t a s da
atamente, atirado para um lado seu
derrota j a p o n e s a no P a c í f i c o , que o
l a m p i ã o , que l a n ç o u - s e ao c h ã o no
depoente estava em companhia, nes-
momento que ouviu mais tiros, nove
ta i n c u m b ê n c i a , de Kiyokaku Morishita,
mais ou menos, e p ô d e perceber que
o
a
se tratava de duas pessoas inimigas,
desencumbir-se da m i s s ã o , que trazi-
tratando o declarante de voltar para
am consigo a bandeira da organiza-
sua casa, rastejando, entre sua casa e
ç ã o , que dispararam toda a carga de
o rancho de c r i a ç ã o do bicho-da-seda,
seus r e v ó l v e r e s ,
percebeu novamente que ali estavam
qual
acompanhou
e
ajudou
num momento
em
que, nos fundos da casa da pretensa
mais duas pessoas, as quais t a m b é m
v í t i m a , protegidos pela e s c u r i d ã o , a
disparavam contra o declarante dois
1
viram surgir com o l a m p i ã o . . . *
tiros [...] que tratou de recolher-se, entrando em casa, tendo sua mulher,
Assim, Tomio Aoki, alfaiate de 23 anos,
mais que depressa, aberto a porta da
solteiro, inicia o relato de uma missão
cozinha e atirado para fora quatro
na qual tomou parte na cidade de Bas-
bombas que explodiram no ato, a fim
tos, em 23 de julho de 1946. Ele frisa
de avisar à v i z i n h a n ç a . . .
que o atentado n á o visava qualquer interesse pecuniário, e que n ã o atirou con-
O sinal emitido pela esposa de Takeo ha-
tra
via sido combinado previamente entre os
mais
ninguém,
apenas
contra
Kajiwara, O depoimento de Morishita, la-
sitiantes japoneses da redondeza e, pro-
vrador, 17 anos, nascido em São Paulo,
vavelmente, contribuiu para pôr em fuga
confirma as informações de Aoki, e acres-
os agressores. Rapidamente, chegaram
centa que ambos dispararam ao todo 12
ao local do atentado vários vizinhos. O
ervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 4 1
A
C
E
que demonstra a rápida mobilização dos
são de eliminar Kajiwara. Seguiu para a
sitiantes, reflexo das t e n s õ e s que percor-
capital e pediu p e r m i s s ã o à direção da
riam a comunidade.
Shindô-Remmei para matar o Makegumi.
Bastante revelador é o depoimento de
Satoru Yamamoto, motorista, 28 anos,
acusado por Aoki e Morishita de ser o
Depois de aprovada a decisão, comprou
duas armas e recrutou os Tokko-Tai para
a missão:
idealizador e mandante do atentado con-
transmitindo-lhes as f e l i c i t a ç õ e s por
tra Kajiwara. Cheio de orgulho ele conta:
esse gesto p a t r i ó t i c o que, segundo os
Que
diretores da S h i n d ô - R e m m e i , n ã o se-
o declarante reside no Brasil há
14 anos, que é solteiro e n ã o possui
ria esquecido quando a m i s s ã o militar
bens i m ó v e i s , que entrou para a socie-
japonesa viesse ao Brasil exigir satis-
dade
f a ç õ e s do governo pelas p r i s õ e s fei-
secreta
Shindô-Remmei
terrorista
nipônica
a convite
de
p a t r í c i o Hida, vice-presidente desta sociedade na cidade de Bastos, que é
verdade que o declarante quando entrou para a S h i n d ô - R e m m e i foi certificado que deveria proceder como verdadeiro patriota j a p o n ê s , isto é , n ã o
devia dar c r é d i t o aos documentos divulgados pelo governo brasileiro sobre a derrota do J a p ã o que se empenhava na guerra contra as n a ç õ e s unidas, que o declarante deveria atacar
com todas as armas ao seu alcance os
chamados japoneses
tas...
seu
Dias depois, Satoru recebeu uma carta
de São Paulo, escrita pelo chefe TokkoTai Taro Yamada, que o chamava com
urgência à capital, a fim de integrar um
grupo de execução que deveria entrar em
ação no dia 3 de agosto de 1946, cometendo simultaneamente t r ê s atentados:
contra o industrial Chibata Miakoche; o
encarregado dos negócios japoneses no
Brasil, Paulo Morita e o e n t ã o presidente
da
cooperativa
agrícola
de
Cotia,
Shimamoto.
derrotistas', ou
que admitissem a derrota da p á t r i a ,
Tomio Aoki, em segundo depoimento,
que nessa conformidade o declarante
prestado em 8 de fevereiro de 1947,
passou a proceder; que no m ê s de abril
acrescentou alguns dados novos a essa
o declarante foi informado de que o
história:
sitiante n i p ô n i c o Takeo Kajiwara era
... que o interrogado conhecia Takeo
da ala dos que acreditavam na derrota
Kajiwara fazia algum tempo, e sempre
do J a p ã o e disso fazia alarde, ofendenaconselhava a este que
procedesse
do com a sua atitude a sagrada pesbem, deixando de beber e fazer sujeisoa do imperador Hirohito...'
5
ra. Que o interrogado se
aborreceu
Diante da a g r e s s ã o contra a sagrada fi-
t a m b é m com Kajiwara. porque este ora
gura do imperador, Satoru tomou a deci-
dizia acreditar na vitória do J a p ã o , ora
p á g . 142. j u l / d e z
1997
O
V
R
dizia não acreditar. Que o próprio
da cortina havia um estandarte com a
Kajiwara tempos antes tinha convida-
i n s c r i ç ã o sede da S h i n d ô - R e m m e i ' , em
do o interrogado a eliminar Kussahara,
vermelho, e o timbre da entidade — o
porque este dizia que o Japão havia
diagrama SHIN ( s ú d i t o ) — pintado em
sido derrotado...
branco sobre uma flor de cerejeira, na
É bastante curioso este segundo depoi-
parte de baixo do estandarte, à esquerda, havia ainda uma pequena inscri-
mento de Aoki. Ele revela conhecer a víç ã o , em que se lia: Dois mil seiscentos
tima há algum tempo, o que nos leva a
e cinco anos de e x i s t ê n c i a do J a p ã o ' ,
crer que havia entre ambos uma convivência relativamente estreita, a ponto de
o acusado aconselhar a vítima sobre a
forma mais adequada de se comportar.
O "beber e fazer sujeira" apontados por
Aoki eram bastante depreciativos num
súdito j a p o n ê s , e contrário à s práticas do
Shindô e do Qambarê. Além de derrotista,
Kajiwara
e r a , aos o l h o s de Aoki e
Morishita, um péssimo exemplo de comportamento para a comunidade nipônica.
na mesa central havia uma lista com
os nomes dos associados da sociedade secreta', entre eles nomes de brasileiros, filhos de japoneses, numa
das
paredes encontrava-se pendurado um
grande e bem desenhado mapa do estado de S ã o Paulo, onde se assinalavam as filiais da liga, chamadas n ú c l e os, espalhadas em á r e a s de concentraç ã o de japoneses. Observando aqui o
n ú m e r o desses n ú c l e o s percebia-se a
A polícia de São Paulo descobriu e inva-
i m p o r t â n c i a da S h i n d ô - R e m m e i ,
que
diu a sede da Shindô-Remmei, no bairro
contava aproximadamente
mil
do Jabaquara, em abril de 1946 e, no dia
membros.
130
16
três, os jornais publicaram as fotos do
interior da sede, assim descrita pela polícia:
rio dia 19 de agosto de 1945, o jornal
Diário de São Paulo publicou uma entre-
...no salão principal havia uma grande
vista com um j a p o n ê s , no bairro da L i -
mesa, e ao seu redor muitas cadeiras.
berdade. O repórter perguntou-lhe como
A parede ao fundo parece ser uma es-
tinha visto a rendição do J a p ã o a p ó s a
pécie de altar, separada com uma cor-
derrota militar. Ocorreu entre eles o se-
tina roxa. Abrindo-se a cortina, viam-
guinte diálogo:
se penduradas, uma ao lado da outra,
a bandeira do Japão e a bandeira militar japonesa, ocupando toda a parede. E, no ponto em que as duas bandeiras se juntavam, a pouco mais de
— Imagina se o J a p ã o se rendeu. Isso
é absolutamente i m p o s s í v e l .
— Mas como, se a rádio T ó q u i o transmitiu isso?
dois metros do chão, havia uma foto
do imperador em vestes militares,
montando um cavalo branco. À direita
— Hoje em dia, há t r a n s m i s s õ e s americanas perfeitas em j a p o n ê s .
cervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 3
— V o c ê n ã o acredita nem na mensa-
Espaço público privatizado e área de circulação, esfera privada tecnicizada, cam-
gem do imperador?
— n ã o é p o s s í v e l que tenha havido
po de ação de um saber puramente téc-
uma mensagem do imperador, n ã o
nico e eficiente, s ã o as q u e s t õ e s funda-
pode haver erro naquilo que o im-
mentais para se compreender a figura-
perador c o m e ç a . "
ção estadonovista.
18
Se o vínculo entre ci-
O diálogo acima pode ser interpretado
dadania e o c u p a ç ã o é um produto do Es-
como uma faceta da dedicação japone-
tado Movo, a apropriação privada da es-
sa, uma singular relação e vínculo que
fera pública e a tecnicização dos proble-
une os súditos a seu imperador — que
mas vividos na esfera da intimidade não
inspirou,
pilotos
o s ã o . Eles e s t ã o inseridos numa longa
camicases. Porém, gostaria de aventar
tradição de 'confusão' intercambiante en-
outra hipótese: o diálogo entre o repór-
tre a rua e a casa. A novidade das déca-
ter e o j a p o n ê s expressa as dificuldades
das de 1930 e 1940 talvez esteja na jun-
e sutilezas na c o n s t r u ç ã o da cidadania
ção entre estas duas práticas.
por
exemplo,
os
e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , de um e s p a ç o efetivamente público na sociedade brasileira. A q u e s t ã o da cidadania é t a m b é m a
chave para a c o m p r e e n s ã o dos vínculos
erigidos no Estado Movo entre e s p a ç o público e privado. O projeto estadonovista
almejava tornar o público um simples espaço de circulação de pessoas e mercadorias, desprovido de função política e
crítica, transformando-o em mero lugar,
em paisagem, pano de fundo de circulação e passagens urbanas, desprovido de
contradições. Porém, a despolitização da
esfera pública impôs um novo arranjo entre o público e o privado. Despojada de
seu caráter político a esfera pública se
Os japoneses, concebidos aqui no sentido amplo como estranhos, foram excluídos, de a n t e m ã o , da possibilidade de tornarem-se cidadãos. Perseguidos e marginalizados, foram jogados nas fímbrias
da sociedade, no e s p a ç o da n ã o visibilidade pública. Porém, é exatamente neste não lugar, nesta exclusão, que s e r ã o
forjadas
as p o s s i b i l i d a d e s de
uma
contraleitura dos ideais estadonovistas.
Recolhidos à vida privada, os japoneses
gestaram de si e de sua situação durante o Estado Movo uma imagem que, adequada aos valores do Q a m b a r ê e do
Shindô, os projetaria no e s p a ç o público,
a p ó s 1945, com uma pujança recriada.
privatiza e passa a ser vivenciada como
mera extensão do e s p a ç o privado. Por ou-
Organizações como a Shindô-Remmei nos
tro lado, o campo da intimidade passa a
revelam, tanto as dificuldades para a cri-
ser alvo de todo um discurso técnico que
ação de uma efetiva cidadania no Brasil,
o transforma em lugar da aplicação de
quanto as múltiplas possibilidades que ela
uma tecnologia que prescinde absoluta-
tem para realizar-se. Afinal, os japone-
mente de qualquer discussão política.
ses s ã o um dos muitos 'inimigos' criados
p á g . 144. J u l / d e z
1997
O
V
R
naqueles anos. As a ç õ e s dessa organi-
avolumando de tal forma a mostrar que
zação 'terrorista' s ã o , por um lado, uma
"[...] a sua face e a sua cor denotam fri-
reação à s seguidas humilhações sofridas
eza e calculismo..."
durante o
Estado novo. Contribuíram,
As seqüelas deixadas na comunidade ja-
p o r é m , para justificar e reforçar certos
ponesa por esse duro período se eviden-
preconceitos arraigados. As "caracterís-
ciariam durante muito tempo, o que tor-
ticas negativas' dos japoneses vão sen-
naria ainda mais difícil a construção de
do pintadas em tons cada vez mais som-
uma efetiva cidadania nos anos que viriam.
19
brios e assustadores, a partir dos quais
se pode esperar deles quaisquer gestos
de desconfiança e traição, predestinação
Agradeço especialmente ao professor
natural ao crime, ao suicídio, à insanida-
Boris Fausto a leitura atenta, as suges-
de
t õ e s precisas e o gentil apoio.
mental,
N
1.
atributos
que
vão
O
se
T
A
S
Eliana Dutra R. F., O ardil totalitário
ou a dupla face na construção
Paulo, USP, tese de doutoramento, mimeo., 1990, p. 51.
do Estado novo, S ã o
2.
Eliana Dutra. op. cit., p. 221.
3.
Relatório
4.
" R e l a t ó r i o da C o m i s s ã o de n a c i o n a l i z a ç ã o ao M i n i s t é r i o da E d u c a ç ã o e S a ú d e " , Simon
Schwartzman et al.. Tempos de Capanema, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Edusp, 1984, p. 150.
5.
Cf., Simon Schwartzman, et al., op. cit., pp. 150-151.
6.
Citado em Alcir Lenharo, S a c r a f / z a ç ã o da política,
7.
Tomoo Ha rida, O imigrante japonês,
8.
Paulo S é r g i o Pinheiro, Violência
das atividades
da polícia
civil, p. 688.
Campinas, Papirus. 1896, p.
132.
s. I., s. e., p.634.
do estado e classes populares.
Revista DADOS, Rio de J a -
neiro, IUPERJ, vol. 22, 1979, p. 6.
9.
Alcir Lenharo, op. cit., p. 448.
10. Cf. Célia Sakurai. Romanceiro
da imigração
japonesa,
S ã o Paulo, S u m a r é / F a p e s p . 1993,
p.
52.
11. Quido Fonseca, "DOPS: um pouco de sua história", Revista ADPESP, ano 10, n° 18,
1989.
12. Outras o r g a n i z a ç õ e s surgiram neste p e r í o d o : Zaiako Zaiago Oujin Kai, A s s o c i a ç ã o dos ExMilitares Japoneses no Brasil; a Kodo Jissen Remmei, Liga pela Prática das Diretrizes do
Imperador; a Tuido Seinen Kei. A s s o c i a ç ã o dos Jovens Japoneses que seguem as Diretrizes
Centrais; a Kokussui Seinen Dan, Grupo nacionalista de Jovens; a Aikoku nippon Jin-Kai.
A s s o c i a ç ã o Patriótica dos Japoneses Unidos; a Chudo Aikoku Doshi-Kai; A s s o c i a ç ã o Patriótica pela Unidade do Pensamento; a Chudo-Kai; A s s o c i a ç ã o do Caminho da Felicidade do
Imperador. Entretanto, todas as i n d i c a ç õ e s mostram que a mais importante de todas, por
suas a ç õ e s , foi a S h i n d ô - R e m m e i .
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 129-1*6. jul/dez 199 7 - p á g . 1 * 5
13. Tokko-Tai: grupos de e x e c u ç ã o encarregados das m i s s õ e s de e x t e r m í n i o .
14. Processo em que é r é u Tomio Aoki. Arquivo do Tribunal de J u s t i ç a do estado de S ã o Paulo.
I TVibunal do Júri, caixa 700. Os p r ó x i m o s depoimentos foram transcritos desse processo.
o
15. Para um esclarecimento do comportamento dos japoneses em r e l a ç ã o ao imperador Hirohito
ver Ruth Benedict. O crisântemo
e a espada, S ã o Paulo, Perspectiva, 1981.
16. Tomoo Handa, op. cit.,
p. 675.
17. Idem, ibidem, p. 643.
18. Sobre a r e l a ç ã o entre p ú b l i c o e privado, ver J ü r g e n Habermas, Mudança
pública,
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.
estrutural da esfera
19. Citado por Alcir Lenharo, op. cit., p. 132.
A
B
S
T
R
A
C
T
The union, cohesion and indivision were the aims of the Estado novo. There was a desire to
erase ali possible traces of social heterogeneity, with foreigners representing a potential danger.
The building of homogeneity called for a very authoritarian political system, considering that it
presupposed the elimination of the other, the dissimilar. This article shows that the fear, the
aversion towards the other reached extreme leveis regarding the Japanese.
R
É
S
U
M
L'union, la cohesion et 1'indivision ont é t é les objectifs de ['Estado novo, en vue d'effacer
É
les
marques d'une é v e n t u e l l e h é t é r o g é n é i t é sociale, o ü les é t r a n g e r s r e p r é s e n t a i e n t un danger en
potentiel. Pour b â t i r l ' h o m o g é n é i t é on p r é s u p p o s a i t 1'élimination du d i f f é r e n t , de 1'auíre. Cet
article montre la peur et 1'aversion en atteindrant des niveaux extremes par rapport aux Japonais.
Maria Luiza Tucci Carneiro
Docente do Departamento de História da FFLCH
e do Programa de Pós-graduação em Língua Hebraica, Literatura
e Cultura Judaica do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo.
L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o
M^emÓFias cie i i i m a d i á s p o r a
A
s d é c a d a s de 1930 e
tos de repressão e propaganda.
1940 podem ser con-
Tanto na Espanha como na Ale-
sideradas como um
manha, regimes fortes substi-
momento de convulsão da so-
tuíram repúblicas agonizantes
ciedade c o n t e m p o r â n e a
que nada mais foram do que en-
que,
utopicamente, preparou o mundo para a
saios de liberalismo e de prática demo-
prática da democracia. Durante este pe-
crática. Utopias, enfim. O t é r m i n o da
ríodo, o totalitarismo idealizado nos pri-
Querra Civil Espanhola não deixou de ser
meiros anos do século XX e concretizado
o prenuncio do conflito mundial que co-
pelo nazismo e fascismo veio à tona sob
meçou em 1939. Portanto, é compreen-
a forma de tirania e violência.
sível que 1945 seja apontado como sím-
Tempos de terror, de medo e de ódio.
Tempos de cataclismo. Tempos de Hitler,
Mussolini, Franco, Salazar, Perón e Getúlio Vargas. Cada qual, a seu modo, colocou em prática projetos nacionalistas e
xenófobos, controlando e seduzindo as
massas através de modernos instrumen-
bolo para a história da humanidade: náo
somente pelo fim do conflito mundial e
suas implicações p o l í t i c o - e c o n ô m i c a s ,
como também por q u e s t õ e s humanistas.
Quando as primeiras notícias da vitória
dos Aliados vieram a público, concretizou-se a falência do Estado nazi-fascis-
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ' 2. pp. 147-164. jul/dez 1997 - p á . 1 4 7
9
A
C
E
ta. E, quando vieram à tona as primeiras
ram à imigração. Dispersa por três con-
imagens do holocausto judeu praticado
tinentes — Europa, América e África —,
pelos nazistas, o mundo parou sob o im-
esta massa diversificada e magoada de
pacto desse fenômeno, incompreensível
refugiados guardou desilusões, rancores
até os dias de hoje. Os indivíduos de qual-
e tristes recordações.
quer raça, religião ou etnia tiveram a triste oportunidade de lançar os olhos sobre
os escombros dos campos de concentração, constatando que o sentimento de ódio
náo tem limites.
) f "^anto a Guerra Civil Espanhola
quanto o nazismo e a Segunda
Guerra Mundial foram respon-
sáveis
por um i n t e n s o
nitivo; outros retornaram quarenta anos
depois quando foi reinstaurada a democracia, e os que não saíram da Espanha
viveram, permanentemente, em seu
PEREGRINOS SEM PÁTRIA
f
Para muitos o exílio acabou sendo defi-
movimento
imigratório que envolveu, de um lado,
aqueles que, identificados com idéias l i berais e republicanas, foram obrigados
lio
exí-
2
interior.
Após 1945, o mundo viu-se diante de outros tipos de peregrinos: os espoliados
de guerra e os d e s i l u d i d o s , ou seja,
aqueles que, decepcionados com seus
países de origem e amedrontados com o
alcance das práticas totalitárias, resolveram sair em busca de nova pátria.
a deixar a Espanha sob o olhar censório
Essa massa humana em movimento, fu-
de Franco; de outro, os judeus persegui-
gitiva e sofrida, colocou muitos países em
dos pela doutrina nazi de t e n d ê n c i a s
'estado de alerta', visto que estavam pre-
genocidas.
ocupados com o tipo de indivíduo (raça,
Com r e l a ç ã o à Espanha, cabe lembrar
que em 9 de fevereiro de 1939 foi pro-
caráter e ideologia) que poderia solicitar
abrigo em suas terras. Tanto a França
mulgada a Lei de Responsabilidades Po-
como o México abriram suas portas aos
líticas' como parte da longa r e p r e s s ã o
espanhóis
empreendida pelo Movimento Nacional,
franquista. A Argentina, contrária à imi-
que atingia todos que haviam defendido
gração em massa, restringiu-se a rece-
a República e tentado impedir o avanço
ber apenas alguns intelectuais e perso-
das tropas franquistas. Para muitos acu-
nalidades de renome na Espanha. Mo en-
sados de 'agravar e subverter a ordem'
tanto, n ã o teve condições de impedir a
era chegada a hora do cárcere, dos cam-
entrada de grande n ú m e r o de judeus,
pos de c o n c e n t r a ç ã o e do exílio. Esta
que para lá se dirigiram atraídos pela co-
diáspora estendeu-se a t é o início da Se-
munidade israelita existente no p a í s .
gunda Guerra, quando os principais cen-
Muitos dos peregrinos encaminharam-se
tros receptores e polarizadores se fecha-
para São Domingos, Venezuela, Equador,
p á g . 148, j u l / d e z
1997
exilados
pelo
regime
3
V
Panamá, Cuba, Inglaterra e Estados Uni-
A documentação oficial produzida pelo Mi-
dos. Um grande número refugiou-se tam-
nistério das Relações Exteriores e pelas
bém na África do Norte.*
missões diplomáticas sediadas no exte-
Neste mesmo momento, entre 1937 e
1942, o Brasil colocava em evidência uma
série de circulares secretas proibindo a
entrada de imigrantes judeus. Defendiase a idéia de uma política imigratória
entificamente
ci-
policiada e orientada, ten-
do em vista o imigrante como um provável candidato à composição racial e política do país. Aquele, se destinado a con-
rior comprova a atitude irreverente do
Brasil de s ó aceitar aqueles que fossem
classificados como desejáveis.
Os judeus
refugiados do nazi-fascismo foram considerados uma anomalia social, enquanto os refugiados de guerra foram vistos
como "uma população faminta e desamparada" e, confidencialmente, tratada de
"irmãos d e s g r a ç a d o s " e "escumalha de
guerra".
6
tribuir para a melhoria da etnia, deveria
atender a um requisito essencial: ser de
A maioria das sociedades americanas fi-
raça branca, escolhida dentre as nacio-
cou de sobreaviso com relação a uma
nalidades que j á haviam provado ser fa-
dezena de 'perigos humanos' que pode-
cilmente a s s i m i l á v e i s pela p o p u l a ç ã o
riam colocar em risco a segurança nacio-
brasileira.
5
nal; fossem exilados políticos (principal-
A causa da fuga. Hitler em meio à multidão, 1933. Archives Yad Vachem. Jerusalém.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 47-16*. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 9
mente se rotulados de anarquistas ou
lugar para abrigar-se. Dentre estes acon-
c o m u n i s t a s ) , j u d e u s ou 'refugos da
tecimentos, cabe citar o desmoronar da
escumalha de guerra'. A imprensa con-
República espanhola, a evidência da prá-
servadora mexicana, pró-franquista, por
tica de um plano objetivando o extermí-
exemplo, foi responsável pela construção
nio em massa dos judeus pelo III Reich,
de uma imagem negativa do espanhol
as c o n s e q ü ê n c i a s econômico-sociais da
junto à o p i n i ã o pública, que, segundo
Querra Civil Espanhola e da Segunda
J o s é Antônio Matezans, os recebeu "com
Querra Mundial, o estado de destruição
desgosto, desconfiança e certa hostilida-
das cidades e u r o p é i a s atingidas pelos
de". A propaganda fascista, por sua vez,
bombardeios e o desencanto com a situ-
encarregou-se de desqualificá-los, apre-
ação político-social de seu país de ori-
sentando-os como 'delinqüentes', 'dege-
gem.
nerados vermelhos' e 'gente de má vida'.
7
Diante deste quadro de caos, os
pere-
Uma série de fatos interligados entre si
grinos sem p á t r i a ' passaram por um
contribuiu para gerar um clima de ten-
constante processo de mutilação (a de-
são, angústia, decepção e intranqüilidade
terioração do eu) que, posteriormente,
entre todos aqueles que, como os judeus
se m a n i f e s t a r á na literatura, produto
ou os refugiados políticos, buscavam um
deste momento de cataclismo da socie-
Viagem interrompida. Passageiros ilegais do navio Theodor Herzl capturado pelos
ingleses em abril de 1947. Archives Yad Vachem. Jerusalém.
p á g . 150. j u l / d e z
1997
o
V
dade c o n t e m p o r â n e a . Como muito bem
dos a buscar refúgio em outro país a sen-
definiu J o s é Lopes Portillo, presidente do
sação era de perda, de mutilação.
México:
tos traduziram suas angústias e esperan-
O refugiado é um ser com a raiz cerceada. Um sujeito errante que n á o pro-
Mui-
ças em poemas, novelas, contos e livros
de memórias.
cura apenas comida, teto e trabalho,
Essa literatura, característica do p ó s -
p o r é m algo muito mais substancial:
guerra, revela a busca de equilíbrio pelo
um centro de gravidade, um ambiente
homem que, através de uma retórica par-
que possa nutrir seu e s p í r i t o , e n á o s ó
ticular, procurou exprimir seus sentimen-
sua carne."
tos sob a forma de denúncias e silênci-
Esta q u e s t ã o nos conduz a uma outra reflexão que, pela sua essência, nos auxiliará a compreender os textos literários
produzidos
por
muito
os, dúvidas e certezas, erros e acertos,
t e n s ã o e alívio. Enfim, cada uma das
obras publicadas é, também, testemunho
das nossas inquietações existenciais.
destes
transterrados'. Christopher Lasch, refe-
Essa seleção e análise privilegia a me-
rindo-se ao estado de espírito daqueles
mória dos excluídos, dos marginalizados
que lutam pela sobrevivência, afirma em
e das minorias; memória esta que, se-
sua obra O mínimo
gundo Michel Pollak, aflora "nos momen-
eu:
tos de crise em sobressaltos bruscos e
Em uma é p o c a carregada de
proble-
mas, a vida cotidiana passa a ser um
e x e r c í c i o de s o b r e v i v ê n c i a . Vive-se um
dia de cada vez.
Raramente se
olha
para t r á s , por medo de sucumbir a uma
10
exacerbados". Tais sentimentos emergem, de forma mais transparente, nos
textos que se referem a um passado imediato, ou seja, próximo ao momento do
conflito.
debilitante nostalgia e quando se olha
para a frente, é para ver como se ga-
Com base em uma seleção preliminar —
rantir contra os desastres que todos
parte de um estudo mais amplo — , " po-
aguardam.
demos adiantar que as décadas de 1930
9
e 1940 produziram tipos distintos de l i A
LITERATURA E M QUESTÀO
A
guerra náo foi uma ilusão, nem
o holocausto. As divergências
.ideológicas anteciparam cala-
midades com capacidade de 'abalar a
Terra'. O tema da vida e da morte tornou-se trivial preocupação de todos que
estiveram ou não envolvidos pessoalmente nos conflitos. Os que se viram obriga-
teratura, muitos dos quais podem ser
considerados como produtos c o n s e q ü e n tes da prática autoritária e da dificuldade que o homem tem de lidar com as diferenças, sejam elas étnicas ou ideológicas. Diante de uma produção tão múltipla e diversificada, identificamos inúmeros núcleos literários, dentre os quais
cabe citar: a literatura de exílio, produ-
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 1 47-1 64 . jul/dez
A
C
zida tanto dentro [exílio interior) como
mo, p r o l o n g a d o . P s i c o l o g i c a m e n t e ,
fora do país de origem (exílio
aguarda o fim do seu exílio. No caso dos
e a literatura de imigração,
exterior);
produzida por
refugiados e s p a n h ó i s republicanos, acre-
imigrantes e, no caso em estudo, por j u -
ditava-se que "em breve Franco cairia".
deus refugiados do nazi-fascismo.
Não estava em seus planos criar raízes
Essas obras foram escritas por homens
na nova terra e nem mesmo 'fazer a
que tiveram suas existências 'interrom-
América', expressão empregada para ca-
pidas' no momento de convulsão da so-
racterizar aqueles que chegavam com o
ciedade. Muitos foram pressionados e ex-
propósito de enriquecer rapidamente. A
pulsos de sua terra natal; outros perma-
certeza da volta sempre os animava. Nas
neceram mas tiveram que abrir m ã o de
palavras de Eugenia Meyer, a mente e o
suas c o n c e p ç õ e s ideológicas e de seus
c o r a ç ã o continuavam na Espanha, en-
projetos políticos: daí o fato de todos te-
quanto a existência transcorria no Méxi-
rem
co.
12
em
comum a experiência
do
13
trauma, simbolizado por um momento de
Este, entretanto, não é o 'estado de es-
ruptura.
pírito' do refugiado judeu, que, discrimiEm ambos os casos estas cicatrizes in-
nado e perseguido pelo nazi-fascismo,
duziram os indivíduos a formularem so-
não pensa em retornar: vem para ficar,
luções aglutinadoras que deram origem
decepcionado com a n a ç ã o que o desen-
à s comunidades dos refugiados, neutra-
cantou transformando-o num apátrida,
lizando as circunstâncias que os força-
num 'desclassificado' — os judeus per-
ram a imigrar; além de servirem de ins-
deram na Alemanha nazista sua condi-
piração para seus 'registros de vida'. A
ção de 'cidadãos do Reich'. E esse de-
literatura produzida por estes grupos vai
sencanto gerou marcas profundas, ali-
muito além da biografia individual de cada
mentando silêncios e medos confessados
autor; expressa t a m b é m , nuances da
posteriormente nas entrelinhas de suas
m e m ó r i a coletiva, fundamental para a
m e m ó r i a s . Expressivo desse estado de
persistência de uma identidade nacional.
espírito é o diálogo que dá início ao livro
A diferença entre uma e outra literatura
depende
de d o i s fatores
básicos e
determinantes: das condições
exteriores
próximas
ao autor e do estado de espíri-
to que condiciona o processo de
criação.
Neste sentido, temos que considerar a
distinção que caracteriza o exilado e o
imigrante.
O primeiro deixa o seu país
por um tempo determinado e, a t é mes-
p á g . 1S2. j u l / d e z
1997
Você voltaria?, de Anita Salmoni, judia italiana, formada em letras e filosofia pela
Universidade de Pádua:
— Você voltaria para a Itália?
— Para a Itália? Claro que sim. Vou
para lá em dezembro.
— Mas eu quero saber se v o c ê
voltaria para a Itália para ficar,
1
para viver l á ? *
V
K
O
Tanto o imigrante judeu como o exilado
como sendo 'liberais' e 'pouco ortodoxos';
espanhol republicano produziram, sob
até o momento em que passam a ser
â n g u l o s diferentes, suas visões pessoais
questionados por suas origens judaicas.
dos conflitos presenciados na Europa;
Por serem judeus — meio ou, a t é mes-
cada qual construiu uma imagem parti-
mo, um quarto judeu — é que muitos per-
cular de cataclismo elevando-o à cate-
deram o direito de cidadania e, posteri-
goria de drama. Cada uma dessas versões
ormente, o 'direito de viver'. Daí suas
encontra-se filtrada pela nova experiência
projeções literárias serem típicas das ma-
vivenciada em terras americanas.
nifestações das identidades mutiladas.
nos dois casos a maioria dos autores é
A
constituída por intelectuais de classe mé-
lio assumem uma dimensão universal: a
dia urbana; com a diferença de que os
da sobrevivência. Deixar a terra de ori-
e s p a n h ó i s , exilados no México em 1939,
gem náo foi uma atitude voluntária. Foi,
eram indivíduos engajados politicamente
sim, a única opção para salvar suas vi-
e envolvidos com o processo de trans-
das. Garantida a troca (vida no exílio), o
f o r m a ç ã o da sociedade espanhola na
espanhol refugiado sustentou viva a cha-
década de 1930. Muitos representavam,
ma de um dia poder salvar, t a m b é m , a
no momento em que foi proclamada a Se-
República abortada pelo fascismo de
gunda República, em 1931, a vanguarda
Franco, neste sentido, lembramos aqui a
do liberalismo e do republicanismo es-
obra de Carlos Martinez, que em sua Crô-
panhol e, quando n ã o , haviam liderado
nica
movimentos reformistas e de oposição à
blicanos
Igreja, à monarquia e à ditadura de Pri-
todo o processo de adaptação dos refu-
mo de Rivera no decênio de 1920.
15
literatura
de imigração
de una emigración
espanoles
como a de
(La de los
em 1939)
giados em terras mexicanas.
exí-
repu-
recupera
16
Na Itália, a a p l i c a ç ã o das leis raciais,
a p ó s 1939, atingiu muitos intelectuais
que, nesta é p o c a , ocupavam importantes cargos junto à s universidades onde
atuavam como catedráticos na área de
A
LITERATURA DE EXÍLIO
A
literatura
de exílio
foi produ-
zida, na sua maioria, por intelectuais engajados e que, por
pesquisa social e científica. Parte consi-
razões político-ideológicas, refugiaram-
derável desses intelectuais migrou para
se em países da Europa, África e Améri-
o Brasil passando a ser fator atuante na
ca, pressionados pela prática dos regi-
história do país, visto serem pessoas de
mes autoritários que, para se sustenta-
tradição liberal e nível cultural elevado.
rem no poder, abusaram do uso da vio-
Através de suas memórias, narradas sob
a forma de histórias de vida, muitos desses intelectuais judeus se apresentam
Acervo, Rto de J
lência física e simbólica. Entretanto, momentos históricos distintos d ã o , a cada
uma destas obras, tons diferenciados,
nelro. v. 10. n ° 2. pp. 14 7 -164 . Ju l/dez 1997 - p á g . 153
E
expressivos de múltiplos olhares.
Muitos desses escritores continuaram a
O fato desses espanhóis continuarem sen-
expressar em suas narrativas a busca de
timentalmente ligados-a sua terra de ori-
uma pátria ideal; mas, nem por isso, man-
gem, contando com o retorno num futu-
tiveram-se alienados da sociedade que
ro muito próximo, fez com que o tema
os cercava. Enquanto a literatura de imi-
da integração social se transformasse em
gração concentra-se nas histórias de vida
assunto comum desta literatura marcada
de cada um dos seus autores, a literatu-
por conflitos existenciais. Dentre os prin-
ra de exílio
cipais autores, cabe citar: Salvador Movo,
desvendar outros mundos, sob o prisma
Jorge S e m p r ú n , Simón Otaola, Virgílio
a g u ç a d o da 'visão de mundo' do espa-
Botella Pastor, Claire Etchrelli, Ramón J .
nhol educado segundo os p a r â m e t r o s da
Sender, Luis Cernuda e Max Aub, entre
cultura européia. Muitos deixaram-se se-
tantos outros.
tenta, em obras distintas,
duzir pelo universo mágico e religioso dos
17
povos da América: penetraram no munA literatura de exílio produzida pelos re-
do mítico do México antigo, indígena e
publicanos e s p a n h ó i s diz respeito a uma
popular.
história escrita pelos vencidos, dada a
e x t e n s ã o dos conflitos existenciais que
Em sua obra Mejicayotl, Ramín J . Sender
dela emergem. O a n e d ó t i c o pontilha a
recupera parte deste imaginário coletivo
maioria das obras neutralizando as sen-
recriando uma realidade povoada por len-
s a ç õ e s de angústia e de batalhas perdi-
das e regida por deuses.
das. A novela As/ cayeron los dados, de
autor de La esfinge mestiza: crônica me-
Virgílio Botella Pastor, publicada na Fran-
nor de México, faz crítica social ao apon-
20
Juan Rejano,
ça em 1954, traz à tona o drama parti-
tar os meninos pobres de rua e o índio
cular do homem n ã o realizado em sua
que, como um fantasma, "vai pela vida
totalidade, assim como expressa a ago-
como algo que foi".
nia das utopias republicanas.
21
18
O sevilhano Luis Cernuda, refugiado no
O drama do espanhol exilado, que tem a
e s p e r a n ç a de u m d i a voltar para a
Espanha pode ser, t a m b é m , identificado
na obra ficcional La algarabia, de Jorge
S e m p r ú n , que em 1939 refugiou-se na
França, onde passou a integrar o movimento antinazi. Esta atitude lhe valeu, em
1943, a triste experiência no campo de
c o n c e n t r a ç ã o de Buchenwald, a p ó s ter
sido detido pela Qestapo.
p á g . 1 54. j u l / d e z
1997
México, além de evocar a beleza do índio, sensibilizou-se com a tristeza das
"moças de véu negro" e com a miséria
dos meninos pedindo esmolas;
Jose Moreno Villa, em suas
22
enquanto
Cornucópias,
passou a olhar pelos primores do vulgar,
preocupando-se em recuperar a dinâmica do trivial em todos os seus detalhes.
Através dos seus ensaios, chegamos ao
19
México crioulo e mestiço, marcado pela
K
V
O
influência da civilização espanhola, elo de
com um mesmo drama: o da solução
ligação e identificação entre exilados e
nal.
mexicanos.
fi-
23
Estas obras diferenciam-se, principal-
Simón Otaola, por sua vez, escreveu seus
mente, daquelas escritas por exilados por
livros relatando pequenas histórias dos
terem a estrutura de 'livros de memóri-
refugiados, microcosmos de 'vidas inter-
as', em que o individual ganha credenci-
rompidas':
ais
aranha;
Unos hombres;
El cortejo
Le lebreria
e Tiempo
de
de
recordar.
de u n i v e r s a l i d a d e , por ser o
holocausto
um tema de natureza
Através do cômico e da tragédia, o autor
emotiva. Um laço invisível une todas as
r e c o m p õ e utopias e conflitos, transfor-
narrativas, independente de gênero lite-
mando o México numa "verdadeira comé-
rário e tempo: as imagens recuperadas
pelo autor-imigrante têm um significado
2
dia humana". *
especial para ele e, naturalmente, sua
São raras as versões dadas por mulheres, categoria esta que predomina na literatura
de imigração
escrita por judeus
imigrantes. Uma das escritoras que diri-
família, na medida em que s ã o raros fragmentos 'concretos' do seu próprio passado. O que n á o foi registrado irá, com
certeza, perder-se no tempo.
ge seu olhar para os desprotegidos que
se exilaram na frança é Claire Etchrelli,
autora de
A propôs
Mesta
de Cleménce.
novela de exílio, a autora se preocupa
em recuperar o cotidiano dos humildes e
dos necessitados fazendo uso de metáforas: á g u a , sangue e álcool têm força
de elementos míticos no mundo sem conforto e miserável dos exilados espanhóis
na f r a n ç a .
Mo entanto, em cada narrativa existe um
elo (náo aparente) que é captado por todos os outros (leitores ou autores desta
categoria) que vivenciaram uma situação
semelhante: o elo do sofrimento, da dor
e da ruptura. Considero, neste sentido,
que estamos diante de um duplo fenômeno: o da criação e o da
co-
letiva.
25
Enquanto a literatura
L I T E R A T U R A D E IMIGRAÇÃO
A
memória
de exílio
distingue-
se pela variedade de gêneros que abarneste
ca (novelas, contos, poemas, crônicas,
nosso estudo em particular,
ensaios e narrativas), a literatura deixa-
_diz respeito aos livros produ-
da pelos imigrantes judeus concentra-se
zidos por judeus refugiados do nazi-fas-
nas categorias de 'histórias de vida' e
cismo que se instalaram no Brasil nas
algumas poucas crônicas. Tais obras de-
d é c a d a s de 1930 e 1940. Essa literatura
vem ser vistas como testemunhos da des-
inspira-se na luta pela sobrevivência e
truição do homem pelo homem e como
enuncia-se como de
expressão da tentativa de reconstruir os
literatura
de imigração,
imigração
por envol-
ver centenas de pessoas identificadas
mecanismos legais democráticos.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1*7-16*. j u l / d e í 1997 - p á g . 1 5 5
A
C
A estrutura narrativa da literatura
E
de
ção e integração junto à sociedade bra-
organiza-se sob a forma de re-
sileira. A s e n s a ç ã o de pertencer a dois
latos, partes integrantes das 'histórias de
mundos, característica do exilado espa-
imigração
vida'. Neste estudo, em particular, nos
nhol no México que ainda náo se desgar-
interessa apontar aquelas que foram
rou da pátria-mãe, não se manifesta nes-
publicadas no Brasil, pois, além de for-
te tipo de literatura, visto que este vazio
necerem elementos significativos da his-
e x i s t e n c i a l foi p r e e n c h i d o por aque-
tória do III Reich e do anti-semitismo
le que c r i o u l a ç o s c o m a terra que o
como fenômeno político-social, nos con-
acolheu.
firmam — a t r a v é s de testemunho — a
prática de uma política racista adotada
No caso da literatura de imigração,
o ju-
pelo governo de Qetúlio Vargas entre
deu refugiado se expressa como vencedor: escapou do inferno nazista rompen-
1937 e 1945.
do, com sua vontade de viver, os arames
Estas obras podem ser
consideradas
como de r e s i s t ê n c i a ao nazi-fascismo,
26
expressando a versão subterrânea
farpados dos campos de c o n c e n t r a ç ã o .
Emigrou e integrou-se ao cotidiano bra-
que,
sileiro r e c o m e ç a n d o , com mil dificulda-
de uma forma geral, se viu abortada pela
des, uma nova vida. Raros s ã o aqueles
história dita oficial. Essas versões não s ã o
que conseguiram esquecer; ou melhor,
encontradas nos documentos oficiais, ca-
muitos preferem não relembrar. Hoje, os
bendo ao historiador das mentalidades
relatos publicados s ã o apenas um frag-
cruzar informações, identificando as fron-
mento do que foi vivenciado na Alema-
teiras entre o real e a ficção.
nha de Hitler. Náo existem palavras para
Os marcos da trajetória de cada imigrante podem ser percebidos em diferentes
'estados de e m o ç ã o ' manifestos em suas
narrativas: o da constatação
do cresci-
mento do nazismo e do fascismo; o do
impacto
de se ver diferenciado pelo es-
tigma de 'ser judeu', apesar de 'nascido'
a l e m ã o ou italiano; o do temor da perseguição e suas conseqüências e, em quarta
e última instância, o da euforia de bemestar.
exprimir a extensão do fenômeno que foi
a 'vida' num campo de c o n c e n t r a ç ã o (depois campo de extermínio). Daí tantos
questionamentos (alguns inexplicáveis) e
a revolta contida no livro Memórias
inferno, de Isaak Podhoretz, publicado em
1992:
Por que mataram...?
Por que tanto ó d i o ? Por que ensinaram as c r i a n ç a s a agir assim? S e r á
que Deus n ã o é de todos?
Ao relatar sua trajetória de vida, o refu-
Não posso esquecer. N á o posso
giado judeu tem a preocupação de mos-
arrancar este passado de dentro de
trar como se processou o momento da
mim...
ruptura, seguido da sua rápida assimila-
p á g . 1 56 . j u l/dez
do
1997
27
Estas estórias, no seu conjunto, trans-
V
R
O
formaram-se em uma 'história de anôni-
mulheres, alemãs e italianas, que fazem
mos', dada a intensidade do fenômeno:
das suas histórias de vida exemplos de
seis milhões de vítimas. Mas apesar da
resistência e luta pela p r e s e r v a ç ã o da
extensão e do impacto causado junto à
identidade judaica, independente da na-
o p i n i ã o p ú b l i c a , os sobreviventes do
cionalidade a d q u i r i d a . Dentre essas
holocausto n ã o receberam, ainda, reco-
obras, cabe lembrar Ali the gardens of
nhecimento por parte da historiografia
my life, de Mathilde Maier; Schreib mir
internacional e brasileira. Somente nes-
alies,
ta última d é c a d a é que estudos nesta di-
'Brasiliannischen
reção c o m e ç a r a m a ser desenvolvidos,
Schauff; Você voltaria?, de Anita Salmoni;
Mutter.
Brief
aus
Qarten',
dem
de K a r i n
frente à abertura recente de arquivos ale-
Os abismos, de Malka Lorber Rolni; A lon-
m ã e s e russos, assim como da apreen-
ga trilha azul, de fúlvia Di Segni; Crôni-
s ã o gerada pelo recrudescimento das
cas do meu tempo, de Trudi Landau; nos-
idéias nazistas, do fortalecimento das cor-
so caminho de obra para o Brasil (1939-
rentes revisionistas que negam as câma-
1941), de llza Czapska; O mundo silen-
ras de g á s e os campos de extermínio, e
ciou, de Miriam Brik Nekrycz.
das manifestações crescentes de sentimentos nacionalistas e xenófobos, alimentados por representantes do pensamento de extrema-direita na Europa e
30
As h i s t ó r i a s de vida dessas mulheres
reconstituem parte da história da imigração para o Brasil, assim como o drama
daqueles que, de perto, foram vítimas do
América.
nazismo e do anti-semitismo na Europa.
Esta n ã o é, entretanto, a situação da his-
Suas crônicas, poesias, diários e roman-
tória dos exilados espanhóis, que — sem
ces emergem deste universo trágico para
desmerecer aqui a extensão do conflito
— tem recebido a t e n ç ã o redobrada por
parte dos historiadores, cientistas políticos, estudiosos da arte e literatura. O caráter épico conferido a muitas obras produzidas pelos exilados espanhóis tem colaborado para o fortalecimento da ima26
gem de herói
que lhes tem sido atri-
buída pela historiografia internacional,
que dá a este 'movimento imigratório
interferir diretamente no universo da criação. Como escritores, souberam transformar frases e palavras em expressões
coloridas de sobressaltos emocionais incorporando fragmentos da realidade brasileira. Extraíram da paisagem e do cotidiano a e s s ê n c i a do c a r á t e r nacional,
atraídos, como estrangeiros que eram,
por tudo aquilo que percebiam como exótico e popularesco.
involuntário' uma a t e n ç ã o especial por
Diferentes versões foram arrancadas da-
envolver intelectuais e artistas conceitu-
quele mundo cinzento da guerra que,
ados.
29
após a década de 1950, viu-se traduzido
A maioria das v e r s õ e s foi escrita por
em metáforas inspiradas nas vivências
o. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 147-1 64. Jul/dez 1997 - p á g . 1 5 7
A
C
E
interiores de cada um. Através de suas
ganhou seu sustento como modelo e pin-
m e m ó r i a s , esses escritores — homens e
tora de aquarelas. Entre 1923 e 1933, vi-
mulheres — conseguiram recriar sua con-
veu em Berlim, posicionando-se contra o
dição de cidadãos
transfor-
nacional-socialismo. Em 1934, para po-
mando a tristeza do exílio em literatura.
der continuar publicando, tornou-se mem-
Mas entrelinhas, expressam a consciên-
bro da Associação dos Escritores Alemães
cia de estar, constantemente, em busca
do Reich. Apesar de não ser judia, por
da terra prometida.
solidariedade aos amigos judeus, foi para
do mundo,
a Áustria e, de lá, fugiu para Paris e MarAlém dos nomes citados acima, cabe tamb é m ressaltar a p r e s e n ç a de Suzanne
Eisenberg Bach e Paula Ludwig, ambas
de origem alemã, cujas histórias s ã o semelhantes a tantas outras de refugiados.
A primeira, romancista, nasceu em Munique, em 1909, e, a p ó s 1933, viveu em
Paris e Marselha. Manteve contato com
Hermann Mathias Qorgen que lhe enviou
visto para o Brasil em 1941, via Portugal. O grupo Ficou primeiro em Juiz de
Fora
e,
depois,
Suzanne
foi
para
Petrópolis, onde manteve contato com o
escritor francês Qeorges Bernanos, aqui
exilado. Trabalhou no jornal Correio da
Manhã e, em 1948, retornou à Europa.
Voltou novamente ao Brasil, indo morar
no apartamento de Leskoschek e, mais
tarde, em Salvador, onde adquiriu uma
livraria. Atualmente reside em Munique.
A trajetória tumultuada de sua vida encontra-se sob o títuloÀ la recherche
monde perdu, publicado em 1944.
d'un
31
selha, onde ficou detida no campo de
Qurs. Em 1940, conseguiu visto para o
Brasil, via Lisboa, g r a ç a s a sua amiga
nina Engelhard. Morou por algum tempo
em Muri, próximo de nova Friburgo e, depois, transferiu-se para São Paulo, onde
levou uma vida muito modesta. Em 1953
retornou à Áustria como cidadã brasileira, tendo publicado em a l e m ã o suas
obras, marcadas pelo sentimento de desamparo, desconhecimento do idioma,
isolamento e alcoolismo, vindo a falecer
em 1974.
Além dos escritos de Suzanne Bach e
Paula Ludwig, g o s t a r í a m o s de dar destaque,
neste
universo
múltiplo
dos
memorialistas, a Fritz Pinkuss, Lívio Túlio
Pincherle e Max Hermann Maier. O primeiro, alemão e rabino; o segundo, italiano e médico psiquiatra; e o último, alem ã o , advogado e cafeicultor no Brasil.
Origens diversas, destinos m ú l t i p l o s ,
questionamentos semelhantes. Todos ví-
Paula Ludwig nasceu em Altenstadt e,
timas da intolerância, discriminados como
a p ó s a morte de sua m ã e , mudou-se para
judeus, refugiados nos trópicos brasilei-
Breslau, onde trabalhou como emprega-
ros. Detalhes da história de vida do rabi-
da d o m é s t i c a , além de freqüentar a es-
no Pinkuss, que teve importante papel na
cola literária. Em 1917, nasceu seu filho
ajuda aos refugiados a l e m ã e s que imi-
Friedel, com quem foi para Munique, onde
gravam para o Brasil, encontram-se pu-
p á g . 158, j u l / d e z
1997
V
K
O
blicados em suas memórias Estudar, en-
sua visão de mundo. Pincarle formou-se
sinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino
médico psicoterapeuta vindo a se desta-
em dois continentes. Mos seus relatos, o
car como pediatra e especialista em aler-
drama daqueles que, para sobreviver ao
gias, dedicando-se à hipnose para tera-
nazismo, viram-se obrigados a conver-
pia de asma, alergias de pele e outros
ter-se ao catolicismo para, mais tarde,
sintomas. Através da hipnose chegou até
retornar ao j u d a í s m o .
a 'terapia de vidas passadas', sendo o
32
Lívio Túlio Fincherle, nascido em Trieste,
expressa sua vivência sob prismas diferenciados: o do judeu italiano refugiado
em São Paulo e o do profissional preocupado com as ' d o e n ç a s da alma', com o
inconsciente marcado pelo passado traumático, inesquecível, silenciado. É importante recuperarmos, em poucas linhas,
sua trajetória acadêmica, reveladora de
responsável por esta prática por mais de
quarenta anos junto à universidade. Deu
asas a sua imaginação ao publicar uma
obra de ficção científica intitulada Mistério em Jerusalém
e pairou sobre a reali-
dade ao recuperar sua trajetória de c i dadáo-judeu discriminado pelo fascismo
anti-semita pós- 1938. O perfil do indivíduo mutilado, dividido em seus valores e
em busca de uma identidade encontrase registrado no seu livro de memórias,
Mothilde Moier
O S JARDINS DE MINHA VIDA
editado em 1987, cujo título sugere sua
trajetória de vida: Dois mundos: história
da vida de um médico judeu ítalo-brasileiro.
33
Muitos são os que, na condição de refugiados e judeus, viram-se obrigados a
optar por novos caminhos. A imagem de
um Brasil tropical desponta como uma
mancha nas lembranças de Max Hermann
Maier, jurista e advogado que, em 1938,
viu-se transformado em cafeicultor no
interior do Paraná, registrado por ele
como 'selva brasileira'. Portando visto
temporário e acompanhado de sua esposa Mathilde Maier — autora de Os jardins da minha vida —, juntou-se aos
Kaphan em Rolândia, onde passou a administrar a fazenda Jaú, experiência úniMQSKcOooEcfl
ca para um homem acostumado a inter-
Os jardins de minha vida, de Mathilde Maier,
New York, Vantage Press, 1983.
pretar as leis. Mo campo, Max Maier
Acervo. Rio de
aneiro. v. 10. n° 2, pp. 1 47-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 5 9
C
A
E
vivenciou o processo de desenraizamento
ao lado dos Aliados.
doloroso, embora construtivo, adotando
O sentimento de desencanto é marca re-
aos poucos o Brasil, como sua nova pá-
gistrada na maioria dessas obras. Per-
tria. Conseguiu impor-se como cafeicul-
cebemos silêncios propositais nas entre-
tor e intelectual, enfrentando, como to-
linhas dos relatos. Medos e imagens
dos os imigrantes, as dificuldades impos-
aterrorizantes afastam l e m b r a n ç a s . Mas,
tas pela língua portuguesa e pelos trópi-
alguns marcos — símbolos do processo
cos.
34
de ruptura — se fazem comuns: a noite
Mestas m e m ó r i a s afloram os sentimentos de cidadania e nacionalismo: os j u deus discriminados pelo 111 Reich e o fascismo consideravam-se (e eram) cidadãos
italianos, a l e m ã e s , austríacos, poloneses,
romenos etc. Muitos ressaltam a intensi-
dos Cristais, a p u b l i c a ç ã o das leis de
nuremberg, o impacto do ato de emigrar,
o posicionamento dos mais velhos que
queriam aguardar a volta da r a z ã o , a
c o n s t a t a ç ã o do avanço do nazismo, o dilema de se sentir judeu e
apátrida.
dade desse sentimento enumerando fa-
A travessia do oceano, como e s p a ç o físi-
tos como: a participação de seus famili-
co e simbólico a ser percorrido, está pre-
ares na Primeira Guerra Mundial,
que
sente nas recordações tanto dos imigran-
lhes valeu c o n d e c o r a ç õ e s nacionais re-
tes judeus que se refugiaram no Brasil
cebidas por serviços prestados à pátria,
quanto dos exilados e s p a n h ó i s que se
a pontualidade no pagamento dos impos-
abrigaram em terras mexicanas. Os múl-
tos, o crédito dado ao fascismo ou, ain-
tiplos roteiros possíveis transformaram
da, a confiança depositada em Mussolini.
os oceanos em caminhos da liberdade.
Para a maioria, nada disto contou. O des-
O ato de 'arrumar a bagagem', entretan-
moronamento de toda uma vida enraizada
to, expressa-se como um ato de violên-
na terra natal e, em geral, há várias ge-
cia, sofrido, doído. Os objetos perdem o
rações, ocorreu simultaneamente ao res-
seu valor real para o valor simbólico: o
surgimento do anti-semitismo. O que sim-
que levar e o que deixar? As dúvidas pai-
bolizava ser a l e m ã o , austríaco, italiano,
ram entre o quantitativo e o qualitativo,
polonês, triestino, quando este sentimen-
permeadas de valor emocional. Mathilde
to entrava em conflito com o fato de 'ser
Maier trouxe consigo seus
judeu'? E mais tarde, a p ó s 1942, quando
mentes de flores do seu jardim, na ger-
muitos deles j á se encontravam no Bra-
minação de cada grão estava inscrita a
sil, um novo e s t e r e ó t i p o somou-se a tan-
continuidade da vida.
tos outros gerando instabilidade emoci-
Identificando-se com uma p o e s i a de
onal e conflito de identidade: o fato de
G õ e t h e , dedicada a Charlotte V. Stein,
ser rotulado 'cidadão do Eixo' a partir do
quando ela plantou seu jardim fora dos
momento em que o Brasil tomou posição
portais de Weimar, a autora comenta:
p á g . 160, j u l / d e z
1997
livros e se-
V
R
O
Da mesma maneira como este jardim
a imagem dos ausentes. O tipo de narra-
em Weimar possibilitou a separação
tiva e humor que identificamos nas obras
definitiva de Qõethe de Frankfurt... as-
dos exilados não encontramos na litera-
sim o plantio do nosso jardim, seu
tura produzida por aqueles que, na con-
crescimento,
dição de judeus, emigraram para o Bra-
sua
florescência
e
frutificação, fizeram-se radicar defini-
sil. Mo livro Memórias
tivamente neste país novo e esquecer
Isaak Podhoretz, sobrevivente de campo
o sofrimento indizível da separação da
de concentração, o mendigo ressurge da
pátria e dos entes queridos, e as amar-
realidade brasileira a título de compara-
35
gas experiências do tempo do nazismo.
do inferno,
de
ção, com o objetivo de demonstrar a in-
os jardins
tensidade do drama vivenciado pelo au-
e as flores de Mathilde Maier assumem
tor. Miséria e medo são acionados no pre-
uma r e p r e s e n t a ç ã o simbólica. Como ela
sente miserável com o intuito de recupe-
Em
Os jardins
da minha
vida,
mesma responde ao repensar a indagação de um amigo sobre "o que seria a
rar o passado do inferno nazista. A crítica dirige-se ao nazismo, desviando-se do
cotidiano cruel da sociedade brasileira:
vida sem Fhox?" Uma paixão relativa:
... uma paixão relativa, foi o que pen-
... um mendigo em frente a uma pada-
sei muitas vezes no Brasil onde fize-
ria procurava alimentos no lixo e re-
mos um jardim tão rico, sem Fhox...
cordei t a m b é m como procurava sobras
Também os conceitos de jardinagem
estragadas, sujas, azedas e me conten-
são definidos e alterados como o des-
tava quando as achava. Apenas com
tino dos homens.
uma d i f e r e n ç a : o mendigo n á o
36
tem
A viagem de navio simboliza, para a mai-
medo de n i n g u é m e eu sempre sentia
oria, um corte, um trauma. Do lado de lá
medo...
37
ficou a Alemanha, a velha Itália, a gran-
Basicamente, podemos afirmar que o au-
de Espanha. Do lado de cá, o desconhe-
tor deste tipo de literatura procura, como
cido. Para muitos, a palavra
pas-
tantos outros, construir a sua estética do
sou a fazer parte de seu novo idioma, rio
cotidiano, seja este racista, fascista ou
saudade
convés, os 'irmãos de barco': n ú m e r o s
republicano. A essência de cada obra está
tatuados nos braços, c a b e ç a s raspadas,
contida na condição de ser imigrante j u -
o J vermelho no passaporte emitido pelo
deu ou exilado republicano. Esta litera-
Reich. Finalmente, terras da América: o
tura tem, em essência, a capacidade de
impacto do 'outro', do novo. Mas sinago-
narrar o drama do oprimido e da degra-
gas, a persistência da identidade judaica
dação humana contrapondo-o com uto-
por entre os murmúrios das vozes imi-
pias e esperanças. Enfim, expressa a tra-
gradas. Mas fotografias guardadas nos
jetória de uma busca, de um sentido para
fundos das novas gavetas improvisadas,
a vida.
o de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 4 7-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 6 1
E
C
A
T
o
n
S
A
1.
Esta lei foi publicada dois meses antes das tropas franquistas s a í r e m vitoriosas, tendo o
respaldo da Inglaterra e França que, em fevereiro, reconheceram o governo de Franco. O
termo da lei apresentava uma Espanha consciente de seus deveres de reconstruir espiritual
e materialmente a n a ç ã o . Daí a necessidade de "liguidar Ias culpas de este orden contraedas
por quienes contribuyeron com actos u omisiones graves a forjar a s u b v e r s i ó n " . Sobre este
tema ver C. Qarcia-Meto, "Victoria y ei exílio", Guerra civil espanola (1936-1939), Barcelona,
Aula Abierta Salvat, 1985, pp. 62-63.
2.
Ver a c o l e t â n e a de artigos El exilio espanol en Méjico
Cultura E c o n ô m i c a , 1982.
3.
L. Argentinos Senkman, La Segunda Querra mundial y los refugiados
1945), Buenos Aires, Grupo Editor LatinoAmericano S.R.L., 1991.
4.
J . C. Casas e outros, La Espana ausente. Madrid, E d i c i ó n e s 99, 1973, pp. 15-16.
5.
M. L. T. Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas: fantasmas de uma g e r a ç ã o (1930-1945),
2 ed., S á o Paulo, Brasiliense, 1988.
(1939-1982),
Méjico, Salvat, Fondo de
indeseables
(1933-
a
6.
F. M. de Carvalho, "Ainda a i m i g r a ç ã o do a p ó s - g u e r r a " , Revista de Imigração
e
Colonização
(\V), 4, dez. 1943, pp. 67-68; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem (VI), 4, mar. 1945, pp.
57-65; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem, mar. 1945, pp. 57-67. Sobre este assunto,
ver M. L. T. Carneiro, op. cit., "A escumalha de guerra", 343 e ss.
7.
J . A. Matezans, "La d i n â m i c a dei exilio", El exilio espanol en Méjico (1959-1945), p. 170; J .
L. A b e l l á n . De la guerra civil al exilio republicano (1956-1977), Madrid, Editorial Mezquita,
1983, p. 102.
8.
J . L. Portillo, "Prólogo", El exilio espanol en Méjico
Cultura E c o n ô m i c a , 1982, p. 9.
9.
C. Lasch, O mínimo
eu: s o b r e v i v ê n c i a p s í q u i c a em tempos d i f í c e i s , I ed., 1986, S ã o Paulo,
Brasiliense, 1990, p. 10.
(1959-1982),
Méjico, Salvat, Fondo de
a
10. M. Pollak, " M e m ó r i a , esquecimento, s i l ê n c i o " . Estudos
E d i ç õ e s V é r t i c e , 1989, p. 4.
Históricos
5: memória,
S ã o Paulo,
11. Este projeto maior intitula-se Literatura de imigração:
h i s t ó r i a s de muitas vidas (19301945) e e s t á sendo desenvolvido junto ao Depto. de História da FFLCH da Universidade de
S ã o Paulo, tendo sido financiado, por dois anos, pelo CNPq. Esta pesquisa se apresenta
como o prolongamento de um estudo anterior que se ateve a registrar depoimentos, a
t é c n i c a da h i s t ó r i a oral, concentrando-se nos testemunhos dos judeus que, perseguidos
pelo nazi-fascismo, buscaram r e f ú g i o no Brasil. A mostra prevista engloba cerca de 110
testemunhos diferenciados em dois grupos e s p e c í f i c o s : judeus a l e m ã e s (com a t e n ç ã o especial para aqueles que se concentraram em Rolândia, Paraná) e judeus italianos. Grande parte
do material i c o n o g r á f i c o referente ao tema foi organizado sob a forma de uma e x p o s i ç ã o ,
patrocinada pelo Instituto Cultural G ò e t h e , com o título Brasil, um refúgio
nos trópicos:
a
trajetória dos refugiados do nazi-fascismo, 1996.
12. Matezans, ao caracterizar o tipo de imigrante que entrou no México em 1939, em d e c o r r ê n cia da vitória franquista, utiliza-se de duas e x p r e s s õ e s : refugiado republicano,
para aquele
que se considera 'em t r â n s i t o ' e que n ã o vem para fazer a A m é r i c a ' . Para aqueles que v ê m
para ficar, sendo que muitos foram s o l i d á r i o s a Franco durante a guerra civil e apoiaram os
rebeldes, o autor emprega a e x p r e s s ã o gachupeiros. J . A. Matezans, op. cit., pp. 166-167.
13. E . Meyer (coord.), Palabras dei exilio. Archivo de la palavra dei 1NAH. C o n t r i b u i c i ó n à la
historia de los refugiados espafioles en Méjico. Méjico, INAH-SEP/Librería Madero, 1980, p.14.
14. Anita Salmoni, V o c ê voltaria?,
S ã o Paulo, Shalom, 1979, p. 9.
15. P. Fagen, Transterrados y ciudadanos:
de Cultura E c o n ô m i c a , 1975, p. 7.
16. C. Martinez, Crônica
Libro Mex, 1959.
de una emigración:
los republicanos espafioles en Méjico, Méjico, Fondo
la de los republicanos espafioles en 1939, Méjico,
17. Aub Max. escritor espanhol nacionalizado mexicano, abandonou a Espanha em 1939 e, em
p á g . 162. j u l / d e z
1997
O
V
K
1942, fugiu da França para o México. Importante obra deste escritor éJusep
Biblioteca dei Exilio, Barcelona, Plaza 6c J a n é s Editores, 1970.
Torres Campalans,
18. V. Botella Pastor, Asi cayeron los dados. Paris, Imprimerie des Qondoles, 1954, apud R.
Jouanny, "Asi cayeron los dados y encrucijadas - dos novelas en Francia de un espanol con su
exilio". Literatura y guerra ciuil. Barcelona, Edición Angeles Santa, Dept. de Filologia. Faculdade de Letras, E s t ú d i o General de Lérida, Universidade de Barcelona, 1988, pp. 275-308.
19. J . S e m p r ú m , La Algarabia.
Barcelona, Plaza ôí Janes S. A. Editores, 1982.
20. R. J . Sender. Mexicaiyot!, apud J . de Colina, "Ensaio: Méjico, visión de los transterrados (em
su literatura)", El exilio espanol en Méjico, op. cit., pp. 424-425.
21. J . Rejano, La esfinge mestiza: c r ô n i c a menor de Méjico, Méjico, Leyenda, 1945. Ver t a m b é m
J . de Colina, op. cit., p. 422.
22. Gostaria de lembrar aqui os poemas do sevilhano Luis Cernuda escritos no México entre
1951 e 1963, ano em que morreu. Dentre eles, temos "Como quien espera el alba" (19411944), m o n ó l o g o d r a m á t i c o seguindo a t r a d i ç ã o inglesa, Apud J . de Colina, op. cit., p. 411
e ss.
23. J . M. Villa, Cornucopia de Méjico,
Méjico: La casa de E s p a ü a en Méjico, 1940, Méjico, Sep/
Setoriales, 1976 e íiueva
cornucopia mexicana, caráter p ó s t u m o , artigos dispersos reunidos por Roberto S u á r e z Arguello, Méjico, Sep/Stentas, 1976.
24. Sobre Ataola, ver J . de Colina, op. cit., p. 423.
25. Claire Etchelli, A p r o p ô s de Clemence, Paris, Col. Folio, Denoel, 1971, apud A. Santa, "A
p r o p ô s de Clemence", Literatura y guerra civil, op. cit.
26. M. Pollak, op. cit., pp. 8-9.
27. I. Podhoretz, Memórias
do inferno, S ã o Paulo, s.e.,
1992, pp. 185-186.
28. M. L. T. Carneiro, "Heróis sem armas". Judaica latinoamericana: e s t ú d i o s h i s t ó r i c o - s o c i a l e s
II, J e r u s a l é m , Editorial Universitária Magnes, Universidad Hebrea, 1993, pp. 69-86.
29. As principais obras a serem consultadas sobre este tema s ã o : J . A. Matezans, El exilio espanol
en México;
A. H. Leon-Portilha, Espana desde Méjico: vida y testimonio de transterrados,
Méjico, Universidad Nacional A u t ô n o m a de Méjico, 1978; Literatura y guerra civil; P. Fagen,
Transterrados y ciudadanos: los republicanos espafioles en Méjico. O b s e r v a ç ã o : grande parte da bibliografia e literatura de e x í l i o aqui citada foi gentilmente cedida pelo historiador
J o s é Carlos Sebe Bom Meihy, pesquisador e especialista no assunto dos 'transterrados espan h ó i s ' no México, sobre os quais desenvolve projeto de pesquisa.
30.
M. Mayer, Ali the gardens of my life, translated by Marie Burg, New York, Vantage Press, 1983.
Originalmente publicado com o t í t u l o de Alie Qarten Meines Lebens, Frankfurt am Main:
Verlag Josef Knecht, 1978; K. Shauff, Schreib mir alies, Mutter. Briefe aus dem
"Brasilianischen
Qarten", Germany, Verlag Gunther Neske, 1987; Anita Salmoni, Você voltaria?, S ã o Paulo,
Shalon, 1979; M. L. Rolnik. Os abismos: m e m ó r i a s e contos, Curitiba, Montana, 1990; Fúlvia
Di Segni, A longa trilha azul, S ã o Paulo, s.e., 1980; Trudi Landau, C r ô n i c a s do meu tempo,
S ã o Paulo, Massao Ohno, Roswitha Kempf, 1981; llza Cazpska. nosso caminho de obra para
o Brasil (1939-1941), trad. I n ê s Czaspka Dellae, S ã o Paulo, s.e., 1982 (impresso).
31. Suzanne Bach, À la recherche d'un monde perdu. Rio de Janeiro, Centro das E d i ç õ e s Francesas, (Erster Teil der Autobiographie), 1944. Ver Exil in Brasilien: die Deutschsprachige
Emigration (1933-1945). Eine Ausstellung des Deutschen Exilarchivs (1933-1945) der
Deutschen Bibliothek Frankfurt am Main/Die Deutsche Bibliotek. 1994. Sobre estes escritores, ver M. L. T. Carneiro, Brasil, um refúgio nos trópicos:
a trajetória dos refugiados do nazifascismo, S ã o Paulo, Editora E s t a ç ã o Liberdade/Instituto Cultural G ò e t h e , 1996.
32. Fritz Pinkuss, Estudar, ensinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino em dois continentes, S ã o
Paulo, Cultura,
1990.
33. Lívio T. Pincarle, Dois mundos:
Paulo, Roswitha Kempf,
h i s t ó r i a da vida de um m é d i c o judeu í t a l o - b r a s i l e i r o , S ã o
1987.
34. Max Hermann Maier, Um advogado de Frankfurt se torna cafeicultor na selva brasileira: relato
de um imigrante (1938-1975), trad. Mathilde Maier, Rolândia, Velox, 1975.
35. M. Maier, op. cit., p. 64.
36. Idem, ibidem, p. 35.
37. I. Podhoretz, op. cit., p. 186.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n- 2, pp. 1 *7- 164. jul/dez 1997 - p á g . 163
A
B
S
T
R
A
C
T
This article makes some considerations about the year of 1945 as a historical period of immigration
of several people in Europe who had looked for new ideais.
TWo types of literature were made in that period: the exile literature
literature.
and the
immigration
The first was written by intellectuals who due to political and ideological reasons
seeked refuge in European countries. The second is relative to books written by Jews who took
refuge from nazism and facism in Brazil during the thirties and the fourties.
R
É
S
U
M
É
L'article focalise 1'année de 1945 comme un moment historique d'immigration de plusieurs
personnes, à 1'Europe. en cherchant des nouveaux i d é a u x .
Deux classes de littérature furent produites dans ce p é r i o d e : la littérature
de iexil et la
littérature
de Vimmigration.
La p r e m i è r e fut é c r i t e par inteliectuels e n g a g é s , qui à cause des raisons politiques
et i d é o l o g i q u e s
s' abritaient dans les pays e u r o p é e n s . L'autre a rapport aux livres é c r i t s par Juifs
refugies du nasisme et du facisme, et qui sinstallaient au Brésil pendant les d é c a d e s de 1930 et
1940.
Meiga Iracema Landgraf Piccolo
Professora doutora do Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Imigração A l e m ã e Construção
do Estado N a c i o n a l Brasileiro
10 vjrrancie
seu relatório de 5 de
il, sé
uill,
século
do aumento do n ú m e r o de c i d a d ã o s .
outubro de 1847, o pre-
Galvão, nomeado pelo governo
sidente da p r o v í n c i a ,
central, como todos osdemais pre-
Manuel Antônio Galvão, dirigindo-
sidentes de província, pronunciava-
se à Assembléia Legislativa de São Pedro
se a favor da colonização, considerando-
do Rio Grande do Sul, dizia:
a náo apenas um projeto capaz de desen-
Ma o p i n i ã o geral, é considerada a colo-
volver economicamente o Rio Grande do
n i z a ç á o a necessidade mais palpitante
Sul (o que no relatório é destacado). Para
do I m p é r i o : a v a s t i d ã o das terras de-
ele, que tinha como referência, especifi-
sertas que n ã o quereis sem dúvida po-
camente, a colônia de Sáo Leopoldo, a co-
voar com negros...
lonização deveria ser, num país ainda
Num discurso pronunciado na s e s s ã o de
4 de outubro de 1862 da mesma Assem-
escravista como o Brasil, fator de branqueamento da sociedade.
bléia, assim se posicionava o deputado do
A colônia de Sáo Leopoldo fora fundada,
Partido Liberal, Félix da Cunha:
em 1824, com imigrantes alemães, mui-
... n ó s queremos colonos a l e m ã e s , porque a c o l o n i z a ç ã o a l e m ã significa trabalho, i n d ú s t r i a , agricultura e sobretu-
tos deles protestantes e, portanto, professando uma religião que não era a oficial do Império do Brasil. Com a funda-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 , n« 2. pp. 1 6 5 - . 7 8 , Jul/dez !997
- páfl.165
A
C
E
çáo da colônia, se retomaria e viabilizaria
da imigração estrangeira, especialmente
uma proposta formulada em 19 de junho
a européia, seria visto como necessário
de 1729 pelo Conselho Ultramarino, em
para a construção da cidadania no Brasil.
Lisboa, pela qual era considerado conve-
Mas, o que dizia a Constituição outorga-
niente
da por d. Pedro I, poucos dias antes de
... que, se v ã o instalando no Sul, nas
ser assinada a resolução que deu origem
o
p o v o a ç õ e s da c o l ô n i a e outras, casais
de i l h é u s , e quando estes forem insuficientes, se podia conseguir casais estrangeiros, sendo a l e m ã e s ou italianos
e de outras n a ç õ e s que
n ã o sejam
castelhanos, ingleses, holandeses e
franceses.
à colônia de São Leopoldo? O artigo 6 ,
n° 5, estatuía que seriam cidadãos brasileiros "os estrangeiros naturalizados qualquer que seja a sua religião. A lei determinará as qualidades precisas para se
obter carta de naturalização". Ora, aos
a l e m ã e s dispostos a vir para o Brasil e
1
aqui se tornarem pequenos proprietáriAs propostas de 1729 e 1824 atendiam a
os, o governo brasileiro prometera "ad-
interesses governamentais. As conjuntu-
miti-los no Império como cidadãos brasi-
ras eram distintas, mas, em ambas, o
leiros, cujo foro gozariam logo ao che-
povoamento estava entre os objetivos
gar".
n e c e s s á r i o s à defesa do território.
nação se a naturalização dependia de lei
A fundação da colônia de São Leopoldo
2
Mas, como cumprir esta determi-
e se a A s s e m b l é i a Geral, como poder
concretizou-se através de uma resolução
legislativo, s ó se reuniu a partir de 1826?
do governo imperial de 31 de março de
Mo Rio Grande do Sul, o pequeno propri-
1824, imposta, sem consulta, à s elites
etário estabelecido nas colônias também
regionais. Tratava-se de um projeto de
foi visto como uma possibilidade de con-
5
colonização com pequenos proprietários
trabalançar o poder dos grandes senho-
de terra subsidiados pelo governo central.
res de terra (muitos deles escravistas). Os
Entre os subsídios, estava o recebimento
latifundiários haviam sido r e s p o n s á v e i s
de 160 mil b r a ç a s quadradas de terras
pela construção/organização de um espa-
para lavoura, parte em campo, parte em
ço fronteiriço que empurrara a domina-
mata virgem. Portanto, a colônia não foi
ção espanhola mais para o sul e atuavam
entendida como fornecedora de m ã o - d e -
neste e s p a ç o com muita autonomia, as-
obra livre, uma alternativa ao trabalho
sustando com seu poder o governo cen-
escravo. A r e s o l u ç ã o evidenciou — e o
desenvolvimento da colônia demonstrou
tral (seja o de Lisboa, seja, a partir de
1808, o do Rio de Janeiro).
— que ela deveria comprovar a excelência do trabalho livre.
A experiência realizada pelo governo com
a fundação de colônias de pequenos pro-
O branqueamento da sociedade, através
páçj. 1 66. J u l / d e z
1 997
prietários era temida e a t é obstaculizada
O
V
K
pelos latifundiários, uma vez que essas
ros livres trouxe à baila a q u e s t ã o da na-
colônias poderiam ser um atrativo para
turalização, e as discussões do legislativo
os trabalhadores livres estrangeiros. Para
geral evidenciaram "a p r e o c u p a ç ã o de
os grandes proprietários — defensores do
restringir a aplicação do reconhecimento
princípio da restrição do acesso à terra
de direitos civis e políticos".
—, o imigrante deveria ser, preferencial-
Se os colonos não se tornaram, desde
mente, um vendedor de sua força de tra-
logo, cidadãos como se lhes prometera,
balho, complementando a mão-de-obra
foram, no entanto, imediatamente vistos
escrava nas atividades econômicas volta-
como soldados. É o coronel J u v ê n c i o
das para o mercado externo. É o que
Saldanha Lemos, na sua obra Os merce-
transparece do Regulamento dos Contra-
nários do imperador, quem afirma:
5
tos de Locação de Serviços Agrícolas de
A c o n c e p ç ã o de que os colonos a l e m ã e s
1830.
teriam utilidade, particularmente, como
neste mesmo ano, o orçamento votado
pelo Parlamento, em 15 de dezembro,
"suprimia todos os créditos para a colonização estrangeira". O significado e os
bucha de c a n h ã o , aflorava claramente
na d e c i s ã o de m a n d á - l o s para o sul,
lugar de lutas eternas, por história e
tradição.
efeitos deste ato político foram analisados por Jean Roche.*
A
Aliás, outra guerra j á se desenhava no
horizonte.
6
pesar dos cortes orçamentários terem interrompido o fluxo
neste sentido, a colônia de São Leopoldo
. i m i g r a t ó r i o , S ã o Leopoldo
adquiriu uma importância e s t r a t é g i c o -
continuou a se desenvolver, registrando
militar.
um crescimento populacional endógeno.
Mas, qual era a guerra que se aproxima-
A a n á l i s e das d i s c u s s õ e s ocorridas no
va? Era a campanha da Cisplatina (1825-
período regencial sobre a naturalização
1828), onde deveria fazer seu batismo de
de trabalhadores estrangeiros demonstra
sangue uma "companhia de voluntários
que o ordenamento jurídico da socieda-
a l e m ã e s de São Leopoldo". De acordo
de brasileira era determinado (e por isso
com Juvêncio Lemos, os integrantes da
limitado) pelos interesses do latifúndio
companhia eram, na sua maioria, maus
escravista.
elementos e, por serem perturbadores da
A i m i g r a ç ã o estrangeira expressava a
ordem, foram enxotados da colônia. Este
perspectiva de ampliação da esfera do tra-
autor afirma também que, "... em termos
balho livre, o que poderia tornar-se um
de sacrifício e sofrimento, nenhum solda-
fator perturbador para a ordem social fun-
do alemão padeceu tanto como aqueles
dada sobre a m ã o - d e - o b r a escrava. Mas
pobres
7
8
a a d m i s s ã o de trabalhadores estrangei-
diabos
Leopoldo".
enxotados
de
São
9
o, v. 10, n ° 2. pp. 165-178. j u l / d e i
1997
- pág.167
C
A
A campanha
da
Cisplatina
estava
imbricada no processo de descolonização
do continente americano e dizia respeito, especificamente, à construção do Estado nacional no B r a s i l .
10
Proclamada a
Independência, a fixação de limites era
uma q u e s t ã o geopolítica de extrema importância para que o governo imperial
soubesse sobre que território teria competência para exercer atos de soberania.
E os limites do Sul ainda estavam indefinidos por falta de um consenso."
co a ordem social e política vigente.
Se foram invocados interesses nacionais
contrários à guerra e, neste sentido, em
oposição à s intenções do governo de sustentar
a
dominação
brasileira
na
Cisplatina, a nação j á era, e n t ã o , vista
como uma realidade. Mas a nação ainda
n ã o existia, precisava ser construída, e
sua c o n s t r u ç ã o significava formar uma
identidade nacional brasileira, o que no
Sul, devido ao próprio processo histórico
regional, era muito p r o b l e m á t i c o .
12
Para o governo imperial, a campanha sig-
Ao Estado, t a m b é m em formação, cabe-
nificava manter uma d o m i n a ç ã o que co-
ria a tarefa n ã o s ó de construir a nação,
meçou a ser estabelecida em 1816, quan-
mas de delinear o seu perfil. Em nome
do da invasão da Banda Oriental deter-
da civilização, ela deveria ser pensada
minada por d. J o ã o VI, e que resultou na
com exclusões e, portanto, "o conceito de
sua anexação em 1821, quando Lecor im-
nação operado é eminentemente restrito
pôs limites sempre questionados pelos fu-
aos brancos".
turos governos de Montevidéu.
não só oficial, sobre a necessidade de
A Convenção Preliminar de Paz, assinada
em 27 de agosto de 1828 entre os governos de Buenos Aires e do Rio de Janeiro,
e que p ô s fim à campanha da Cisplatina,
mostrou que manter à força (e para isso
ter que contar com mercenários estrangeiros) uma d o m i n a ç ã o sobre o território
oriental era desgastante para um país rec é m - e m a n c i p a d o politicamente. A impopularidade do conflito abalou o próprio
13
Daí provém o discurso,
branqueamento da sociedade brasileira,
a ser viabilizado pela imigração/colonização estrangeira que, no Rio Grande do
Sul, durante o período m o n á r q u i c o , foi
especialmente — e n ã o exclusivamente —
alemã. Mas esta imigração deveria fazer
aportar ao país gente trabalhadora, disciplinada, 'industriosa', conforme constava na resolução de 31 de março de 1824,
e n ã o m e r c e n á r i o s turbulentos.
sistema m o n á r q u i c o brasileiro. O custo
O Rio Grande do Sul apresentou-se como
político era muito alto para um governo
um fator de instabilidade política não só
que parecia depender (inclusive para a
na crucial conjuntura p ó s - I n d e p e n d ê n c i a
sua s e g u r a n ç a na capital do Império) de
(isto é, no Primeiro Reinado) mas tam-
efetivos militares estrangeiros, muitos dos
bém, e em especial, a p ó s a a b d i c a ç ã o de
quais mostravam-se, além de tudo, insu-
d. Pedro I, quando um clima de insatisfa-
bordinados/indisciplinados, pondo em ris-
ção, instrumentalizado politicamente, veio
p á g . 1 68 . j u l / d e z
1997
O
R
à tona e cristalizou-se na Querra dos Far-
via, se o excedente da produção das co-
rapos, conflito civil em que foi proclama-
lônias foi fundamental para o abasteci-
da a República Rio-grandense, com uma
mento de Porto Alegre durante os quase
proposta alternativa de c o n s t r u ç ã o do
dez anos de guerra, o governo náo podia
Estado brasileiro.
deixar de considerar que, além de traba-
14
O espírito revolucionário
lhadores ordeiros, havia também colonos
manifestou-se
t a m b é m na colônia de S ã o Leopoldo,
cujos h a b i t a n t e s d i v i d i r a m - s e entre
legalistas e republicanos.
15
Em março de
1842 a colônia estava pacificada. Toda-
rebeldes e subversivos que, como tal,
deixavam a desejar como p o s s í v e i s
cidadãos.
16
A colônia seria emancipada em 1846 — o
A posse In: José Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
Aposse, m. JO>
a
Tipografia Mercantil, 1950.
Acervo, Rio de J
anelro. v. 10. n ° 2, pp. 165-178. jul/dez 1997 - p á g . 1 6 9
E
C
A
que atestava o desenvolvimento e a im-
que os imigrantes a l e m ã e s , vistos como
portância que havia alcançado —, consti-
elementos necessários ao branqueamen-
tuindo-se em município de São Leopoldo.
to da sociedade, tivessem escravos, con-
A pacificação da província em 1845 daria
tribuindo, assim, para a m a n u t e n ç ã o do
ensejo à retomada do fluxo imigratório,
sistema escravista? ria realidade, tanto
para o que a lei geral n° 514, de 28 de
nas colônias rurais, onde eram pequenos
outubro de 1848, foi um incentivo. Mão
proprietários, como nos núcleos urbanos,
só as antigas colônias foram beneficiadas,
onde exerciam atividades comerciais e
incorporando-se mais terras para a sua ex-
artesanais/manufatureiras, havia imigran-
pansão, como novas colônias foram criadas.
tes escravocratas. Os inventários e os processos-crime s ã o , neste sentido, inequí-
O entendimento da lei requer a análise
vocos.
18
da conjuntura em que se acentuou a polêmica sobre a escravidão, principalmen-
A promulgação pelo parlamento brasileio
te por p r e s s ã o externa. Lembremos a re-
da Lei de Terras, em 1850, deu ensejo a
a ç ã o inglesa consubstanciada no
Bill
m u d a n ç a s nas condições oferecidas aos
Essas p r e s s õ e s contribuíram
imigrantes que desejassem tornar-se pro-
para a a p r o v a ç ã o da Lei E u z é b i o de
prietários, ao substituir-se a d o a ç ã o de
Queirós (1850), cuja discussão no Parla-
terras pela venda. Assim, a lei provincial
mento ocorreu simultaneamente com a
n° 304, de 30 de novembro de 1854, es-
aprovação da lei n° 514.
tabeleceu que "a colonização na provín-
Aberdeen.
A esta conjuntura deve ser t a m b é m relacionada a fala do presidente da província
do Rio Grande do Sul, Manuel Galvão, em
cia será feita sobre a base de venda de
o
terras" (art. I ). Mas o que chama a atenção s ã o os artigos 7
o
o
e 8 , que dispu-
nham:
1847.
Segundo o capítulo III, art. 16, da lei n°
514, seriam concedidas 36 léguas quadradas de terras, exclusivamente para a
colonização, a cada província do Império,
não podendo estas terras ser trabalhadas
por escravos. Esta lei fez com que a província assumisse a c o l o n i z a ç ã o
17
— San-
Art. 7
o
— O presidente da
província
d i l i g e n c i a r á a entrada para as c o l ô n i as, de f a m í l i a s brasileiras, a g r í c o l a s e
laboriosas, vendendo-lhes as
terras
com os favores e ô n u s expressos na
presente lei.
Art. 8
o
— Os colonos p o d e r ã o cultivar
ta Cruz, a primeira colônia provincial, foi
suas terras por si mesmos ou por meio
fundada em 1849 —, o que introduziu
de pessoas assalariadas: n ã o p o d e r ã o
q u e s t õ e s a t é e n t ã o n ã o enfrentadas, e
f a z ê - l o por meio de escravos seus, ou
portanto n ã o resolvidas, como a dos co-
alheios, nem p o s s u í - l o s nas terras das
lonos cuja situação financeira permitira a
c o l ô n i a s sobre qualquer pretexto que
a q u i s i ç ã o de escravos. Como entender
seja.
p á g . 1 70 , j u l / d e z
1997
o
V
Se a Lei de Terras representou a vitória dos
de que s á o senhores: depois de esta-
interesses dos grandes proprietários que
belecido o colono nas terras que lhe
queriam m ã o - d e - o b r a e não a 'democrati-
s ã o dadas, todas as suas q u e s t õ e s ,
zação' do acesso à propriedade, a lei pro-
todos os seus litígios s ã o decididos
vincial de 1854 n ã o s ó veio ao seu encon-
pelas autoridades judiciais (...). Mas
tro, como t a m b é m procurou responder às
diz-se que esse indivíduo tantos ser-
q u e s t õ e s que o processo imigratório, sem
v i ç o s tem prestado ao p a í s ; n ã o o
êxito, havia levantado.
nego, p o r é m disso se n á o conclui a
necessidade do emprego: e se é ne-
Mão havia, a t é e n t ã o , nenhum dispositivo
legal que proibisse os colonos, j á estabelecidos no Rio Grande do Sul, de possuir
ou trabalhar suas terras com escravos. E
ambas as situações existiam. Ao se tornarem c i d a d ã o s brasileiros, naturalizando-se
(e muitos colonos o fizeram, apesar dos
entraves burocráticos), como impedi-los de
c e s s á r i o , por que e n t ã o n ã o cuidamos
em lhe dar a t r i b u i ç õ e s ? Em virtude da
e x i s t ê n c i a do diretor sem a t r i b u i ç õ e s
marcadas por lei, acontece que muitas vezes o colono entende que deve
desrespeitar a autoridade civil para se
guiar pelas d e t e r m i n a ç õ e s do diretor
(grifo meu).
ter escravos, se aos brasileiros, em geral,
isto não era vedado? Haveria discriminação?
^ a sessão de 25 de outubro de
1852,
Por outro lado, a idéia de 'assentar' famílias brasileiras nas colônias vinha ao encontro de p o n d e r a ç õ e s , cujo locus privilegiado era a Assembléia Provincial. Ma sessão
de 23 de junho de 1849, o deputado Israel
Rodrigues Barcelos, discursando sobre o
o r ç a m e n t o provincial, ao justificar porque
Miguel de
Castro
Mascarenhas pronunciavase, demonstrando a sua preocupação
com o ensino ministrado em alemão em
São Leopoldo. E dizia que, para náo
existir no "Brasil uma nova Alemanha",
a instrução em português era instrumento de nacionalização.
votava contra a gratificação prevista para o
diretor da colônia de Sáo Leopoldo (que j á
A mesma preocupação aparece num dis-
estava emancipada), dizia:
curso pronunciado por J o ã o Jacinto de
Mendonça, na sessão de 26 de outubro
Eu n á o c o n h e ç o nenhuma necessidade de
de 1852:
diretor na c o l ô n i a de S á o Leopoldo, nem
quais sejam as a t r i b u i ç õ e s desta autoridade... Os colonos de S ã o Leopoldo recebem as suas terras entregues por um
engenheiro que deve ali haver, segundo
a nossa l e g i s l a ç ã o (...); o engenheiro é
i n d i s p e n s á v e l , porque sem ele os colonos n â o podem saber quais s á o as terras
Acervo. Rio de
Janeiro
É n e c e s s á r i o ir nacionalizando nos
costumes a p o p u l a ç ã o que hoje ocupa a c o l ô n i a de S á o Leopoldo, porque
é composta de nacionais, e n ã o de
a l e m ã e s , de brasileiros nascidos ali
que devem estar sujeitos à s mesmas
leis que n ó s estamos, e a respeito dos
v. 10. n ° 2, pp. 16S-178. jul/dez 1997
- pág.171
C
A
E
quais n ã o somos obrigados a respeitar
do relatório da Câmara de São Leopoldo
os preconceitos...
sobre as necessidades municipais:
... faltaria a seus principais deveres, se
E acrescentava:
n ã o desse c o m e ç o à s s ú p l i c a s , que di... que n ã o pode prever os inconvenientes que resultam de uma p o p u l a ç ã o
nacional com h á b i t o s propriamente
estrangeiros (...). Entendo que o mal é
e m si muito grave, e que
convém
remediá-lo...
rige aos representantes da p r o v í n c i a ,
rogando-lhes de prestarem a sua valiosa a t e n ç ã o sobre a sorte d e s g r a ç a d a
de tantas f a m í l i a s pobres, que, lutando
com a m i s é r i a , vagueiam de fazenda em
fazenda a título de agregados exploran-
Ma s e s s ã o de 29 de outubro de 1852, J o ã o
do a caridade p ú b l i c a , sem terem um
Pereira da Silva Borges Fortes lia extratos
pequeno t o r r ã o desta terra conquista-
A roça. In: J o s é Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Tipografia Mercantil, 1950.
p á g . I 72 . j u l / d e z
1 997
V
K
O
da e regada com o sangue e suor de
estrutura tão bem delineada no relatório
seus antepassados (os lusitanos), em
sobre o qual se pronunciou e com o qual
que possam edificar uma cabana e ti-
se identificou.
rar sustento para seus filhos infelizes
lia sessão de 20 de outubro de 1854, o
que nascem e criam-se e s ã o educados
deputado J o s é Bernardino da Cunha
na m i s é r i a e na d e p e n d ê n c i a e se esca-
Bittencourt, discordando do projeto de
pam da g l ó r i a , nem sempre perdurável,
colonização na parte referente à preferên-
de morrer no campo de batalha, nem
cia por imigrantes suíços ou alemães, as-
gratuita t ê m a sepultura! Ao mesmo
sim se pronunciava ao defender a entra-
tempo que se chamam estrangeiros à
da dos portugueses:
custa dos cofres da n a ç ã o , se lhes d ã o
... os colonos que por todos os motivos
s u b s í d i o s , se lhes proporcionam enfim
mais úteis nos podem ser s ã o , sem conmeios n ã o s ó de s u b s i s t ê n c i a como de
riqueza: terras devolutas existem no
m u n i c í p i o e o governo com facilidade
pode reunir essa p o r ç ã o de f a m í l i a s
d e s g r a ç a d a s , dando-lhes meios para
isso. estabelecer-lhes uma linha de terras no t e r r i t ó r i o desta c o l ô n i a , e de
outras, dar-se-lhes algum socorro
p e c u n i á r i o , para se estabelecerem, e
adotar-se
outras
providências
concernentes ao objeto, e tornar-se assim,
em pouco tempo, de tanta gente
t e s t a ç ã o , os portugueses. Além dos h á bitos, costumes e linguagem à nossa
semelhante, n ó s vemos que a segunda
g e r a ç ã o dos portugueses entre n ó s j á
é brasileira: o filho do p o r t u g u ê s entre
n ó s j á é brasileiro e pugna pelo Brasil
como por sua única pátria. Poderemos
dizer o mesmo a respeito dos m í s e r o s
a l e m ã e s ? Me parece que n á o . Em geral
n á o há filho e mesmo neto de colono
a l e m ã o que pugne pelo Brasil como se
pugnasse pela sua pátria: pelos exem-
p r o l e t á r i a , em c i d a d ã o s muito ú t e i s a
plos dos pais, olham esta terra mais
si, e à sociedade; sendo a t é p o l í t i c o in-
como madrasta, do que como m á e . . .
troduzir uma p o r ç ã o de brasileiros no
centro dos colonos a l e m ã e s e com eles
os seus usos e costumes e o exemplo
de o b e d i ê n c i a à s leis, de que uma gran-
Discursando em favor dos colonos alemães, o deputado Manuel Pereira da Silva Ubatuba (um dos grandes defensores
do estabelecimento de colônias na região
de parte dos colonos carecem.
Para o deputado, assim procedendo em
relação à s famílias pobres, a nacionaliza-
de Pelotas) argumentava, respondendo a
Bittencourt:
deci-
Os culpados s á o as autoridades, é o
dida. Seu preconceito contra os colonos
nosso governo que tem permitido e
alemães o fazia calar sobre as mudanças
consentido certos desvios desses colo-
que as colônias estavam promovendo na
nos, e que seus filhos se declarem e
estrutura social do Rio Grande do Sul,
prefiram ser a l e m ã e s , formando como
ção dos estrangeiros t a m b é m seria
Acervo. Rio de Jane
• , v. 10, n ° 2. pp. 165-178. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 3
A
C
E
que uma n a ç ã o estrangeira entre n ó s ,
precisa desse desenvolvimento intelec-
é o nosso governo que n ã o tem cuida-
tual; precisa levantar-se à altura de sa-
do daquela c o l ô n i a como devia cuidar,
ber zelar e conservar os direitos de ci-
é o nosso governo que tem consentido
d a d ã o brasileiro, e de conhecer a t é
ali pessoas que fazem nascer e desen-
onde chegam os seus direitos para com
volver entre os colonos i d é i a s que s ã o
a sua nova pátria, e onde principiam os
muito prejudiciais, sugeridas pela mais
deveres...
vil intriga, pela mais pérfida
calúnia,
Eu n ã o quero que o colono renegue sua
esses colonos que n ã o teriam tais idéipátria, as t r a d i ç õ e s de sua terra, nem
as, se certas pessoas n ã o as procurasabandone costumes tradicionais pelos
sem desenvolver para seus fins partinossos. O que exijo, p o r é m , é que os
culares.
filhos dos colonos, aqueles que nasce-
Anos mais tarde, durante a Querra do
ram em terra brasileira, sejam brasilei-
Paraguai, da qual muitos a l e m ã e s parti-
ros, sintam com o sentir, com a vida e
ciparam, mostrando concretamente esta-
com o e s p í r i t o com que sentem e par-
rem dispostos a derramar seu sangue
tilham dos direitos comuns os brasilei-
pelo B r a s i l ,
19
o deputado Eudoro Brasi-
leiro Berlink, ao discursar na s e s s ã o de
22 de julho de 1869, dizia:
ros da raça portuguesa.
Mas, apesar do discurso apontando para
o 'perigo a l e m ã o ' ,
20
o número de colôni-
O isolamento em que se acham as co-
as a l e m ã s aumentava no Rio Grande do
l ô n i a s da p r o v í n c i a , fazendo conservar
Sul. À idéia do governo, fosse ele imperi-
intactas as t r a d i ç õ e s de sua nacionali-
al ou provincial, de constituição de nú-
dade e u r o p é i a , há de mais tarde dar re-
cleos coloniais de pequenos proprietári-
sultados maus para n ó s e para eles;
os, contrapunham-se os interesses dos
para eles j á d á este resultado, pois des-
grandes proprietários de acesso à mão-
se
de-obra.
isolamento,
dessa
segregação
indevida de interesses que s ã o comuns,
resulta que especuladores sem fé aproveitam-se para, constituindo-se seus in-
Embora crescendo em n ú m e r o , aos alem ã e s não era fácil a cidadania. Em 1855,
o governo imperial, através do decreto
t é r p r e t e s e procuradores oficiosos, con-
808-A, de 23 de junho, regulou a naturaservarem-nos afastados da c o m u n h ã o
lização dos colonos estabelecidos no Imbrasileira, fazerem-nos considerar
como hostis...
pério, procurando facilitá-la, como deveria ter sido feito desde o início, em cum-
Infelizmente nada se tem feito para ins-
primento dos contratos. Os colonos, já
pirar o e s p í r i t o da nacionalidade nas co-
estabelecidos no país, seriam reconheci-
l ô n i a s , nada se tem feito pelo lado in-
dos como brasileiros mediante simples
telectual e a raça g e r m â n i c a entre n ó s
declaração por eles feita à s c â m a r a s mu-
p á g . 1 74 . j u l / d e z
1997
V
K
O
nicipais ou aos juizes de paz. Os colonos
preterira
os
de
que aqui chegassem a p ó s a data do de-
Inconformado com os limitados direitos
creto e que comprassem terras e nelas
políticos
se estabelecessem, ou que viessem à sua
riograndenses de origem alemã", Silveira
custa exercer qualquer indústria, seriam
Martins afirmava não admitir que os imi-
naturalizados depois de dois anos de re-
grantes acatólicos "fossem considerados
sidência (se assim o desejassem) e isen-
meros braços à produção e explorados
tos do serviço militar, menos o da Guar-
sem a menor consideração".
dos
origem
"seus
alemã.
conterrâneos
da nacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A n a t u r a l i z a ç ã o era necessária para se
conquistar a cidadania (conforme o texto
constitucional), e, sendo cidadãos, a participação política dos colonos transformava-se, ao menos teoricamente, numa possibilidade (mas isto dependia, antes de
mais nada, dos partidos políticos passarem a incluí-los na nominata de candidatos a funções eletivas).
A
s colônias alemãs foram, no
Rio Grande do Sul, fator de de-
senvolvimento econômico. O
reerguimento e a diversificação na produção agrícola realizados pelos colonos
fizeram do Rio Grande do Sul o 'celeiro
do Brasil'. Os imigrantes alemães que se
estabeleceram nos núcleos urbanos
21
fo-
ram os principais responsáveis pelo pro-
Visualizando no colono o substituto do
cesso de industrialização e urbanização
escravo, n ã o é difícil entender que as
dessa província, acelerado no decorrer do
medidas para integrá-los politicamente na
século XIX.
sociedade civil não partiriam dos proprietários com assento na Assembléia (ou
nela representados).
Embora
enfrentando
desafios
e
22
desconfianças, os colonos de origem alemã tiveram inegável participação nas mu-
Seria uma lei geral sobre reforma eleito-
danças ocorridas no perfil sócio-econô-
ral — a Lei Saraiva, de 1881 — que ou-
mico sul-riograndense, contribuindo para
torgaria aos n ã o católicos e naturalizados
o progresso material e difundindo a ex-
(bem como aos libertos) a igualdade po-
celência do trabalho livre. Foram agentes
lítica, pela qual haviam lutado Karl von
de 'civilização' e, como tal, não podem ser
Koseritz e Gaspar Silveira Martins (este
desconsiderados, em nível regional, na
último, chefe inconteste do Partido Libe-
construção da nação brasileira.
ral no Rio Grande do Sul).
Se, como afirma Jean R o c h e ,
Silveira Martins chegara a renunciar ao
cargo de ministro da Fazenda, em 1879,
porque o projeto de lei eleitoral, então
discutido no Parlamento, mais uma vez
23
o Rio
Grande do Sul era uma das "raras províncias em que [o imigrante] podia não passar por sucedâneo da escravatura"; se o
branqueamento era considerado indis-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp
163-1 78. Jul/dez 1997
- pág.173
C
A
E
pensável à construção da nação brasilei-
nização (no caso do Rio Grande do Sul,
ra; se, no Brasil, nação e Estado foram,
notadamente a l e m ã s , uma vez que a cor-
no
indisso-
rente imigratória italiana se inicia por vol-
período
ta de 1875)devem ser recuperadas na sua
século
XIX, ' p e n s a d o s
ciadamente;
então,
no
monárquico brasileiro, imigração e colo-
o
n
historicidade.
T
A
S
1.
Brasil Bandecchi, "Problemas de i m i g r a ç ã o na r e g i ã o Sul", Cadernos de História,
Paulo, Obelisco. 1967, p. 64.
2.
Ernesto Pellanda, A colonização
germânica
cas da Livraria do Globo, 1925, p. 3.
3.
rio Primeiro Reinado, no Rio Grande do Sul, n á o foi fundada pelo governo imperial apenas a
c o l ô n i a de S ã o Leopoldo. Em 1825, foi fundada a c o l ô n i a de S á o J o ã o das M i s s õ e s (que n ã o
teve nenhum desenvolvimento); em 1826, as c o l ô n i a s de Três Forquilhas (com imigrantes evang é l i c o s ) e S á o Pedro das Torres (com imigrantes c a t ó l i c o s ) e, em 1827, a c o l ô n i a de S á o J o s é
do H o r t ê n c i o .
4.
Jean Roche, A colonização
alemã e o Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Globo, 1969, vol. I, p.
99. Nesta mesma obra, à mesma p á g i n a , o autor opina sobre a lei que regulamentou os contratos de l o c a ç ã o de s e r v i ç o s , de 12 de setembro de 1830.
5.
Renato Paulo Saul, "A q u e s t ã o social no Brasil escravista". Cadernos de Estudos, n. 5, Porto
Alegre, curso de P ó s - G r a d u a ç á o em Antropologia, Política e Sociologia da UFRGS, dezembro
de 1984, p. 11
6.
J u v ê n c i o Saldanha Lemos, Os mercenários
do imperador: a primeira corrente i m i g r a t ó r i a alem ã no Brasil, Porto Alegre, Palmarinca, 1993, p. 49. Nesta obra, o autor n ã o objetiva "abordar
a q u e s t ã o da c o l o n i z a ç ã o a l e m ã no Brasil". Isto, conforme ele, "já foi pesquisado e analisado,
com extrema c o m p e t ê n c i a , por diversos historiadores nacionais e que, nos aspectos fundamentais, esgotaram o assunto". Sua p r e t e n s ã o é "tentar reconstruir o quadro geral dessa colon i z a ç ã o , no Primeiro I m p é r i o , para dentro dele focalizar o ponto central de sua pesquisa: os
soldados m e r c e n á r i o s de d. Pedro I e sua r e b e l i ã o , em 1828, no Rio de Janeiro".
7.
Idem, ibidem, pp. 169-170.
8.
Vide Helga I. L. Piccolo, Alemães
no Rio Qrande do Sul no período
imperial: r é u s e v í t i m a s .
C o m u n i c a ç ã o apresentada no IX S i m p ó s i o da I m i g r a ç ã o e C o l o n i z a ç á o A l e m ã s no Rio Grande
do Sul, S ã o Leopoldo, setembro de 1990. Sobre a p a r t i c i p a ç ã o de a l e m ã e s da c o l ô n i a de S ã o
Leopoldo na campanha da Cisplatina, leia-se t a m b é m , de Aurélio Porto, O trabalho alemão
no
Rio Qrande do Sul, 2 ed.. Porto Alegre, Martins Livreiro-Editor, 1996, 2 parte, c a p í t u l o VI.
a
9.
n ° 4, S ã o
no Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Oficinas Gráfi-
a
J u v ê n c i o Saldanha Lemos, op. cit., p. 190.
10. Vide Helga I. L. Piccolo, "... que Montevideo se gana en Puerto Alegre, pues revolucionando la
p r o v í n c i a de Rio Grande, quita Ud. el c o r a z ó n al Brasil", Anais da XVI Reunião
da Sociedade
p á g . 1 76, j u l / d e z
1997
V
R
O
Brasileira de Pesquisa Histórica,
Curitiba, SBFH, 1997, pp. 195-198. Mesta c o m u n i c a ç ã o foram
mostrados projetos republicanos pensados no Prata para o Rio Grande do Sul. Os que durante
a campanha da Cisplatina foram divulgados, assustaram autoridades c o n s t i t u í d a s na província, devido à receptividade obtida. É, t a m b é m , preciso lembrar que entre os colonos e/ou soldados havia republicanos, o que durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845) ficou muito claro.
11. Vide Helga I. L. Piccolo, A organização
do espaço fronteiriço
e os limites políticos
entre Brasil
e Uruguai. C o m u n i c a ç ã o apresentada no Encontro de História e Geografia do Prata, Porto Alegre, Instituto H i s t ó r i c o e G e o g r á f i c o do Rio Grande do Sul, agosto de 1994.
12. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: o Rio Grande do Sul e a e s t r u t u r a ç ã o do Estado nacional
brasileiro. A q u e s t ã o da identidade". Revista do Instituto Histórico
e Geográfico
Brasileiro, n °
390, jan./mar. 1996, p. 156.
13. Manuel Luís Salgado G u i m a r ã e s , " n a ç ã o e c i v i l i z a ç ã o nos t r ó p i c o s : o Instituto Histórico e Geog r á f i c o Brasileiro e o projeto de uma história nacional", Estudos Históricos.
n ° 1, Rio de Janeiro, A s s o c i a ç ã o de Pesquisa e D o c u m e n t a ç ã o Histórica, CPDOC/FGV. 1988/1.
14. Sobre as conjunturas p ó s - l n d e p e n d ê n c i a e p ó s - A b d i c a ç á o no Rio Grande do Sul, consulte-se a
c o r r e s p o n d ê n c i a dos presidentes da província com os ministros da J u s t i ç a (série IJ1) e do
I m p é r i o ( S é r i e IJ9), Rio de Janeiro, Arquivo nacional. Ver t a m b é m Helga I. L. Piccolo, "A Guerra
dos Farrapos e a c o n s t r u ç ã o do Estado nacional", A Revolução
Farroupilha: história 6c interp r e t a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985, pp. 30-60.
15. Vide Rlaus Becker, A colônia
alemã de São Leopoldo e a Revolução
Farroupilha. C o n f e r ê n c i a
pronunciada na s e s s ã o solene em homenagem aos 161 anos da i m i g r a ç ã o a l e m ã e ao
S e s q u i c e n t e n á r i o da R e v o l u ç ã o Farroupilha, s a l ã o nobre da Prefeitura Municipal de S ã o
Leopoldo, 25 de julho de 1985, mimeo. T a m b é m consultar Rudolf Peschke, Die Revolution der
Farrapen und ihre Einwirkung auf die Deutsche Kolonization, S ã o Paulo, Staden Jahrbuch. n °
3, 1955.
16. Consulte-se na s é r i e IJ1848, Arquivo nacional, a c o r r e s p o n d ê n c i a de 25 de janeiro de 1837,
enviada pelo presidente da província ao ministro da J u s t i ç a , onde consta uma lista de presos
(todos estrangeiros, sendo a maioria absoluta colonos a l e m ã e s de S ã o Leopoldo), identificados como sediciosos, f a c í n o r a s , l a d r õ e s , agitadores etc. É evidente que se a o p i n i ã o da autoridade era no sentido de desclassificar estes colonos, eles n ã o podiam ser pensados como
c i d a d ã o s . Aurélio Porto (obra citada, 3 parte, c a p í t u l o II — C o n s p i r a ç ã o misteriosa) escreve
sobre "uma conjura dos a l e m ã e s em 1830 na c o l ô n i a de S ã o Leopoldo...". O autor aceita "que
esse movimento se prendia ao descontentamento geral que foi o rastilho do grande i n c ê n d i o
do farroupilhismo. Havia l i g a ç õ e s s u b t e r r â n e a s , qualquer coisa n ã o percebida ainda, entre os
liberais da p r o v í n c i a e os a l e m ã e s que se viram envolvidos na denunciada trama, i n d í c i o s veementes transparecem dos nomes conjurados que, mais tarde, quando se pronuncia abertamente a r e v o l u ç ã o , s ã o p r ó c e r e s de destaque no movimento subversivo".
a
17. J á , e n t ã o , tinha sido iniciada a c o l o n i z a ç ã o por iniciativa de particulares. A f u n d a ç ã o da c o l ô n i a
de Mundo Movo, em 1846, era apenas um exemplo.
18. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: a l e m ã e s protestantes no Rio Grande do Sul e a escravidão". Anais da VIII Reunião
da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica,
S ã o Paulo. SBPH,
1989, pp. 103-107.
. Os inventários
como fonte para a pesquisa histórica.
C o m u n i c a ç ã o apresentada na sess ã o de 22 de abril de 1989, do Instituto Histórico de S ã o Leopoldo, mimeo.
. Alemães
no Rio Grande do Sul no período
imperial: r é u s e v í t i m a s , op. cit.
. " T r a n s f o r m a ç õ e s s ó c i o - e c o n ô m i c a s em S ã o Leopoldo (1824-1889)", Anais da XI Reunião
Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica,
S ã o Paulo, SBPH, 1991, pp. 207-211.
19. Vide Maus Becker. Alemães
e descendentes — do Rio Grande do Sul — na Guerra do Paraguai,
Canoas, Editora Hilgert ôt Filhos, 1968.
20. Vide R e n é Gertz, O perigo alemão.
Porto Alegre, Editora da UFRGS, Série S í n t e s e Riograndense,
n ° 5, 1991.
21. Vide Magda Roswita Gans, Presença
teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889), dissert a ç ã o de mestrado defendida no PPG em História da UFRGS, agosto de 1996.
22. Vide Jorge Luís Cunha, Rio Grande do Sul und die Deutsche Kolonisation.
Santa Cruz do Sul,
Gráfica L é o Quatke da UniSC, 1995.
23. Jean Roche, op. cit., p. 117.
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 165-1 78. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 7
A
B
S
T
R
A
C
T
The article aims to show how Qerman immigration to the state of Rio Qrande do Sul, started with
the settlement of the colony of S á o Leopoldo in 1824, is related to the consolidation of the
independence of Brazil and the construction of the Brazilian national state. Therefore, the whitening
of Brazilian society and the constitution of the citizenship are emphasized.
R
É
S
U
M
É
Larticle montre comment le processus d'immigration allemande au Rio Qrande do Sul, dont 1'origine
est la fondation de la colonie de S ã o Leopoldo en 1824, est é t r o i t e m e n t l i é au processus de
consolidation de 1 ' i n d é p e n d a n c e du Brésil et de formation de l'Ctat national b r é s i l i e n . De la f a ç o n ,
il faut souligner le besoin de blanchissement de la s o c i e t é et la fondation de la c i t o y e n n e t é .
Lúcia Maria Paschoal Guimarães
Professora Adjunta do Departamento
de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
.Breves Reflexões Soltar e o
Problema i a Imigração U r t a m a
;aso dos espannóis no R i o de Janeiro
(1880-1914)
para o trabalho assalariado, sobre-
Y o Brasil, o fluxo das en
tradas de emigrantes
tudo na grande l a v o u r a do
avolumou-se
café.
pro-
lio primeiro caso, os historia-
gressivamente no inicio da d é -
dores evidenciam que o recur-
cada de 1880, atingindo o seu
ápice no início do século XX. Estima-se
so à vinda de estrangeiros constituiu-se
que o país recebeu aproximadamente três
no principal meio. utilizado pelas autori-
milhões de pessoas entre 1880 e 1914.'
dades governamentais para a ocupação
A produção historiográfica sobre o impac-
de espaços vazios, com base no regime
to da chegada dessa verdadeira massa
humana, integrada na sua maioria por
italianos, portugueses, e s p a n h ó i s , alem ã e s e eslavos, concentra-se em torno
de dois eixos interpretativos: de um lado,
a q u e s t ã o da colonizaçáo e povoamento;
de outro, o problema da introdução da
m ã o - d e - o b r a livre, encarada como uma
e s p é c i e de desdobramento natural do
processso da transição do braço escravo
de pequeno e médio estabelecimento rural policultor, trabalhado pelos proprietários e suas famílias. Tais estudos, cuja
finalidade se restringe a recuperar a trajetória de comunidades de emigrantes,
sáo desenvolvidos, via de regra, na região sul e em certas á r e a s do sudeste
brasileiro, onde esse processo ocorreu
de modo mais intenso.
2
lio segundo, os pesquisadores se repor-
Acervo. Rio de Janeiro, v
10. n ° 2. pp. 179-198, Jul/dez 1997 - p á g . 179
A
C
E
tam à s necessidades e à s s o l u ç õ e s en-
do Rio de Janeiro, no período que se es-
gendradas pelos setores agrários, em es-
tendeu de 1880 a 1914. Apesar de cons-
pecial grandes cafeicultores paulistas,
tituírem um grupo de grande mobilidade
para manterem o ritmo'da p r o d u ç ã o di-
e altas taxas de retorno, eles chegaram
ante do eminente colapso do sistema
a formar a terceira maior colônia estran-
escravista, extinto em 1888. nessa linha
geira na antiga capital do país. Preten-
de abordagem, há um conjunto de obras,
demos demonstrar, por meio desse es-
tributárias das análises pioneiras de Caio
tudo de caso, que a e m i g r a ç ã o urbana
Prado J ú n i o r , Emilia Viotti da Costa e
se constituiu num fator concorrente da
Florestan Fernandes, que valendo-se de
m ã o - d e - o b r a nacional, especialmente
pressupostos do materialismo histórico,
aquela que fora liberada pela abolição da
procuraram demonstrar como diferentes
escravatura.
5
contextos históricos se articularam para
servir ao avanço do capitalismo e à s clas3
ses dominantes. Ou seja, buscaram explicar o f e n ô m e n o com um enfoque que
explora as c o n t r a d i ç õ e s do capitalismo,
tanto no núcleo repulsor da m ã o - d e - o b r a
quanto no centro de a t r a ç ã o . Daí se conclui que no contexto europeu, onde se
vivenciava uma fase de acelerado cres-
Há um século, nos principais portos do
reino de Espanha, milhares de pessoas
disputavam um lugar nos ' b u q u ê s ' com
destino ao Movo Mundo, empurrados pela
pobreza e intolerância. As autoridades
locais pareciam, mesmo, incentivar aqueles que se desterravam voluntariamente, j á que desde 1853 haviam suprimido
6
cimento do capitalismo industrial, exportar gente constituiu-se um mecanismo eficaz para aliviar a p r e s s ã o e c o n ô m i c a e
demográfica. J á no caso brasileiro, marcado por uma conjuntura capitalista agrário-exportadora, importar m ã o - d e - o b r a
representava uma alternativa viável, capaz de minimizar os traumas da desag r e g a ç ã o da força de trabalho escrava.
Conquanto tenham contemplado q u e s t õ e s
estruturais do panorama e c o n ô m i c o nacional, aqueles autores deixaram a descoberto uma brecha que a historiografia
apenas vem tangenciando: a e m i g r a ç ã o
urbana e suas i m p l i c a ç õ e s .
4
lio presen-
os o b s t á c u l o s legais à e m i g r a ç ã o . 'Fazer a América' significava a perspectiva
do acesso à propriedade da terra, à s
oportunidades de trabalho, à fortuna fác i l e, q u e m s a b e ,
se a V i r g e m
de
Macarena ajudasse, o regresso vitorioso
ao torrão natal. As a g ê n c i a s de emigração ajudavam a alimentar esse sonho,
valendo-se muitas vezes de propaganda
enganosa e falsas promessas. O jornal O
País, na sua edição de 3 de fevereiro de
1887, noticiava a existência de uma dessas 'arapucas', que estaria promovendo
o recrutamento para o Brasil, na capital
espanhola:
te artigo, em rápidos traços, examinaremos a p r e s e n ç a dos e s p a n h ó i s na cidade
Parece que na rua San Quintin em Madri, há uma a g ê n c i a de e m i g r a ç ã o para
p á g . 1 80, j u l / d e z
1997
o
V
o Brasil que oferece passagens gratui-
uma estrutura fundiária arcaica no país.
tas, vinte libras esterlinas ao desem-
Até o ano de 1900, cerca de 2/3 da popu-
barcar e terrenos para fundar c o l ô n i -
lação do Reino se ocupavam direta ou in-
as, n o t í c i a s de Madri
asseguram que
diretamente com as atividades agrárias.
j á estavam inscritas umas oito mil pes-
Mo entanto, à proporção que o n ú m e r o
soas...
C
de habitantes crescia nas á r e a s rurais,
7
os investimentos com a agricultura reonsiderada como uma economia pré-industrial a t é 1873, a
Espanha s ó c o n s e g u i r i a i m -
plantar sua indústria de base e de transformação na d é c a d a seguinte, quando se
consolidaram as posições dos principais
pólos regionais que iriam impulsionar o
processo: na Catalunha foram instaladas
a indústria têxtil algodoeira, a produção
e e x p o r t a ç ã o de vinhos, a siderurgia e a
indústria mecânica; em Biscaia, concentram-se as empresas mineradoras, fixando-se, ainda, as atividades de navegação, comércio de importação e exportaç ã o , e em Madri mantiveram-se as atividades tradicionais das manufaturas préindustriais. Mo p e r í o d o de 1891 a 1917,
a economia j á apresentava uma configur a ç ã o de elementos de industrialização
capitalista, acompanhada de medidas
protecionistas em defesa da p r o d u ç ã o
autóctone."
Ajudaram, de modo decisi-
vo, a financiar o processo "(...) as remessas de dinheiro feitas por emigrantes a
partir de 1890".
traíam-se. Este desequilíbrio, segundo
Pierre Villar, acentuava-se devido à perm a n ê n c i a de p r á t i c a s s e n h o r i a i s . Ma
Qalícia, por exemplo, ainda se pagavam
'censos',
'foros',
'subforos'
em
minifúndios paupérrimos, onde uma família dificilmente conseguia o seu sustento cultivando a terra. Ma própria região da Catalunha, uma das principais
molas propulsoras da industrialização, o
contrato secular da 'rebassa morta' encontrou sobrevivências feudais, quando
uma praga arrasou os vinhedos e os proprietários seculares reclamaram seus d i reitos. Mos outros territórios do sul do
Reino, onde predominavam os latifúndios, a terra apenas mudou de m ã o s , quando se procedeu à d e s a p r o p r i a ç ã o dos
domínios da Igreja. Em Andaluzia, por
exemplo, os terratenentes nem acumularam, nem investiram capitais na lavoura, em virtude de um regime fundiário
de cultivo extensivo, de baixíssima produtividade, em que grandes e x t e n s õ e s
9
estavam destinadas à caça ou à criação
Afora a problemática relacionada com o
desenvolvimento industrial tardio, a emig r a ç ã o espanhola seria fomentada por
um outro conjunto de fatores, em que se
entrecruzaram aspectos demográficos e
q u e s t õ e s decorrentes da m a n u t e n ç ã o de
de touros de corrida.
10
Se as oportunidades no campo mostravam-se escassas, as p r e t e n s õ e s coloniais espanholas e o recrutamento militar
obrigatório tornavam a vida dos camponeses mais difícil. O jornal El Socialista.
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 179-198. jul/dez 19
F
C
A
por exemplo, denunciava que as classes
As estimativas oficiais indicam que em
trabalhadoras nâo podiam, nem deviam
torno de 450 mil e s p a n h ó i s deram ingres-
apoiar as a ç õ e s pró-colonialistas do Qo-
so nos portos brasileiros, entre 1880 e
verno, porque "(...) davam seu sangue e
1914. A cidade do Rio de Janeiro, e n t ã o
reduziam o seu alimento a um grau in-
capital do país, constituiu-se uma das
concebível "." Agravando o quadro, havia
principais portas de entrada dessa mas-
a política de indenização, por parte da-
sa humana. De acordo com nossos cál-
queles que desejavam se desobrigar do
culos, 126.833 hispânicos desembarca-
serviço militar nas colônias. Os jovens,
ram no Rio, naquele período. Chegamos
oriundos das localidades mais empobrecidas
a esse n ú m e r o , compilando as fontes dis-
da Espanha, via de regra situadas nas
poníveis no Arquivo nacional, em especi-
zonas rurais, dificilmente conseguiam
al duas séries de documentos: os livros
pagar aquelas taxas. Para esses m o ç o s ,
de registro do porto do Rio de Janeiro e
que contavam com a cumplicidade dos
as r e l a ç õ e s dos vapores. É importante
agentes de e m i g r a ç ã o , o expatriamento
salientar que os dados quantificados re-
transformou-se numa válvula de escape
ferem-se exclusivamente aos emigrantes
do engajamento o b r i g a t ó r i o .
12
que passaram pelo controle das autori-
Pressionados, ainda, por altas taxas de
dades locais. Especula-se que, na condi-
natalidade, pequenos e m é d i o s proprie-
ção de clandestinos, teriam aportado ou-
tários, bem como lavradores que dispu-
tros 25 mil, o que corresponde a cerca
nham apenas da sua força de trabalho,
de 20% do total de entradas legais.
viam-se obrigados a abandonar povoa-
Em todos os intervalos do gráfico n° 1,
dos e vilas interioranas. Do campo mi-
observa-se a predominância marcante do
gravam para as á r e a s urbanas, na ex-
elemento masculino. A flutuação dos nú-
pectativa de serem absorvidos pela in-
meros demonstra a existência de uma
dústria ou comércio. A Dia crucis, no en-
estreita correlação entre a e m i g r a ç ã o e
tanto, n ã o se encerraria nos grandes cen-
as características do contexto e c o n ô m i -
tros. Analfabetos, na sua grande maio-
co, social e político do centro repulsor,
ria, e sem possuir qualificação para o tra-
anteriormente descritas. lios intervalos
balho fabril, a cidade os rejeitava. O pas-
de 1880-1884 e 1885-1889, o movimen-
so seguinte era tomar o caminho do por-
to de entradas,
to mais próximo e tentar o embarque na
apresentou-se
terceira classe do primeiro ' b u q u ê ' que
sucessivas crises de s u b s i s t ê n c i a , tanto
zarpasse com destino à América. Os Es-
no âmbito continental do Reino quanto na
tados Unidos, a Argentina, o Uruguai e o
parte insular. Se a fome grassava no con-
Brasil, respectivamente, c o n s t i t u í a m - s e
tinente, em razão das m á s colheitas e do
os principais focos de a t r a ç ã o do "paraí-
excesso de p o p u l a ç ã o , as dificuldades
so americano".'
páo, 1 82 . j u l / d e z
3
1997
de a m b o s os sexos,
crescente, refletindo as
n ã o eram menores no a r q u i p é l a g o das
K
O
V
Canárias. Seu principal produto de expor-
aos elementos do sexo masculino, a que-
tação, a cochonilha, ao final da década
da das entradas deve ser relacionada ao
de 1870, passara a enfrentar a concor-
recrutamento militar, ativado em vista
rência da entrada das anilinas artificiais
das guerras coloniais em Cuba e nas F i -
no mercado internacional.
lipinas.
Entre 1890 e 1894 o fluxo deu um enor-
A tendência de queda reverteu-se logo
me salto em relação ao intervalo anteri-
em seguida. Mos intervalos de 1905-1909
or. Os elevados índices atingidos, tanto
e 1910-1914, a quantidade de ingressos
no caso dos homens quanto no das mu-
voltaria a se elevar de maneira significa-
lheres, além da intensificação dos fato-
tiva: c r e s c e u para 16.025 e 3 1 . 7 9 8
res estruturais de repulsão, deve ser cre-
respecticamente, sinalizando não apenas
ditado, ainda, a uma q u e s t ã o de ordem
o recrudescimento de antigos problemas
conjuntural: a d i s s e m i n a ç ã o da filoxera,
econômicos, mas t a m b é m uma reação da
praga que assolou os vinhedos espanhóis
população masculina jovem, que fugia a
e comprometeu a viticultura do país, obri-
uma nova onda de engajamento obriga-
gando os agricultores a abandonarem
tório, motivado pelas p r e t e n s õ e s milita-
suas p l a n t a ç õ e s .
res da Espanha no Marrocos. Essa verti-
14
gem emigratória favoreceu-se do baraO ritmo das taxas de desembarque caiu,
sucessivamente, nos períodos 1895-1899
e 1900-1904. Do ponto de vista econômico, esses dez anos corresponderiam a
teamento dos custos das viagens transatlânticas, que se tornaram mais acessíveis à s camadas menos favorecidas da
população.
15
uma fase em que a economia espanhola
parecia dar mostras de uma lenta recu-
A febre emigratória, que contagiou o no-
p e r a ç ã o . Além disso, no que diz respeito
roeste da Espanha, aparece nitidamente
Gráfico 1 - Porto do Rio de Janeiro: fluxo de entrada de e s p a n h ó i s
(1880-1914)
• homens
11 mulheres
1880-1884
1 885-1889
18
1894
1895-1899
19001904
1905-1909
1910-1914
ro„,e: llvros do por.o do Rio de Janeiro e relaçào dos vapores do oor.o do Rio de Janeiro. Ar.uivo «aciona,.
Acervo. Rio de Janeiro, v. I 0 . n - 2 . P P
1 79-1 98. jul/dez .997
-pag
183
no gráfico n° 2, por meio dos numerosos
capital do a r q u i p é l a g o das Canárias, de-
embarques nos portos de La Coruna,
monstra n ã o apenas a crise provocada
Vigo, Vila Garcia e Lisboa — outro pólo
pela debacle da p r o d u ç ã o da cochonilha.
que t a m b é m servia de alternativa para o
Pode s e r e n t e n d i d a c o m o u m forte
escoamento dos naturais da Galícia. Este
indicativo da fuga e d e s e r ç ã o do recru-
fluxo estava condicionado ao problema da
tamento militar o b r i g a t ó r i o . Cabe aqui
terra naquela região onde, conforme j á
abrir um breve p a r ê n t e s e s para lembrar
se evidenciou, era impossível uma famí-
a p o s i ç ã o e s t r a t é g i c a do a r q u i p é l a g o ,
lia viver dos rendimentos da lavoura.
onde se concentravam armas e tropas
Uma segunda corrente de emigrantes ti-
visando à s i n t e r v e n ç õ e s espanholas no
nha sua origem no sul do Reino. As altas
norte do continente africano.
taxas, apuradas nos centros p o r t u á r i o s
O exame do gráfico n° 2 possibilita, ain-
m e r i d i o n a i s de M á l a g a , Vila Marin e
da, identificar a existência de um quarto
Gibraltar,
16
confirmam o agravamento de
movimento de emigrantes h i s p â n i c o s ,
q u e s t õ e s agrárias na região da Andaluzia,
desta feita provenientes da região do rio
anteriormente tratadas. J á a s a í d a por
da Prata. De Buenos Aires, com destino
Barcelona, m e t r ó p o l e urbana e capital da
ao Rio de Janeiro, partiram 9.439 espa-
Catalunha, permite inferir a ocorrência
n h ó i s , e n q u a n t o que de M o n t e v i d é u
de dois movimentos migratórios sucessi-
quantificamos 5.218. Este refluxo, ao que
vos: do campo para a cidade; da cidade
parece, constituía-se uma e s p é c i e de "ca-
para o exterior.
minho natural de retorno". Embora na
A incidência de embarcados em Tenerife,
d o c u m e n t a ç ã o pesquisada inexistam in-
17
Gráfico 2 - Espanhóis d e s e m b a r c a d o s no Rio de Janeiro
principais portos de procedência
(1880-1914)
• horrens
• mi her es
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
•JiiUiJiiJijji,
fonte: relação dos vapores do porto do Rio de Janeiro. Arquivo nacional.
p á g . 184, j u l / d e z 1997
o
V
formações e dados numéricos capazes de
da República dos Estados Unidos do
comprovar tal hipótese, encontramos num
Brasil em todo o Reino da Espanha. Mo
jornal carioca vestígios da existência des-
mencionado documento, Sastré infor-
sa 'corrente de volta', que merece ser
mava ao parlamentar que, no primeiro
investigada em outra oportunidade:
semestre daquele ano, 65.089 pessoas
O sr. ministro da Agricultura ... autorizou os nossos c ô n s u l e s no Rio da Prata
a conceder passagem por conta do Estado aos que desses p a í s e s desejassem
sair, com o fim de se estabelecerem no
nosso. (...) É geralmente sabido que dentre os imigrantes que procuram a
ca, e principalmente
o Rio da Prata, figu-
ram um auultado número
família
Améri-
que emigra sem
e por isso mesmo no firme
sito de regressarem à pátria,
propó-
logo que con-
seguem por qualquer meio, até mesmo o
criminoso,
algum pecúlio;
trabalho agrícola
que fogem do
e que constituem
um
elemento perigoso no meio em que se co8
locam...'
deixaram o Reino, com destino ao nosso país. Questionava, p o r é m , a qualidade dessa m ã o - d e - o b r a . Mo seu entender, os integrantes daquele grupo,
salvo algumas exceções, não estariam
"verdadeiramente aptos para a agricultura". Segundo o ex-comissário, o governo brasileiro necessitava criar, com
urgência, junto à s suas r e p r e s e n t a ç õ e s
diplomáticas, mecanismos legais para
fiscalizar o recrutamento e seleção de
trabalhadores. Esse processo não deveria permanecer nas m ã o s de agentes inescrupulosos, voltados para o lucro, j á que "... todo o seu afã é mandar gente que serve ou que não serve,
(o grifo é meu).
todo o seu interesse se reduz ao granEnquanto a imprensa dedicava-se ao de-
de benefício das 25 pesetas por passa-
bate sobre a política de emigração e o per-
gem ...".
20
Se Fizermos as contas, com
na prá-
base nas d e c l a r a ç õ e s de Enrique de
tica tudo leva a crer que prevaleceram as
S a s t r é , nos seis primeiros meses de
entradas indiscriminadas, fruto da ganân-
1891 os contratadores e m b o l s a r a m
cia dos agentes no exterior e dos subsídi-
1.627.225 pesetas, uma quantia nada
os generosos que o governo brasileiro ofe-
desprezível, mormente numa época de
recia com o intuito de atrair braços para a
crise.
lavoura.
O segundo indício, percebemos ao exa-
Mo caso dos emigrantes e s p a n h ó i s , des-
minar os livros de registro do porto do
cobrimos dois indicativos dessa situação.
Rio de Janeiro, quando nos deparamos
O primeiro, por meio da leitura de uma
com os chamados contratos de emigra-
carta encaminhada ao deputado federal
ção'. Estes instrumentos legais eram
Antáo de Faria, em 20 de novembro de
utilizados tanto por empresas particu-
1891. Seu autor. Enrique de Sastré, exer-
lares quanto pelos municípios e esta-
cera o cargo de comissário de emigração
dos da federação, quando desejavam
fil da força de trabalho desejada,
19
Acervo. Rio de Jan Iro. v. 10. n ° 1. pp. 1 7 9 - 1 9 8 . J u l / d e i 1997 - p á g . 1 85
E
C
A
importar m ã o - d e - o b r a para fins especí-
preenchimento das i n f o r m a ç õ e s sobre
ficos. Entre 1880 e 1914, identificamos
idade, estado civil, grau de instrução e
apenas 19 contratos, perfazendo 9.298
destino dos emigrantes. Além disso, os
desembarques. Os maiores contratantes
próprios formulários de registro sofreram
foram a Estrada de Ferro Cantagalo e a
tantas alterações, que impedem a mon-
Companhia Metropolitana que 'importa-
tagem de séries quantitativas completas.
ram', respectivamente, 1.004 e 5.673 tra-
Diante destes o b s t á c u l o s , decidimos to-
balhadores. Comparando-se o n ú m e r o de
mar como modelo o perfil delineado pelo
'contratados' com o total geral de entra-
Instituto Espanol de Emigración. Segun-
das naquele período, conclui-se que so-
do esta fonte, o emigrante hispânico m é -
mente cerca de 7,3% dos hispânicos pos-
dio era adulto, do sexo masculino, oriun-
s u í a m emprego garantido ao pisar em
do das zonas rurais, solteiro e costuma-
solo carioca. A maioria, de acordo com a
va viajar desacompanhado, mesmo quan-
nossa p e r c e p ç ã o , apesar da passagem
do casado.
s u b s i d i a d a , l a n ç o u - s e numa aventura
Apesar das dificuldades encontradas, con-
marcada pela p r o m o ç ã o e manipulação
seguimos identificar as profissões de boa
da miséria.
parte d o s i n t e g r a n t e s
21
do u n i v e r s o
pesquisado. Na tabela 1, adiante, classi-
Essas e v i d ê n c i a s nos encaminharam a
ficamos e quantificamos as p r o f i s s õ e s
tentar estabelecer os principais traços ca-
declaradas por setor da economia e sexo.
racterísticos da m ã o - d e - o b r a espanhola
que deu entrada no Rio de Janeiro. Os
Os documentos oficiais n ã o apresentam
testemunhos disponíveis, porém, revela-
o registro da profissão de 21.892 espa-
ram-se precários. Os documentos rara-
n h ó i s , o que corresponde a 17,3% do
mente discriminam a entrada de famílias
universo pesquisado. A o m i s s ã o pode ser
e mostram-se falhos no que se refere ao
um
indício
de
que esse
grupo,
Tabela I
E s p a n h ó i s desembarcados no porto do Rio de Janeiro (1880-1914): p r o f i s s õ e s
por setor da economia ( n ú m e r o s absolutos)
Períodos/profissões
declaradas
Rural
Serviços
Indústria
Sem informação
Masculino
55
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
I\s'>-I884
0
4 W
638
1.794
498
853
369
1885-1889
9
1
5.176
415
4.607
1.6.32
1.752
103
1 WO-IK94
50
4
6.771
1.300
15.333
7.841
2.987
1.012
94
3
2.262
1.069
5.447
1.689
1.463
731
434
74
386
19
3.902
628
2.216
1.010
1 S95-I899
1900-1904
1905-1909
530
34
2.445
569
6.314
1.326
3.011
1.796
1910-1914
1.236
III
7.871
2.617
10.017
5.357
2.329
2.260
1 cil;nv
2.408
227
29.294
6.627
47.414
18.971
U (.1 1
7.281
fontes: Tabela construída a partir das informações contidas nos livros de registro do porto do Kio de Janeiro' e Relação dos vapores',
Arquivo nacional.
p á g . 186, j u l / d e z 1997
o
V
contabilizado na categoria "sem informa-
nais do setor
ção', corresponderia à s entradas de cri-
espelham as condições da m ã o - d e - o b r a
a n ç a s , muitas das q u a i s e m i g r a r a m
no contexto do desenvolvimento industri-
desacompanhadas, segundo o costume
al tardio da Espanha. Dentre os 2.635
da é p o c a , como veremos mais adiante.
indivíduos que se afirmaram operários,
A predominância das incidências no setor rural, em que c o m p u t á m o s um conjunto de 66.385 agricultores, confirma as
t e n d ê n c i a s reveladas no gráfico n° 2, no
qual d i s t r i b u í m o s os r e c é m - c h e g a d o s
pelos portos de procedência e concluímos que a maior parte dos embarques
ocorreram em localidades que serviam
de
escoadouro
para
a
população
campesina, vítima da pobreza e das mazelas
decorrentes
de
da
indústria,
esses
predominavam as profissões ligadas à
construção civil (pedreiros, canteiros e
carpinteiros), n á o havia t é c n i c o s , nem
profissionais especializados, a exemplo
do que ocorreu com emigrantes oriundos
de países de industrialização mais acelerada, que se transferiram para o Brasil, tanto por conta própria quanto por
convite, para participar de projetos de
modernização, tais como estradas de ferro, portos e indústrias de transformação.
estruturas
f u n d i á r i a s arcaicas. P o r é m , conforme
Cumpridas as formalidades de desembar-
alerta em estudo recente Magnus Mõrner,
que, à exceção dos grupos que vieram
devemos ter uma certa dose de descon-
por contrato, pouco se sabe a respeito
fiança diante da declaração da profissão
do destino dos emigrantes e s p a n h ó i s . A
de agricultor, no momento de entrada no
urbe carioca, em princípio, deveria ser-
Tanto os agentes de re-
vir de local de trânsito, e s p é c i e de en-
crutamento quanto os candidatos à emi-
cruzilhada obrigatória, por onde os tra-
g r a ç ã o subsidiada conheciam o notório
balhadores passavam a caminho das á r e -
interesse do governo brasileiro em rece-
as agrícolas do centro-sul. A maioria, por
ber contingentes que se destinassem à
certo, seguiu este rumo. Porém, encon-
lavoura.
tramos vestígios de que uma parcela sig-
país receptor.
22
Quantificamos o ingresso de 35.921 pessoas, cujas profissões declaradas se enquadravam no setor de serviços. Jorna-
nificativa do grupo tomou um outro atalho. Melhor dizendo, ao invés de seguir
para o campo, estacionou na margem esquerda da baía de Guanabara.
leiros e serventes na sua quase totalidade careciam de qualificação profissional
Recuperar a trajetória dos compatriotas
definida. Supomos que eles deveriam fa-
de Cervantes no Rio de Janeiro, a p ó s a
zer parte daquele contingente que migra-
sua passagem pelas autoridades portuá-
ra do campo para as cidades e daí para
rias, assemelha-se a montar um quebra-
o exterior.
cabeças. Comecemos, pois, com as pe-
Quanto aos baixos índices de profissio-
ças oficiais. O recenseamento de 1890,
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997
- pág.187
embora apresente d e f i c i ê n c i a s , indica
Embora os recenseamentos n ã o adotas-
que 30% da p o p u l a ç ã o do Distrito Fede-
sem o critério de quantificar a p o p u l a ç ã o
ral era integrada por estrangeiros. Os de
estrangeira por nacionalidade, segundo
origem espanhola formavam a terceira
as o c u p a ç õ e s exercidas, descobrimos a
maior c o n c e n t r a ç ã o de imigrantes, per-
p r e s e n ç a daquele grupo, trabalhando no
fazendo um total de 10.800 pessoas, das
comércio de retalho e no setor de cafés,
quais 1.296 optaram pela nacionalidade
bares, botequins, p e n s õ e s e hotelaria.
brasileira, consoante a lei da grande naturalização promulgada naquele mesmo
ano.
23
Ho censo realizado em 1906, eles
continuariam a ocupar aquele posto:
24
somavam 20. 699 habitantes, apesar das
taxas
de
retorno
alcançarem
percentual de quase 5 0 % .
um
25
Os naturais de outras regiões da Espanha
dispersaram-se pela indústria da construção civil, setor de transportes e serviços portuários. Integrados ao proletariado urbano, os e s p a n h ó i s chegaram a
liderar algumas das o r g a n i z a ç õ e s de trabalhadores mais influentes da capital fe-
A comunidade hispânica parecia dar pre-
deral: o Centro Cosmopolita, o sindicato
ferência por se estabelecer nos e s p a ç o s
dos trabalhadores da c o n s t r u ç ã o civil e o
centrais do Rio. Aglomerava-se nos dis-
de empregados em hotéis, bares e res-
tritos de Santa Rita, Sacramento, S ã o
taurantes.
J o s é , Santo Antônio, Espírito Santo, Gló-
dades deste g ê n e r o era entendida como
ria e Gamboa, este último situado na zona
um sintoma de 'anarquismo'. Encarados
portuária. Essas á r e a s , densamente po-
como subversivos, esses o p e r á r i o s seri-
voadas, haviam escapado do plano de
am responsabilizados pelo aliciamento
obras de r e m o d e l a ç ã o e saneamento ini-
dos 'dóceis' trabalhadores brasileiros.
28
Aliás, a p r e s e n ç a em enti-
29
ciado em 1902 pelo prefeito Pereira Passos.
26
Ali se localizava a maior incidên-
cia de h a b i t a ç õ e s coletivas da cidade, os
populares 'cortiços'.
27
Isto nos permite in-
ferir que os r e c é m - c h e g a d o s compartilhavam com os segmentos mais baixos
da p o p u l a ç ã o carioca do mesmo p a d r ã o
Homens e mulheres quase sempre traziam indicações de onde conseguir abrigo
e emprego. Geralmente tratava-se de algum patrício, dono de um pequeno negócio, que lhes concedia casa e comida,
em troca de serviços diversos. Veja-se o
caso do sr. Ramon Sobrero, natural de
de moradia.
Vigo. Tinha 17 anos, quando aqui desemO grupo originário da Galícia, por suas
barcou. Segundo seu filho, além da ba-
afinidades étnicas, lingüísticas e culturais
gagem de m ã o , ele trouxe apenas o en-
com os portugueses, foi o que mais se
d e r e ç o de um antigo vizinho, nas cerca-
enraizou no Rio. Tanto assim, que o ape-
nias do cais do porto. Por sorte, a indi-
lido pejorativo de 'galego' servia para
cação estava correta. Tratava-se de uma
designar os ibéricos de um modo geral.
casa de pasto', que fornecia refeições
p á g . 1 88 , j u l / d e z
1 997
O
V
K
para estivadores e o p e r á r i o s . Acolhido
as passagens do irmão e de um primo
pelo patrício, a princípio foi encarregado
que fugira do serviço militar obrigatório.
da limpeza, sem receber dinheiro algum.
Com a ajuda do antigo p a t r ã o , os t r ê s
Dormia no próprio local de trabalho. Mais
abriram um botequim, na "rua Larga es-
tarde, quando
quina com a rua do Acre".
'pegou prática', passou a
30
entregar marmitas e servir os fregueses,
J á o sr. J o s é Maria Carreiras n ã o teve
o que lhe p e r m i t i u ganhar
algumas
um destino muito diferente, nascido em
gorgetas. Depois de alguns anos, pagou
Martos (Andaluzia), j á havia estado em
/ C31.
ICT0.5nr.DT.ion.to
Jnatiça
•
laaooloo
TnTaraa da I»ra.»inlatro
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Trananlttlndo-Toa os inolasos auto» do prooaaao
ralatlro a Joaa Ollrar Talla.haapaaBol.da 56 annoa da liada
filho da Joaõ OllTar Font o Varia Valia Par:.-,rogo Toa dignais da ordanar a sua axpulaâo do tarrltorlo naolonal,ooao
parlgooo a traaqnlllldada puolloa.noa taraoa do art"l
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Daorato n*164] da T da Janalro ultInc.oonrIndo aoerseoantar
qua aaaa lndlTldno não toa poraar.sncla sffsotlra no Braoll.
Sanda a Traternldads.
O Ch«f« 4* Policia;
Cl
^ ^ T ^ ^ ^ ^
C o r r e s p o n d ê n c i a d o chefe de policia para o ministro de Justiça e
processo de expulsão de José Ollver Vale. Rio de Janeiro. 7 de agosto de 1907. Arquivo Nacional.
ccrvo. Rio de Janeiro, v. 1 0 . n ° 2 . p p . 179-198, jul/de* 1997
-pág.189
A
C
B a r c e l o n a , onde exerceu o ofício de
via". Diante desse quadro, n ã o havia ou-
carpinteiro. Desempregado, deixou a mu-
tra alternativa s e n ã o emigrar. Seus pais
lher e quatro filhos para tentar a vida no
fizeram contato com uma parenta afas-
Brasil. Deu entrada no Rio de Janeiro,
tada, que costumava intermediar a vinda
em 1910, aos 32 anos de idade. Com uma
de meninas para o s e r v i ç o d o m é s t i c o .
carta de r e c o m e n d a ç ã o de um embarca-
Junto com d. Joana viajaram outras duas
diço c o n t e r r â n e o , que conseguiu a bor-
adolescentes, com o mesmo fim. Ela ar-
do, apresentou-se no hotel dos Estran-
ranjou um lugar de copeira na residên-
geiros, onde conquistou uma vaga como
cia de um dos diretores de uma compa-
carregador de malas, com direito a per-
nhia inglesa de n a v e g a ç ã o . lia primeira
noitar num quartinho que servia de ves-
oportunidade, mandou buscar dois ir-
tiário para a criadagem. Poucos dias de-
m ã o s , uma menina e um rapaz, que se
pois, ofereceu-se para fazer um peque-
empregaram na vizinhança. Seus salári-
no reparo num móvel da recep ção do ho-
os, durante um bom tempo, foram en-
tel, o que lhe possibilitou exercer a sua
tregues a tal parenta que, a p ó s descon-
profisssão anterior e ganhar um salário
tar a sua parte no agenciamento, os re-
melhor. Suas habilidades o tornaram co-
metia para a Espanha.
nhecido nas redondezas. Além do traba-
Apesar da guarida dos patrícios, nem to-
lho fixo, passou a fazer biscates. Deixou
dos os que aqui desembarcaram foram
o hotel e estabeleceu-se no subúrbio de
bem sucedidos. As especificidades do Rio
I n h a ú m a . A oficina, que n ã o passava de
de Janeiro — um grande entreposto co-
uma portinha acanhada, transformou-se
numa serraria."
32
mercial, onde se concentravam atividades p o r t u á r i a s , a d m i n i s t r a ç ã o pública,
Mulheres e crianças cumpriam um ritual
bancos, casas c o m i s s á r i a s de café e gran-
semelhante. Quando n á o permaneciam
des firmas importadoras — transforma-
agregadas junto a algum parente ou co-
ram-se em fortes o b s t á c u l o s para a ab-
nhecido, a espera de uma oportunidade
sorção dos hispânicos no mercado de tra-
no c o m é r c i o , empregavam-se como do-
balho formal. O problema se tornou ain-
m é s t i c a s em casas de família, p e n s õ e s e
da mais grave quando a Abolição tornou
hospedarias.
Aliás, era comum a vinda
disponível um grande contingente de l i -
de meninas desacompanhadas, contrata-
bertos, oriundos de antigas á r e a s pro-
das para este fim, conforme o depoimento
dutoras de café da província fluminense
da sra. Joana Villa, que aqui aportou aos
e de Minas Qerais, que se deslocou do
11 anos de idade, sozinha, vinda de Pon-
interior para a capital do país. Além dis-
te Sesso (La Coruna). Ela justificava sua
so, no último quartel do século XIX, uma
s i t u a ç ã o , afirmando que "quem n ã o tra-
outra corrente de migrantes desaguou no
balha, n ã o come". E em sua terra natal,
Rio, proveniente do nordeste, onde a seca
"plata (dinheiro) era coisa que n ã o se
e a e x p a n s ã o das usinas de a ç ú c a r em-
p á g . 190. j u l / d e z
1997
O
V
R
purravam os agricultores para o centro-
antecessores, guardam profundo silêncio
sul.
sobre as t r a j e t ó r i a s de vida daquelas
A coexistência de três movimentos
migratórios na cidade — libertos, nordestinos e estrangeiros — iria gerar uma forte p r e s s ã o demográfica, acompanhada da
respectiva s a t u r a ç ã o do mercado de trabalho. Panorama que n ã o se reverteu,
nem mesmo na virada do século, quando
o Rio de Janeiro experimentou um significativo crescimento econômico no processo de transição da manufatura para a
industrialização.
33
O ritmo da multiplica-
ç ã o das fábricas, assim como o desenvolvimento urbano, se mostrariam demasiadamente lentos para absorver tamanha explosão populacional.
pessoas.
35
Outros, menos favorecidos ainda, acabaram descambando para o caminho da
marginalidade. Terminaram por engrossar a escória dos malandros, jogadores,
gatunos, prostitutas, assaltantes, vadios
e rufiões que perambulavam pela cidade, integrando o que J o s é Murilo de Carvalho denominou de "Rio s u b t e r r â n e o " .
36
Ao contrário daquela 'gente honrada', que
se perdeu no anonimato, conseguimos
algumas pistas do paradeiro desse grupo. Seu rastro ficou gravado nas páginas
policiais, como o de Constante Muntoza,
37
conhecido passador de moeda falsa. Ou,
"y este sentido, carentes de qualificação profissional e sem
A
\ | escolarização, uma fatia con-
siderável dos e s p a n h ó i s acabou por perfilar-se junto à multidão dos jornaleiros,
ambulantes e agregados urbanos. A sra.
Joana Villas, em seu testemunho, contou-nos alguns casos pontuais de "gente
honrada" que, para sobreviver "com um
pingo de dignidade", precisou a t é da caridade dos c o n t e r r â n e o s , tal a situação
de penúria. Famílias inteiras que se apertavam num único c ô m o d o , "vivendo de
biscates", e que ao final do m ê s não con-
então, nos documentos do Ministério da
Justiça, em que nos deparamos com personagens como J o s é Crespo, que também atendia pelos nomes de J o s é Crespo Gonçalves e J o s é Iglésias Crespo, espanhol, de 27 anos, solteiro, que se d i zia copeiro, detido por furto e vadiagem
a p ó s seis meses de permanência na c i dade.
38
E mulheres, como Dolores
Navarro Salsedo, 31 anos, costureira,
segundo seu depoimento, presa sob acusação de lenocínio, três meses depois de
ter dado entrada no Rio de Janeiro, vinda de Barcelona.
39
34
seguiam juntar o dinheiro do aluguel. A
m e m ó r i a desses indivíduos, porém, pa-
Entre 1907 e 1914, as estatísticas do Bo-
rece n ã o ter deixado vestígios. Pelo que
letim Policial' indicam que foram detidos
pudemos perceber, durante as nossas in-
638 espanhóis por cometerem os seguin-
vestigações, seus descendentes, hoje em
tes delitos: jogo, porte de arma, briga,
dia c i d a d ã o s respeitáveis, constrangidos
mendicância, embriaguez, vadiagem, ul-
pelos
traje público ao pudor, prostituição e ex-
legados
incômodos
Acervo, R
dos
10 de Janeiro, v. 10, „ • 1. pp. 179-198. Jul/dez 1997 - pag.191
A
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Marcas particulares e cicatriza*
Sobrenome e pseudonymo
a
Filho
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Profissão ^/^fof'^**^'
Ultima resídeftflrÕCU/cU*. Papeis de identidade
Relações
Serviços militares
Condem nações anteriores, seu n.'
IV
ar da^deteni; io iaXuvf/M
a»
'Offu, y./i..
Motivo actual; especificação dat delido
VI
Ficha d e identificação policial de Dolores HIJa, imigrante espanhola acusada j u n t o c o m o m a r i d o , A n t ô n i o
B u e n d i o , de exercer lenocínio. São Paulo, 9 de o u t u b r o de 1907. Parte integrante d o processo d e
e x p u l s ã o d e Lúcia Borges. Arquivo Nacional.
p á g . 192. J u l / d e z
1997
V
R
ploração do lenocínio.
40
O
Comentando essa
movimento operário, inclusive hispânicos,
incidência, Elísio de Carvalho culpava a
teriam sido deportados sob a a c u s a ç ã o
origem dos imigrantes, afirmando que
de lenocínio, o gráfico n° 3 induz-nos a
"... a Espanha, na sua atividade anti-so-
examinar o problema por um outro ân-
cial, é uma s o b r e v i v ê n c i a da b a r b á r i e
gulo.
africana ou asiática".
41
44
na esteira da lei proposta pelo
naquele mesmo
deputado paulista Adolfo Gordo, com o
p e r í o d o , foram processados e repatria-
intuito de 'banir os agitadores estrangeiros
dos 37 e s p a n h ó i s residentes no Rio de
que contaminam o nosso proletariado', as
Janeiro, nos termos da chamada 'Lei
autoridades aproveitaram para 'fazer uma
Gordo' que regulamentou a expulsão de
faxina' nas ruas do Rio de Janeiro, descar-
estrangeiros.
42
tando-se dos indesejáveis sociais, em especial daqueles que não faziam parte da
na s é r i e de processos examinados, os
denominada 'boa imigração'.
crimes de vadiagem e lenocínio prevalecem, seguidos dos de furto e embriaGráfico 3 - Processos de expulsão de espanhóis:
distribuição por crimes
(1907-1914)
guez, evidenciando as mazelas de uma
sociedade em t r a n s i ç ã o , marcada pela
miséria, em que estruturas arcaicas coexistiam com a dita modernidade da 'Paris tropical', idealizada pelos nossos dirigentes. Ao c o n t r á r i o do que sugeria
Elísio de Carvalho, nas p á g i n a s do Boletim Policial', esses dados n ã o espelham
a "criminalidade violenta, bárbara e
atávica da i m i g r a ç ã o " , na verdade, eles
constituem uma pequena amostragem do
universo de excluídos que povoava a cida-
Fonte: Fundo Ministério da Justiça e n e g ó c i o s Interiores,
pacolilhas IJJ' 158; IJJ' 176; IJJ' 143; IJJ' 154, IJJ' 131; IJJ'150,
IJJ'130. IJJ' 159, IJJ' 140. IJJ' 147, IJJ' 159; IJJ' 129; IJJ' 144;
IJJ' 160. IJJ' 145; IJJ' 149, IJJ' 161; IJJ' 154 Arquivo nacional
de. Aliás, a p r o p ó s i t o da alta incidência
de e x p u l s õ e s por lenocínio, numa obra
recente, Lená Medeiros de Menezes identifica, por meio de estudos quantitativos,
uma p r e s e n ç a significativa de prostitutas
espanholas nos b o r d é i s cariocas, e m
especial naqueles situados no caminho
que ligava o bairro da Lapa à Zona do
Mangue.
A concepção das elites brasileiras de que
a força de trabalho estrangeira representava um fator de progresso possuía limites bem delineados. Como demonstra
J o s é de Sousa Martins, as classes dominantes imaginavam o imigrante "morigerado, sóbrio e laborioso", virtudes da ética capitalista que deveriam servir de
43
modelo para o trabalhador n a c i o n a l .
Apesar das suspeitas levantadas por certos autores de que alguns integrantes do
Acervo, Rio de
45
Assim, os anglo-saxões, vistos como os
imigrantes ideais, eram identificados com
J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 1 79-198. Jul/dez 1997 - p á g . 1 9 3
A
C
E
o conhecimento, a técnica e a civilização,
feriores da p o p u l a ç ã o carioca a sua pre-
capazes portanto de contribuir para o de-
s e n ç a significava uma a m e a ç a . lieste
senvolvimento do país; os italianos po-
sentido, o escritor J o ã o do Rio, numa de
deriam ser bem-vindos, desde que na
suas c r ô n i c a s , oferece-nos um retrato
condição de braço forte, capaz de subs-
sem retoques do que se passava pelas
tituir a m ã o - d e - o b r a escrava na lavoura
ruas do Rio de Janeiro. Dizia ele que o
cafeeira. Os e s p a n h ó i s estavam longe de
contingente de desembarcados, crianças,
desfrutar desse mesmo conceito, confor-
mulheres e homens, "ávidos de dinheiro
me se pode constatar:
e gozo", submetia-se a todo o tipo de tra-
A travessa do Comércio ostentou on-
balho, realizando tarefas que antes eram
tem à noite o mesmo triste espetáculo
desempenhadas por escravos, uma vez
a que nos referimos há dias. Dezenas
que encaravam a s i t u a ç ã o de pobreza
de imigrantes espanhóis ali procura-
como t r a n s i t ó r i a . Uma e s p é c i e de mal
vam abrigar-se e passar a noite em
n e c e s s á r i o , desde que n á o voltassem
promiscuidade e (...) quaisquer que
para a sua terra natal, onde teriam de
sejam as causas é deprimente (...). Acreditamos que eles não têm direito ao
acolhimento nas hospedarias do Estado, nem razão justificada para se queixarem da falta de ocupação, mas a sua
vagabundagem e sua miséria, ainda
enfrentar a miséria dos campos e as cidades j á s a t u r a d a s .
47
J á o político e
e n s a í s t a Alberto Torres, preocupado com
a crescente afluência de forasteiros nas
nossas cidades, teorizava sobre o problema, ao afirmar que:
que merecida, não podem continuar
... a imigração quando não se associa-
(...). Dê-se-lhes agasalho, ou permita-
va ao latifúndio, constituía um regime
se-lhes que voltem (...), ainda mesmo
de privilégio a favor do trabalhador es-
com sacrifício do Estado. Os interesses
trangeiro, pois que vedava oportuni-
da
são muito mais im-
dades melhores ao trabalhador nacio-
portantes do que os motivos regula-
nal, de que na verdade náo se cogita-
mentares que possam explicar e até jus-
va num único programa que pudesse
tificar o abandono daquela gente.(...)
resgatá-lo ou redimi-lo.
boa
imigração
48
mais vale perder alguns contos de réis
Podemos observar que a disputa come-
em fazê-los regressar à Europa, do que
çava pela o c u p a ç ã o de um e s p a ç o priva-
tê-los aqui nas ruas como espantalhos
do,
de outros imigrantes, como argumento
superlotadas h a b i t a ç õ e s coletivas, onde
aos inimigos da imigração européia para
a classe pobre se apinhava. rio e s p a ç o
8
o Brasil (grifo meu).*
ou seja,
por
um c ô m o d o
nas
público, a situação era a mesma, ü ã o foi
Se para a nata da opinião pública a imi-
por acaso que o cronista Luís Edmundo,
g r a ç ã o espanhola n ã o representava um
outro observador arguto dos contrastes
fator de progresso, para os extratos in-
da sociedade carioca, nas suas a n d a n ç a s
p á g . 1 9* . J u l / d e z
1 997
O
V
K
pelo centro, nos arredores do morro de
tos, mas t a m b é m acerca da nacionalida-
Santo Antônio, colheu este depoimento de
de das candidatas aos empregos,
uma negra liberta, que ilustra o drama
lieste
da luta pela sobrevivência, num merca-
presentava um adversário perigoso, numa
do de trabalho saturado:
contenda em que os nacionais j á entra-
sentido,
o estrangeiro
re-
Uma terra táo rica e a gente a morrer
vam em desvantagem, visto que as me-
de fome, sem trabalho!
lhores oportunidades e r e m u n e r a ç õ e s fi-
que
manda
buscar
Governo mau,
gente
de
fora,
cavam com os imigrantes, sobretudo na-
Governo que
queles setores da economia que não ca-
não cuida de nós. Sorte madrasta que
reciam de pessoal qualificado ou semi-
nos persegue desde que nascemos (o
qualificado, como o da p r e s t a ç ã o de
quando aqui sobra gente.
grifo é meu).
serviços e o comércio de varejo, nicho
49
Para por à prova as palavras dessa a n ô nima informante, tomemos um caso cor-
em que a maioria dos hispânicos se concentrou.
riqueiro, como o das mulheres que tra-
Decorridos cem anos, os papéis inverte-
balhavam
família.
ram-se. Assistimos hoje a um ciclo de re-
Pesquisando na s e ç ã o dos classificados,
fluxo, ainda que de proporções modes-
nos jornais de época, Mary Heisler Men-
tas. ' O centro repulsor, o Brasil dos a l -
d o n ç a Mota descobriu que uma empre-
tos e baixos dos planos econômicos. O
gada doméstica branca, de origem anglo-
centro de atração, a Espanha da estabi-
s a x ã , p o d i a e m m é d i a conseguir a t é
lidade política e financeira, porta de en-
100$000 mensais, com uma folga sema-
trada para o ' p a r a í s o ' da Comunidade
nal, vinho nas refeições e horário das 8
Européia. Favorecidos por uma nova le-
à s 19 horas. Portuguesas e espanholas
gislação, que lhes estendeu a cidadania,
ganhavam a t é 80$000, enquanto que as
descendentes de imigrantes e s p a n h ó i s
negras libertas recebiam 60$000 para o
lançam-se na rota inversa das g e r a ç õ e s
mesmo s e r v i ç o e jornada de trabalho
precursoras. Caberá indagar se as belas
em
casas
de
mais extensa, das 5 à s 19 horas.
50
5
cidades da terra de Cervantes lhes re-
Essas
servam um caminho menos atribulado do
faixas salariais deixavam bem claro os
que o percorrido por seus antepassados
diferentes níveis de hierarquia, estabe-
no Rio de Janeiro.
lecidos n ã o apenas em relação aos liber-
N
O
T
A
o
1 • Brasil, Conselho liacional de Estatística, 1970.
2. José Fernando Carneiro. "O Império e a colonização do Rio Qrande do Sul", Fundamentos da
cultura rio-grandense.
Faculdade de Filosofia, Porto Alegre, 4 série, 1960; José Dacanal et
a
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - p á g . 195
A
C
alii. Rio Grande do Sul: i m i g r a ç á o e c o l o n i z a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980. Mais
recentemente, veja-se, por exemplo, Elizabeth Filippini, Terra, família
e trabalho: o n ú c l e o
colonial B a r ã o de J u n d i a í , 1887-1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo. FFLCH, Universidade de S ã o Paulo, ^1990.
3.
a
Caio Prado J ú n i o r , História
econômica
do Brasil, 14 ed., S ã o Paulo, Brasiliense, 1971;
Emilia Viotti da Costa, Da monarquia à república:
momentos decisivos, 2 ed., S ã o Paulo,
Livraria Editora C i ê n c i a s Humanas, 1979; Elorestan Fernandes, "Immigration and race relations
in S ã o Paulo", Magnus Mòrner (org.), Kace and class in Latin America, Mova York, Columbia
University Press, 1970. Ver, ainda, Paula Beiguelman, A crise do escrauismo e a grande imigração,
S ã o Paulo, Brasiliense, 1981.
a
4.
Poucos trabalhos s ã o dedicados à t e m á t i c a da e m i g r a ç ã o urbana. Ver A n t ô n i o J o r d ã o , O
imigrante espanhol em São Paulo, S ã o Paulo, Departamento de I m i g r a ç á o e C o l o n i z a ç ã o ,
1963. Ver, ainda, Anne Marie Pescatello, Both ends of the journey: an h i s t ó r i c a ! study of
migration and change of Brazil and Portugal, 1880-1914, tese de doutoramento, C a l i f ó r n i a ,
Universidade da C a l i f ó r n i a . 1970; Beaujeu J . Qarnier, "As m i g r a ç õ e s para Salvador", Boletim
Baiano de Geografia, Salvador, 2 (7-8), 1961. Dentre as obras mais recentes, ver Maria Suzel
Qil Frutuoso, Emigração
portuguesa e sua influência
no Brasil: o caso de Santos — 1850 a
1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo, FFLCM, Universidade de S ã o Paulo, 1990.
5.
L ú c i a Maria P. G u i m a r ã e s , Espanhóis
no Rio de Janeiro
(1880-1914):
contribuição à
historiografia da i m i g r a ç á o , tese de livre d o c ê n c i a apresentada ao IFCN da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988.
6.
Magnus Mõrner, Aventureros
torial Mapfre, 1992, p. 58.
7.
O País,
8.
Miguel Martinez Cuadrado, "La burguesia conservadora (1874-1931)", Miguel Artola (dir.),
História
de Espana Alfaguara VI. 8 ed., Madrid, Alianza Universitad, 1986, pp. 162-165.
y proletários:
los emigrantes en hispanoamerica, Madrid, Edi-
Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de
1887.
a
9.
Javier Martinez Arevallo, "Remessas de emigrantes y balanza de transferencias",
Economia Espanola, Madrid, v. 11, 1982, pp. 12-139.
Papeles
de
10. Pierre Villar, Historia de Espana. Lisboa, Livros Horizonte, [s.d.], p. 76. C o l e ç á o Horizonte n ° 9.
11. Cf. Miguel Martinez Cuadrado, op. cit., p. 233.
12. Magnus Móner, op.cit., p. 64.
13. Lúcia Maria P. G u i m a r ã e s , " V i s õ e s e d ê n i c a s " , em Maria Tereza Brites Lemos (org.),
América
Latina em discussão
- Congresso América
92, Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, 1994, pp. 165-171.
14. Jordi Nadai, La población
espanola,
3
a
ed., Ariel, Barcelona, 1973, pp. 184-197.
15. Acerca dos valores das passagens t r a n s a t l â n t i c a s , n ã o dispomos de dados em moeda espanhola. P o r é m , para se fazer uma i d é i a de como os p r e ç o s das viagens tornaram-se progressivamente mais a c e s s í v e i s , basta dizer que em 1903 um bilhete de terceira classe G ê n o v a - R i o
de Janeiro custava em m é d i a cem liras. Em 1906, o mesmo bilhete podia ser adquirido por
setenta liras.
16. Gilbraltar, embora fosse p o s s e s s ã o inglesa, era considerado porto livre. Passagens e embarques estavam livres dos impostos e s p a n h ó i s .
17. Magnus Mòrner, op. cit., p. 65.
18. O P a í s , Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1885. Veja-se, ainda, O País,
m a r ç o de 1885.
Rio de Janeiro, 5 de
19. Ver a esse respeito, Lená Medeiros de Menezes, Modernização
e imigração
no Brasil: progressos e imobilismos (1850-1888), d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, UFF, 1986.
20. Enrique S a s t r é , Carta de . . . . datada de Santander, 20 de novembro de 1891, dirigida ao
deputado geral A n t ã o de Faria. Manuscrito de propriedade da sra. Naida Vânia Petsold Gomes, de Porto Alegre. Devo a c ó p i a desta fonte ao prof. Jaime Antunes.
21. Octavio Cabezas Moro (org.), Emigración
espanola: e v o l u c i ó n h i s t ó r i c a , s i t u a c i ó n actual y
problemas, Madrid, Instituto Espanol de E m i g r a c i ó n / M i n i s t é r i o dei Trabajo, 1970.
22. Magnus Móner, op. cit., p. 80.
p á g . 196. j u l / d e z
1997
O
V
K
23. Brasil, Diretoria-geral de E s t a t í s t i c a , Recenseamento, realizado em 31 de dezembro de
Rio de Janeiro, Oficina E s t a t í s t i c a , 1898, pp. 236-237.
1890,
24. Brasil, Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal), realizado em 20 de setembro de
1906, Rio de J a n e i r o , Oficina E s t a t í s t i c a , 1907. Esses n ú m e r o s oficiais t a m b é m s á o
q u e s t i o n á v e i s , considerando as estimativas das entradas ilegais.
25. Magnus Mòner, op. cit. p.
100.
26. Veja-se Oswaldo Porto Rocha. A era das demolições:
cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920,
d i s s e r t a ç ã o de mestrado. Universidade Federal Fluminense, 1983.
27. Lilian Fessler Vaz, Contribuição
ao estudo da produção
e transformação
tação no Rio Antigo, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, IPPUR/UFRJ, 1981.
28. Sheldon Leslie Maram, Anarquistas, migrantes e o movimento
1920), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 19-22.
operário
do espaço
da habi-
brasileiro
(1890-
29. Idem, ibidem, p. 65.
30. Depoimento do sr. Guilherme Sobrero concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 12 de
janeiro de 1988.
31. Depoimento da sra. Maria Dolores Cintra, neta e herdeira de J o s é Maria Carreiras, concedido
à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1987.
32. O depoimento da sra. Joana Vila foi concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto
de 1987. Naquela o c a s i ã o , d. Joana completara cem anos e recebera o título de moradora
mais antiga do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
33. Cf. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital
industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, v. 2, p. 463.
34. Depoimento da sra. Joana Vila concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de
1987.
35. Michelle Perrot, "Os segredos dos s ó t á o s " , e "Práticas da m e m ó r i a feminina", Maria Stela
Martins Bresciani (org.), A mulher e o espaço
público.
Revista Brasileira de H i s t ó r i a , S á o
Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 9, n. 18, p. 12, agosto/setembro de 1989.
36. J o s é Murilo de Carvalho. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a R e p ú b l i c a que n á o foi, S ã o
Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 77.
37. O P a í s , Rio de Janeiro, 17 de julho de
38. Arquivo Nacional, IJJ
7
158/1223.
39. Arquivo Nacional. IJJ
7
145/834.
40. Boletim
1886.
Policial, Rio de Janeiro, maio de 1907 a dezembro de
1914.
41. Idem. p. 218.
42. A e n t ã o denominada Lei Gordo refere-se ao decreto n ° 1.641, proposto pelo deputado
federal Adolfo Gordo, que regulamentava a e x p u l s ã o de estrangeiros. Sua origem e s t á ligada ao processo de r e p r e s s ã o à s greves o p e r á r i a s que se intensificaram em 1906.
43. L e n á Medeiros de Menezes, Os estrangeiros e o comércio
do prazer nas ruas do Rio de
Janeiro (1890-1930). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992, pp. 51-52.
44. Cf. Sheldon Leslie Maram. op. cit., p. 43. Ver, ainda, Sheldon L. M., "The immigrant and the
Brazilian labor movement, 1890-1920", Dauril Alden fie Warren Dean (ed.), Essays concerning
the socio-economic
history of Brazil and Portuguese and índia, Gainesville, University Press
of Florida, 1977.
45. J o s é de Sousa Martins, O cativeiro da terra, S á o Paulo. C i ê n c i a s Humanas, 1979, p. 130.
46. O P a í s , Rio de Janeiro, 8 de janeiro de
47.
Joáo
do Rio, A a/ma encantadora
1889.
das ruas. Rio de Janeiro, O r g a n i z a ç õ e s S i m õ e s ,
48. Alberto Torres, O problema nacional brasileiro.
Nacional, 1938, p. 244. ( C o l e ç ã o Brasiliana).
3
a
edição, 5
a
1952.
s é r i e , S á o Paulo, Cia. Editora
49. Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo, Rio de Janeiro. Ed. Conquista, 1957,
vol.,
2
o
p. 249.
Acervo, Rio de J a n e i r o , v. . O . n ° 2 . p p .
1 79-1 98. Jul/dez .997
-pág.197
50. Mary Heisler M e n d o n ç a Mota. Imigração
e trabalho industrial - Rio de Janeiro
(1889-1930),
d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1982, p. 183.
51. Para fins de c o m p a r a ç ã o , veja-se a p r o p o r ç ã o que tomou nos ú l t i m o s anos a e m i g r a ç ã o de
brasileiros descendentes de imigrantes japoneses.
A
B
S
T
R
A
C
T
This article analyses the Spanish immigration in Rio de Janeiro between 1880 and 1914. These
immigrants were the third biggest foreign colony in the city during that period.
The author intends to discuss the idea that foreign urban immigration was in competition with
national handwork, mainly those who were settled free after the slavery abolition in 1888.
Cet article analyse Ia route e x p l o r é e par les immigrants Espagnols à Ia ville du Rio de Janeiro,
entre 1880 et 1914. lis ont constitua Ia t r o i s i è m e plus grande colonie d ' é t r a n g e r s au Rio. Par
cette é t u d e de cas 1'auter montre limmigration urbaine en faisant concurrance à Ia main-d'oeuvre
nationale, p a r t i c u l i è r e m e n t celle qu' é t a i t l i b e r é e par 1'abolition de 1'esclavage.
Paula Ribeiro
Mestranda em História Social - PUC/SP.
M^ultiplicidade É t n i c a no
R i o de J a n e i r o
U m i estudo soWe o S
ruas das cidades
A maioria dos estrangeiros
á r a b e s . . . Os
residentes no Rio de Janeiro
procuram se estabelecer em
estabelecimentos pequenos e
bairros onde
acanhados n á o revelam o
predominem
numericamente
gosto que preside o c o m é r c i o
seus
p a t r í c i o s . Assim se formam
moderno.
bairros de fisionomia
E a l í n g u a que ali predomina
singu-
lar no panorama urbano.
não é o português. É o
Fomos visitar o bairro s í r i o na
árabe.
rua da A l f â n d e g a , p e d a ç o do
Diário
Cairo transportado ao seio
1933.
de notícias,
m a r ç o de
da m e t r ó p o l e brasileira... um
aspecto bizarro, pitoresco,
ú n i c o , impressiona
de
e s p a ç o conhecido hoje como
O:
1
| Saara, localizado no centro da
pronto.
Lojas m i n ú s c u l a s , verdadeiros arsenais de
P R O J E T O M E M Ó R I A DO S A A R A
bugingan-
gas... fazendo lembrar as
cidade do Rio de Janeiro, em
uma área protegida pelo corredor cultural da prefeitura, é composto por 11 ruas,
acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . „ • 2. pp. 199-2!2, jul/dez 1997 - pao,199
A
C
1.250 estabelecimentos comerciais e é si-
E
cadorias e formas de comercializar na
n ô n i m o , para os cariocas, de comércio
região. A entrada dos imigrantes chine-
popular e mercadoria barata.
ses, na d é c a d a de 1960, e mais recente-
Mo entanto, no início deste século essas
mente dos coreanos, altera mais uma vez
ruas j á eram ocupadas por imigrantes
o Saara, tanto do ponto de vista da ocu-
de
pação
origem
portuguesa
que
quanto
do
comércio.
Essa
c o m e r c i a l i z a v a m , p r i n c i p a l m e n t e , no
heterogeneidade étnica e a singularida-
ramo de atacado de tecidos e g ê n e r o s
de deste e s p a ç o lhe conferem uma mar-
alimentícios.
ca única na cidade.
A posterior o c u p a ç ã o por imigrantes de
O Projeto Memória do Saara, constituído
origem semita — libaneses, sírios cris-
por uma equipe multidisciplinar de pes-
t ã o s e judeus do Oriente Médio e Europa
quisadores, ligados à s linhas de estudos
Central — introduz novos hábitos, mer-
da etnicidade e cultura urbana da Coor-
Interior de loja de especiarias no Saara. Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ.
p á g . 200. j u l / d e z
1 997
R
V
O
d e n a ç ã o Interdisciplinar de Estudos Cul-
Gravados e transcritos, esses depoimen-
turais - CIEC/Universidade Federal do Rio
tos constituem um material de grande ri-
de Janeiro, pesquisou, fotografou e fil-
queza sobre a história da imigração no
mou esta região muito pouco estudada
Rio de Janeiro e focalizam, num contex-
no contexto da história da cidade.
to social e cultural próprio, o Saara.
As
referências
documentais
e
O resultado dessa pesquisa foi incorpo-
iconográficas do local s ã o bastante es-
rado ao acervo permanente do Núcleo de
cassas, assim como poucos s ã o os rela-
Documentação da CIEC.
5
tos de cronistas e memorialistas. A ausência de estudos quanto aos grupos ét-
SÍRIOS E LIBANESES NO S A A R A
nicos que ali se estabeleceram e a falta
P
de uma m e m ó r i a organizada desses grupos — que pouco registraram e preservaram sua história — criaram uma grande lacuna sobre o tema.
ara abordar a q u e s t ã o da construção da identidade cultural do
Saara e a definição de seus ele-
mentos, é n e c e s s á r i o que se entenda
2
este espaço como possuidor de tradições
A pesquisa da história do Saara baseou-
culturais múltiplas, composto por uma co-
se, prioritariamente, nos relatos dos imi-
letividade que se mantém através de uma
grantes, suas histórias de vida e trajetó-
"... tradição viua conscientemente elabo-
rias. A utilização da história oral como
rada que [passa] de geração para gera-
fonte documental permitiu conhecer as-
ção, que [permite] individualizar ou tor-
pectos do cotidiano do Saara sob um pon-
nar singular e única uma'comunidade re-
to de vista mais afetivo e individual, "in-
lativamente à s outras". Cada grupo ét-
corporando assim elementos e perspec-
nico que ocupa o Saara possui uma cul-
6
tivas à s vezes ausentes de outras práticas históricas".
tura própria, perpetuada pela construção
de uma memória que lhe permite
3
dife-
renciar-se e tornar-se único. E é esta mePor meio das entrevistas, apreende-se a
importância do Saara para os que ali se
estabeleceram e a m e m ó r i a que compar-
mória que faz com que os grupos se relacionem uns com os outros e construam
a memória coletiva do lugar.
tilham deste e s p a ç o . Podemos dizer que
as narrativas encontram 'pontos de apoio'
Apesar do Saara ser visto como um "es-
umas nas outras, atestando a afirmação
paço á r a b e ' na cidade, h o m o g ê n e o na
de Maurice Halbwachs para quem a me-
sua formação, a presença de imigrantes
mória é vista como um fenômeno social,
sírios e libaneses cristãos e de imigran-
e que, ao rememorarmos, "nos coloca-
tes judeus sefaradim (oriundos do Orien-
mos no ponto de vista de um ou mais
te Médio) e ashkenazim
grupos" e nos situamos "em uma ou mais
pa Central e Oriental) configurou um
correntes do pensamento coletivo".
4
7
(vindos da Euro8
Saara de unidades e diferenças. Aparen-
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . n» 2. pp. 199-212, jul/dez 1997 - p á g . 2 0 1
A
C
E
temente, os imigrantes de origem á r a b e
renças s ã o 'negociadas' e eles se apre-
e os de origem judaica n ã o se diferenci-
sentam como um grupo único e h o m o g ê -
am. Por ocuparem o mesmo lugar e nele
neo diante da sociedade e, mais especi-
terem criado uma estreita rede de rela-
ficamente, junto aos novos grupos de
ç õ e s sociais e comerciais, s ã o vistos, de
imigrantes que ocupam o Saara. Daí de-
modo geral, como membros de um mes-
riva uma identidade étnica do lugar, ba-
mo grupo. A interação entre eles que, a
seada não apenas na idéia de demarca-
princípio, poderia ser vista como "com-
ção de um e s p a ç o na cidade, mas tam-
petitiva e conflituosa" é, ao c o n t r á r i o ,
bém buscando uma unidade de interes-
"componente essencial para o processo
ses comercial e cultural, para preservar
de formação e de definição" do e s p a ç o
seus valores é t n i c o s .
Saara.
10
9
Criam, como uma grande 'estratégia' de
Os judeus n ã o devem ser analisados ape-
sobrevivência e p e r m a n ê n c i a , o que o
nas sob o prisma da religião mas, sim,
descendente de imigrantes
pela diversidade de línguas, de costumes
Demétrio llabib chama de "uma peque-
e, até mesmo, de origens. Possuem, no
na ONU no Rio de Janeiro".
entanto, uma identidade própria, que se
denomina identidade judaica, que imprimiram ao local e que os distingue.
libaneses
E essa é a nossa Saara, uma c o n v i v ê n cia entre á r a b e s , judeus, coreanos, palestinos, brasileiros, portugueses,
es-
Os imigrantes de origem síria e libanesa
p a n h ó i s . Hoje, n ó s temos aqui uma pe-
t a m b é m possuem t r a ç o s culturais dife-
quena ' n a ç ã o Unida'. Aqui no
rentes, e imprimiram ao local marcas que
v o c ê encontra de tudo, todas as religi-
ali se perpetuaram. Ma sua maioria s ã o
õ e s , todos os times de futebol. S ó que
Saara
c r i s t ã o s , mas se d i f e r e n c i a m entre
maronitas e ortodoxos; em menor n ú m e ro, os católicos melquitas e os muçulmanos. A p r e s e n ç a de outros imigrantes,
como os a r m ê n i o s , os gregos, os espanhóis, associada aos de outras culturas,
fazem do Saara um e s p a ç o diferenciado
e de m u l t i p l i c i d a d e é t n i c a no Rio de
Janeiro.
É interessante notar, no entanto, que,
apesar das diversidades e das adversidades 'tradicionais' entre á r a b e s e j u deus, eles tendem a se reunir e a agir
conjuntamente naquele e s p a ç o . As dife-
p á g . 202 . j u l / d e z
1 997
Logotipo de loja de família libanesa no Saara.
Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ.
V
o
é expressamente proibido discutir raça,
No censo de 1906, a freguesia do Sacra-
r e l i g i ã o e cor. "
mento — região que incorporava o que é
hoje o Saara — registrava um grande nú-
A
R U A DA A L F Â N D E G A E A
'TURQUIA
O
mero de estrangeiros recenseados, entre
PEQUENA'
eles os portugueses e os de origem 'síria';
perfil da atual comunidade do
Saara c o m e ç o u a ser traçado
no censo de 1920, é expressiva a presença
de imigrantes da Turquia-asiática'.
em fins do século XIX, quando
Os primeiros s í r i o s e libaneses come-
se identifica a chegada dos primeiros imi-
çaram a chegar ao Brasil ainda nos anos
grantes de origem síria e libanesa. Eles
70 do s é c u l o passado. Todas as esta-
se estabeleceram nas imediações da pra-
t í s t i c a s a seu respeito s ã o imprecisas,
ça da República e da rua da Alfândega,
pois foram registrados como turcos,
que j á existia no século XVII com o nome
t u r c o - á r a b e s , s í r i o s ou
de caminho do Çapueruçu e era a princi-
Knowlton
pal rua da região. Essa área era ocupa-
destos e irregulares a t é por volta de
da, simultaneamente, por residências e
1895;
apurou
daí
em
libaneses...
contingentes
diante
o
mo-
fluxo
pelo comércio, abrigados num conjunto
i m i g r a t ó r i o se adensou para, a partir
a r q u i t e t ô n i c o originário do século XIX.
de 1903, crescer ininterruptamente a t é
Havia, ainda, um grande atacado de te-
as v é s p e r a s da Primeira Querra. O ano
cidos e produtos importados de propri-
de 1913 registrou a chegada de 11.101
edade de imigrantes de origem portuguesa.
12
imigrantes. Nos anos 2 0 o movimento
foi revitalizado com um contingente
As ruas adjacentes, como a Senhor dos
Passos, a Buenos Aires — em outros tempos chamada de rua do Hospício —, a
avenida Tome de Sousa, e n t ã o rua do
Núncio, e que hoje tem sua continuação
ao redor de 5 mil entradas anuais. A
partir de e n t ã o , a d e p r e s s ã o e o sistema de cotas adotado pelo governo brasileiro
colocaram
o
movimento
i m i g r a t ó r i o em n í v e i s baixos.
13
chamada de República do Líbano, também faziam parte do que ficaria conhe-
Os imigrantes sírios e libaneses que che-
cido como 'Turquia pequena'. Caracteri-
garam ao Rio de Janeiro, no final do s é -
zavam-se pelos sobrados antigos que
culo XIX, eram, na maioria, rapazes sol-
serviam tanto de moradia para os imi-
teiros, cristãos, de cidades pequenas e
grantes quanto para as atividades eco-
de aldeias agrícolas. Vieram de
nômicas, centradas no comércio de ar-
que faziam parte do território da Grande
marinhos e de g ê n e r o s alimentícios, além
Síria, que estava sob a dominação turco-
das atividades ligadas ao atacado de te-
muçulmana do Império Otomano. No Lí-
cidos — importador e exportador — como
bano, os conflitos religiosos entre católi-
cordoarias, caixotarias e d e p ó s i t o s .
cos e drusos — seita derivada de uma
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 199-2 1 2 . j ul/dez 1997
regiões
- pág.203
i:
c
dissidência islâmica — eram intensos, as-
grantes que, logo, s ã o apelidados gene-
sim como na Síria que, no final do século
ricamente de 'turcos', como pode ser
passado, presenciava conflitos religiosos
conferido pelo depoimento de Demétrio
entre cristãos e m u ç u l m a n o s .
14
Em am-
Habib ao Projeto Memória do Saara:
bos os p a í s e s , a desigualdade social e
Papai nasceu em Beirute, capital do
religiosa e o intervencionismo turco-
Líbano, e por ser cristão-ortodoxo e
otomano, que dominou a região a t é o fi-
para fugir da perseguição otomana, ele
nal da Primeira Guerra Mundial, levaram
veio para o Brasil. Em boa hora, pois
à e m i g r a ç ã o , que foi bastante expressi-
esse é um país maravilhoso. Então vem
va no final do século XIX e início do XX.
no seu passaporte: local de nascimen-
Ma América do Sul, a l é m da Argentina e
to: Beirute; nacionalidade: síria; pas-
do Uruguai, o Brasil recebe esses imi-
saporte: turco. Daí nós sermos chama-
Imigrantes a r m ê n i o s n o Rio d e J a n e i r o . D é c a d a d e 1 9 3 0 . A r q u i v o
p á g . 2 0 4 . Jul/dez
1997
particular.
O
V
K
dos de 'turcos'. A priori era uma pretensa
numa s i t u a ç ã o melhor e aí surgiu um
nacionalidade... depois passou a ser pe-
sobrado... montamos um
jorativo.
de meias. E aí c o m e ç o u a nossa vida.
depósito
Sabiam pouco do Brasil: as notícias che-
A maioria, no entanto, iniciou a vida
gavam por cartas que contavam as mara-
como vendedor ambulante — atividade
vilhas do país e despertavam a curiosida-
que, no Rio de Janeiro do final do s é -
de e o desejo da imigração. Muitos, no en-
culo passado, era desempenhada
tanto, i m b u í d o s de um espírito aventurei-
los imigrantes portugueses e, posteri-
ro, sonhavam em 'fazer a América', pros-
ormente, pelos italianos. A ajuda inicial
perar e retornar ao país de origem. De
para adquirir mercadorias era muito
uma forma geral, adaptaram-se facilmen-
importante, e o primeiro crédito na loja
te, e, apesar de originários de regiões agrí-
de um patrício correspondia a um voto
colas, estabeleceram-se nos centros urba-
de confiança ao r e c é m - c h e g a d o . Ven-
nos e dedicaram-se à s atividades comer-
diam cortes de fazenda, artigos de ar-
ciais. Os r e c é m - c h e g a d o s instalavam-se
marinho e colchas, e eram conhecidos
próximos uns aos outros, o que permitia a
como mascates. Alguns foram trabalhar
criação de um núcleo de imigrantes de uma
como representantes comerciais em fir-
mesma origem, muitos oriundos de uma
mas atacadistas e viajaram para o in-
mesma cidade e de uma mesma família.
terior do estado do Rio, Bahia e Minas
pe-
Gerais, oferecendo tecidos e miudezas.
Trabalhavam c o m afinco e procuravam
conseguir recursos para iniciar um negócio próprio, como foi o caso da família de
imigrantes a r m ê n i o s Paboudjian, que che-
Ma década de 1920, o Brasil é o país
que mais recebe imigrantes libaneses,
no Rio de Janeiro, um grande número
estabeleceu-se na rua da Alfândega —
gou ao Rio de Janeiro em 1926:
'rua dos Turcos'— ou no chamado 'bairHouve um massacre de a r m ê n i o s pela
ro árabe', com trajetórias semelhantes
T u r q u i a . . . meus pais [fugiram para] o
à do imigrante Wadih Bedran, de Zahle,
L í b a n o . . . O destino deles era o Uruguai,
no Líbano:
mas chegando aqui no cais do porto do
Meu pai era agricultor... nozes, a m ê n Rio de Janeiro houve um problema com
doas, uva, figo para consumo. A mia s a ú d e p ú b l i c a . . . um problema na vista
nha m ã e veio para o Brasil... veio moe n ã o p o d i a m seguir viagem. Meu pai
rar na praça da R e p ú b l i c a .
c o m e ç o u torrando amendoim, ele
tor-
rava, a minha m ã e ensacava e eu vendia
Ele tinha que tomar conta da terra lá
na porta do Campo de Santana. Depois
e ela veio com os parentes dele. Veio
ele c o m p r o u uma banca de cigarros e
para g a n h a r d i n h e i r o ,
c o m e ç o u a vender na rua da A l f â n d e g a ,
rua... a p r o f i s s ã o aqui, para todos os
na esquina de Tome de Sousa. J á estava
libaneses.
v e n d e r na
« e r v o . Rio de Janeiro. ». 10. n ° 2. pp. 199-212. Jul/dez 1997
- pág.205
E
C
A
Eu vim depois e comecei a trabalhar
Também
na mesma coisa que ela...
nham muitos, fugindo do militarismo.
As p e r s e g u i ç õ e s religiosas e as dificuldades e c o n ô m i c a s em suas terras de origem t a m b é m trazem os judeus à rua da
em
1910,
1911,
1912,
A Turquia mandava a rapaziada
vi-
servir
o e x é r c i t o , eles n ã o queriam servir o
e x é r c i t o turco. E todo mundo quando
tinha 14, 15 anos vinha para o Brasil.
Alfândega.
Meu primeiro i r m ã o , Eliahu, veio em
O fluxo da imigração judaica para o Brasil foi, de certa forma, irregular e dependeu de fatores vários, como as perseguiç õ e s religiosas em seus p a í s e s de origem e a convocação dos jovens para um
serviço militar abusivo. Antes da Primeira
Guerra Mundial, os judeus chegaram ao
1926.
Pio navio dele vinham mais qua-
renta f a m í l i a s . O segundo, chama-se
J o s é , chegou em
1928
e começou a
trabalhar como vendedor ambulante.
Em 1929,
chegou o outro, Aslam, que
veio com
13 anos para se juntar
irmãos.
aos
1 6
Rio de Janeiro impulsionados por problemas e c o n ô m i c o s e p e r s e g u i ç õ e s antisemitas, além de atraídos pelo sonho de
ir para a América'. Na d é c a d a de 1920,
muitos imigrantes judeus chegaram ao
país, o que se deve t a m b é m ao fato de
estarem em vigor as leis restritivas à sua
entrada nos Estados Unidos e na Argentina, p a í s e s preferidos por muitos deles.
A maioria entra pelo porto da cidade do
Rio de Janeiro, e n t ã o capital da República, que j á possuía uma comunidade j u daica estruturada, com sociedades beneficentes, sinagogas e o r g a n i z a ç õ e s de
auxílio aos imigrantes.
Os imigrantes judeus sefaradim
reconhe-
ciam, na rua da Alfândega e cercanias,
uma região de similaridades.
Mesmo sen-
do muito religiosos e tradicionalistas,
adaptaram-se com facilidade à cidade e
iniciaram suas vidas profissionais como
vendedores ambulantes ou como pequenos comerciantes do ramo de tecidos. As
famílias eram numerosas e a comunidade muito unida. Criaram mais afinidades
com os brasileiros e com os comerciantes á r a b e s vizinhos — com quem se comunicavam em á r a b e ou francês — do
que com os judeus as/i/cenazim, estabe-
15
lecidos na praça Onze e que falavam o
O depoimento de Ibrahim Belaciano ates-
ídiche. Os judeus poloneses, romenos,
ta a trajetória de uma família judaica, da
lituanos e russos, de origem ashkenazita,
cidade de Sidon, no Líbano:
em geral, eram a r t e s ã o s — sapateiros,
Meus i r m ã o s j á estavam no Brasil há
alfaiates, marceneiros — e, no início,
muito tempo. Nos anos de 1920,
sem poderem exercer seus ofícios, foram
1925,
1930, todo mundo s a í a do L í b a n o por-
trabalhar como klienteltshik
— 'cliente-
que era um campo pequeno. Era moda
la', 'prestamista'. Venderam, t a m b é m ,
vir para a A m é r i c a , 'fazer a A m é r i c a ' ,
cortes de fazenda e roupas de cama e
diziam que aqui tinha ouro no c h á o .
mesa, mas, posteriormente, passaram a
p á g . 2 0 6 , jul/dez
1997
O
V
R
comercializar artigos menores, mais leves, como relógios, jóias e guarda-chuvas.
veis, comprava e vendia à p r e s t a ç ã o
17
para o cliente.
Os mascates s í r i o s e libaneses e os
Os imigrantes ocuparam a região de uma
klienteltshik
forma 'intuitiva e e s p o n t â n e a ' e ali re-
(prestamistas judeus)
t ê m em comum o fato de serem vendedores ambulantes, de carregarem a
mercadoria consigo e, sobretudo, preencherem a f u n ç ã o de circuladores de
bens e c o n ô m i c o s e de difundir p a d r õ e s
e ideais urbanos... a d i f e r e n ç a entre
eles reside no e s p a ç o
físico-geográfi-
produziram um espaço de moradia e trabalho próprios de seus países de origem.
Criaram uma ' o r g a n i z a ç ã o espacial de
natureza étnica' manifestada na forma de
comercializar, na estética e na própria seleção dos bens oferecidos. Os restaurantes árabes, os cafés onde os imigrantes
se reuniam, jogavam g a m á o , fumavam o
co da a ç ã o e c o n ô m i c a .
narguilé e tocavam o alaúde, as lojas de
Os prestamistas atuavam nos subúrbios
especiarias com os nomes escritos em
e bairros da cidade; os mascates, além
caracteres árabes, da direita para a es-
dos s u b ú r b i o s e periferias, iam à zona
querda, imprimiam ao local suas marcas
rural e à s á r e a s fora do estado.
O
imigrante
judeu
18
libanês
étnicas. Sob uma "forte vontade de preElias
servação da sua identidade", os imigrantes fizeram "do espaço do Saara uma ver-
Belassiano testemunhou:
dadeira ilha árabe em pleno centro do
A gente carregava embrulho que tinha
Rio".
,s
vinte, trinta p e ç a s de fazenda cada uma
era
Os imigrantes sírios e libaneses, apesar
tricoline, seda, a maioria inglesa. Eu
das diferenças regionais e religiosas, cri-
comprava nos atacadistas da rua da
aram clubes, organizações beneficentes
A l f â n d e g a . . . comprava em dinheiro e
e instituições religiosas. O clube Sírio L i -
vendia a prazo. Era assim que a gente
banês foi fundado em um sobrado na rua
trabalhava. lia S a ú d e , na Sacadura
da Alfândega e a Sociedade Cedro do Lí-
Cabral, na favela, no morro da Provi-
bano, que funcionava na rua Senhor dos
d ê n c i a . . . A freguesa pedia terno, a
Passos, era considerada uma 'sociedade
gente mandava fazer na alfaiataria;
patriótica libanesa'. Fundaram t a m b é m a
anel, que o filho ia virar doutor? A gen-
Missão Libanesa Maronita que deu origem
te comprava; anel para professora? A
à construção da Igreja Maronita no Rio
gente ia na joalheria e mandava fazer.
de Janeiro. Em 1941, nascia o Senhor dos
de
três
metros
e
oferecia...
Comprava anel com estrela por um pre-
Passos Futebol Clube que, além de time
ç o e vendia mais caro porque ela ia
de futebol, realizava bailes, o concurso
pagar à p r e s t a ç ã o . Até d o r m i t ó r i o para
Miss Senhor dos Passos e organizava
casa a gente vendia. Ia na casa de m ó -
eventos ligados ao carnaval e outras fes-
Acervo, Rio de J nelro. v. 10. n ° 2. pp. 199-2 1 2. jul/dez 1997 - p á g . 2 0 7
C
A
E
tas brasileiras. O carnaval era muito co-
se mais uma vez a m e a ç a d a pela execu-
memorado na região, que possuía casas
ção de um antigo projeto urbanístico de
tradicionais de artigos carnavalescos,
construção da avenida Diagonal, que pas-
como a Turuna.
saria sobre grandes trechos
Mas d é c a d a s de 1940 e 1950, o centro
da cidade sofreu modificações urbanísticas que atingiram a rua da Alfândega e
suas a d j a c ê n c i a s .
Paralelamente, o
declínio do comércio atacadista na região,
em função das transformações e c o n ô m i cas no país, t a m b é m modificou radicalmente o local, que se tornou uma área
das ruas
Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos
Aires. Os comerciantes mobilizaram-se
contra o projeto, utilizando como principal argumento que a região era um grande centro arrecadador de impostos para
o e n t ã o estado da Quanabara. A entrevista com um dos membros da primeira
diretoria da SAARA revela como aconteceu:
exclusivamente comercial. A introdução
Tinha aquele problema também de ur-
do varejo e a modificação da indústria
banização do centro da cidade.
da moda e do c o m é r c i o trouxeram um
movimento novo e diferente ao Saara,
popularizando-o.
A c o n s t r u ç ã o da a v e n i d a P r e s i d e n t e
Vargas transferiu muitas famílias de imigrantes para outros bairros da cidade,
entre eles a Tijuca, que "lembrava o Lí-
Modernização, construção da via elevada que passaria por dentro do Saara
e acabaria com o Saara, dividiria o
Saara.
Viria da Lapa até a Central do Brasil.
Cortaria a nossa, a nossa Saara.
bano por seu clima e montanhas", fato
Havia uma ação de despejo... pra de-
este que aconteceu com a família de
molir os prédios. Então, fortificou-se
Isaac Migri:
mais a associação em defesa dos co-
Eram duas ruas: do lado de lá, São
merciantes.
Pedro, e do lado de cá. General Câma-
Esse projeto não foi avante porque
ra, que ia desembocar na praça Onze.
Carlos Lacerda veio aqui à região ad-
Getúlio Vargas abriu isso tudo... em
ministrativa na rua Tome de Sousa e,
1940 demoliu tudo aquilo, então as
ouvindo os comerciantes, na época, ...
famílias que moravam ali tiveram que
sentou, pegou o documento, assinou,
sair. Foram pra Tijuca. Então a nossa
anulou e acabou.
família, a nossa comunidade, vamos
dizer assim, ela começou a ir pra
Tijuca. Um foi, o outro foi... e novamente nos juntamos... Em 1949 nos
mudamos.
da Rua da Alfândega - SAARA é fundada
neste contexto de mobilização dos comerciantes que resistiam à s m u d a n ç a s impostas pelo poder público e que lutavam
Mo final da d é c a d a de 1950, a região viu-
p á g . 2 0 8 , jul/dez
A Sociedade de Amigos das Adjacências
1997
por permanecerem na região. A primei-
O
V
K
ra diretoria da Sociedade era majoritari-
mente e que trabalham,
amente composta por imigrantes de ori-
com a confecção de roupas baratas.
gem á r a b e e por seus descendentes. Seus
depoimentos apontaram para a coincidência da sigla que, apesar de estar "ligada
à entidade comercial, permite a um grupo étnico se reconhecer neste e s p a ç o " .
basicamente,
21
A peculiaridade do e s p a ç o Saara configura-se pela permanência, até os dias de
hoje, n ã o apenas de seu
arquitetônico,
mas,
conjunto
sobretudo,
da
20
De forma bastante criativa, os comerci-
multiplicidade de etnias e culturas que ali
convivem por quase um século.
antes apropriaram-se de uma imagem
Os filhos e netos dos imigrantes sírios e
dos p a í s e s á r a b e s no Ocidente e criaram,
libaneses — católicos e judeus — embo-
e n t ã o , o marketing do lugar.
ra imprimam ao Saara uma nova marca,
Mo final da d é c a d a de 1950, chegaram
os imigrantes da China Continental e na
d é c a d a de 1960, os chineses de Taiwan
conservam aquela identidade trazida e
mantida por seus ascendentes. Assim,
eles preservaram a memória do Saara.
(Formosa), introduzindo novos ramos de
Mo artigo "A invasão chinesa no Saara",
comércio, artigos para presentes e fes-
Jornal do Brasil, em setembro de 1996,
tas. S ã o muitas vezes confundidos com
o filho de um imigrante libanês acentua
os coreanos que vieram mais recente-
a importância da manutenção dessa iden-
.migrante l i b a n ê s n o interior d e u m a loja de roupas n o Saara. Rio d e J a n e i r o . 1996. A r q u i v o C I E C / U F R J .
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. jul/dez !997
- pá .209
9
E
A
tidade para que o Saara p e r m a n e ç a imu-
será sempre dos imigrantes á r a b e s e j u -
tável em sua forma original: "... mesmo
deus. liosso nome e a maneira de fazer
se um dia ficarmos em minoria, a Saara
se p e r p e t u a r ã o " .
N
O
T
A
S
1.
A sigla SAARA corresponde à Sociedade de Amigos das A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a ,
criada em 1962 por um grupo de comerciantes estabelecidos entre o q u a d r i l á t e r o formado
pela avenida Presidente Vargas, p r a ç a da R e p ú b l i c a (Campo de Santana), rua Buenos Aires e
rua dos Andradas, e as transversais av. Tome de Sousa, ruas Regente Feijó e G o n ç a l v e s Ledo,
av. Passos e rua da C o n c e i ç ã o . O texto tratará como Saara o e s p a ç o g e o g r á f i c o que respeita
os limites da a d m i n i s t r a ç ã o da Sociedade e a forma que, popularmente, este trecho da á r e a
central do Rio ficou conhecido.
2.
A h i s t ó r i a da i m i g r a ç ã o para o Rio de Janeiro é um assunto pouco explorado. Os trabalhos
dos brasilianistas Clark Knowlton, Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. S ã o Paulo, Anhembi, 1960, e Jeff Lesser, Pawns of powerful: Jewish immigration to Brazil, 19041945, Mew York University, Ph.D. dissertation, 1989, s á o pioneiros e servem de r e f e r ê n c i a
sobre o tema.
3.
J a n a í n a Amado e Marieta de Morais Eerreira ( coords.). Usos Se abusos da história
Janeiro, Editora da f u n d a ç ã o G e t ú l i o Vargas, 1996, pp. xiv-xv.
4.
Maurice flalbwachs. A memória
1990, p. 36.
5.
Em outubro de 1996 realizou-se, como um dos produtos finais do projeto, uma e x p o s i ç ã o
no E s p a ç o Cultural dos Correios intitulada "Do tropical i n g l ê s ao blue jeans — e x p o s i ç ã o
sobre a m e m ó r i a do Saara" que revelou a riqueza cultural e h i s t ó r i c a dessa r e g i ã o . A t r a v é s de
p á g . 2 10, J u l / d e z
1997
coletiva,
oral. Rio de
S á o Paulo, V é r t i c e , Editora Revista dos Tribunais.
V
o
objetos, fotos e documentos contou-se a trajetória dos imigrantes que ali se
a l é m de v á r i o s aspectos do lugar, das ruas, de seu c o m é r c i o e cotidiano.
estabeleceram
6.
Roberto da Malta, Relativizando:
1981, p. 48.
uma i n t r o d u ç ã o à antropoloqia social, P e t r ó p o l i s
Vozes
7.
O termo ' á r a b e ' é utilizado, no texto, para se referir aos imigrantes de origem síria e libanesa,
de r e l i g i ã o cristã e m u ç u l m a n a , sem considerar o significado da identidade á r a b e para cada
um destes grupos.
8.
Susane Worcman (coord.). Heranças
e lembranças:
de Janeiro, ARI/CIEC/MIS, 1991, pp. 318-327.
imigrantes judeus no Rio de Janeiro Rio
Em hebraico as/i/cenaz/m significa os judeus oriundos de Ashkenaz'. A d e n o m i n a ç ã o é aplicada à q u e l e s que seguem a t r a d i ç ã o originária desta r e g i á o e que se dispersaram a t r a v é s dos
tempos pela Europa Central e Oriental. O termo hebraico sefaradim significa natural de
Sefarad. Hoje em dia, a d e n o m i n a ç ã o é usada em r e l a ç ã o aos judeus pertencentes à s comunidades orientais do Morte da África, Oriente Médio e M e d i t e r r â n e o .
9.
Consultar Kathleen Meils Cozen et al., "The invention of ethnicity: a perspective from the
USA", Journal of American Ethnic History, Fali 1992, p. 5.
10. Giralda Seyferth, "Etnicidade e grupo é t n i c o " , em Benedito Silva (coord.). Dicionário
de
ciências
sociais da Fundação
Qetúlio Vargas. Rio de Janeiro, Ed. FQV, Instituto de Document a ç ã o , 1986, pp. 436-437, 530-532.
11. Depoimento cie D e m é t r i o Habib, filho de imigrante l i b a n ê s estabelecido comercialmente no
Saara. Ver Annabella Blyth, Cristalização
espacial e identidade cultural: uma abordagem da
h e r a n ç a urbana (o Saara na á r e a central da cidade do Rio de Janeiro), d i s s e r t a ç ã o de mestrado.
Instituto de Q e o c i ê n c i a s da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991, v.
2, p. 124.
12. A n t ô n i o Pedro A l c â n t a r a (coord.). Estudo arquitetônico
F u n d a ç ã o Roberto Marinho, s.d., 5 vols.
do Saara,
Rio de Janeiro, Banerj/
13. Oswaldo M. S. Truzzi, De mascates a doutores: s í r i o s e libaneses em S ã o Paulo, S ã o Paulo,
Editora S u m a r é / F A P E S P ; Brasília, CNPq. 1991, pp. 7-8.
Sobre i m i g r a ç á o á r a b e para o Brasil, ver t a m b é m Clark S. Knowlton. op. cit.; Tanus J . Bastani,
O Líbano e os libaneses no Brasil, Rio de Janeiro, Est. de Artes Gráficas, 1945; Jorge Safady,
A imigração
árabe
no Brasil. S ã o Paulo, tese de doutorado apresentada à FFLCH da USP,
1972; Taufik Kurban, Os sírios e libaneses no Brasil, S ã o Paulo, Impressora Paulista Ltda.,
1933; Berliet J ú n i o r , O romance de um imigrante: vida e obra de Gabriel Habib, Rio de
Janeiro, 1988, s.n.t.
14. Osvaldo M. S. Truzzi, op.cit., p. 12.
15. Jeff H. Lesser, op. cit.
16. Depoimento de Ibrahim Belaciano, imigrante judeu l i b a n ê s que foi p r o p r i e t á r i o de loja no
Saara. Susane Worcman, op.cit., pp. 49-50.
17. Sobre os judeus as/i/cenazim no Rio de Janeiro, na d é c a d a de 1930, ver Samuel Malamud,
Recordando a praça Onze, Rio de Janeiro, Kosmos Ed., 1988.
Sobre os judeus sefaradim
no Rio de Janeiro quase n ã o há literatura especializada.
18. Helena Lewin, "A economia errante". C o m u n i c a ç ã o apresentada no s e m i n á r i o "O olhar judaico, perspectivas na cultura brasileira", promovido pela CIEC/UFRJ, entre 30 de agosto e I de
setembro de 1989, pp. 6-7. Ver t a m b é m Jeff Lesser, Judeus são turcos que vendem à crédito: a v i s ã o da elite brasileira sobre judeus e á r a b e s , 1930-1945, s.n.t.
o
19. Mohammed Elhajji. Espaços
da etnicidade: estudo desenvolvido no contexto do projeto
M e m ó r i a do Saara. Rio de Janeiro. 1994, digitado, pp. 123-124.
20. Mohammed Elhajji, op. cit., p. 130. "Os r e s p o n s á v e i s pela c r i a ç ã o da entidade j u r í d i c a e
associativa SAARA sempre tentaram convencer que foi um puro acaso se uma tal denominaç ã o lembra o deserto e, por c o n s e q ü ê n c i a , um conjunto de c l i c h ê s e e s t e r e ó t i p o s relativos à
imagem dos p a í s e s á r a b e s no i m a g i n á r i o ocidental... P o r é m , essa a r g u m e n t a ç ã o é realmente
pouco p l a u s í v e l , j á que a t é a f o r m u l a ç ã o do nome fica pelo menos sintaticamente errada",
pois o que deveria ser Sociedade dos Amigos da Rua da A l f â n d e g a e A d j a c ê n c i a s - SARA A
passou a ser Sociedade dos Amigos e A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a - SAARA, p. 134.
21. Sobre a i m i g r a ç ã o chinesa para o Brasil ver Juan Hung Hui, Chinos en América,
Colección
A m é r i c a , Crisol de Pueblos, Madrid, Editorial MAPFRE, 1992, pp. 127-131, 144 e 255; e
Pedro Paulo Lomba, "A floresta dos chineses", Jornal do Brasil, 13.12.1995.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. J u l / d e i 1997 - pag.211
A
B
S
T
R
A
C
T
This article focuses the "Saara', a traditional commercial space in downtown Rio de Janeiro, and
shows its ethnic heterogeneity and peculiarity in the
context of the city. Based on the memories
of Syrian and Lebanese immigrants, established at the end of the 19* century, it describes
the
construction of a particular cultural identity.
R
É
S
U
M
É
Cet article a pour but 1'étude du 'Saara', une r é g i o n traditionnelle de commerce au centre de la
ville du Rio de Janeiro. II d é v o i l e son h é t é r o g é n é i t é ethnique et ses s p é c i f i c i t é s dans le contexte
de cette r é g i o n . Prennant en c o n s i d é r a t i o n
é t a b l i s à cette ville vers la fin du XIX'
particulière.
me
les m é m o i r e s des immigrants Syriens et Libanaises,
s i è c l e , il d é c r i t la construction d'une i d e n t i t é culturelle
P E R F I L
I N S T I T U C I O N A L
IVIemorial do Imigrante
Marco Antônio Xavier
Historiógrafo e m u s e ó l o g o
do Museu da Imigração. Pós-graduando do Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
:morial do ImigranMemo
cem suas origens e não valori-
>rgáo vinculado
zam as contribuições históricas
O
Departamento de •
ao De
Museus e Arquivos da Secreta
e culturais dos imigrantes em
São Paulo.
ria de Estado da Cultura de Sáo Paulo,
Instalado em um dos poucos edifícios
foi criado em 6 de abril de 1998 com o
centenários da cidade de São Paulo, o Mu-
objetivo de reunir, preservar e expor a
seu ocupa parte da antiga Hospedaria de
d o c u m e n t a ç ã o , m e m ó r i a e objetos dos
Imigrantes, um imponente complexo de
que vieram para o Brasil em busca de
prédios, construídos entre 1886 e 1888
e s p e r a n ç a s , aventuras, fortuna ou sim-
no bairro do Brás, com a Finalidade de
plesmente fugindo de uma situação difí-
receber e encaminhar ao trabalho os imi-
cil nas suas pátrias de origem. Ele é com-
grantes trazidos pelo governo do esta-
posto pelo Museu da Imigração, existen-
do. Essa Hospedaria veio substituir a an-
te desde 1993, pelo Centro de Pesquisa
terior, que funcionava desde 1882 no
e D o c u m e n t a ç ã o , Núcleo Histórico dos
Bom Retiro, com capacidade para somen-
Transportes e Núcleo de Estudos e Tradi-
te quinhentas pessoas, e havia se torna-
ções. A pedra angular desse complexo é
do insalubre, em virtude das epidemias
o Museu da I m i g r a ç ã o , comprometido
de varíola e difteria que assolavam aque-
com as novas g e r a ç õ e s que desconhe-
le bairro. Com o aparecimento das pri-
Acervo. Rio de Janeiro
v. 10. n° 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - p á g . 2 1 3
E
C
A
meiras indústrias o perfil da m ã o - d e - o b r a
de trem. Desembarcavam numa e s t a ç ã o
ganharia mais uma faceta, surgindo uma
na própria Hospedaria e durante o tem-
classe
po de p e r m a n ê n c i a (máximo de oito dias)
operária'numerosa,
forte
e
combativa.
contavam com alojamentos,
Esse processo, conhecido como imigração massiva, j á ocorria desde a metade
do século XIX, n ã o tendo, portanto, início com a abolição da escravatura, como
se propala erroneamente. O fim da escravidão, na verdade, colocou em xeque
refeições,
serviços m é d i c o s e colocação em empregos. Eram atendidas cerca de t r ê s mil
pessoas por vez e, em casos extremos,
até oito mil. Findo o prazo, faziam nova
viagem de trem a t é as fazendas no interior do estado ou aos n ú c l e o s coloniais.
o sistema de trabalho nas fazendas, tor-
Durante sua existência, a Hospedaria foi
nando irreversível a necessidade de tra-
t a m b é m utilizada para outros fins. Algu-
balhadores para as emergentes planta-
mas de suas d e p e n d ê n c i a s foram usadas,
ç õ e s de café. De 1882 a 1978, passaram
em 1924, pela Secretaria de S e g u r a n ç a
por ali mais de sessenta nacionalidades
Pública, como presídio de presos políti-
e etnias, num total de mais de 2,5 m i -
cos, devido aos conflitos ocorridos naque-
l h õ e s de pessoas, todas devidamente
le ano. Em 1932, foi usada novamente
registradas em livros e listagens. A mai-
pela Força Pública, como prisão para os
oria delas teve transporte gratuito de
'getulistas'. no decorrer dessa d é c a d a so-
seus p a í s e s de origem a t é os portos de
freu reformas e m o d i f i c a ç õ e s , c o m a
Santos e Rio de Janeiro; destas cidades
construção de novos prédios. Em virtude
até a capital paulista a viagem era feita
da entrada do Brasil na Segunda Guerra
Fachada
do prédio principal e dos anexos.
p á g . 2 1 4 , jul/dez
1997
Museu da Imigraçáo
K
Mundial, o Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) deixa sob guarda,
na Hospedaria, alguns imigrantes japoneses e a l e m ã e s , tidos como súditos do
Eixo', que haviam sido retirados de suas
propriedades
O
V
no litoral
(considerado
como á r e a de segurança) e que seriam
deslocados, posteriormente, para o interior do estado. Entre 1943 e 1951, o
Ministério da Aeronáutica instala no edifício a Escola Técnica de Aviação. lia d é cada de 1950 novas obras s á o feitas nos
edifícios. Em 1978, a Hospedaria deixa
tivesse atuado dessa forma.
O conjunto arquitetônico foi tombado pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico
(COIiDEPHAAT), em 6 de maio de 1982. A
' m u s e a l i z a ç á o ' dos e s p a ç o s da antiga
Hospedaria é a melhor forma de preservar este patrimônio arquitetônico e cultural. Finalmente, em 1986, foi criado o
Centro Histórico do Imigrante, responsável pela guarda de toda a d o c u m e n t a ç ã o
oficial da Hospedaria.
de atender aos imigrantes, e passa a ter
O Museu da Imigração possui, pratica-
a mesma função de assistência à popu-
mente, todos os registros das pessoas
lação brasileira, embora
eventualmente,
que passaram pela antiga Hospedaria.
ou em casos de calamidade pública, j á
São listas de bordo dos navios, livros de
O s d o r m i t ó r i o s eram n a parte s u p e r i o r d o p r é d i o princlpai, a q u i mostrados c o m í . a n t i g a
c u b í c u l o s para as famílias e catres articulados para solteiros. M u s e u d a I m i g r a ç ã o .
Acervo. Rio de Janeiro, v
. 10, n ° 2. pp. 213-218, jul/dez 1997 - p á g . 2 1 5
c
registro de imigrantes patrocinados, car-
tra de cada cultura que por ali passou,
tas de chamada, processos de n ú c l e o s
revelando o cotidiano daquelas pessoas.
coloniais, além de documentos pessoais
Ao mesmo tempo, está sendo levado adi-
doados por alguns imigrantes e cerca de
ante o projeto de história oral, preser-
três mil fotografias. Esse acervo, de va-
vando a m e m ó r i a dos imigrantes, que
lor incalculável para a história e m e m ó -
ainda e s t á presente e pronta a ensinar
ria do estado de São Paulo, está parcial-
novas formas de encarar a vida e enten-
mente organizado. Dessa forma, o Mu-
der o mundo. Trechos de depoimentos
seu pode emitir certidões de desembar-
c o m p õ e m um multimídia, de acesso d i -
que, um documento fornecido gratuita-
reto pelo p ú b l i c o , d a n d o u m a v i s ã o
mente, em que constam o nome, idade e
abrangente e variada das dificuldades e
país de origem dos membros de cada
alegrias vividas pelos imigrantes. Para
família imigrante, bem como o nome do
apoio ao trabalho, tanto de seus técni-
navio e a data de sua chegada. Parte dos
registros
(22%)
já
se
encontra
informatizada e a busca por informações
é feita em q u e s t ã o de segundos,
mas
para a maioria dos pedidos a consulta é
feita manualmente (por um grupo de especialistas), o que n ã o impediu que tivessem sido emitidas, em 1997, cerca de
três mil certidões, e este ano
mais de
cos como dos pesquisadores, o Museu
possui uma biblioteca com cerca de t r ê s
mil
títulos,
além
de
periódicos
e
hemeroteca, sobre imigração e assuntos
correlatos. A á r e a de iconografia é responsável por fotografias originais, negativos e cópias de imagens que mostram
vários momentos do cotidiano dos imigrantes, dos trabalhos na Hospedaria e
da história e desenvolvimento da agricul-
quatro mil.
tura, indústria e urbanismo do estado.
Desse aspecto, o Memorial atende ao p ú blico em geral, especialmente imigran-
Funcionando à rua Visconde de Parnaíba,
tes e seus descendentes, além da Polícia
1.316, de terça a domingo, das lOh à s
Federal, Poder Judiciário, Cruz Vermelha
17h, o Memorial recebe visitas individu-
Brasileira, consulados, pesquisadores e
ais e de escolas, com entrada gratuita.
estudantes de todos os níveis de ensino.
Diversas OnQs e a c a d ê m i c o s de universidades estrangeiras têm t a m b é m naqueles documentos uma fonte de referência
para seus trabalhos.
O Museu conta com várias salas de exposição. A Exposição
Permanente
mos-
tra todo o processo imigratório, desde a
viagem, chegada na Hospedaria, ida para
as fazendas e n ú c l e o s coloniais, a t é a
Outra atividade permanente do Museu é
integração do imigrante na sociedade. A
o recolhimento de p e ç a s para o acervo,
São Paulo Antiga simula uma rua da c i -
doadas por famílias e comunidades de
dade que era conhecida como da garoa',
imigrantes. A intenção é ter uma amos-
onde era chie fazer o footing
p á g . 2 16, jul/dez
1997
olhando as
O
V
K
vitrines com as novidades de Paris. A Sala
Imigratório e outra sobre a Greve Geral
da tiavegação
Anarquista de 1917, que podem ser soli-
possui, atualmente, um
globo com as principais rotas de imigra-
citadas diretamente à diretoria.
ção para S ã o Paulo. No futuro esta sala
O Memorial é uma justa homenagem aos
s e r á a réplica de um navio, simulando
homens e mulheres que, com seus so-
p a s s a d i ç o s , cordames e recintos, além
nhos, vontade de vencer e muito traba-
de conter r e p r o d u ç õ e s fotográficas. A
lho, transformaram São Paulo e o Brasil.
sala Ambientes da Hospedaria mostra as
Os descendentes dessas pessoas e s t ã o
atividades, ambientes e móveis da anti-
em todos os lugares e em todas as ativi-
ga Hospedaria de Imigrantes.
dades. Cada esquina, cada fábrica, cada
O Memorial possui t a m b é m jardins, pátio
escola possui um pouco da cultura de vá-
interno (restaurado), auditório, bonde,
rios lugares do mundo... e todos, ao se
duas locomotivas a vapor e estação fer-
despedirem, mandam um 'tchau' (ciao).
roviária. Conta ainda com duas exposi-
mas poucos sabem que essa palavra é
ç õ e s itinerantes, uma sobre o Processo
uma singela saudação italiana.
Refeitório d a Hospedaria. Museu da Imigração.
Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. „ • 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - a . 2 1 7
P
9
A
The
B
S
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C
T
Immigrant Memorial, institution linked to the Archives and Museums Department of the
Culture State Secretariat of S ã o Paulo, was established in 1998 and aimed to reunite, preserve
and expose the documentation, memory and objects from those who carne to Brazil.
R
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S
U
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É
Le Memorial de 1'lmmigrant, organe l i é au D é p a r t e m e n t des M u s é e s et Archives, de Ia S e c r é t a i r e r i e
de I' État de Ia Culture de S ã o Paulo, c r é é en 1998, objective reunir, p r é s e r v e r et exposer Ia
documentation, m é m o i r e et objets des ceux qui sont venus au Brésil.
P E R F I L
I N S T I T U C I O N A L
IVLuLseii e A r q u i v o H i s t ó r i c o
i V W n i c i p a l de C a x i a s Jo S u l
Juventino Dal .Bo
Diretor do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
ITALIANOS NO RIO GRANDE DO SUL
A
com os donos da, terra, 'os brasileiros', forjam uma cultura original
p r e s e n ç a de imigrantes
italianos marcou profundamente a encosta su-
que deu à r e g i ã o c a r a c t e r í s t i c a s
marcantes.
perior do nordeste do estado do Rio Gran-
Os documentos que testemunharam esta
de do Sul. Em levas sucessivas, a partir
história s ã o conservados em muitos mu-
de 1875, os despatriados, procedentes
seus e arquivos de todas as pequenas ci-
principalmente da região do Vêneto, no
dades da região. O acervo maior, entre-
norte da Itália, ocuparam e cultivaram a
tanto, encontra-se no Museu e no Arqui-
terra que tantos sonhos, temores e es-
vo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
p e r a n ç a s lhes havia inspirado.
MUSEU MUNICIPAL DE CAXIAS DO SUL
A a d a p t a ç ã o a um novo mundo, a uma
nova realidade, a convivência com imigrantes procedentes de diversas regiões
da p r ó p r i a Itália ( v ê n e t o s , lombardos,
trentinos etc.) e, com menor freqüência,
Criado por ocasião do centenário da imigraçáo italiana no Rio Grande do Sul, o
Museu abriu suas portas ao público no
dia 2 de março de 1975.
o contato com a l e m ã e s , poloneses, es-
Com um acervo inicial de algumas cen-
panhóis, portugueses e, principalmente,
tenas de peças, reconstitui a trajetória
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 2 19-222. j u l / d e * 1997
- pág.219
dos imigrantes: a partida da Itália, a longa
d é c a d a s foi a mais destacada.
viagem, o estabelecimento em lotes co-
Embora n ã o e s q u e ç a das muitas etnias
loniais, o trabalho com a terra, a reli-
que c o n t r i b u í r a m para a f o r m a ç ã o da
gião, o comércio, a indústria etc.
região, a maior parte do seu acervo mostra a trajetória dos imigrantes italianos.
Esse acervo, constantemente
acrescido
com novas d o a ç õ e s de toda a r e g i ã o ,
soma hoje mais de oito mil unidades. São
p e ç a s simples, exemplificativas das que
todos p o s s u í a m : o arado, a enxada, o baú
de madeira, a m á q u i n a de costura, o lençol de linho, o balde de cobre, o alambique, o q u a d r o de Santo A n t ô n i o de
P á d u a etc.
Neste museu, os melhores monitores
para acompanhar uma pessoa interessada nos costumes locais s ã o os velhos 'colonos' italianos que passaram grande parte de s u a s v i d a s c u i d a n d o do seu
parreiral no interior do município.
Preocupar-se c o m a c o n s e r v a ç ã o do
acervo
n ã o restringe
o âmbito
de
a b r a n g ê n c i a do Museu. As a ç õ e s têm sido
Com um acervo rico e diversificado, o
orientadas no sentido de ultrapassar os
Museu
uma
l i m i t e s das i n s t a l a ç õ e s . D i f u n d i r o
a m b i ê n c i a das primeiras casas da região
patrimônio cultural, promovendo exposi-
(o Museu da Casa de Pedra); e está pla-
ç õ e s t e m p o r á r i a s e itinerantes, concer-
nejando o Museu da Uva e do Vinho, que
tos, debates, cursos e p u b l i c a ç õ e s , s ã o
m o s t r a r á p e ç a s relacionadas com a in-
realizações que o m a n t é m em constante
dústria vitivinícola, que durante algumas
contato com o público.
ramificou-se:
montou
A C a s a d e N e g ó c i o s d e V i c e n t e R o v e a ( f u n d a d a em 1890) p o s t e r i o r m e n t e s e d i o u o H o s p i t a l
R o m o l o C a r b o n e e hoje é a sede d o A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l .
p á g . 2 2 0 , jul/dez
1997
V
R
O
A R Q U I V O HISTÓRICO M U N I C I P A L
pal e por empresas e instituições parti-
C
culares, famílias e indivíduos que teste-
riado oficialmente em 5 de
agosto de 1976. o Arquivo Hist ó r i c o trabalha em conjunto
munham a evolução histórica da comunidade.
com o Museu. Mão poderia ser de outra
Além da documentação pública e parti-
forma, pois a d o c u m e n t a ç ã o que o Ar-
cular, o Arquivo possui hemeroteca e bi-
quivo conserva complementa a que o
blioteca de apoio, e dispensa especial
Museu expõe.
atenção à história oral e à iconografia da
O Arquivo Histórico Municipal possui duas
grandes linhas de trabalho: uma essencialmente técnica que diz respeito à sua
natureza, enquanto arquivo, e outra que
região. Além disso, conserva, preserva
e restaura esse acervo, procedendo à sua
guarda adequada e proporcionando acesso à pesquisa e consulta.
o torna um ó r g ã o atuante junto à comu-
A proximidade entre o Museu Municipal e
nidade, efetuando o resgate da memória
o Arquivo Histórico, garantida pela ad-
histórica e da identidade cultural do mu-
ministração comum, é fortalecida pelo
nicípio.
desenvolvimento de atividades conjuntas
Dessa forma, para cumprir seu papel
tais como: o recolhimento de acervo e,
como instituição arquivística e órgão su-
especialmente, atividades de divulgação.
bordinado à Secretaria Municipal de Cul-
Entre elas, a realização de exposições
tura, recolhe, adquire e recebe através
temporárias, utilizando ambos os acer-
de d o a ç õ e s , o acervo arquivístico produ-
vos, e a elaboração de boletins e publi-
zido pela a d m i n i s t r a ç ã o pública munici-
cações em geral.
i m i g r a n t e s italianos exibem o p r o d u t o d e seu t r a b a i h o . C a r t ã o postal ed i t a d o . p e l a livraria
S a l d a n h a . Caxias d o S u l , 1915.
M
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 219-222. jul/dez 1997
- pág.221
A
B
S
T
R
A
C
T
Established during the first centennial celebration of Italian immigration in the state of Rio
Qrande do Sul, the Museum and the Historical Archives of Caxias do Sul hold the biggest collection
that is related to the chronicle of the Italian immigrants.
R
É
S
U
M
É
Le M u s é e et les Archives Historiques de Caxias do Sul, c r é e s lors du centenaire de l'immigration
italienne au Rio Qrande do Sul, abritent le plus grand patrimoine en p i è c e s et documents de
cette ethnie. Malgré
les diverses ethnies qui ont c o n t r i b u é par le d é v e l o p p e m e n t de la r é g i o n . Ia
t h è m e de la plupart des documents est la trajectoire des immigrants Italiens.
Fontes para Estudos da
E n t r a d a de Estrangeiros
e de Imigrantes no B r a s i l
O
Arquivo Macional tem sob sua
de, profissão, instrução, porto de pro-
guarda um volume considerá-
cedência, destino etc, porém raramen-
vel de documentos de grande
te constando o local de nascimento).
importância para o estudo do tema em
b. Relações de passageiros de embar-
questão.
c a ç õ e s entradas nos portos de:
Para pesquisas sobre entrada de imigran-
Santos-SP (1894-1925, em fase de
tes, e s t ã o disponíveis aos pesquisadores
organização, 1926, 1930-1964 e 1974)
vários conjuntos documentais, dentre os
Recife-PE (1920-1922, 1924-1925,
quais se destacam:
1930-1934, 1940-1959)
a. R e l a ç õ e s de passageiros de embar-
S ã o Francisco do Sul-SC (1928-
c a ç õ e s entradas no porto do Rio de
1930)
Janeiro, de 1875 a 1964 (com algu-
Esperança-MS (1937, 1940-1948,
mas lacunas), contendo: data da en-
1950- 1951)
trada e nome da embarcação, porto de
Florianópolis-SC(1939, 1951 e 1953)
procedência e nomes dos passageiros
(acompanhados, de modo geral, mas
Uruguaiana-RS (1939-1942 e 1945)
não necessariamente, de informações
Salvador-BAi 1939-1942, 1945-1947,
como idade, estado civil, nacionalida-
1951- 1953, 1957-1962)
Acervo. Rio de J a n e i r o , v.
10, n ° 2. pp
223-228. j u l / d e z 1997
- pág.223
E
C
A
Aquidauana-MS (janeiro/maio 1940)
pedaria, o b s e r v a ç õ e s (nem sempre
CorumbáMS
essas informações figuram em todos
( 1 9 4 0 - 1 9 4 3 , 1945-
1954, 1957-1958, 1960-1964)
os livros).
Porto Murtinho-MS ( 1 9 4 1 - 1 9 4 3 ,
A d o c u m e n t a ç ã o e s t á organizada pelas
1946, 1950-1951, 1953-1955)
datas de chegada. Para se localizar um
Foz do I g u a ç u - F K
nome, é preciso que o interessado infor-
(1942-1950 e
me: o porto de desembarque, o m ê s e o
1952)
Guajara-Mirim-RO
(1946-1948 e
ano da chegada (se possível t a m b é m o
1951)
dia) e o nome da e m b a r c a ç ã o .
Belém-PA (1947-1949)
A simples indicação de nome e data de
Manaus-AM (1950-1964)
nascimento ou de óbito n ã o é suficiente
Paranaguá-PR (1952, 1956-1957 e
para a r e c u p e r a ç ã o desses documentos,
tornando inviável o atendimento por cor-
1961)
r e s p o n d ê n c i a . Assim, para encontrar o
c. R e l a ç õ e s de imigrantes desembarcados no porto do Rio de Janeiro,
de m a r ç o de 1873 a outubro de 1875,
da Inspetoria Geral das Terras e Col o n i z a ç ã o , contendo: data da entrada
nome procurado, o interessado deverá vir
ao Arquivo Nacional e efetuar a busca, que
exigirá exame minucioso de grande quantidade de registros, geralmente manuscritos.
e nome da e m b a r c a ç ã o , porto de procedência, nomes dos imigrantes, ida-
Pio caso de estrangeiro que tenha chega-
de, naturalidade, última r e s i d ê n c i a ,
do a providenciar registro de p e r m a n ê n -
nacionalidade, religião, profissão e
cia (obrigatório a partir da e d i ç ã o do de-
destino (nem sempre essas informa-
creto federal n° 3.010, de 20.8.1938),
ç õ e s figuram em todas as listas).
p o d e r ã o ser consultados os p r o n t u á r i o s
de registro de estrangeiros, emitidos
d. Registro de entrada de imigrantes
nas hospedarias da ilha das Flores
e do Pinheiro e registros da A g ê n -
no período de 1938 a 1987, onde eventualmente s e r ã o encontradas informações
de interesse.
cia Central de Imigração, no Rio de
Janeiro, estando disponíveis à consul-
Esses documentos, procedentes da Polí-
ta, atualmente, os períodos de janeiro
cia Federal, e s t ã o organizados por esta-
a julho de 1877 e de 1879 a 1932 (com
do e n ú m e r o de prontuário. Portanto, é
algumas lacunas), contendo: data da
indispensável que o interessado informe:
entrada e nome da e m b a r c a ç ã o , porto
o nome da cidade onde o registro de es-
de p r o c e d ê n c i a , nome do imigrante,
trangeiro (RE, NR ou SRE) foi feito e o
idade, estado civil, nacionalidade, pro-
respectivo número. Tais dados constam da
fissão, destino, data de saída da hos-
carteira de identidade de estrangeiro.
p á g . 2 2 4 . Jul/dez
1997
R
V
O
De acordo com o art. 149 do decreto n°
tanto, poderá encontrar subsídios sobre
3.010, os estrangeiros residentes em lo-
imigração, ou fatos envolvendo estrangei-
calidades do interior do país deveriam
ros, em diversos outros conjuntos docu-
registrar-se nas delegacias policiais, caso
mentais, mas não de forma tão predomi-
n ã o existisse nesses locais o Serviço de
nante como naqueles a seguir discrimi-
Registro de Estrangeiros. Assim, é possí-
nados. O Guia acima referido está dispo-
vel que se encontrem informações a esse
nível, em meio eletrônico, aos usuários
respeito em arquivos locais.
que freqüentam a Seção de Consultas do
Arquivo Nacional. Esse importante instru-
O quadro a seguir, com dados extraídos
mento de acesso foi desenvolvido pelos
do Guia de fundos do Arquivo nacio-
técnicos que atuam nas diversas s e ç õ e s
nal, registra os principais fundos/coleções
detentoras de acervo, sob a supervisão da
relativos ao tema. O pesquisador, entre-
Coordenação de Documentos Escritos.
Principais F u n d o s / C o l e ç õ e s Documentais sobre a Temática sob a guarda do
Arquivo Nacional
Nome do 1 undo/C olet ã o
Datas-Limlte
Conteúdo
C o m i s s ã o encarregada do
desembarque e remoção para o
interior dos imigrantes
recém-chegados
1873-1875
Nomeação dos membros da Comissão. Instruções
para funcionamento da Comissão. Lista de remessa
de volumes aos agentes da Comissão em Barra do
Piraí e Mendes. Relatórios com prestação de contas
dos agentes da Comissão a seu tesoureiro.
Departamento Nacional de
Povoamento
1875-1932
Registro de imigrantes na hospedaria da ilha das
Flores, Pinheiro e na Agência Central de Imigração,
informando porto de saída, data de entrada, nome do
imigrante, idade, estado civil, nacionalidade,
profissão, religião, destino e data de saída.
D i v i s ã o de P o l í c i a Marítima,
A é r e a e de Fronteiras
1875-1974
Relações de passageiros de embarcações que
chegaram aos portos brasileiros. Relações de aviões
que aterrizaram em aeroportos de vários estados
brasileiros. Fichas consulares de qualificação com
nome, local e data de nascimento, filiação, profissão,
número do passaporte, data do embarque e do
desembarque, visto do cônsul e foto do imigrante.
Documentos diversos de estrangeiros: cartão de
embarque/desembarque de passageiros, fichas de
qualificação, pedidos de visto, cartões de serviço de
tripulantes marítimos, carteiras de identidade de
estrangeiros, controles de entrada/saída de v ô o s e
nacionalidades/número de pessoas a bordo, entre
outros.
A c e r v o . Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 2 2 3 - 2 2 8 . j u l / d e i 1
Nome do F u n d o / C o l e ç ã o
Datas-Llnüte
Conteúdo
Inspetorla Geral dos letras e
Colonização
1817-1896
Autos de m e d i ç ã o e legitimação de terras. Traslados
dos autos e cópias dos termos de medição.
Memoriais de terrenos de colônias. Correspondência
administrativa sobre demarcação de terras enviada
por secretarias das presidências das províncias.
C o m i s s ã o de Registro Qeral de Terras Públicas e
Possuídas, Ministério da Querra e Inspetortas de
Terras nas províncias ao Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas e à Inspe torta Qeral das
Terras e Colonização. Caderno de campo da
C o m i s s ã o de Medição de Terras. Mapas de m e d i ç ã o
de terras. Estatística da entrada de imigrantes no
porto do Rio de Janeiro. Ofícios sobre colonização.
Correspondência sobre colonos dirigida ao Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Cartas e
recibos de despesas da Agência Oficial de
Colonização. Relações de imigrantes. Instruções
sobre levantamento da carta geológica do Brasil.
Polícia da Corte
1808-1880
Matrícula de e m b a r c a ç õ e s de frete empregadas no
serviço da baía do Rio de Janeiro. Autos de visitas a
navios entrados no porto do Rio de Janeiro.
Matrículas de estrangeiros. Apresentação e
legitimação de passaportes.
S é r i e Agricultura - Terras
P ú b l i c a s e C o l o n i z a ç ã o (IA6)
1819-1890
Memorial sobre m e d i ç ã o de terras pela Inspe torta
Qeral de Medições das Terras Públicas. Registro de
despesas das colônias do governo e de ofícios
enviados ao ministro pela Agência Oficial de
Colonização, relativos a imigrantes. Relação das
famílias espanholas imigrantes acampadas ao lado
do Forte de Santa Teresa. Correspondência da
Inspetoria Qeral das Terras e Colonização com o
Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
sobre p e r m i s s ã o para assentamento de colonos,
localização de trabalhadores nacionais e estrangeiros
em várias províncias, pagamento feito pelo Lloyd
Brasileiro ao ministro da Agricultura, por passagens
dadas a imigrantes para estados do Sul. Registro de
dívidas do Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas com o Lloyd Brasileiro, referentes a
passagens de imigrantes para várias províncias.
Memoriais de m e d i ç ã o de terras. Mapas nominais de
colonos a l e m ã e s vindos para o Brasil.
Correspondência do Ministério dos N e g ó c i o s do
Império com o dos Negócios e Estrangeiros, relativa a
colonos. Mapas de m e d i ç ã o de terras em várias
províncias. Solicitações de terras em várias províncias
e de pagamento de passagens de imigrantes vindos
de diversos locais. Relação dos colonos devedores ao
Estado, com a especificação da dívida.
p á g . 2 2 6 . Jul/dez
1997
V
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O
Nome do F u n d o / C o l e ç ã o
Datas-Limite
Conteúdo
S é r i e Interior - Estrangeiros:
Visto - E x p u l s ã o - P e r m a n ê n c i a
(UJ7)
1851-1947
Boletins relativos à Seção de Permanência e Expulsão
de Estrangeiros. Estatísticas dos trabalhos realizados
pela Divisão de Justiça e pela Divisão do Interior para
o Departamento do Interior e da Justiça. índice de
registro de expulsão de estrangeiros. Processos de
pedidos de visto de permanência no Brasil.
Questionários submetidos pelas c o m i s s õ e s estaduais
de permanência a seus municípios sobre entrada e
permanência de estrangeiros. Processos de expulsão
de estrangeiros. Protocolos de requerimentos de
autorização para a permanência de estrangeiros no
Brasil.
S é r i e Interior - Nacionalidades
1823-1949
(UJ6)
Livros de registro de cartas de naturalização do
século XIX, constando o nome do requerente, a
nacionalidade e a quantia paga. índices do livro de
termos de naturalização (juramentos). Processos de
naturalização dirtgidos ao Ministério do Império e
posteriormente ao Ministério da Justiça e n e g ó c i o s
Interiores, compostos de requisição do interessado,
atestado de boa conduta e de residência, cartas de
recomendação, certidão de casamento e certidão
negativa extraída nas pretorias criminais e distritos
policiais. Livros de registro com declarações de aceite
ou de recusa da nacionalidade brasileira de acordo
com o decreto de 15/12/1889. A partir de 1930,
processos de naturalização com requerimentos de
estrangeiros ou das empresas em que trabalhavam.
Atestado da Delegacia de Ordem Política e Social e
título declaratório de naturalização. Avisos do
Ministério das Relações Exteriores sobre consultas
referentes a mudanças de nacionalidade e regras
para aquisição de nacionalidade italiana. índice de
recibos de título declaratório. Decretos e portarias de
naturalização. Processos de perda da nacionalidade
brasileira por adoção de outra nacionalidade.
S e r v i ç o de Polícia Marítima,
A é r e a e de Fronteiras
Alagoas
1959-1985
Amapá
1979-1985
Amazonas
1939-1987
Bahia
Ceará
Prontuários de registro de estrangeiros
1939-1986
1939-1986
Distrito Federal
1968- 1984
E s p í r i t o Santo
1942-1986
Goiás
1969- 1987
Maranhão
1939-1988
Mato Grosso
1979-1987
Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n° 2. pp. 223-228. j u l / d e * 1997 - pag.227
Nome do F u n d o / C o l e ç ã o
Datas-Limite
Conteúdo
Mato Grosso do Sul
1939-1983
Prontuários de registro de estrangeiros
Minas Gerais
1938-1981
Pará
1939-1975
Paraíba
19*0-1987
Paraná
1939-1984
Pernambuco
1938-1986
Piauí
1962-1986
Rio de Janeiro
1939-1986
Rio de Janeiro (Niterói)
1939-1977
Rio Grande do Norte
1938-1987
Rio Grande do Sul
1938-1983
Rondônia
1939-1986
Roraima
1968-1986
Santa Catarina
1939-1984
S ã o Paulo
1939-1955
S ã o Paulo (Santos)*
1878-1986
Sergipe
1938-1984
Sociedade Colonlzadora
1878-1947
Hanseática
Publicações sobre o centenário da Colônia
Hanseática, títulos de c o n c e s s ã o de terras, recibos de
compra e transferência de lotes e mapas de
loteamento relativos à coloni2ação a l e m ã em Santa
Catarina. A maior parcela do acervo é referente à
Colônia d. Francisca.
(*) O fundo SFMAT/SP (Santos) compreende t a m b é m relação de entrada e saída de passageiros no porto.
A
B
S
T
R
A
C
T
This article presents the documental sources of National Archives for the studies of the entrance of
foreigners and immigrants in Brazil.
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Cet article a por but p r é s e n t e r les sources de documentation des Archives Nationaux pour les é t u d e s
de 1' e n t r é e des é t r a n g e r s et des immigrants au Brésil.
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impresso nas oficinas
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Carla Brandalise
Elena Pájaro Pere^ ^;
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