Número 82
Março 2010
A Escolástica
em pedra
SumáriO
Escrevem os leitores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Flashes de
Fátima
Boletim da Campanha
“O Meu Imaculado Coração Triunfará!”
Ano XII  nº 82 - Março 2010
Director:
Manuel Silvio de Abreu Almeida
Conselho de redacção:
Guy Gabriel de Ridder, Juliane
Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto
Blanco Cortés, Mariana Morazzani
Arráiz, Severiano Antonio
de Oliveira
Editor:
Associação dos Custódios de Maria
R. Dr. António Cândido, 16
1050-076 Lisboa
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Assinatura anual: 24 euros
Com a colaboração
da Associação
Privada Internacional de Fiéis
de Direito Pontifício
Arautos do Evangelho
Impressão e acabamento:
Pozzoni - Istituto Veneto
de Arti Grafiche S.p.A.
Via L. Einaudi, 12
36040 Brendola (VI)
Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos,
desde que se indique a fonte e se envie cópia à
Redacção. O conteúdo das matérias assinadas
é da responsabilidade dos respectivos autores.
Membro da
Associação de Imprensa de
Inspiração Cristã
Tiragem: 40.000 exemplares
4
Um carisma encantador
......................
Arquitetura,
filosofia e pastoral (Editorial) . . . . . . . . . . . . . .
34
5
A palavra dos Pastores –
O futuro da escola
A voz do Papa –
Se quiseres cultivar a paz,
preserva a criação
........................
......................
6
Comentário ao Evangelho –
A necessidade da
contínua conversão
......................
10
38
Aconteceu na Igreja e
no mundo
......................
41
Oração da alma desamparada
......................
45
O estilo gótico –
A Escolástica em pedra
......................
18
História para crianças... –
Nasce uma vocação
......................
46
Arautos no mundo
......................
26
Confiança,
a regra de ouro
......................
Os santos de
cada dia
......................
48
A irresistível doçura cristã
30
......................
50
E screvem
Apostolado através
da boa doutrina
Não podemos deixar passar esta
grande festa de nossa Mãe do Céu,
Santa Maria Mãe de Deus, sem têlos muito presentes. Sabemos que,
graças a Deus e à proteção d’Ela, é
muito fecundo o labor empreendido
por vocês no Peru.
Ademais, como vocês têm a delicadeza de enviar-nos a revista mensalmente a vinte sacerdotes de minha
Diocese, parece-me muito oportuno
estreitar nossas orações pela Unidade
da Igreja e pelo apostolado através da
boa doutrina que vocês realizam.
Por isso, agradecemos de coração
essa remessa pontual e, em nome de
todos os meus sacerdotes, lhes envio
estas linhas com minha bênção episcopal.
Dom Isidro Barrio Barrio
Bispo de Huancavelica – Peru
Um verdadeiro testemunho
para o mundo
Sou muito feliz por ser religiosa e
pertencer ao serviço do Senhor. Fico muito contente por receber sempre esta revista, pois com ela tomo
conhecimento do que acontece na
Igreja e no mundo, e aprendo muitas coisas. O trabalho que vocês realizam é muito importante e exige sacrifício. Na verdade, é um verdadeiro testemunho para o mundo. Rezo
por vocês, junto com minha comunidade de Lambayeque.
Irmã Karina Molero Echegaray, HDP
Lambayeque – Peru
Meio eficaz de evangelização
A revista dos Arautos do Evangelho é um meio de evangelização
muito eficaz. Quando comecei a lêla, pude esclarecer muitas dúvidas
4      Flashes de Fátima · Março 2010
os leitores
que tinha a respeito da Religião e
minha curiosidade foi despertada
para, principalmente, conhecer as
histórias da vida dos santos, modelos para todos os homens.
Ana Luísa Rebello Matos
Montes Claros – Brasil
Estou ajudando a
difundir a revista
Todo mês leio a revista Arautos do
Evangelho do começo ao fim e muito me entusiasmo. Seus artigos, seus
comentários e até mesmo suas fotos
— que são espetaculares — me instruem. E como é uma revista que vale a pena ter, para nossa formação
cristã, faço propaganda dela sempre
que posso. Tenho sempre em meu escritório alguns exemplares para mostrar a meus conhecidos e convidá-los
a fazer uma assinatura.
Carlos Luis Torres Ayala
Ambato – Equador
Repensar nossa vida diária
“Portanto, ficai atentos e orai a
todo momento...” (Lc 21, 36). Sintome agraciado por ter assinado a revista dos Arautos do Evangelho. Tenho a certeza de que cada novo assinante da revista é como uma semente plantada e irrigada mensalmente
por meio de matérias que enriquecem nosso conhecimento espiritual
de forma a, cada vez mais, produzir
bons frutos.
Mons. João Scognamiglio Clá
Dias conduziu com extrema sabedoria e inteligência seu comentário ao
Evangelho do Primeiro Domingo do
Advento — na edição de novembro
— e tocou não só a todos em nossa
casa, mas acredito que a outros leitores também. Esta leitura nos permitiu repensar nossa vida diária,
procurando sempre louvar e agradecer a Deus a cada momento!
Sergio Alessandro Perin
Via e.mail – Brasil
Artigos que elevam o
espírito e santificam
O que mais nos atrai nesta revista
são os comentários ao Evangelho que
faz Mons. João, a cada mês. Mas todos os artigos elevam o espírito e santificam. São uma bússola, um meio de
salvação para este mundo conturbado, onde as pessoas não têm mais esperança, nem onde se apoiar. Os artigos desta revista são lidos no programa da Paróquia São José, na Rádio
Nova Aliança – FM, que tem alcance para além das fronteiras fluminenses, sob a responsabilidade do pároco,
o Pe. Rogério Cabral Caetano.
Alcino Luis e Márcio Pedroza Cavichine
Bom Jesus do Itabapoana – Brasil
Ótimo conteúdo
Sinto-me cada vez mais lisonjeado com a forma de atendimento por
parte de vossa “Ordem”. Apesar de
não ter profundo conhecimento da
mesma, posso notar a grande dedicação dos vossos serviços, tanto a
Deus quanto aos irmãos, sobretudo
pelo que vejo em vossa revista. Gostaria de cumprimentá-los pelas matérias nela publicadas, pois, além
de muito bem escritas, são de ótimo
conteúdo, superando várias publicações de nossa Santa Igreja Católica.
Eduardo de Oliveira Ribeiro
Via e.mail – Brasil
Variedade de temas e
simplicidade de redação
Sinceramente, esta revista parece-me a melhor publicação católica que atualmente se difunde, pela
variedade dos temas e simplicidade
da redação: ela não pretende expor
com fátua erudição. Os comentários ao Evangelho e as histórias para crianças são o que há de melhor!
A revista é muito atualizada.
Antonio León Borda Gómez
Bogotá – Colômbia
Editorial
Arquitetura, filosofia
e pastoral
“
L
82
Número 0
Março 201
stica
A Escolá
ra
em ped
Nave central
da Catedral de
Colônia,
Alemanha
(Foto: Alain Patrick)
a filosofia è quella cosa con la quale o senza la quale il mondo va tale e quale”.
Com este pitoresco dito, os italianos exaram sua inapelável, e talvez sensata, sentença a respeito das escolas de pensamento que abstraem do fato concreto e, sem nunca pôr os pés em terra, constroem complexos sistemas cada vez mais
­etéreos, obscuros e contraditórios. Incompreensíveis, enfim.
Mas, será sempre deste modo? Não poderá haver filosofias que estejam inseridas na realidade palpável do dia-a-dia, influenciando a vida dos homens, mesmo
sem eles se darem conta?
Com efeito, as pessoas têm sua mentalidade e seu modo de ser fortemente
condicionados pelo ambiente no qual vivem e pela filosofia que nele impera. Em
consequência, novos costumes, novas instituições e até civilizações surgem em
conformidade com aquele ambiente e aquelas ideias.
Não é verdade que a moda, a arte, a cultura e inclusive os estilos arquitetônicos, em geral, refletem a filosofia predominante no momento?
Restringindo-nos ao terreno da arquitetura, um olhar na História parece corroborar, pelo menos em linhas gerais, esta hipótese. As colunatas dóricas, por
exemplo, não seriam uma expressão do pensamento clássico? Versalhes e o racionalismo: que regras gerais, comuns a um e outro, poderiam ser identificadas? A
mesma questão se pode colocar em relação ao existencialismo e à arquitetura dita moderna.
A Igreja do início da Idade Média, depois do longo período das catacumbas e
das perseguições que povoaram de mártires o Céu, estava construindo uma nova
civilização. Sua reflexão ainda não delimitara com nitidez os campos da filosofia e
da teologia, o que só se daria nos séculos XII e XIII. Foi aquele também o tempo
da arquitetura românica, tão recolhida, tão forte, tão própria a favorecer o encontro da alma com Deus, mas cautelosa em relação às alegrias que as criaturas podem nos proporcionar.
É de outra índole a mensagem que a catedral gótica transmite. Esguia, desafiando a força da gravidade em busca da maior leveza, favorecendo a luz e as cores, e procurando destacar o pulchrum, ela atrai para o bem, harmonizando a fé e
a razão. Cada um desses edifícios, com seu peculiar e inconfundível estilo, provoca exclamações de admiração e de arrebatamento, nos eleva ao transcendente e
nos estimula a procurar a Deus.
Não é também o que encontramos na filosofia escolástica? Não é o que, especialmente São Tomás de Aquino, nos ensina? Então, podemos nos perguntar: que
relações há entre o estilo gótico e a Escolástica?
Todas essas reflexões, cabe notar finalmente, abrem para nós uma dimensão
pastoral não desprezível, a qual precisamos levar em conta, para alcançarmos frutos na evangelização, sobretudo com as novas gerações.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      5
A voz do Papa
Se quiseres cultivar a paz,
preserva a criação
Embora evitando intervir sobre soluções técnicas específicas, a Igreja,
“perita em humanidade”, tem a peito chamar vigorosamente a atenção para a
relação entre o Criador, o ser humano e a criação.
P
ara este XLIII Dia Mundial da Paz, escolhi o tema: Se quiseres cultivar
a paz, preserva a criação.
O respeito pela criação reveste-se de
grande importância, designadamente porque “a criação é o princípio e
o fundamento de todas as obras de
Deus”1 e a sua salvaguarda torna-se
hoje essencial para a convivência pacífica da humanidade.
Com efeito, se são numerosos os
perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano
integral, devido à desumanidade do
homem para com o seu semelhante
— guerras, conflitos internacionais
e regionais, atos terroristas e violações dos direitos humanos —, não
são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não
mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos
concedeu. Por isso, é indispensável
que a humanidade renove e reforce “aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho
do amor criador de Deus, de Quem
provimos e para Quem estamos a
caminho”.2
6      Flashes de Fátima · Março 2010
A criação, uma dádiva de
Deus à humanidade
Na encíclica Caritas in veritate,
pus em realce que o desenvolvimento humano integral está intimamente ligado com os deveres que nascem da relação do homem com o
ambiente natural, considerado como uma dádiva de Deus para todos,
cuja utilização comporta uma responsabilidade comum para com a
humanidade inteira, especialmente
os pobres e as gerações futuras. Assinalei também que corre o risco de
atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade, quando a
natureza e, sobretudo, o ser humano
são considerados simplesmente como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo.3
Pelo contrário, conceber a criação como dádiva de Deus à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem; na realidade, cheios de admiração, podemos
proclamar com o salmista: “Quando contemplo o firmamento, obra de
vossos dedos, a lua e as estrelas que
lá fixastes: Que é o homem, digo-me
então, para pensardes nele? Que são
os filhos de Adão, para que Vos ocupeis com eles?” (Sl 8, 4-5). Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do Criador; aquele Amor que “move o sol e
as outras estrelas”.4 [...]
Porventura não é verdade que, na
origem daquela que em sentido cósmico chamamos “natureza”, há “um
desígnio de amor e de verdade”? O
mundo “não é fruto duma qualquer
necessidade, dum destino cego ou
do acaso, (…) procede da vontade
livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do Seu Ser, da
Sua sabedoria e da Sua bondade”.5
O homem tem o dever de exercer
um governo responsável da criação
Nas suas páginas iniciais, o livro
do Gênesis introduz-nos no projeto
sapiente do cosmos, fruto do pensamento de Deus, que, no vértice, colocou o homem e a mulher, criados
à imagem e semelhança do Criador,
para “encher e dominar a terra” como “administradores” em nome do
próprio Deus (cf. Gn 1, 28).
A harmonia descrita na Sagrada Escritura entre o Criador, a hu-
L’Osservatore Romano
desenvolvimento, exprime
manidade e a criação foi
a tensão do ânimo humaquebrada pelo pecado de
no para uma gradual suAdão e Eva, do homem
peração de certos condie da mulher, que pretencionamentos
materiais.
deram ocupar o lugar de
Assim, a técnica insere-se
Deus, recusando reconheno mandato de “cultivar e
cer-se como Suas criatuguardar a terra” (cf. Gn 2,
ras. Em consequência, fi15) que Deus confiou ao
cou deturpada também a
homem, e há de ser orientarefa de “dominar” a tertada para reforçar aquela
ra, de a “cultivar e guaraliança entre ser humano
dar” e gerou-se um cone ambiente em que se deve
flito entre eles e o resto
refletir o amor criador de
da criação (cf. Gn 3, 17Deus”.10
19). O ser humano deixou-se dominar pelo egoÉ cada vez mais claro
ísmo, perdendo o sentique o tema da degradação
do do mandato de Deus,
ambiental põe em questão
e, no relacionamento com
os comportamentos de caa criação, comportou-se
da um de nós, os estilos de
como explorador, pretenvida e os modelos de condendo exercer um domínio
sumo e de produção hoabsoluto sobre ela.
je dominantes, muitas veMas o verdadeiro sigzes insustentáveis do ponnificado do mandamento de vista social, ambien“É indispensável que a humanidade renove e reforce
to primordial de Deus,
tal e até econômico.
aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve
bem evidenciado no livro
Torna-se indispensável
ser espelho do amor criador de Deus”
do Gênesis, não consisuma real mudança de mentia numa simples concestalidade que induza todos
Ofertório da Missa do Dia Mundial da Paz - Basílica de São
são de autoridade, mas ana adotarem novos estilos
Pedro, 1/1/2010
tes num apelo à responsade vida, “nos quais a busbilidade. Aliás, a sabedoca do verdadeiro, do belo e
ria dos antigos reconhecia que a na- portanto, o dever de exercer um go- do bom e a comunhão com os outros
tureza está à nossa disposição, mas verno responsável da criação, pre- homens, em ordem ao crescimento
não como “um monte de lixo espa- servando-a e cultivando-a.9 [...]
comum, sejam os elementos que delhado ao acaso”,6 enquanto a Reveterminam as opções do consumo, da
Em busca do verdadeiro, do
poupança e do investimento”.11
lação bíblica nos fez compreender
belo
e
do
bom,
e
da
comunhão
que a natureza é dom do Criador, o
Todos somos responsáveis pela
com os outros homens
qual lhe traçou os ordenamentos inproteção e cuidado da criação
trínsecos a fim de que o homem puA questão ecológica não deve ser
desse deduzir deles as devidas orien- enfrentada apenas por causa das paDeve-se educar cada vez mais patações para a “cultivar e guardar” vorosas perspectivas que a degrada- ra se construir a paz a partir de op(cf. Gn 2, 15).7
ção ambiental esboça no horizonte; ções clarividentes a nível pessoal, faTudo o que existe pertence a o motivo principal há de ser a bus- miliar, comunitário e político. Todos
Deus, que o confiou aos homens, ca duma autêntica solidariedade de somos responsáveis pela proteção e
mas não à sua arbitrária disposição. dimensão mundial, inspirada pelos cuidado da criação. Tal responsabiliE quando o homem, em vez de de- valores da caridade, da justiça e do dade não conhece fronteiras. Segundo o princípio de subsidiariedade,
sempenhar a sua função de colabo- bem comum.
Por outro lado, como já tive oca- é importante que cada um, no nível
rador de Deus, se coloca no lugar de
Deus, acaba por provocar a rebelião sião de recordar, a técnica “nunca é que lhe corresponde, se comprometa
da natureza, “mais tiranizada que simplesmente técnica; mas manifes- a trabalhar para que deixem de pregovernada por ele”.8 O homem tem, ta o homem e as suas aspirações ao valecer os interesses particulares.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      7
L’Osservatore Romano
mem e ambiente são chamadas a assumir o estilo
do respeito e da “caridade
na verdade”.
Neste contexto alargado, é altamente desejável que encontrem eficaz
correspondência os esforços da comunidade internacional que visam obter
um progressivo desarmamento e um mundo sem
armas nucleares, cuja mera presença ameaça a vida da terra e o processo
de desenvolvimento integral da humanidade atual
e futura.
Bento XVI saúda os fiéis reunidos na Praça
de São Pedro para a rezarem com o Papa o
primeiro Angelus do ano
Um papel de sensibilização e formação compete de modo particular
aos vários sujeitos da sociedade civil e às organizações não governamentais, empenhados com determinação e generosidade na difusão
de uma responsabilidade ecológica,
que deveria aparecer cada vez mais
ancorada ao respeito pela “ecologia
humana”.
Além disso, é preciso lembrar a
responsabilidade dos meios de comunicação social neste âmbito, propondo modelos positivos que sirvam de inspiração. É que ocupar-se
do ambiente requer uma visão larga
e global do mundo; um esforço comum e responsável a fim de passar
de uma lógica centrada sobre o interesse egoísta da nação para uma visão que sempre abrace as necessidades de todos os povos.
Não podemos permanecer indiferentes àquilo que sucede ao nosso redor, porque a deterioração de
uma parte qualquer do mundo recairia sobre todos. As relações entre pessoas, grupos sociais e Estados, bem como as relações entre ho8      Flashes de Fátima · Março 2010
Os deveres para com
o ambiente derivam
dos deveres para
com a pessoa
A Igreja tem a sua parte de responsabilidade pela criação e sente
que a deve exercer também em âmbito público, para defender a terra, a
água e o ar, dádivas feitas por Deus
Criador a todos, e antes de tudo para proteger o homem contra o perigo da destruição de si mesmo.
Com efeito, a degradação da natureza está intimamente ligada à
cultura que molda a convivência humana, pelo que, “quando a ‘ecologia
humana’ é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental”.12 Não se pode pedir
aos jovens que respeitem o ambiente, se não são ajudados, em família
e na sociedade, a respeitar-se a si
mesmos: o livro da natureza é único,
tanto sobre a vertente do ambiente
como sobre a da ética pessoal, familiar e social.13
Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a
pessoa considerada em si mesma e
no seu relacionamento com os outros. Por isso, de bom grado encorajo a educação para uma responsabilidade ecológica, que, como indiquei
na encíclica Caritas in veritate, salvaguarde uma autêntica “ecologia humana” e consequentemente afirme,
com renovada convicção, a inviolabilidade da vida humana em todas
as suas fases e condições, a dignidade da pessoa e a missão insubstituível da família, onde se educa para o
amor ao próximo e o respeito da natureza.14
É preciso preservar o patrimônio humano da sociedade. Este patrimônio de valores tem a sua origem e está inscrito na lei moral natural, que é fundamento do respeito
da pessoa humana e da criação.
Ecocentrismo e biocentrismo dão
entrada a um novo panteísmo
Por fim não se deve esquecer o
fato, altamente significativo, de que
muitos encontram tranquilidade e
paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contato direto com a beleza e a harmonia da
natureza. Existe aqui uma espécie
de reciprocidade: quando cuidamos
da criação, constatamos que Deus,
através da criação, cuida de nós.
Por outro lado, uma visão correta da relação do homem com o ambiente impede de absolutizar a natureza ou de a considerar mais importante do que a pessoa. Se o Magistério da Igreja exprime perplexidades acerca de uma concepção do
ambiente inspirada no ecocentrismo
e no biocentrismo, fá-lo porque tal
concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa
humana e os outros seres vivos. Deste modo, chega-se realmente a eliminar a identidade e a função superior do homem, favorecendo uma visão igualitarista da “dignidade” de
todos os seres vivos.
Assim se dá entrada a um novo
panteísmo com acentos neopagãos
que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem. Ao contrário, a Igreja convi-
A salvaguarda da criação
e a realização da paz estão
intimamente ligadas entre si
Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. A busca da paz por parte de todos os homens de boa vontade será, sem dúvida alguma, facilitada pelo reconhecimento comum
da relação indivisível que existe entre Deus, os seres humanos e a criação inteira.
Os cristãos, iluminados pela Revelação divina e seguindo a Tradição da Igreja, prestam a sua própria
contribuição. Consideram o cosmos
e as suas maravilhas à luz da obra
criadora do Pai e redentora de Cristo, que, pela Sua morte e ressurreição, reconciliou com Deus “todas as
criaturas, na terra e nos céus” (Cl 1,
20). Cristo crucificado e ressuscitado concedeu à humanidade o dom
do Seu Espírito santificador, que
guia o caminho da História à espera
daquele dia em que, com o regresso
glorioso do Senhor, serão inaugurados “novos céus e uma nova terra”
(2 Pd 3, 13), onde habitarão a justiça
e a paz para sempre.
Assim, proteger o ambiente natural para construir um mundo de
paz é dever de toda pessoa. Tratase de um desafio urgente que se há
de enfrentar com renovado e con-
corde empenho; é uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos. Disto mesmo estejam cientes os responsáveis
das nações e quantos, nos diversos
níveis, têm a peito a sorte da humanidade: a salvaguarda da criação e a
realização da paz são realidades intimamente ligadas entre si.
Por isso, convido todos os crentes a elevarem a Deus, Criador onipotente e Pai misericordioso, a sua
oração fervorosa, para que no coração de cada homem e de cada mulher ressoe, seja acolhido e vivido o
premente apelo: Se quiseres cultivar
a paz, preserva a criação. 
(Excertos da Mensagem para a
celebração do Dia Mundial da Paz,
1/1/2010)
Catecismo da Igreja Católica, 198.
1
2
Bento XVI. Mensagem para o Dia
Mundial da Paz. 01/01/2008, n.7.
3
Cf. BENTO XVI. Caritas in veritate, n.48.
4
Alighieri, Dante. Divina Comédia: O Paraíso, XXXIII, 145.
Catecismo da Igreja Católica, 295.
5
6
Heráclito de Éfeso, Fragmento 22B124, in H. Diels-W.
Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker (Weidmann, Berlim 19526).
7
Cf. Bento XVI. Caritas in veritate, n.48.
8
João Paulo II. Centesimus annus, n.37.
9
Cf. Bento XVI. Caritas in veritate, n.50.
10
BENTO XVI. Caritas in veritate,
n.69.
11
João Paulo II. Centesimus annus, n.36.
12
Bento XVI. Caritas in veritate, n.51.
13
Cf. Idem, n.15.51.
14
Cf. Idem, n.28.51.61; João Paulo II. Centesimus annus, n.38.39.
15
Cf. Bento XVI. Caritas in veritate, n.70.
L’Osservatore Romano
da a colocar a questão de modo equilibrado, no respeito da “gramática” que o Criador inscreveu na Sua
obra, confiando ao homem o papel
de guardião e administrador responsável da criação, papel de que certamente não deve abusar, mas também
não pode abdicar. Com efeito, a posição contrária, que considera a técnica e o poder humano como absolutos, acaba por ser um grave atentado não só à natureza, mas também à
própria dignidade humana.15
Missa na Basílica de São Pedro por ocasião da Solenidade da Santa Mãe de
Deus e da Jornada Mundial pela Paz
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
Março 2010 · Flashes
de Fátima      9
Comentário ao Evangelho – III Domingo da Quaresma
A necessidade da
contínua conversão
Deus é Paciência e usa de longanimidade para conosco,
dando-nos tempo mais do que suficiente para nos
convertermos. Mas, sendo também Sabedoria e Justiça,
sabe como e quando castigar.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – O amor incondicional de Deus
a cada um de nós
Desde toda
a eternidade,
Deus tem
um plano
específico
para cada
um de nós
Por meio da consideração do universo, de
modo especial sob o aspecto da beleza, pode
o homem a todo momento reportar-se a Deus,
vendo nas criaturas reflexos do Criador. Entretanto, muitos dos nossos contemporâneos vivem
engajados em um ritmo de vida que os absorve
por completo, dificultando-lhes tomar distância
dos afazeres cotidianos e se deter, mesmo por
alguns instantes, para admirar algo de nobre,
elevado ou belo capaz de alçá-los à esfera sobrenatural.
Quem assim procede, demonstra ignorar o
lado mais profundo da realidade, uma vez que
Deus está em toda parte e intimamente em todas as coisas.1 “N’Ele vivemos, nos movemos e
existimos” (At 17, 28).
Deus quer dar-nos a vida eterna
Deus é sumamente comunicativo e “não cessa de chamar todo homem a procurá-Lo para
que viva e encontre a felicidade”.2 Deseja entrar em contato conosco e tem por nós um amor
10      Flashes de Fátima · Março 2010
gratuito, incomensurável e incondicional, que
perdoa as infidelidades até o extremo de Nosso
Senhor afirmar haver mais alegria no Céu pela conversão de um pecador do que pela perseverança de noventa e nove justos (cf. Lc 15, 7).
“Não quero a morte do pecador, mas que ele
se converta e tenha a vida” (Ez 33, 11), diz a Sagrada Escritura. Esse pensamento expresso através da Revelação deve nos encher de confiança,
qualquer que seja nossa situação espiritual.
Tanto mais que a vida desejada por Nosso
Senhor, para nós, não se esgota nos limites de
uma existência terrena cheia dos deleites dos
sentidos, o que além de ilusório, quase nada seria face ao que Ele quer nos dar, ou seja, uma
participação na própria natureza divina. Deus
nos criou para gozarmos de sua plena e perpétua felicidade. Dádiva maior, não é possível excogitar!
Precisamos, sobretudo, não
colocar obstáculos à graça
Desde toda a eternidade, Deus tem um plano específico para cada um de nós e o mantém,
"Jesus e os Apóstolos"
Santuário de Nossa
Senhora da Consolação,
Coney Island (Estados
Unidos)
“Naquele tempo, 1 vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que
Pilatos tinha matado, misturando seu sangue
com o dos sacrifícios que ofereciam. 2 Jesus lhes
respondeu: ‘Vós pensais que esses galileus eram
mais pecadores do que todos os outros galileus
por terem sofrido tal coisa? 3 Eu vos digo que
não. Mas, se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo. 4 E aqueles dezoito
que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que
todos os outros moradores de Jerusalém? 5 Eu vos
digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis
morrer todos do mesmo modo’. 6 E contou-lhes
também esta parábola: ‘Certo homem tinha uma
figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. 7 Então disse ao vinhateiro: Já faz três anos que venho procurando figos
nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que
está ela inutilizando a terra? 8 Mas o vinhateiro respondeu: Senhor, deixa a figueira ainda este
ano. Vou cavar em volta dela e vou colocar adubo.
9
Pode ser que venha a dar fruto. Se não der fruto,
então tu a cortarás!’” (Lc 13, 1-9).
Gustavo Kralj
­
a  Evangelho
  A
Para
trilharmos
as vias da
virtude,
precisamos,
sobretudo,
não colocar
obstáculos
à ação da
graça em
nossas almas
mesmo se a este não tenhamos correspondido
como deveríamos. Em sua misericórdia, Ele vê
o que toda pessoa seria se tivesse sido sempre
fiel às graças recebidas, vivendo no auge de perfeição para a qual foi criada.
Deus espera que nossa vocação um dia se
torne realidade e serve-Se dos acontecimentos
cotidianos para nos mover à conversão. Assim,
ainda que alguém se encontre num estado de
extrema infelicidade por ter cometido uma falta grave — ou, pior ainda, por ter abraçado decididamente as vias do mal — o Divino Juiz não
Se apressa em punir o pecador. Ao contrário,
aguarda pacientemente o momento adequado
para reconduzir o filho pródigo à casa paterna.
Mais ainda, o amor de Deus pelos homens é
tão incondicional que, diante do anseio salvífico do Criador, nossa vontade fica relegada a um
segundo plano. Bem sintetizou essa realidade
Santa Maravilhas de Jesus em seu célebre lema:
“Si tú le dejas...” — “Se tu O deixas...”. Pois, para trilharmos as vias da virtude, precisamos, sobretudo, não colocar obstáculos à ação da graça
em nossas almas. A santidade não é principalmente resultado do nosso esforço, mas de uma
iniciativa amorosa de Deus.
Esta é a perspectiva na qual devemos considerar a Liturgia de hoje, para bem lucrarmos
com seus ensinamentos.
II – Jesus convida os
judeus à conversão
“Naquele tempo, 1 vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito
dos galileus que Pilatos tinha matado,
misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam”.
Pouco tempo antes do episódio narrado neste Evangelho, quando o povo estava reunido no
Templo para a oferta da Páscoa, alguns galileus,
inconformes com o domínio romano, aproveitaram a grande confluência de peregrinos para iniciar uma revolução contra a autoridade de
César.
Ao tomar conhecimento desse fato, Pilatos indignou-se e mandou executar os revoltosos. Ora, entrando os soldados no átrio do Templo, além desses promotores da sublevação, mataram também outros galileus que lá se encontravam para oferecer os sacrifícios de costu-
12      Flashes de Fátima · Março 2010
me, derramando assim sangue inocente. A notícia produziu grande alvoroço e algumas pessoas apressaram-se a ir contar o ocorrido a Jesus.3
A propósito do castigo temporal,
alerta para a pena eterna
“Jesus lhes respondeu: ‘Vós pensais
que esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus por terem sofrido tal coisa? 3 Eu vos digo que
não. Mas, se vós não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo’”.
2
Imaginavam os portadores da notícia que,
sendo galileu, Jesus tomaria naturalmente o
partido dos compatriotas mortos. Talvez até esperassem que a brutalidade da repressão levasse o Divino Mestre a pronunciar-Se a favor do
nacionalismo judaico.
Ora, as cogitações de Nosso Senhor situavam-se sempre num plano muito superior ao
das disputas políticas. Em sua resposta, Ele
não Se compromete com os aspectos concretos
da questão, mas aproveita a circunstância para dar uma lição moral, assim sintetizada por
Fillion: “Sem julgar o procedimento do governador, nem descer ao terreno das discussões políticas, recorda aos seus ouvintes que, como todos ofenderam a Deus, estão todos expostos aos
golpes da justiça divina, enquanto não se arrependerem e se converterem sinceramente”.4
Deparamo-nos, aqui, com uma primeira atitude de Jesus a imitar: quando um fato da vida cotidiana se apresentar revestido de especial interesse, evitemos analisá-lo apenas segundo os aspectos terrenos, e procuremos elevar-nos até o
plano sobrenatural, a fim de melhor julgá-lo.
De outro lado, na opinião de Leal e os outros professores da Companhia de Jesus, o teor
da resposta do Divino Mestre visava corrigir uma
ideia errada comum entre os judeus daquela
época, segundo a qual toda dor era um castigo.5
Porém, ensina o Cardeal Gomá, só o Senhor “sabe se existe alguma relação entre os pecados pessoais e as desgraças ocorridas a alguém; os exemplos de Jó, de Epulão e Lázaro desmentem a teoria errônea e supersticiosa dos judeus”.6
Ao afirmar que aqueles galileus mortos não
eram mais pecadores do que os seus interlocutores, Jesus lança mão de um recurso psicológico para mais vivamente alertá-los sobre a gravidade intrínseca do pecado e das penas cor-
O Divino
Juiz aguarda
pacientemente
o momento
adequado para
reconduzir o filho
pródigo à casa
paterna.
respondentes. Pois, como afirma Maldonado, “tencionava Jesus advertir, acerca da pena eterna, os seus ouvintes impressionados pela narração daquele castigo temporal; como
se lhes dissesse: [...] não reputeis miseráveis
os homens que sofreram essa morte corporal,
mas sim aqueles que sofrerão a morte da alma, e esta cairá com certeza sobre todos vós,
se não fizerdes oportuna penitência”.7
"O Filho Pródigo" Igreja de St. Patrick,
Roxbury (Estados
Unidos)
Um segundo caso trazido à
tona por Nosso Senhor
“’E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores
de Jerusalém? 5 Eu vos digo que não.
Mas, se não vos converterdes, ireis
morrer todos do mesmo modo’”.
Logo a seguir, Cristo faz referência a outra
tragédia recente: o desabamento da torre de
Siloé, matando dezoito pessoas que se encontravam em seu interior. Desta vez a desgraça
não decorrera de um acontecimento político,
mas sim de um episódio fortuito.
Também sobre este caso pairava a suspeita de ter sido um desastre ocorrido para castigo das vítimas, pois, segundo julgavam os judeus daquele tempo, a morte acidental só advinha a quem houvesse ofendido gravemente a
Deus. “Uma tal desgraça parecia mostrar a mão
da Providência Divina como querendo castigar
seus pecados”,8 comenta Maldonado.
Entretanto, aqui mais uma vez o Divino Mestre os corrige: aqueles dezoito não eram mais
pecadores do que os outros judeus. E novamente adverte-os sobre a necessidade de se converterem.
Cumprimento das profecias de Jesus
“No plano de Deus há horas determinadas
para a efetivação de castigos ou desgraças coletivas”, precisa o padre Tuya.9
Algumas décadas depois do episódio narrado neste Evangelho, foi Jerusalém sitiada pelas
tropas de Tito, e sucumbiram os habitantes da
cidade exatamente como esses galileus no Templo, pelas mãos de romanos.
Sublinha, a este propósito, o Cardeal Gomá: “O próprio recinto do Templo, como narra Flávio Josefo, encheu-se de cadáveres duran-
Gustavo Kralj
4
te o cerco de Jerusalém, ‘do mesmo modo’, oferecendo sacrifícios”.10
E escreve Didon: “É provável que os sábios
de então, os saduceus, cortesãos do poder estrangeiro; os fariseus, que acreditavam no triunfo de Israel, no orgulho cego de sua piedade
sem virtude, sorrissem das ameaças do Profeta; o próprio povo sempre mais comovido com o
presente do que com o futuro afastado, não parece ter-se impressionado com elas.
“A profecia todavia não tardou em verificarse: quarenta anos mais tarde, os soldados de Tito degolavam no Templo os últimos partidários
exasperados da independência nacional; e as casas de Jerusalém, incendiadas, desabavam, como a torre de Siloé, sobre os habitantes da cidade impenitente.
“Este futuro terrível para o qual a nação se
precipita, não deixa mais o pensamento do Profeta; comove-O e entristece-O mais do que a
sua própria morte; quereria preveni-lo, abalando as consciências e abrindo-as à voz de Deus.
Se compreendessem o dever do momento, renunciariam aos sonhos terrestres que as enganam, acolheriam a Boa-Nova do Reino, de
Março 2010 · Flashes
As cogitações
de Nosso
Senhor
estavam num
plano muito
superior ao
das disputas
políticas
de Fátima      13
I­ srael transformado, deixando os romanos prosseguir na sua obra, tornar-se-ia o verdadeiro povo espiritual de Deus. Nunca destino mais sublime foi oferecido a uma nação; nunca se deu
exemplo de mais incurável cegueira. Jesus em
vão procurava desenganá-la”.11
Assim, no ano 70, segundo muitos comentaristas, se cumpriram ambas as profecias incluídas
no Evangelho de hoje. O historiador judeu Flávio Josefo, testemunha ocular daqueles acontecimentos, relata cenas dramáticas, como a de uma
mãe que, movida pela fome e pelo desespero, assou ao forno o próprio filho, para comê-lo.12
III – A parábola da figueira
Visando melhor vincar nas almas dos seus
ouvintes a necessidade de uma pronta penitência, Jesus continua Seus ensinamentos recorrendo a uma parábola de fácil compreensão,
por ser a figueira muito comum na Palestina daquela época. Costumava-se plantá-la pelo meio
das vinhas, e tanto as uvas quanto os figos secos constituíam parte importante da alimentação dos povos que lá habitavam.
Quem não
apresenta
frutos de boas
obras segundo
seu cargo e
condição,
ocupa debalde
o terreno,
como árvore
estéril
Imagem dos que não procuram
fazer boas obras
E contou-lhes também esta parábola:
‘Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar
figos e não encontrou’. 7 Então disse ao
vinhateiro: Já faz três anos que venho
procurando figos nesta figueira e nada
encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’”.
Francesca Antichi
6 “
A figueira costuma dar frutos logo no primeiro
ano ou, no mais tardar, no segundo. Ora, aquela
estava há três anos sem nada produzir. Não havia,
portanto, necessidade de esperar mais tempo para
cortá-la, porque uma planta estéril, além de ocupar espaço no pomar, desgasta inutilmente o solo.
De fato, a árvore da parábola simboliza as
pessoas que não se esforçam em fazer boas
obras, mas pretendem viver apenas se beneficiando das graças de Deus, sem procurar fazer
frutificar esses dons. Afirma São Gregório Magno: “Quem não apresenta frutos de boas obras,
segundo seu cargo e condição, ocupa debalde o terreno, como árvore estéril, pois impede
outros de fazerem o bem no mesmo lugar por
ele ocupado. [...] Com efeito, ocupa debalde o
terreno quem põe obstáculos às almas alheias;
ocupa debalde o terreno quem não se empenha
em agir segundo o cargo que ocupa”.13
Encontramos aqui mais uma aplicação para
nossa vida espiritual: por vezes, sinais evidentes
nos mostram que Deus nos quer em determinada atividade apostólica, para ampliação do Reino d’Ele. Apesar disso, nada fazemos. Incorremos, assim, numa falta por omissão. Com frequência, esse tipo de faltas passa despercebido
em nosso exame de consciência, pois, por estarmos demasiadamente voltados para nossos próprios interesses, nem nos damos conta de que
pecamos quando não produzimos os frutos que
o Dono da Vinha espera.
Ora, nesta passagem há para nós uma advertência: o dono da vinha mandou cortar a figueira estéril. Não poderá acontecer algo semelhante
com qualquer um de nós?
Analogia com o Povo Eleito
“’Mas o vinhateiro respondeu: Senhor,
deixa a figueira ainda este ano.
Vou cavar em volta dela e vou colocar adubo. 9 Pode ser que venha
a dar fruto. Se não der fruto, então tu a cortarás!’’’.
8
A situação descrita nestes versículos
é aplicada pelos comentaristas ao Povo
Jesus continua Seus ensinamentos
recorrendo a uma parábola de fácil
compreensão, por ser a figueira muito
comum na Palestina daquela época.
14      Flashes de Fátima · Março 2010
Simbolismo da figura do vinhateiro
Muitos são os simbolismos atribuídos pelos
comentaristas à figura do vinhateiro.
Afirma Teófilo: “Deus Pai é o dono da vinha;
o vinhateiro é Jesus Cristo, o qual não permite cortar a figueira estéril, como se dissesse ao
Pai: ‘Mesmo não tendo dado frutos de penitência pela Lei e pelos Profetas, Eu os regarei com
meus tormentos e minha doutrina, e talvez produzam frutos de obediência’”.19
O Cardeal Gomá o identifica com o nosso
Anjo da Guarda, ou com as pessoas suscitadas
por Deus para nos dirigir, ou até mesmo com
cada um de nós, porque “cada
qual cuida de sua vinha”.20
E São Gregório Magno se
pergunta: “O que significa o
vinhateiro, senão a ordem dos
prelados? Pois estes, estando
à frente da Igreja, estão certamente cuidando da vinha do Senhor”. E atribui, logo a seguir,
um inesperado simbolismo ao
trabalho do vinhateiro: “O que
significa cavar ao redor da figueira senão increpar as almas
infrutíferas? Com efeito, toda
escavação se faz embaixo e é
certo que a increpação, ao ser
feita, humilha a alma; portanto,
quando increpamos a alguém seu
pecado, agimos como quem, por
exigências do cultivo, cava em volta da árvore estéril”.21
“Então tu a cortarás!”
A passagem do Evangelho termina abruptamente com palavras
de terrível ameaça: “Então tu a
cortarás!”.
Não faltavam no Antigo Testamento exemplos de severos
castigos para dar crédito a essa
advertência: no tempo de Noé,
a terra foi submersa pelas águas
"Assim foi tratado Israel,
do dilúvio (cf. Gn 7, 17-24); Sodocultivando-o repetidamente
ma e Gomorra foram destruídas com avisos e profetas"
pelo fogo (cf. Gn 19, 24-25); as tro“Profeta Abdias”, por Aleijadinho pas do faraó pereceram, afogadas Santuário do Bom Jesus
no Mar Vermelho (cf. Ex 14, 27- de Matosinhos, Congonhas
28). Deus é a Paciência, em subs- do Campo (Brasil)
tância, mas também é a Sabedoria
e a Justiça, e sabe como e quando intervir.
E no Novo Testamento, veremos Jesus retomar a figura desta parábola quando, indo
de Betânia a Jerusalém, três dias antes de Sua
morte, teve fome e dirigiu-Se a uma figueira localizada à beira do caminho. Não achando nela senão folhas, disse-lhe: “Nunca mais produzas fruto algum!”. E, no mesmo instante, a figueira secou, deixando estupefatos os discípulos (cf. Mt 21, 17-20). Conforme especifica São
Marcos, ela secou “até a raiz” (Mc 11, 20).
Bem pode essa árvore estéril representar a
história de quem vai abusando da paciência do
Victor Toniolo
Eleito. Neste sentido, afirma o padre Tuya: “Assim foi tratado Israel, cultivando-o repetidamente
com avisos e profetas; em seguida o Batista e, por
fim, Cristo com suas doutrinas e milagres. Mas os
dirigentes de Israel não O reconheceram como o
Messias”.14
Com efeito, no Antigo Testamento várias vezes Deus exortou, sem sucesso, essa “figueira” a
dar frutos. Já bem próximo do momento da colheita, mandou o Precursor, como arauto da justiça divina, alertando: “Fazei pois, dignos frutos de
penitência. [...] Já o machado está posto na raiz
da árvore. Toda árvore que não dá frutos será cortada e lançada no fogo” (Lc 3, 8-9). Mais tarde
Ele próprio quis fertilizá-la com seu preciosíssimo Sangue divino, que regou toda a Terra.
Mas a “figueira” permaneceu estéril. “O Senhor procurou nela frutos de fé, mas ela nada tinha para dar”, sentenciou Santo Efrém de Nísibe.15 Por isso, afirma São Cirilo de Alexandria:
“Após a crucifixão do Salvador, os israelitas foram
condenados a cair nas misérias que mereceram.
Jerusalém seria capturada e seus habitantes mortos pela espada inimiga; suas casas seriam queimadas e até o Templo de Deus seria destruído”.16
Não esqueçamos, entretanto, aquilo que com
propriedade fazem notar os mesmos professores da Companhia de Jesus: “A aplicação é extensiva ao homem em geral, pois a história judaica sintetiza a História da humanidade”.17
Saibamos, então, encontrar as devidas analogias desta parábola para a nossa vida espiritual. Pois, como sublinha um piedoso autor: “Nós
somos essa figueira, enxertados em Jesus Cristo
pelo Batismo, plantados em sua Igreja pela fé,
[...] cuidadosamente cultivados [...]. Procuramos
corresponder a tudo isso, produzindo os frutos
que Ele tem direito a esperar de nós?”.18
Março 2010 · Flashes
de Fátima      15
Criador, até o momento, desconhecido
pelos homens, em que sua medida estará completa...
IV – O que Deus
espera de nós
Deus é a
Paciência, em
substância,
mas também
é a Sabedoria
e a Justiça,
e sabe como
e quando
intervir
Deus usa de longanimidade para
conosco, conforme as palavras de São
Pedro: “O Senhor pacientemente vos
aguarda, não querendo que ninguém
pereça senão que todos se arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para a
terra ser adubada e regada, ou seja, para as pessoas se converterem.
Contudo, os terríveis efeitos da Justiça divina apresentados pela Liturgia deste 3º Domingo
da Quaresma, convidam-nos a examinar a fundo nossa consciência, para saber se estamos cumprindo nossos deveres de cristão, assumidos no
Batismo. O convite à conversão apresentado por
esta passagem significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao pecado, pois o
bem só poderá nascer de uma causa íntegra.22
Estejamos, pois, conscientes da necessidade de uma contínua e autêntica conversão, uma
vez que a busca de Deus exige do homem todo o
empenho de sua inteligência e a retidão de sua
vontade para corresponder à graça, sem a qual
nada podemos fazer.
E se, por infelicidade, tivermos incorrido em
muitas faltas, não nos esqueçamos de que Nossa Senhora e o nosso Anjo da Guarda estão
sempre rogando por nós, para Deus nos conce-
1
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica I, q.8,
a.1, resp.
2
Catecismo da Igreja Católica,
n.30.
3
Diversos comentaristas antigos, entre os quais São Cirilo
(in Cat. Græc. Patr. apud Catena Aurea), identificam este episódio com a revolta de
Judas Galileu, narrada pelo
próprio São Lucas em At 5,
37. Entretanto, autores mais
recentes, como Fillion (Vida
de Nuestro Señor Jesucristo.
II. Madrid: Rialp, s/d, p.387)
16      Flashes de Fátima · Março 2010
der mais uma oportunidade. O mesmo fazem
os bem-aventurados, conforme afirma Santo
Agostinho ao comentar essa parábola: “Todos
os santos são como vinhateiros que intercedem
pelos pecadores perante o Senhor”.23
Esta Liturgia — que nos adverte com tanta
seriedade, mas também nos incentiva a ter uma
inabalável confiança na misericórdia divina —
é própria a nos conduzir, como dissemos, a um
apurado exame de consciência. Aproveitemos,
então, o dia de hoje para pedir a graça de romper
inteiramente com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até reclamava de Seu povo, tal qual transparece no Evangelho de hoje, é exatamente o
que Ele quer de cada um de nós, neste tempo da
Quaresma. Ou seja, uma grande virtude de penitência e espírito de compunção, necessários a todos os que não viveram uma perfeita inocência.
Essa dor dos próprios pecados, quando redunda numa contrição perfeita, produz belos
e abundantes frutos, como a plena remissão de
nossas culpas e das próprias penas temporais,
e os professores da Companhia de Jesus (LEAL, SJ, Juan; PÁRAMO, SJ, Severiano; ALONSO, SJ, José. La
Sagrada Escritura. I. Evangelios. Madrid: BAC, 1961,
p.696), consideram tratar-se
de um fato diferente, acontecido pouco antes do episódio
aqui narrado.
4
5
FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, s/d, v.II,
p.387.
Cf. LEAL, SJ, Juan; PÁRAMO, SJ, Severiano del;
ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Evangelios. Madrid: BAC, 1961, v.I,
p.696.
6
GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El
Evangelio explicado. Madrid:
Casulleras, 1930. v.III, p.244.
7
MALDONADO, SJ, Juan
de. Comentarios a los cuatro
Evangelios – II Evangelios de
San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p.616.
8
Idem, p.617.
9
TUYA, OP, Manuel de. Biblia
Comentada – II. Evangelios.
Madrid: BAC, 1964, p.857.
“Todos os santos são
como vinhateiros,
que intercedem pelos
pecadores na presença do
Senhor”
“Os doze Apóstolos” - Fachada
da Catedral de Notre Dame, Paris
e também um considerável aumento de graça
santificante que faz a alma avançar rapidamente pelas sendas da santificação. Além de grande paz interior, essa contrição manterá a alma
em estado de humildade, purificando-a e auxiliando-a a mortificar seus desordenados instintos. Aí está um ótimo meio para adquirir forças
contra as tentações e garantir a perseverança na
fidelidade aos Mandamentos.
Será que não nos move a alma o exemplo tão
clamoroso da rejeição daquele povo ao prazo
que lhe dá o Salvador para seu arrependimento e conversão? Reagiremos nós da mesma forma ou imploraremos, por meio de Maria, esse
verdadeiro dom de Deus, que é a contrição perfeita?
Eis o que a respeito da pecaminosa rejeição
do povo eleito comenta Didon: “O fruto que
Deus esperava e reclamava da Sua nação escolhida era a penitência e a fé; a penitência que chora
as infidelidades e as faltas, a fé que aceita a palavra de vida e dá acesso ao Reino messiânico.
10
GOMÁ Y TOMÁS, op. cit.,
p.244.
11
DIDON. Jesus Christo. Porto:
Chardron, 1895, v.II, p.320.
12
13
14
FLAVIO JOSEFO. La conquista de Jerusalén por los
romanos. In: Reportaje de la
Historia. Barcelona: Planeta,
1968, v.I, p.131-132. Relatos
semelhantes ocupam as páginas 111 a 136.
15
16
“Desde a primeira hora da Sua vida
pública, Jesus não cessou de lembrar
estes grandes deveres. Mas, afora alguns eleitos,
nenhum responde; em lugar de bater no peito,
os chefes religiosos não falam senão da sua justiça; em lugar de crer no Enviado, combatemno, perseguem-no, difamam-no, ameaçam-no e
anatematizam-no. A vingança de Deus aproxima-se, pronta a rebentar, se o Enviado desconhecido não suspende a sua explosão; esta raça
cega mal o imagina, embala-se em ilusões fatais
que a palavra de Jesus não consegue dissipar,
adormece nas promessas de Deus, sem pensar
que o seu endurecimento torna estéreis essas
promessas e provoca a cólera celeste. Os milagres não podem mais sobre ela do que a palavra. Arrancam à multidão alguns gritos de admiração, mas escandalizam a classe dirigente
que não cessa de opor ao Profeta as vãs observâncias do seu culto”.24 Mais uma vez, podemos nos perguntar: e
nós, reagiremos da mesma forma? Ou tiraremos todo o proveito, não só desta Liturgia, mas
de toda a Quaresma?
SAN EFRÉN DE NISIBE,
Comentario al Diatessaron,
14, 26-27. Apud: ODEN,
Thomas C.; JUST, Arthur A.
La biblia comentada por los
Padres de la Iglesia. Madrid:
Ciudad Nueva, 2000, p.309.
Comentario al Evangelio de
Lucas, 92, 12. Apud: Idem,
p.310.
17
SAN GREGORIO MAGNO.
Obras completas. Madrid:
BAC, 1958, p.693-694.
LEAL, SJ; PÁRAMO, SJ;
ALONSO, SJ, op. cit., p.697.
18
L’Évangile médité. II. ParisLyon: Perisse, 1843, p.552.
TUYA, OP, op. cit., p.857.
19
TEOFILO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO, Catena
áurea. IV. San Lucas. Buenos
Aires: Cursos de Cultura Católica, s/d, p.334-335.
20
GOMÁ Y TOMÁS, op. cit.,
p.245.
21
SAN GREGORIO MAGNO.
Obras completas. Madrid:
BAC, 1958, p.694.
22
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II,
q.18, a.4, ad.3.
23
SAN AGUSTÍN, apud MALDONADO, SJ, op. cit.,
p.619.
24
DIDON, op. cit., p.321-322.
Março 2010 · Flashes
O convite à
conversão
apresentado
por esta
passagem
significa
caminhar
para a
perfeição,
excluindo
qualquer
apego ao
pecado
de Fátima      17
O estilo gótico
A Escolástica
Pode uma obra de arquitetura ou de arte
representar um pensamento? Ou uma
filosofia?
Marcelo Ferreira
V
Detalhe do Pórtico Norte Catedral de Chartres, França
18      Flashes de Fátima · Março 2010
ivemos num mundo setorizado, no qual cada área
de conhecimento tende a ser estanque e a tornar-se, dia a dia, mais especializada e
restrita. Para quem é formado segundo esses parâmetros, a filosofia e a arquitetura nada teriam em comum, estando voltadas para objetos completamente distintos, que exigem métodos
de pensamento diversos e modelam
estudiosos com mentalidades paralelas, ou quase diríamos opostas.
Corresponderá isso à realidade profunda dos fatos? Ou trata-se
de um gênero de deformação própria de um mundo sobrecarregado
de conhecimentos mas carente de
um ponto monárquico em função do
qual ordená-los?
Para melhor dar resposta a essa
pergunta, voltemos nosso olhar para os grandiosos monumentos que
atraem, todo ano, milhões de visitantes: as catedrais góticas.
Por muito que tenham sido estudadas, ainda não se compreendeu a
fundo todo o seu simbolismo. Nem
sequer se conhece inteiramente a
técnica empregada em sua edificação. Por exemplo, muitas delas, que
ostentam hoje em suas paredes granito austero e nu, tinham seu interior recoberto de belas policromias.1
Mas o grande mistério desses edifícios — em cuja construção três ou
quatro gerações de medievais utiliza-
ram mais pedras do que os egípcios
em dezenas de séculos2 — ainda desafia os especialistas: o que teria motivado uma sociedade inteira a se lançar como um só homem em empreendimentos tão desproporcionais aos
meios materiais disponíveis?
A cosmovisão cristã medieval
Tentar entender a vida intelectual e a arte na Idade Média sem se
reportar ao espírito, à mentalidade
da época, é equivocar-se. Constituiria, por exemplo, grave erro de apreciação atribuir a fatores meramente
práticos a decisão do Bispo Maurice de Sully (1120-1196), de destruir a
igreja construída apenas setenta anos
antes, para edificar em seu lugar a
Catedral de Notre Dame de Paris.3
Mas, como podemos definir o espírito desse período histórico? Seus
detratores sistemáticos coincidem
com seus apologistas incondicionais
em reconhecer que era o espírito cristão que governava o agir, o pensar e
todas as circunstâncias da vida. “Para compreender os homens e os acontecimentos da Idade Média, é preciso não perder de vista, nem um só instante, que tudo e todos não existem
senão em função da Fé cristã”.4
Fazendo tácita referência a essa
época, o Papa Leão XIII ensina, na
Encíclica Immortale Dei, que houve um tempo no qual a filosofia do
Evangelho governava os povos.5 O
em pedra
Vinícius Sabino Gomes
Íntima relação entre
Escolástica e catedrais
É, portanto, uma cosmovisão
cristã que deve explicar a unidade
de espírito que caracterizou a civilização medieval, e esclarecer a íntima relação entre a Escolástica e as
catedrais góticas.
Se a plena aceitação da concepção católica da vida gerou um inconfundível estilo de vida, é natural que
tenha originado também uma filosofia e um estilo arquitetônico próprios. Com efeito, esta é a constatação de Maria Gozzoli: “uma filosofia — a Escolástica — enquadrava harmoniosamente todo o saber
do tempo e afirmava a possibilidade de ascender a Deus não só pela
fé, como pela razão. Chegava-se a
Deus por um esforço do pensamento, complexo mas requintado, rigidamente formal mas rico de sutilezas. Esses mesmos conceitos que,
em arquitetura, inspiraram as catedrais góticas, a sua ascensão para
Deus, através de construções complexas mas requintadas, formalmente rigorosas, mas de igual modo ricas de pormenores. A enfática verticalidade de tais edificações revela plenamente as transformações do
gosto, do pensamento filosófico, dos
ideais estéticos, traduzidos, no plano arquitetônico, por uma renovação das técnicas mediante a introdução de uma série de elementos ori-
Alain Patrick
espírito cristão havia embebido até o
âmago a sociedade de então, dando
origem a uma cosmovisão cristã. Isso se verificava em todas as camadas
sociais — desde os mais nobres ou ricos até os mais pobres e humildes —,
e todas as atividades humanas estavam pervadidas pelos ensinamentos
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Foi no seio dessa civilização que
nasceram as universidades, grandes
centros de ensino superior, nos quais,
à luz da filosofia e teologia escolásticas, progrediam todas as ciências.
O filósofo e educador francês
Étienne Gilson (1884-1978), ao procurar definir o cerne da filosofia medieval, constatou a influência do mesmo espírito criador das catedrais góticas e do pensamento daquela época, a Escolástica: “O espírito da filosofia medieval, tal como entendemos
aqui, é portanto, o espírito cristão,
que penetra a tradição grega, trabalhando-a por dentro e fazendo-a produzir uma visão do mundo, uma Weltanschauung6 especificamente cristã.
Foram necessários os templos gregos
e as basílicas romanas para que houvesse catedrais; no entanto, qualquer
que seja a dívida dos nossos arquitetos medievais para com seus predecessores, eles se distinguem destes, e
o espírito novo que lhes possibilitou
criar talvez seja o mesmo que aquele
em que se inspiraram, com eles, os filósofos do seu tempo”.7
Nave central da Catedral
de Colônia - Alemanha
Março 2010 · Flashes
de Fátima      19
ginais típicos do estilo gótico: a abóbada sustentada por uma cruzaria
ogival, a utilização do arco quebrado em vez do arco de volta perfeita (ou de volta inteira, arco românico), o emprego do arcobotante e dos
contrafortes”.8
Fica claro que o pensamento escolástico se vê perfeitamente expresso na arquitetura das catedrais
góticas. Mas resta uma questão: até
onde se deu essa relação? Para responder a tal pergunta procuremos
estudar mais a fundo as características desse estilo arquitetônico.
Origem do estilo gótico
A arte gótica desenvolveu-se no
período da Alta Idade Média, dos séculos XII ao XIV. A princípio era conhecida sob o nome de opus francigenum (obra francesa), devido à sua
origem. Mas, à medida que foi se expandindo, ficou conhecida também
como a “arte das catedrais”. Alguns
escritores, como Wilhelm Worringer,
lançaram a expressão “estilo ogival”,
U
com o intuito de reparar o sentido
pejorativo do termo “gótico” (bárbaro, dos godos), inventado pelos humanistas italianos do Quattrocento.
A primeira obra de arquitetura
gótica foi realizada pelo abade Suger
(1081-1151), ao reformar a fachada
e o coro da Abadia de Saint-Denis,
da Ile-de-France. Dessa região, o novo estilo passou para a Inglaterra em
1175, com o mestre Guilherme de
Sens (†1180), incumbido da reconstrução da Catedral de Canterbury.
Na Alemanha, a influência gótica se
fez sentir mais tarde, pois no século
XII ainda florescia ali a arquitetura
românica. Por fim, no século XIII o
estilo ogival atingiria a Itália e outros
países da Europa Meridional.
Estrutura arquitetônica elástica
Um sistema de abóbadas nervuradas por meio de arcos ogivais cruzados compõe os edifícios góticos, com
o objetivo de criar uma estrutura
pontiaguda, tendente para o alto. Para consegui-la, os arquitetos medie-
vais se serviram do arcobotante, que
permite transmitir para os contrafortes externos as pressões exercidas pelas abóbadas da nave central.
Esse recurso arquitetônico já era
conhecido; a inovação consistia em
tornar os arcobotantes aparentes,
em lugar de mantê-los ocultos sob as
coberturas ou disfarçados nas muralhas, dando assim uma solução inteligente e artística a uma necessidade
técnica. Uma feliz aliança do prático
com o estético.
O princípio básico do sistema ogival é a decomposição dos elementos
construtivos em ativos e passivos.
São considerados elementos ativos
as nervuras das abóbadas, os pilares, os arcobotantes e os contrafortes. Os passivos são as muralhas, as
paredes de vedação e o recheio das
abóbadas, que, por não exercerem
nenhuma função ativa, podem simplificar-se e até mesmo suprimir-se.
A arquitetura gótica se baseia numa estrutura elástica, isto é, numa
combinação de elementos arquite-
A Escolástica
sa-se o termo “Escolástica” para designar a filosofia
e teologia cristãs cultivadas nas escolas da Idade Média. Tendo começado a formar-se no fim da era patrística,
alcançou a maturidade com Santo Anselmo e atingiu seu
máximo esplendor com São Tomás de Aquino, no século
XIII.
A Escolástica abarca não só o conjunto das doutrinas
de então, mas também o método de ensino e de pensamento, consistente em comentários de textos clássicos, no
estudo em forma de diálogo e nas famosas disputas. Nestas últimas, cada questão era debatida segundo uma regra: expunham-se os argumentos favoráveis e contrários,
especialmente de autoridades (como Platão, Aristóteles,
Santo Agostinho, Dionísio), passava-se à demonstração
da solução, e por fim respondiam-se às objeções.
Embora todo professor fosse chamado de scholasticus
na escola medieval, esse título cabia de modo especial ao
mestre de teologia (magister in theologia) e ao de filosofia (magister artium).
20      Flashes de Fátima · Março 2010
Para a Escolástica, era fundamental ter-se uma clara noção da realidade evidente do
mundo material, independente de qualquer subjetivismo, bem como da distinção entre Deus —
Ser eterno, infinito,
onisciente, onipresente (Esse ipsum subsistens) — e suas criaturas, tiradas do nada
(ex nihilo), portanto contingentes e sustentadas no ser pelo
Criador.
“Santo
Anselmo”
Catedral
de Saint
Patrick,
Nova York
tônicos que atuam uns sobre os outros em íntima correlação, mas com
certa liberdade de movimento, refletindo analogicamente a própria
sociedade medieval, muito orgânica
e criativa.
“Bíblia dos pobres”
Esta fundamental mudança na
maneira de conceber o conjunto arquitetural representou um notável
avanço na engenharia civil e possibilitou o desabrochar da técnica do vitral, cujo emprego fora até então limitado pela estreiteza das aberturas
nas construções românicas, em que a
sustentação das abóbadas e telhados
era confiada às paredes externas.
Os vitrais passaram então a ornar os grandes vãos abertos nas fachadas ou ao longo das naves. Eles
iluminavam o interior com luz e cores, mas foram também cognominados de “Bíblia dos pobres”, devido
às cenas bíblicas neles representadas. Concretizava-se, assim, de maneira requintada e bela, o anelo de
gerações e gerações de construtores que ansiavam substituir a pedra
opaca pela luz.
A verticalidade das formas, a pureza das linhas e o equilíbrio da ornamentação na arquitetura foram
transportados também para a pintura e a escultura. Acessoriamente, a
abóbada ogival melhorava inclusive
os valores acústicos de um edifício
destinado à execução do canto sacro
coral, tipicamente medieval.
A respeito do esmero e da busca da perfeição verificados na construção desses edifícios, fala-nos um
significativo detalhe do telhado da
Sergio Hollmann
Na arquitetura gótica, os
arcobotantes, em lugar de ficar
ocultos sob as coberturas ou
disfarçados nas mura­lhas, tornamse aparentes, dando assim uma
solução inte­ligente e artística a uma
necessidade técnica.
Arcobotantes sustentam a abside da
Catedral de Notre Dame, Paris
Março 2010 · Flashes
de Fátima      21
Fábio Kobayashi
Catedral de Notre Dame de Paris.
Quem tiver oportunidade de examiná-lo de perto, poderá notar que,
na parte mais recente, algumas das
enormes traves de sustentação encontram-se marcadas pelo efeito deteriorante do tempo e dos insetos;
na parte mais antiga, ao contrário,
vigas mais finas suportam com leveza a pesada cobertura, sem qualquer
marca desses dois fatores deletérios.
Isso porque, no processo do travejamento da Idade Média, só se empregava o cerne da madeira, sua parte
mais dura, de maior resistência.9
Relação entre gótico e Escolástica
A ideia de relacionar a Escolástica com as catedrais góticas não é nova. Segundo o historiador e teórico
da arte Wilhelm Worringer, foi Gottfried Semper, com sua atitude parcial em favor do classicismo, quem
primeiro empregou a expressão “Escolástica em pedra”, numa canhestra
tentativa de desacreditar o estilo ogival: “Este juízo praticamente exato
sobre o gótico só é uma condenação
para aqueles que não são capazes de
encarar o grande fenômeno medieval da Escolástica numa perspectiva
diferente do seu acanhado ponto de
vista moderno”.10 Contra a Escolástica e contra as catedrais góticas, é comum encontrarmos o mesmo tipo de
preconceito, o que constitui um outro ponto de união que se pode ressaltar. “Tanto a Escolástica como a
arquitetura gótica têm sido votadas a
um desprezo idêntico”.11
Dentre todas as analogias possíveis, o crítico e historiador da arte Erwin Panofsky12 destaca, por
exemplo, a coincidência no tempo
e no espaço entre ambos os fenômenos. O paralelismo temporal não
pode ser atribuído a uma mera casualidade; trata-se de uma relação
tão marcante que hoje historiadores da filosofia e da arte a estabelecem sem maiores questionamentos.
E as notas particulares do apogeu
22      Flashes de Fátima · Março 2010
Clerestório da Catedral de León, Espanha
da Escolástica — para distingui-lo
do período de formação — são bastante semelhantes às que caracterizam a arte do gótico radiante ou
clássico, diferenciando-o do gótico
primitivo.
De maneira análoga, a estruturação da Suma Teológica de São Tomás, numa exposição exaustiva e
sistemática (diversamente dos Libri
Sententiarum anteriores, que eram
enciclopédias menos abrangentes e
menos uniformes), coincide com a
renovação das técnicas e formas arquitetônicas que possibilitaram a
grande verticalidade e a harmoniosa proporção nas mais esplendorosas igrejas do século XIII.
Mas, sobretudo, pode-se destacar, tanto na filosofia escolástica como no estilo gótico, o mesmo impulso rumo ao transcendente, o desejo de unir a razão à fé, o corpo à alma, numa superior harmonia de totalidade.
Não significa que em épocas anteriores não se tenha buscado estabelecer essa união do natural com
o sobrenatural. Mas a filosofia escolástica e a arquitetura gótica souberam expressar, doutrinária e artisticamente, a harmonia entre a fé
“Dormição de Maria Virgem” (acima) e
“Matança dos Santos Inocentes” (direita)
Basílica de Saint-Denis, Paris.
Ao fundo, vitral da Igreja de Saint
Ignace, Paris
Os vitrais que
iluminavam o
interior com luz e
cores, foram também
cognominados de
“Bíblia dos pobres”
e a razão, o equilíbrio de uma doutrina que pregava a transcendência do mundo material e físico para o impalpável e metafísico. Nas
obras escolásticas, como nas catedrais medievais, o espiritual e o
material se complementam de forma perfeita.
Sergio Hollmann
Espaço diáfano
em volume e extensão
Um dos grandes méritos do estilo gótico consistiu na construção de
igrejas que são maravilhosas materializações de uma ordem metafísica, no sentido mais profundo da
palavra, representando em pedra a
procura do homem pelo transcendental.
Essa característica se exprimiu inclusive na edificação de monumentos civis, indicando não haver cisão
entre a sociedade espiritual e a temporal, como não há entre fé e razão.
Também a vida profana deve ser inspirada, ordenada e marcada por um
ardente espírito de fé.
Quem observa uma catedral gótica, tem a impressão de algo que impele para o transcendente, por seu
impulso para as alturas, sua ascensão para o céu, não somente através
de suas torres vertiginosas, mas sobretudo, no arrojo vertical de seus
interiores, com a criação de uma nova sensibilidade do espaço e a preponderância da luz sobre os maciços
das paredes de pedra.
O adelgaçamento das paredes, que possibilitou o desabrochar da técnica do vitral, permitiu uma completa identificação entre o espaço religioso e o mais
metafísico dos elementos, a luz, que se manifesta tamisada para acentuar a ideia de sobrenatural. Os vitrais multicolores produzem como experiência imediata a impressão do
transcendente: formas que exis-
tem como seres incorpóreos, nascidos da luz.
É o espaço, na arquitetura gótica,
que finalmente determina seu efeito
sublime. O movimento para o alto e
a sutil comunicação com o exterior,
através dos vitrais, dão a impressão
de ligar o observador com o infinito,
elevando-o da Terra ao Céu.
Deste modo, o espaço gótico
deixa de ser mensurável com regularidade geométrica, como os antigos interiores bizantinos, deixa de
causar a impressão de constituir um
espaço definido, restrito, como nas
estruturas românicas, para se apresentar diáfano em volume e extensão. Não se isola da amplidão exterior, mas une-se a ela pelo faiscar das luzes através do clerestório,
perdendo-se o olhar pelas sombras
das abóbadas, pelo caprichoso emaranhar dos arcos ogivais. Em suma,
é um espaço em movimento.
Movimento para o alto,
oposto ao peso da pedra
De acordo com Worringer,13
aquilo que o mundo tinha de incompreensível para os gregos, como seus
deuses e sua cosmologia, eles procuraram materializar para torná-lo
compreensível; tudo passava a ter o
mesmo caráter plástico imediato e
fácil de captar. Eis a razão pela qual
a arte grega expressou de forma arquitetural o conflito da massa e da
força, pois o que ela obteve foi com
a pedra, através da pedra.
Na arquitetura gótica, porém,
essa dependência de algo material
desapareceu completamente, uma
vez que a impressão causada pelo
edifício gótico é apesar da pedra.
Como o oposto da matéria é o espírito, desmaterializar a pedra é espiritualizá-la. A arquitetura gótica
desmaterializou a pedra, em proveito de uma expressão puramente
espiritual, superando todas as regras conhecidas e transcendendoas. “Se lançarmos um olhar à caMarço 2010 · Flashes
de Fátima      23
Auge e decadência do
gótico e da Escolástica
O gótico surgiu como fruto de um
movimento iniciado na Ile de France, verdadeiro núcleo geográfico da
Escolástica. Um círculo de aproximadamente cento e cinquenta quilômetros, tendo Paris como centro,
abarcou tanto os primeiros representantes da nova forma de pensar,
como as igrejas ogivais do primeiro
período.
Após 1270 houve um movimento crescente de descentralização, o
que, na opinião de Panofsky, contribuiu para a gradual decadência da
filosofia escolástica e do estilo gótico. “Verifica-se que a confiança na
razão, que tudo une, e que triunfou
em Tomás de Aquino, começa lentamente a declinar. Isso leva a uma revivescência de correntes que haviam
sido reprimidas na fase ‘clássica’,
porém num plano totalmente diverso. […] Abandonou-se igualmente o
tipo ‘clássico’ de catedral em favor
de soluções estruturadas de forma
menos exaustiva, de aparência frequentemente arcaica”.15
O mesmo autor considera que
dois fatores concomitantes causaram esta mudança fundamental: o
misticismo antirracional de Mestre Eckhardt de Hochheim (12601328), que haveria de afogar a razão na fé, e o nominalismo empirista de Guilherme de Ockham (12801349), que desvinculou a razão da
fé. “Tanto a mística como o nominalismo traçam linhas divisórias muito
nítidas entre fé e razão”.16 Ora, ambas as tendências conjugam-se também com o deslizamento para o esteticismo, que deu origem ao “gótico flamboyant”, fazendo decair o
“gótico escolástico”.
Paulo Mikio
tedral gótica, vemos um movimento vertical, por assim dizer petrificado, do qual toda a lei do peso
parece excluída. Vemos apenas um
movimento de força em direção ao
alto, um movimento de uma enorme potência, em oposição ao peso
natural da pedra”.14
Parece inconcebível como as
abóbadas podem descansar sobre pilares de tão frágil aparência.
O edifício inteiro dá a impressão
de ter-se eximido da lei da gravidade, de toda contenção terrestre.
Os pilares se erguem altos e elegantes para, através das nervuras,
se confundirem com as abóbadas
num vertiginoso voo. E essas nervuras, que por todos os lados se levantam e aderem aos pilares como
forças vivas, estruturam a abóbada
sem provocar a sensação de esforço e de fadiga.
A arquitetura gótica desmaterializou a pedra, em pro­veito de uma expressão puramen­te espiritual,
superando todas as regras conhecidas e transcendendo-as
Capela inferior - Sainte-Chapelle, Paris
24      Flashes de Fátima · Março 2010
Victor Domingues
É o espaço, na arquitetura gótica, que finalmente determina seu efeito sublime.
O movimento para o alto e a sutil comunicação com o exterior, através dos vitrais, dão a impressão de ligar
o observador com o infinito, elevando-o da Terra ao Céu.
Catedral de Saint-Étienne - Metz (França)
Entretanto, seria mais exato
afirmar que, num plano mais profundo, foi a perda da cosmovisão
cristã da vida que fez declinar o
pensamento escolástico e a arquitetura gótica. Sem essa cosmovisão, a poderosa dinâmica de uma
estética posta a serviço de Deus começou a agonizar. Com o humanismo renascentista, passou a imperar o ideal clássico e neopagão de
1
2
Cf. PERNOUD, Régine.
Luz sobre a Idade Média.
Mem Martins: EuropaAmérica, 1981, p.154.
Cf. DEMOUY, Patrick.
As catedrais. Mira-Sintra:
Europa-América, 2008,
p.42. É interessante notar que o volume de pedra enterrado para os
fundamentos, ultrapassa
o das pedras
aparentes (Cf. PERNOUD, op. cit., p.154).
beleza, pondo de lado os valores
transcendentais, procurando orgulhosamente substituir Deus pelo
homem, como centro e medida absoluta de todas as coisas.
Mas as altaneiras catedrais góticas, pervadidas do espírito medieval, continuam a desafiar os séculos,
como lembranças vivas dessa fecunda era cristã. Em suas ogivas, vitrais
e colunatas, podemos ainda hoje
3
Cf. Idem, p.157.
4
ROPS, Daniel. História da
igreja de Cristo: A igreja
das catedrais e das cruzadas. Porto: Tavares Martins, 1961, v.III, p.51.
5
6
Cf. LEÃO XIII. Immortale
Dei – Sobre a constituição
cristã do Estado, n.9.
Palavra alemã que significa visão do mundo ou
cosmovisão.
contemplar a manifestação, em pedra, da perfeita harmonia entre a razão e a fé, própria da sabedoria escolástica. 
(Este artigo resume a tese de
Mestrado em Filosofia, defendida
pelo Autor, na Universidade
Pontifícia Bolivariana, de Medellín,
Colômbia, pela qual recebeu a nota
máxima, summa cum laude.)
7
GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.2.
8
GOZZOLI, Maria Cristina. Como reconhecer
a arte gótica. Lisboa: 70,
1978, p.8-9.
9
Cf. Idem, p.148.
10
WORRINGER, Wilhelm.
A arte gótica. Lisboa: 70,
1992, p.135.
11
Idem, p.143.
12
Cf. PANOFSKY, Erwin.
Arquitetura Gótica e Escolástica. São Paulo:
Martins Fontes, 1991,
p.2-5.
13
Cf. Idem, p.85-93.
14
Idem, p.90.
15
Idem, ibidem.
16
Idem, p.10.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      25
Seguindo os passos
dos primeiros
missionários
O
Brasil tem a bênção de ter sido descoberto pelas
naus da Ordem de Cristo, e de ter nascido com
uma Celebração Eucarística. Com efeito, já no
primeiro domingo depois de avistado o Monte Pascoal,
Frei Henrique de Coimbra desembarcou em terra firme
para celebrar a Primeira Missa da logo chamada Terra de
Vera Cruz.
Nessa região tão carregada de simbolismo, erige-se hoje o Parque Nacional do Monte Pascoal, em cujo território habitam comunidades indígenas que conservam viva
a chama da fé trazida por aqueles heroicos navegadores
portugueses. Lá está estabelecida também a “Missão Indígena do Monte Pascoal”, onde as Irmãs Filhas de Nossa
Senhora do Monte Calvário, realizam admirável e eficaz
trabalho em prol de dez comunidades nativas.
Desejo da própria comunidade indígena
Numa dessas aldeias, Bugigão, estavam os nossos irmãos na fé muito desejosos de construir uma capela dedicada a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.
E solicitaram auxílio para o “Fundo Misericórdia”, através do Bispo de Eunápolis (BA), Dom José Edson Santana de Oliveira.
O pedido logo foi atendido. Para a entrega da colaboração solicitada, o Pe. Aumir Scomparim, EP, conselhei-
ro do “Fundo Misericórdia”, acompanhado por outros
arautos, deslocou-se até a histórica Porto Seguro. A viagem se destinava também a tomar contato com as comunidades nativas, celebrar com elas a Eucaristia, e administrar os Sacramentos que fossem necessários.
Bugigão, Barra Velha, Pará e Pé do Monte
Após 44 quilômetros de estrada de terra, mais 5 de
estrada de areia, chega-se de Porto Seguro, à aldeia do
Bugigão.
Ali, os arautos missionários foram recebidos com
muita alegria. Havia a expectativa de um grande acontecimento. Nessa pequena comunidade indígena, de apenas 153 pessoas, foi implantado um Oratório do Imaculado Coração de Maria, que percorrerá as casas locais e
um Oratório para crianças.
Ainda em Bugigão, os arautos puderam apreciar um
almoço com peixes típicos, oferecido pelos moradores.
Foram visitadas também as comunidades de Barra Velha, Pará e Pé do Monte. Particularmente tocante
foi a missa celebrada àqueles povos nativos bem no local
onde nasceu esta Terra de Santa Cruz!
No decorrer das atividades com os indígenas, um pensamento lhes servia de fundo de quadro: “Estamos dando
continuidade à missão evangelizadora mais antiga do País”.
Apoio do Fundo Misericórdia – À esquerda, Pe. Aumir Scomparim, EP, faz entrega da ajuda para a construção da
nova capela à Irmã Maria Tarcísia. À direita, conversando com D. José Edson Santana de Oliveira.
26      Flashes de Fátima · Março 2010
Bugigão – Após a Eucaristia, adultos e crianças aproximam-se para receber um terço e ser-lhes imposto o
escapulário do Carmo. Na aldeia, composta por apenas 35 famílias, já circula um oratório para crianças.
Outras comunidades indígenas – Além de Bugigão, foram visitadas as aldeias de Barra Velha (esquerda),
Fotos: Otávio de Melo
Pará e Pé do Monte. Ao centro, com o pajé, na aldeia Barra Velha. À direita, Missa em Pé do Monte acolitada
pelos próprios nativos.
Desejo de toda a aldeia – A comunidade indígena de Bugigão quer ter uma capela para se reunir em torno do
altar e louvar a Deus, mantendo a unidade da aldeia em torno da Cruz de Cristo. Desejam dessa maneira, preservar
a Fé Católica que receberam, crescendo na devoção a Maria Santíssima.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      27
Vilar Seco
Encontros do
Oratório
M
embros dos Arautos do Evangelho têm vindo a
percorrer algumas paróquias, sedes de concelho e
de distrito para promover Encontros Regionais das famílias que recebem mensalmente o Oratório do Imaculado
Coração de Maria.
Muito recentemente estiveram em Seia, Torre de
Moncorvo, Vilar Seco, Milheirós, Quinta do Conde,
Bragança e Elvas, em Encontros onde se viveram momentos de grande manifestação de fé ao contemplar
Cristo por meio de Maria.
Consoante o lugar, esses Encontros podem englobar recitação do terço, exposição do Santíssimo Sacramento, projecção de audiovisuais e colóquios marianos, sendo comum a todos a celebração da Eucaristia.
Damos graças a Deus pelos excelentes resultados
desses momentos de convívio e de formação. Discretamente, Nossa Senhora opera maravilhas nas almas
dos participantes e entusiasma os Coordenadores a levarem a mais lares o Oratório do Imaculado Coração
de Maria.
28      Flashes de Fátima · Março 2010
Bragança
Elvas
Primeiros Sábados em Maia
N
o mês de fevereiro, os Arautos marcaram
o início desta devoção na paróquia de Nossa Senhora da Maia. P. Roberto Polimeni E.P. fez a
meditação inicial e presidiu a Eucaristia, exortando os fiéis acerca do valor da Oração que “serve pa-
ra nos dar forças para fazermos render o que há de
bom em nós.” Ao término da cerimônia, em meio
a fervorosos cânticos e orações, todos quiseram entregar os seus pedidos aos pés de Nossa Senhora e
levar uma flor de recordação.
Setor Feminino em Missão
D
om Manuel Clemente, Bispo diocesano do
Porto, no seu projecto “Missão 2010”, pediu
que cada comunidade olhasse em redor de si, detectasse os espaços em branco de inexistência cristã
e ensaiasse tentativas de lá chegar e difundir a verdade, a caridade e a alegria do Evangelho. Assim,
o Setor Feminino dos Arautos do Evangelho ini-
ciou este ano na diocese de Porto com um novo impulso evangelizador no sentido de atender
o apelo de D. Manuel Clemente. Deram também o seu contributo para a nova evangelização,
visitando os doentes e cantando “as Janeiras”
no bairro do Contumil no Porto, com o pároco
­António Bacelar e outros grupos da paróquia.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      29
lj
Kra
Gus
tavo
Confiança,
a regra de ouro
Irmã Carmela Werner Ferreira, EP
“Sagrado Coração de Jesus”
Casa-Mãe dos Arautos do
Evangelho, São Paulo
As horas difíceis
são também as
horas da Divina
Providência, nas
quais Ela atua no
fundo das almas e
ali obra prodígios
não menores que
os narrados pelos
Livros Sagrados
ou pela História
da Igreja.
E
rgue-se na cidade de Petrópolis um edifício de
harmoniosas proporções,
conhecido pelo nome de
Palácio Rio Negro. Célebre por ter
servido como residência oficial de
verão aos presidentes da República
Velha, o prédio reassumiu em 1997
este honroso papel no panorama
nacional. A distinção e o bom gosto
de seus salões nos falam de recepções memoráveis, jantares de gala e
negociações diplomáticas de alto interesse para o País.
Entretanto, pouco conhecida é
a história de uma jovem que habitou essa mansão no final do século
XIX: Francisca do Rio Negro, nona
filha de Manuel Gomes de Carvalho Filho, Barão do Rio Negro, e de
Emília Gabriela Teixeira Leite de
Carvalho. A vida admirável desta
aristocrata nascida nos anos de prodigalidade do ciclo do café contém
lances dignos de figurar nas melhores páginas da hagiografia católica. Um desses episódios, comovente e rico em exemplos, cabe-nos hoje considerar.
Uma alma magnânima
nascida em berço de ouro
Dada a importância social e a
opulência de sua família, Francis30      Flashes de Fátima · Março 2010
ca do Rio Negro veio ao mundo em
berço de ouro. Possuía já nos primórdios o que para muitos constitui a ambição de toda a vida: fortuna, prestígio e beleza. Este ponto
de partida deu-lhe a oportunidade
de experimentar a grande verdade
do Livro Sagrado: “Vi tudo quanto
se faz debaixo do sol, e eis: tudo vaidade e vento que passa” (Ecl 1, 14).
Como fruto de sua magnanimidade,
sentia em si um apelo para elevados
ideais e superiores dedicações, não
podendo compreender uma existência empregada apenas a serviço de
seus próprios interesses.
Assim, sob os auspícios do Papa São Pio X, deu início em Roma
a uma Congregação religiosa feminina destinada a impetrar graças em
favor do Sumo Pontífice e dos sacerdotes: a Companhia da Virgem.
A missão de fundadora, para a qual
Deus chama almas fortes, exigiu dela não pequena disposição de confiar contra todas as aparências de
fracasso.
No seu horizonte interior
não cabia a desconfiança
Madre Francisca de Jesus, como era chamada em religião, ainda não terminara de alicerçar a obra
nascente quando se viu atingida pe-
lo mal de Basedow. Tal enfermidade, da qual veio a falecer, prostrou-a
por doze anos e minou-lhe a saúde a
ponto de tornar impossível sua permanência à frente da comunidade.
A esse estado de extrema debilidade — a doença abalou, inclusive,
seu sistema nervoso —, somaram-se
não poucas penúrias materiais que
comprometeram seriamente a existência da recém-fundada Congregação. Muitas irmãs, desacoroçoadas pelo infortúnio, abandonavam
a vocação, num triste cortejo de deserções. A cada dia o contingente do
mosteiro diminuía, sem que a fundadora pudesse abandonar o leito para tomar medidas capazes de reverter o quadro.
Madre Francisca se encontrava
imersa em aflitiva situação: além de
enferma, via-se diante de uma comunidade depauperada e incapaz
de levar às últimas consequências o
ideal abraçado outrora com ânimo e
fervor. Era a derrocada de seus santos anseios, o fracasso de anos inteiros de integral dedicação!
Sem perder a calma nem se levar pelo amor-próprio, ao qual não
dava entrada em sua alma, permanecia ela em sua cela, perseverante na oração. À vista dos insucessos,
seu fervor não esmoreceu, nem seu
horizonte interior, habituado à contemplação dos mistérios divinos, foi
tisnado por um só pensamento de
desconfiança em relação ao Deus
de Quem, em última análise, emanava a permissão para que tudo isso acontecesse.
to — fato prodigioso! —, apareceu
delineada na parede da cela a Sagrada Face de Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Ato contínuo, ela se
encontrou inundada de paz, acrescida da sobrenatural certeza de estar
cumprindo em tudo os desígnios do
Redentor e de sua ­Santa Mãe.
Essa maravilhosa manifestação
da bondade divina infundiu na alma da fundadora um aumento de
forças para prosseguir com resignação sua via de dores. E não só
ela, mas também as demais freiras
se sentiram robustecidas, a ponto
de superarem o estado de penúria
e prestarem naquele convento, por
longos anos, muitos serviços à causa de Deus.
Grande e profícua fora a confiança de Madre Francisca, pois a situação que parecia encerrar-se num
beco sem saída, abriu-se de repente numa avenida luminosa, de heroísmos, esperanças e realizações. O
modo como isso se deu, porém, não
consistiu numa sequência de osten-
sivos triunfos sobre as adversidades,
mas em esforços e sacrifícios premiados pelas bênçãos de Deus. Muitas vezes, Ele Se compraz em não
retirar por completo as agruras do
caminho de seus filhos, mas em pedir deles um novo ato de confiança
a cada passo.
Habituemo-nos a ver todas
as coisas em Deus
Os cristãos fervorosos que, como Francisca do Rio Negro, se empenham em seguir muito de perto os passos do Cordeiro, oferecem à Igreja um eloquente testemunho do poder da graça sobre as almas. Embora não tenham experimentado a felicidade de contemplar
a figura do Mestre caminhando pelas ­ruas de Cafarnaum, pregando na
barca ou curando os enfermos, o intenso comércio com o sobrenatural modela o seu interior segundo a
mais perfeita compreensão das palavras proferidas um dia por Jesus em
Israel: “Não vos preocupeis com o
Os sofrimentos de Madre Francisca foram particularmente atrozes no dia 28 de outubro de 1922, e
quando ela se perguntava se ainda
conseguiria suportá-los, lhe sobreveio a consideração dos padecimentos muitíssimo maiores do HomemDeus em Sua Paixão. Nesse momen-
Plinio Veas
De repente, abre-se uma
avenida luminosa
O Palácio Rio Negro, em Petrópolis, onde Madre Francisca de Jesus passou
boa parte de sua infância e juventude. Hoje, residência oficial de verão dos
Presidentes da República
Março 2010 · Flashes
de Fátima      31
que é preciso para a vossa vida” (Lc
12, 22), ou ainda: “Até os cabelos da
vossa cabeça estão todos contados.
Não temais” (Lc 12, 7).
Ao calor dessas divinas promessas, os justos adquirem a entranhada
certeza de estarem orientando suas
existências em função de uma realidade toda feita de predileção, mais
elevada do que a terrena. Sabemse instrumentos para a exaltação do
Criador, mesmo quando não alcançam vislumbrar de imediato a forma
em que isso será realizado. Eles parecem repetir, pela alegre aceitação
tanto das bonanças como das borrascas, as palavras que Madre Francisca escolheu por sua divisa: “Façase! Aleluia!”.1
Atingir esse heroico grau de
abandono à Providência Divina é
privilégio de uns poucos, mas todos quantos se consideram discípulos do Bom Pastor devem ter certeza
de que Ele nos conduz por caminho
seguro (cf. Sl 22, 3), conhece nossas
necessidades (cf. Lc 12, 30), e é incomparável nos desígnios a nosso
respeito (cf. Sl 39, 6).
Daí que o padre Garrigou-Lagrange, eminente dominicano que
foi diretor espiritual e biógrafo da
Madre Francisca, nos convide a receber com ânimo generoso todos
os acontecimentos da vida presente: “Habituemo-nos pouco a pouco
a ver, na penumbra da fé, todas as
coisas em Deus: os sucessos agradáveis, como sinal de Sua bondade; os acontecimentos adversos e
imprevistos, como um apelo a subir mais alto, como graças ocultas,
purificadoras, às vezes muito mais
preciosas que as próprias consolações. São Pedro estava mais próximo de Deus quando estendia seus
braços para ser crucificado, do que
no cume do Tabor”. 2
O exemplo de São Pedro
Almas pode haver que não sintam em si essa generosa disposição
32      Flashes de Fátima · Março 2010
interior. A elas cabe aplicar a justa
admoestação que, com um timbre
de voz perpassado de compaixão,
Nosso Senhor fez a São Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 31).
Mas é importante lembrar-lhes
também o quanto o Príncipe dos
Apóstolos teve seus impulsos interiores transformados pela ação
do Espírito Santo, depois de Pentecostes. Já não se turbava ante as
maiores contrariedades, pregava
com denodo no Templo (cf. At 3)
e escrevia às ovelhas de seu rebanho: “Descarregai sobre Ele todas
as vossas preocupações, porque Ele
cuida de vós” (I Pd 5, 7).
Renovado pelo sopro do Paráclito, era ele impelido a não contemplar a realidade da vida presente
com a pusilanimidade dos dias antigos, mas a descobrir a cada passo
— até nos maiores sofrimentos —
os desígnios que a benevolência de
Cristo lhe reservara: “Se sois ultrajados por causa do nome de Cristo,
bem-aventurados sois” (I Pd 4, 14).
Sob esse prisma sobrenatural, de
confiança nos desígnios de Deus e
na ação do Espírito Santo, a vida humana reveste-se de extraordinário
significado, passando a ser como um
turíbulo capaz de alçar incenso odorífico ao trono da Santíssima Trindade. E tanto mais alto chegará o sacrifício de louvor, quanto mais confiante for o “sim” da alma aos ditames da Providência: “É quanto exijo
dos meus servidores; tal será a prova
de que Me amam”, disse o Senhor a
Santa Catarina de Sena.3
Bondade inesgotável de Jesus
Abandonar-se nos braços da
Providência constitui uma obra de
amor, só realizável por aqueles que
se deixam conquistar por Jesus. No
decorrer de Sua vida pública, numerosos são os exemplos dos que passavam a esperar do Divino Mestre o
rumo para seus destinos, apoiados
na bondade inesgotável da qual Ele
dava provas.
Ao paralítico estendido no leito,
Nosso Senhor deitou um olhar cheio
de comiseração, e disse: “Filho, tem
confiança, são-te perdoados os pecados” (Mt 9, 2). E em seguida o
curou. À mulher enferma, impelida por sua fé a tocar-Lhe a orla do
manto, exclamou: “Tem confiança,
filha, a tua fé te salvou” (Mt 9, 22).
Também as criancinhas, conduzidas por suas mães, lançam-se nos
braços de Cristo e auscultam as pulsações daquele Coração cujas delícias consistem em estar com os filhos
dos homens. Mais adiante, encontramos Zaqueu em cima da árvore, disposto a trocar os lucros ilícitos pela
amizade de Cristo. E nem sequer os
gregos estão alheios a essa presença
arrebatadora, pois eles se aproximam
de Filipe e lhe imploram: “Queremos
ver Jesus!” (Jo 12, 21).
Todos recebem a cura do corpo e
do espírito, sentindo-se alvo de uma
ternura desconhecida, que dissipa as
trevas e afugenta as angústias. Mais
ainda, o ímpeto de um amor tão excelente transforma os critérios daquelas almas, trocando a figura de
um Senhor ao Qual se serve, pela de
um Pai a Quem se ama: “Pai nosso
que estais no Céu” (Mt 6, 9).
Pois bem, quem hoje assim se
apresenta diante do Redentor, também tem abertas diante de si as portas do seu Coração. Como quando vivia sobre a terra, Ele Se debruça sobre as nossas debilidades e nos trata
com essa indizível misericórdia, dando-nos motivo para d’Ele esperar tudo quanto necessitamos, certos de
que Quem por nós ofereceu Sua própria vida nada nos negará.
As “armas da luz”
Muitas são as razões para incentivar-nos à confiança. A Eucaristia
constitui, certamente, a maior delas, por ser “fonte e centro de toda
a vida cristã”,4 alimento da vida so-
Gustavo Kralj
brenatural no mundo. Onde houver
um tabernáculo, ali estará a origem
de toda alegria, a solução de todos
os males, a luz para qualquer caminho obscuro.
Quem se aproxima do Santíssimo
Sacramento e, mais ainda, quem comunga, recebe uma força espiritual
superior às energias humanas, prefigurada pelo pão levado por um Anjo ao profeta, no deserto: “Elias levantou-se, comeu e bebeu e, com o
vigor daquela comida, andou quarenta dias e quarenta noites, até Horeb, a montanha de Deus” (I Rs 19,
8). Não sem razão, afirma São Pedro Julião Eymard: “A virtude característica da contemplação da Eucaristia e da Comunhão — união
perfeita a Jesus — é a força”.5
Apesar desse auxílio, a debilidade ainda pode persistir na nossa natureza decaída. Daí que hereges como os albigenses e os jansenistas tenham difundido um sentimento de
desespero, dedicando-se a espalhar
a crença de ser o pecado um mal
irremediável, próprio a nos afastar definitivamente de Deus. Nada
mais enganoso! Quem pode sustentar que o Preciosíssimo Sangue derramado no madeiro não é suficiente para expiar todas as nossas faltas?
Na penumbra do confessionário, quando o penitente declina suas culpas ao ministro de Cristo e recebe a absolvição, derramam-se sobre ele, uma vez mais, os méritos do
Sacrifício do Mártir do Gólgota, restituindo-lhe a graça, os dons e virtudes tal como ele os possuía no dia do
Batismo. Uma paz suave e difícil de
ser descrita se segue ao perdão. Tudo foi apagado!
Compadecido ainda da nossa orfandade, e desejando revelar-nos o
lado materno de Sua Divindade, o
Senhor nos ofereceu o tesouro que
Lhe era mais caro: Maria, sua Mãe,
cujo poder de intercessão foi assim
exaltado por São Bernardo: “Se A
segues, não te desviarás; se recorres
Quem hoje assim se apresenta
diante do Redentor, também tem
abertas diante de si as portas do
Seu Coração
Vitral da Igreja de São João Batista,
Halifax (Canadá)
a Ela, não te desesperarás. Se d’Ela
te lembrares, não cairás no erro. Se
Ela te sustenta, não te precipitarás.
Nada temerás se te protege; se te
deixas levar por Ela, não te fatigarás; com seu favor, chegarás a porto”.6
As “armas da luz” (Rm 13, 12),
das quais São Paulo nos recomenda
fazer uso, não são apenas essas aqui
enunciadas. Enumerá-las é quase
impossível; escapam a qualquer cálculo, pertencem à “multiforme graça de Deus” (I Pd 4, 10). Cumprenos, isto sim, recebê-las com proveito e nelas confiar, agradecidos pelo fato de Deus nos conceder muito
mais do que pedimos e merecemos:
“Exorto-vos a não receberdes a graça de Deus em vão” (II Cor 6, 1).
Regra de ouro nos nossos dias
Atravessamos dias obscuros, inegavelmente. Onde caem nossos
olhos, ali pairam o erro, a violência, o egoísmo e o pecado, na maioria das vezes em situações tão complexas a ponto de redundarem em
fracasso as melhores iniciativas para revertê-las.
Esta realidade não impede nem
dessora a atuação da graça. Pelo
contrário, devemos lembrar-nos de
que as horas difíceis são também
as horas da Divina Providência, nas
quais Ela atua no fundo das almas e
ali obra prodígios não menores que
os narrados pelos Livros Sagrados
ou pelos apaixonantes volumes da
História da Igreja.
Nos nossos dias, a confiança tende a se afirmar cada vez mais como
a regra de ouro, o farol das almas fiéis que não negam seu testemunho
de ufania, mas empenham-se em
transmitir ao homem de hoje a certeza da bondade de Nosso Senhor.
E, junto com ela, a palavra com a
qual o Mestre instruiu seus mais íntimos amigos: “Tende confiança! Eu
venci o mundo!” (Jo 16, 33). 
1
GARRIGOU-LAGRANGE, OP,
Réginald. Madre Francisca de Jesus.
São Paulo: Tipografia Beneditina
Santa Maria, 1940, p.32.
2
GARRIGOU-LAGRANGE, OP,
Réginald. La Providencia y la confianza en Dios. 2.ed. Buenos Aires:
Desclée de Brouwer, 1942, p.133.
3
Santa Catarina de SENA.
Diálogo sobre a Divina Providência. 8.ed. São Paulo: Paulus, 2004,
p.222.
4
Lumen Gentium, n.11.
5
São Pedro Julião EYMARD.
A Divina Eucaristia. São Paulo:
Loyola, 2002, v.I, p.97.
6
São Bernardo de CLARAVAL. Sermo II in Laudibus Virginis
Matris. In: Obras Completas. 2.ed.
Madrid: BAC, 1994, v.II, p.639.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      33
Os Arautos do Evangelho como teokalóforos
Um carisma encantador
Tenho a sensação de que a missão dos Arautos do Evangelho é ser
portadores da beleza de Deus. E quem porta algo é porque possui esse
algo. Quem expressa através de sua vida a beleza de Deus,
bem pode ser chamado teokalóforo.
Pe. Carlos Arboleda Mora
Coordenador Administrativo de Pós-Graduação
da Universidade Pontifícia Bolivariana
T
ivemos há pouco tempo
oportunidade de conhecer os Arautos do Evangelho,
tradicionalmente chamados na Colômbia de “Cavaleiros da Virgem”. Chegaram à Pontifícia Universidade Bolivariana em
busca de formação acadêmica de
pós-graduação para seus membros.
No momento, um bom grupo deles
aqui está fazendo estudos de segundo ciclo (mestrado e licenciatura) e
de terceiro ciclo (doutorado). Tem sido um período de mútuo enriquecimento, para a Universidade e para os
Arautos, no qual chamou-nos principalmente a atenção o carisma dessa
Instituição, que apresenta ao mundo
hodierno uma atraente perspectiva
do mistério de Deus.
Há no carisma dos Arautos elementos muito válidos do ponto de
vista evangélico e muito pertinentes pelo prisma da sociologia e da
psicologia do mundo contemporâneo. Fazemos esta reflexão a partir da experiência pessoal adquirida no convívio com os Arautos,
e não com base em considerações
acadêmicas ou especulativas, as
34      Flashes de Fátima · Março 2010
quais também têm seu lugar e importância.
A seguir, destacamos alguns dos
aspectos desse carisma que mais
chamam a atenção.
Apresentação de uma Igreja
positiva, mestra e modelo
Com frequência, as críticas feitas à
Igreja apresentam-na como uma instituição que controla e repreende ao
modo de uma avó ou uma tia que se
limitasse a pregar sermões moralizantes ou punitivos. Os Arautos, entretanto, mostram uma Igreja alegre, a
qual, em linguagem metafórica, se poderia dizer que vive à sombra da luz. É
o testemunho da luz de Deus que ilumina, aquece, enche todos os lugares
e cria um ambiente de paz e de tranquilidade. A Igreja vai pelo mundo espargindo a luz da salvação, não condenando quem vive nas trevas — voluntariamente ou por ignorância —,
mas iluminando o percurso para que
caminhem à sombra da luz aqueles
que estão nas sombras da morte.
Caminhar à sombra da luz é ir, como os israelitas, acompanhados pela
nuvem que protege e ilumina, ilumi-
nados e iluminadores. Empregando
uma imagem do pensador contemporâneo Heidegger, os Arautos são
como o grupo alegre dos homens
“últimos” — que ele chama “os futuros” —, os quais avançam pelo deserto escuro, com tochas acesas, para indicar aos outros o lugar onde
Deus Se manifesta.
Enquanto alguns se queixam de
não haver monges nem mosteiros no
mundo contemporâneo, os Arautos
restauram essas figuras e mostram
que há, sim, quem possa ser um farol de luz que ilumina, de luz que
acolhe e de luz que redime.
Ascese sem desumanidade
e mística sem patologias
Nota-se isto na existência cotidiana dos Arautos. Não praticam uma
ascese de pancadas, privações, flagelações ou falsas inserções na vida dos excluídos. É mais a ascese
do abandono nas mãos de Deus e
de uma vida digna, sem extravagâncias ou luxos desnecessários. Tratase do gênero de despojamento ou
abandono que ajuda a considerar
que tudo se encaminha para Deus
Celso Melitão
Victor Toniolo
“Estar sempre com a Virgem Maria é característica dos Arautos. Eles A tomam como Mãe solícita à qual confiam
suas aflições e que acompanha toda ação evangelizadora”
e que as coisas materiais conduzem
ao imaterial, tendo sempre presente
que tudo é meio ou instrumento para chegar a Deus, sem deter-se nelas como fim definitivo, como ocorreu com alguns cristãos burgueses e
acomodados do século XX.
Esta concepção da ascese permite uma mística sem patologias. Hoje existe a grande tentação da mística das experiências extremas no esporte ou na droga, das visões patológicas da Virgem Maria, das experiências-vivências em lugares escuros.
Os Arautos encontraram, ou reencontraram, a mística da luz. Ser conduzidos pela luz, passo a passo, até
a Luz supraessencial que não tem
ocaso. Quem vive à sombra da luz
não pode deixar de ser iluminado,
e essa iluminação se revela na vida
diária. São pessoas alegres, disponíveis (Præsto sum!),1 magnânimas,
equânimes. “Quem vê um Arauto,
viu todos os outros; todos manifestam uma alegria especial”, dizia por
vezes o padre Diego Marulanda, decano da Pontifícia Universidade Bolivariana. Quem vive na alegria é
porque está vendo a Deus. Que Ele
conserve nos Arautos essa mística
tão especial e clara.
Nas visitas às suas casas, é interessante notar essa experiência de
oração contínua, de estar sempre
na presença e na amizade do Senhor. Uma experiência especial que
tivemos foi a de perceber, em uma
de suas casas, como os jovens Arautos punham-se de joelhos para rezar, em qualquer lugar onde ninguém os via. Não procediam assim
para serem observados, mas por íntima convicção. E logo depois esses
mesmos jovens estavam conversando, brincando e rindo como qualquer outro de sua idade. Trata-se de
gente normal com vida normal, mas
com profundo espírito de oração.
Experiência e testemunho
da beleza
Sempre houve na Igreja caminhos diversos para se chegar a Deus.
Alguns partem da consciência do
pecado para chegar a Ele como Redentor. Outros nascem das experiências da dor e da perseguição para compreender um Deus que cura
e restaura. Há aqueles que desde a
miséria econômica podem clamar a
um Deus libertador. Vários, no momento de perigo, recorrem a um
Deus Salvador. E isso está bem, pois
não podemos negar que há muitas
veredas para chegar a Deus e que a
experiência de Deus não se esgota
na experiência de um fundador num
momento histórico ou cultural.
Os Arautos do Evangelho optaram pela via da beleza. Opção complexa, pois inclui tudo, embora alguns tenham falado da beleza como
o transcendental esquecido ou aleguem a impossibilidade de falar dela num mundo desagregado e pluralista. Deixando de lado a discussão
acadêmica sobre os transcendentais,
olhemos apenas para o que os Arautos apresentam.
Deus é a beleza captada na contemplação, através da oração, da Liturgia, do silêncio. Nesses lugares é
onde “Deus mora”, e onde moram
os Arautos. Daí o testemunho: Deus
é a beleza que se vive cada dia nas
atitudes, na Liturgia, no respeito aos
outros, nas virtudes da vida cotidiana, no modo de vestir-se, na relação
de amizade com os demais. Nota-se
Março 2010 · Flashes
de Fátima      35
Iván Tefel
Sérgio Miyazaki
“Os Arautos encontraram, ou reencontraram, a mística da luz. São pessoas alegres, disponíveis, magnânimas,
equânimes. Quem vive na alegria é porque está vendo a Deus”
que a beleza captada na contemplação é a beleza que se manifesta na
vida diária.
Os Arautos — isso nós observamos — não são ressentidos sociais,
não vivem se queixando do pecado
do mundo, nem criticando o pecador, não são conflitivos ao falar de
seu carisma, não ficam denunciando
o herege, mas estão, isto sim, sempre mostrando a luz, o amor e a beleza de Deus, com grande senso de
respeito, de boa educação, de bom
humor e de cavalheirismo. Cuidam
simplesmente de que a luz que desce flua através de sua vida.
Profunda devoção a
Nossa Senhora
A devoção a Nossa Senhora tem
sido sinal distintivo dos católicos, e
estar sempre com a Virgem Maria é
característica dos Arautos. Esta Mulher, símbolo especial da perfeita
humanidade e da maternidade pro36      Flashes de Fátima · Março 2010
tetora de Deus, acompanhou a vida
dos cristãos.
Os Arautos A tomam como Mãe
solícita à qual confiam suas aflições e
que acompanha toda ação evangelizadora. Num mundo onde por vezes
se perde o senso do amor, da maternidade, da pureza, essa cavalheiresca
dedicação dos Arautos é mensagem,
testemunho e contributo para aqueles que necessitam do mais humano
para de novo dar sentido à sua existência. Uma das formas evangelizadoras mais adequadas para voltar a
maravilhar os homens de hoje talvez
seja a beleza que a pessoa de Maria
irradia, com tudo quanto Ela simboliza. “Salve Maria!”2 é uma saudação
cheia de plenitude, à qual na Colômbia corresponde à popular fórmula
“Ave María pues”.
Os Arautos como “teokalóforos”
Teokalóforos: não sei se esta palavra existiu alguma vez na Histó-
ria. Mas tenho a sensação de que a
missão dos Arautos é ser portadores
da beleza de Deus. E quem porta algo é porque possui esse algo. Alguns
dos primeiros monges da Igreja antiga eram conhecidos pela santidade
de sua vida e por isso o povo os denominava teóforos — portadores de
Deus. Quem expressa através de sua
vida a beleza de Deus, bem pode ser
chamado teokalóforo — portador da
beleza de Deus.
Atrai a atenção, na Associação
Arautos do Evangelho, o arranjo
dos seus templos: o esplendor do gótico. Este estilo arquitetônico tem a
vantagem de ser um método místico
que eleva da beleza do material para a beleza fonte do imaterial. Retomando as ideias de Dionísio Areopagita, do Abade Suger, dos Victorinos, as igrejas dos Arautos são construídas numa explosão de cores e de
luz, que necessariamente eleva a alma às coisas divinas onde se encon-
Victor Toniolo
Otávio de Melo
Victor Toniolo
“Atrai a atenção, o arranjo dos seus templos: o esplendor do gótico.
As igrejas dos Arautos são construídas numa explosão de cores e de luz”
tra a fonte inexaurível da Verdade,
da Bondade e da Beleza.
Esses templos exprimem o estado da vida futura, como disse São
Tomás de Aquino. Uma igreja gótica simboliza a Jerusalém Celestial,
não como fortaleza, mas como Céu
e Paraíso através da lux, claritas et
splendor. Quem celebra uma Eucaristia nesses templos, volta à vida cotidiana e continua sendo um templo
gótico para os demais: tanto mais luminosos quanto mais divinos. Ser e
manifestar a beleza de Deus: grande tarefa para os Arautos, pois a debilidade humana pode sempre estar
à espreita.
A cavalaria teokalófora
do século XXI
Na Igreja, o carisma sempre há
de ser vivência e programa. Uma vivência que dá sentido à própria vida e serve para iluminar a existência dos demais. Mas também um pro-
grama, pois não se pode dormir sobre as vitórias conquistadas. Necessário é, portanto, conservar o frescor
do primeiro amor, para que o carisma não se apague e a luz não se extinga. É preciso estar sempre de joelhos para que o carisma mantenha
seu vigor e não esmoreça pelo cansaço, pela idade, pelo decorrer do tempo ou por algo mais insidioso: o embate mudo mas persistente do secularismo e do aburguesamento.
Quando São Bernardo falava de
uma nova cavalaria no século XII,
não se imaginou que também no século XXI ressurgiria uma nova figura cavalheiresca que, usando os novos meios e com novas formas, poderia reconquistar o mundo para
Deus, não fazendo uso das armas,
mas da mística da beleza. Uma cavalaria teokalófora.
Para atingir esse virtuoso ideal,
utilizam-se: uma escola (a do amor
de Deus revelado em Cristo); um
método (a ascensão mística através
dos símbolos da luz, e a beleza e o
testemunho dessa ascensão); e uma
disciplina (a têmpera da cavalaria
teokalófora).
Unamo-nos em oração para que
haja sempre, em meio da obscuridade e do deserto, monges Arautos
que levem a luz de Deus aos homens
do século XXI. ²
1
Nota da Redação: “Eis-me aqui” ou
“Estou à disposição”. Resposta do
jovem Samuel quando ouvia a voz
de Deus que o chamava (cf. I Sm 3,
4-16). É costume, entre os Arautos,
responder “Præsto sum!” ao receber uma interpelação ou incumbência do superior.
2
Nota da Redação: “Salve Maria” é a
fórmula habitual de saudação entre os congregados marianos, adotada também pelos Arautos desde
os seus primórdios.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      37
A palavra dos Pastores
O futuro da escola
A escola não pode deixar de dar lugar, no projecto
educativo, à dimensão religiosa, profundamente
presente na tradição cultural portuguesa.
Cardeal José da Cruz Policarpo
Patriarca de Lisboa
A
organização deste “Fórum” faz-me uma pergunta: “A Escola tem
futuro?”. A resposta
não é simples, sobretudo quando se
espera que essa resposta se situe numa “dinâmica da esperança”.
Quando aceitei esta interpelação, uma avalanche de outras perguntas inquietaram o meu espírito:
a comunidade humana tem futuro?
A civilização ocidental tem futuro?
A família tem futuro? A pessoa humana tem futuro? E aceitei que a
resposta a estas questões era prévia
à resposta sobre a pergunta que me
foi feita. [...]
Mutação cultural ou
deriva civilizacional?
Para intuir o futuro da escola,
como instituição educativa, é indispensável situá-la no quadro da
acelerada mutação cultural que toca as raias de um colapso de civilização. E a escola é, entre as estruturas da sociedade, aquela onde
mais se entrecruzam todas as correntes e manifestações dessa mutação cultural. Entrar na escola é,
hoje, entrar numa nau agitada pelos ventos que, por sua vez, agitam
o mar da história. [...]
38      Flashes de Fátima · Março 2010
Entre os diversos intervenientes
na escola há toda a variedade das opções pessoais sobre a vida e a sociedade, o que sujeita o educando à influência de orientações díspares, deixando-lhe a ele, porventura com a
ajuda da família, progressivamente fragilizada nas últimas décadas, a
tarefa de construir uma perspectiva
unificadora da sua descoberta da liberdade e da vida, individual e social.
Isto pode levar à relativização radical
do dinamismo educativo. Um projecto de vida traça-se, fazendo escolhas
que sejam opções da liberdade. Neste quadro é muito difícil a um adolescente e a um jovem fazer escolhas,
que o obriguem a optar por orientações diversas vindas dos vários educadores e fortemente influenciada
pelos meios de comunicação. [...]
Não pode competir aos
Estados um poder exclusivo
Um quadro educativo supõe,
para ser viável, aquilo a que chamei a “verdade comunitária”. Educar é preparar o exercício da liberdade pessoal num quadro de corresponsabilidade comunitária. Isso supõe uma visão da vida e dos valores da sociedade que queremos ser,
que não é desligável da sua tradição,
de que faz parte a sua história. [...]
Os mecanismos da democracia formal não levam longe, na compreensão da educação, sem a consciência
de valores perenes, que não podem
desligar-se da grande tradição cultural da Europa.
Ao alterar-se a compreensão
dessa “verdade colectiva”, inspiradora da educação, podemos detectar duas tendências: a daqueles Estados que quiseram arredar totalmente da definição dessa “verdade colectiva” qualquer influência
do cristianismo e da sua força inspiradora do mistério do homem. Trata-se de um quadro variado que vai
dos Estados que adoptaram como
verdade fundamentar a ideologia
marxista-leninista e o ateísmo como
corolário inspirador de toda a educação, até ao primado absoluto da
“laicidade” francesa, dado que influenciou toda a concepção dos Estados da Europa Ocidental, sobretudo dos países latinos. Um segundo grupo, identificamo-lo naqueles Estados, igualmente totalitários,
que não ousaram recusar sistematicamente a influência do cristianismo nessa definição, mas que tentaram “domesticar” a visão da Igreja,
adaptando-a ao seu próprio projec-
to, o que a própria Igreja nem sempre impediu.
Tudo isto me leva à convicção de
que não pode competir aos Estados, como poder exclusivo, a definição desse quadro educativo. Os nossos Estados modernos, democráticos, laicos, marcados pelos inevitáveis confrontos ideológicos, garantidos pela convivência democrática,
não são capazes de o fazer e de o garantir de modo fiável para o conjunto das famílias. [...]
Cooperação entre escola e família
A convergência cooperante entre a escola e a família na tarefa educativa é um elemento decisivo para a própria escola na missão
educativa. A família é o quadro natural da educação. Mas hoje, mais
do que nunca, a família não pode
realizar, sozinha, essa missão. A escola, porém, não é um substituto da
família; deve ser uma estrutura de
cooperação com a família na tarefa
educativa. A fragilização progressiva da comunidade familiar devida
a causas diversas que não podemos
analisar neste momento, tem dificultado essa visão da escola como
elemento de cooperação.
Devido à complexidade dos problemas sociais a escola é, muitas vezes, substituta da família. Num país em que a quase totalidade das escolas são estatais, isso pode significar o transpor para o Estado a tarefa
educativa, perspectiva que, ao longo
da história, esteve na origem de graves problemas de civilização. Tenhamos claro que tudo o que provocar
ou contribuir para o enfraquecimento da família se repercutirá na escola e na sua missão educativa. São de
louvar escolas, que na sua dinâmica
interna, procuram meios de diálogo
e de apoio às famílias dos seus alunos. Ou desenvolvemos tudo o que
facilite esta cooperação, ou a esperança num futuro positivo da escola
fica mais ameaçada.
Escola laica num Estado laico?
A Constituição da República Portuguesa define o Estado como laico,
[...] isto é, não se identifica com nenhuma religião, mas respeita o fenómeno religioso, o que exprimiu, recentemente, na Lei da Liberdade
Religiosa. E nesse respeito inclui-se
a possibilidade de cooperação entre
o Estado e as confissões religiosas,
para a promoção do bem-comum da
sociedade. Esse princípio da cooperação inspira toda a Concordata celebrada entre o Estado Português e
a Igreja Católica, reconhecendo, na
prática, a predominância da Igreja
Católica na Nação Portuguesa.
Mas se o Estado é laico, a sociedade não o é. E temos assistido, nos últimos tempos, a correntes de pensa-
Não pode competir aos
Estados, como poder
exclusivo, a definição
do quadro educativo
mento numa dupla direcção: estender
a laicidade do Estado a toda a sociedade e a todas as instituições do Estado ao serviço da comunidade, entre as quais sobressai a escola; e o fazer derivar a justa laicidade para um
laicismo, qual nova religião, que combate qualquer presença ou influência
da religião na sociedade. É uma nova
forma de hegemonia totalitária que se
disfarça com as vestes da democracia.
A escola, como instituição ao serviço da educação não pode ser laica, neste sentido, como não pode ser um espaço sagrado, na acepção religiosa do
termo. A escola, qualquer escola digna
desse nome, não pode deixar de dar lugar, no projecto educativo, à dimensão
religiosa, profundamente presente na
tradição cultural portuguesa. A guerra
aos símbolos religiosos é, hoje, na Eu-
ropa, um sinal preocupante. Se a escola por ser do Estado, tem de ser laica nesse sentido de uma laicidade negativa, isso quer dizer que ela, embora sendo do Estado, tem de ter autonomia real de “projecto educativo”.
Fundamentos da esperança
Mas o verdadeiro fundamento da
esperança no futuro da escola reside
nos milhares de portuguesas e portugueses que consagram a sua vida à
escola e à aventura da educação. [...]
Na sua origem, na cultura clássica e
mesmo bíblica, a escola define-se como relações de um mestre com os seus
discípulos. A educação é uma aventura de diálogo humano, feita em comunidade, à descoberta da vida. É preciso revalorizar na função docente, mais
pensada para a capacidade de ensinar e instruir, a dimensão do mestre
que inspira e conduz, com a dimensão nova de o fazer, não isoladamente,
mas em equipa educativa, que procura
consensos e comunhão. E a maior parte dos profissionais das nossas escolas
têm ainda o carisma e a paixão de serem, não apenas docentes, mas mestres de vida. Saúdo-os a todos como
verdadeiros sinais da esperança.
Entre eles muitos são católicos
ou formados na tradição cultural
cristã. Não tenham medo de comunicar, no processo educativo, a perspectiva cristã da liberdade, da busca da verdade, da generosidade no
serviço do bem-comum, porque os
valores cristãos são basilares numa
cultura verdadeiramente humanista, e segui-los, pondo-os em prática,
não significa, necessariamente, sacralizar a escola, mas servir a pessoa
humana, num horizonte de beleza e
de transcendência. 
(Excertos da conferência no Fórum “Pensar a Escola, preparar o
futuro”, Lisboa, 24 de Janeiro de
2010. Texto íntegro em http://www.
agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.
pl?id=77410)
Março 2010 · Flashes
de Fátima      39
Povo deseja que seus sacerdotes
sejam homens de Deus
Em sua mensagem aos padres brasileiros reunidos no
13º Encontro Nacional de Presbíteros, em Itaici, Dom Cláudio os
exorta a serem “homens de oração”, pois o povo brasileiro
está sedento de “homens de Deus”.
Dom Cláudio Hummes, OFM
Prefeito da Congregação para o Clero
O
Cura d’Ars dizia que “um
bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus
é o maior tesouro que o
Bom Deus possa dar a uma paróquia
e uma das dádivas mais preciosas da
misericórdia divina”. Ser pastor segundo o coração de Deus, eis o grande desafio para os sacerdotes de todos
os tempos, eis o maior tesouro que o
nosso Pai poderia oferecer aos fiéis de
nossas comunidades.
O sacerdote será Bom Pastor na
medida em que, através do exercício
cotidiano do seu ministério, se dedicar integralmente a Cristo e, por
Ele, com Ele e n’Ele, aos irmãos,
em total fidelidade, sempre a exemplo do mesmo Senhor. Por essa razão, o apelo à fidelidade quer recordar a cada um de nós, o feliz dever
de renovar os compromissos assumidos, no dia da nossa ordenação,
de sermos, de fato, homens pobres,
castos, obedientes, fiéis anunciadores do Evangelho, a todos sem exceção, em espírito de verdadeira comunhão eclesial.
O povo brasileiro, sedento de
Deus, deseja vivamente que seus
sacerdotes sejam homens de Deus.
Por sua vez, o sacerdote não se tor40      Flashes de Fátima · Março 2010
nará “homem de Deus” se não for
“homem de oração”. Assim sendo,
na vida do sacerdote a oração e a intimidade com Deus são essenciais e
insubstituíveis. A oração na vida do
presbítero ou ocupa um lugar central, ou será um belo ideal, distante
de ser concretizado.
O Papa Bento XVI, em sua homilia da Quinta‐feira Santa de
2006, afirma que “ser sacerdote
significa ser homem de oração”. Se
o trabalho pastoral não for precedido e acompanhado pela oração,
perderá seu valor e sua eficácia. O
tempo que empregamos no cultivo da amizade com Cristo, na oração pessoal e litúrgica — concretamente na dedicação de um tempo determinado e cotidiano à meditação e na fiel recitação da Liturgia das Horas —, é um tempo de
atividade autenticamente pastoral. Por essa razão, o sacerdote deve ser, sempre, um homem de oração. Não nos iludamos: se falta a
oração pessoal na vida do presbítero, sua ação pastoral será estéril
e correrá o risco de perder de vista o “primeiro Amor”, ao qual entregou incondicionalmente sua vida, naquele dia memorável e cheio
de generosidade, o dia da sua ordenação sacerdotal. [...]
Caros irmãos, gostaríamos de
exortar‐vos, com aquelas mesmas
palavras de São Paulo: “Estai sempre alegres. Orai continuamente.
Em todas as circunstâncias, dai graças, porque esta é a vontade de Deus,
em Cristo Jesus, a vosso respeito (...)
Que o próprio Deus da paz vos santifique inteiramente, e que todo o vosso ser — o espírito, a alma e o corpo
— seja guardado irrepreensível para
a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo!” (I Ts 5, 16‐18.23s).
Com estes mesmos sentimentos queremos que continueis a viver
o Ano Sacerdotal: sempre alegres,
porque grande é o dom da vossa vocação e urgente um novo ardor missionário, a fazer‐se presente no coração sacerdotal de cada um de vós.
Despedimo‐nos, implorando ao Senhor Jesus que vos abençoe e santifique com a Sua graça! 
(Excerto da mensagem enviada pelo Cardeal Cláudio Hummes
e por Dom Mauro Piacenza, Prefeito
e Secretário da Congregação para o
Clero, para o 13º Encontro Nacional
de Presbíteros, 3/2/2010)
Continua a aumentar o número
de países que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé. Segundo informe da Rádio Vaticano, em
1978 eram 84; em 2005, no início
do pontificado de Bento XVI, eram
174; e são agora 178.
Cerca de 80 dessas nações dispõem de sede diplomática junto à
Santa Sé, com embaixador estabelecido em Roma, e as demais são representadas por diplomatas residentes na Europa. Por sua vez, a Santa
Sé mantém 101 Núncios Apostólicos
espalhados pelo mundo.
Além desses países, a Santa Sé
mantém relações diplomáticas —
por meio de Observadores Permanentes — com numerosas instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU),
a União Europeia (EU), a Organização dos Estados Americanos
(OEA), e a Organização Mundial
do Comércio (OMC).
Os últimos estados a estabelecer relações com o Vaticano foram
Montenegro, Emirados Árabes Unidos, Botsuana e a Federação Russa.
Ato vandálico contra
o Santuário de Fátima
Um ato de vandalismo praticado
na madrugada de 10 de janeiro contra o Santuário de Fátima despertou
reações de inconformidade inclusive
entre representantes de outras confissões religiosas.
www.sosj.org.au
Crescem as relações
diplomáticas do Vaticano
O exterior da igreja da Santíssima Trindade e mais quatro estátuas que a ladeiam — de Pio XII, de
Paulo VI, de João Paulo II e do Bispo Dom José Alves Correia da Silva
— foram pichadas com as palavras:
“Islão”, “Lua”, “Sol”, “Muçulman”
e “Mesquita”.
Em comunicado distribuído à
imprensa, a Reitoria do Santuário
tornou pública a sua tristeza e informou que o assunto foi “entregue
às entidades policiais”. Condenaram o ato vandálico também a Comunidade Muçulmana em Portugal, a Comunidade Israelita de Lisboa e outras instituições religiosas
não católicas.
Canonização da freira
australiana Mary MacKillop
Fides – “É um grande dia para a Igreja Católica na Austrália e
para toda a nação: logo teremos a
nossa primeira santa, Irmã Mary
MacKillop” — declara Dom Philip
Wilson, Arcebispo de Adelaide e
Presidente da Conferência Episcopal Australiana.
O decreto, que confirma o milagre atribuído à intercessão da Bemaventurada, foi assinado pelo Papa
Bento XVI e, então, a religiosa australiana será em breve canonizada,
provavelmente no próximo outono.
“Irmã Mary foi uma de nós, sempre esteve perto das pessoas. Era
animada por um profundo desejo
de servir a Deus e de aliviar os sofrimentos dos mais pobres” — observa
o Arcebispo.
Dom Wilson recorda também
que a sua vida não foi fácil: “Passou por sofrimentos e injustiças terríveis, mas a sua Fé em Deus não vacilou. Mesmo lutando com uma saúde fraca em grande parte da sua vida, fundou um Instituto religioso
para servir os pobres, principalmente na área da educação: esse Instituto continua a ser uma presença vibrante e ativa na vida australiana de
hoje”.
Argentina ganha mais
uma Basílica
Em cerimônia presidida pelo
Núncio Apostólico na Argentina,
Dom Adriano Bernardini, a Igreja Nuestra Señora de la Merced,
de Tucumán, foi proclamada “Basílica Menor”. O ato se deu durante
Missa celebrada pelo Núncio em 19
de dezembro e concelebrada pelo
Arcebispo de Tucumán, Dom Luis
Villalba.
Em sua homilia, Dom Bernardini assinalou que a nova basílica “deverá ser um verdadeiro centro de
espiritualidade” e destacou a importância da união no seio da Igreja: “Se não existe comunhão e união
na Igreja, não há Igreja. Pode-se dar
qualquer nome, mas não o de Igreja Católica”.
As basílicas têm um especial vínculo com a Diocese de Roma — e,
portanto, com o Papa — e gozam de
certos privilégios e prerrogativas honoríficas. Há quatro Basílicas Maiores, que são as quatro igrejas mais
importantes de Roma: São João de
Latrão (a Catedral do Papa), São
Pedro do Vaticano, São Paulo Extramuros e Santa Maria Maior. A Santa Sé eleva à condição de Basílica
Menor alguns edifícios sagrados insignes por sua antiguidade, por seu
valor artístico e religioso, ou por serem destacados centros de peregrinação, como, por exemplo, a famosa Basílica de Guadalupe, na Cidade do México.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      41
Fátima prepara exposição
sobre a Beata Jacinta Marto
No ano do centenário do seu nascimento, em que o Santuário de Fátima se volta para figura de Jacinta
Marto e a toma como especial modelo, o Departamento de Arte e Patrimônio (DAP) do Santuário de Fátima prepara uma exposição sobre
esta importante figura da história e
da mensagem de Fátima.
A inauguração da exposição, que
ficará patente no vestíbulo do convivium de Santo Agostinho, na Igreja da Santíssima Trindade, decorrerá
a 11 de Março, no dia dos cem anos
do nascimento de Jacinta Marto.
Em declarações à Sala de Imprensa do Santuário, Marco Daniel
Duarte, responsável pelo DAP, contextualiza este novo projecto: “Com
a mostra, encerra-se o projecto que
iniciou no ano anterior, quando se
expuseram vários objectos do patrimônio histórico-artístico, documental e bibliográfico sobre a figura do
Beato Francisco. Os visitantes poderão contemplar vários objectos que
pertenceram à mais nova das crianças videntes e alguns dos documentos que fizeram a história de Fátima,
material especialmente museografado a fim de ajudar a melhor entender a vida e espiritualidade da Beata
Jacinta Marto”.
À semelhança da exposição de
2009, sobre Francisco Marto, também esta vai buscar às palavras do
Papa João Paulo II, proferidas no
dia da beatificação dos dois pastorinhos, a 13 de Maio de 2000 em
Fátima, o título desta iniciativa:
“Jacinta Marto: candeia que Deus
acendeu”.
Nova subsecretária do Pontifício
Conselho “Justiça e Paz”
O Papa Bento XVI nomeou em
21 de janeiro Flaminia Giovanelli
para ocupar o cargo de subsecretária do Pontifício Conselho “Justiça
e Paz”. Essa escolha “demonstra o
42      Flashes de Fátima · Março 2010
empenho da Igreja na promoção da
dignidade e dos direitos da mulher
no mundo”, ressaltou o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Dicastério, num comunicado à imprensa.
A Drª. Giovanelli formou-se em
Ciências Políticas pela Universidade La Sapienza, de Roma. Além disso, diplomou-se em Biblioteconomia e em Ciências Religiosas. É especialista em políticas do desenvolvimento e do trabalho junto à Organização Mundial do Trabalho (OIT)
e de diversos outros organismos internacionais. Presta serviços no Pontifício Conselho “Justiça e Paz” desde 1974, inicialmente na qualidade
de oficial e, desde 1993, como Auxiliar de Estudo.
Viseu promoveu primeiras
Jornadas Diocesanas da
Pastoral Familiar
D. Ilídio Leandro pede maior
presença dos casais na vida paroquial.
Realizaram-se pela primeira
vez em Viseu as Jornadas Diocesanas da Pastoral da Família. Um
espaço que procurou ir ao encontro da necessidade urgente de reflexão sobre o papel e importância da família na sociedade, que os
tempos de hoje impõem.
Na Eucaristia conclusiva, D. Ilídio Leandro desafiou todos os casais presentes a levarem o seu projecto de amor em união com Jesus
Cristo, em Igreja.
“A paróquia precisa de vós”,
disse aos casais, recordando a responsabilidade que decorre do Batismo e compromete cada um a
corresponder à Missão a que é enviado.
O Bispo de Viseu felicitou ainda o Secretariado pelo trabalho
desenvolvido, deixando no ar o desejo de que a experiência das Jornadas se repita e agradeceu “todo
o empenho da equipa que integra
o Secretariado, incluído o assistente, na planificação, proposição
e realização das iniciativas de animação pastoral das Famílias, em
cada paróquia da diocese.”
Novo estilo de colaboração
entre sacerdotes e leigos
Rádio Vaticano – Há necessidade de estabelecer um “novo estilo de colaboração” entre sacerdotes e leigos — declarou o Cardeal Stanisław Ryłko, Presidente do
Pontifício Conselho para os Leigos, em discurso no 5º Colóquio
de Roma, encerrado em 26 de janeiro, organizado pela Comunidade Emanuel e pelo Instituto Universitário Pierre Goursat, em colaboração com o Pontifício Instituto “Redemptor Hominis”. O tema do Encontro, segundo informação da agência Zenit, foi Sacerdotes e leigos na missão.
“O novo estilo de colaboração
entre sacerdotes e leigos — esclareceu o Purpurado — pressupõe
que os presbíteros reconheçam a
identidade própria dos fiéis leigos
e a valorizem efetivamente na missão, na Igreja e no mundo, evitando assumir perante eles, quer atitudes paternalistas ou autoritárias no governo das comunidades
paroquiais, quer uma falsa promoção do laicato que, não respeitando a especificidade da vocação,
poderia transformar-se num álibi para o desinteresse e a renúncia aos deveres pastorais para com
a comunidade cristã”.
Por outro lado, segundo o Car­
deal polonês, os leigos devem ter
“um vivo sentimento de que pertencem à Igreja. Cada qual — sacerdotes e leigos — precisa fazer a
sua parte”.
Diocese de Aveiro lança
site sobre ano sacerdotal
Foi esta semana lançado o site “Ano Sacerdotal – Diocese de
Aveiro”. Neste espaço cibernético podem ser encontrados testemunhos de sacerdotes, documentos, reflexões, agenda e notícias da
diocese. É com as novas tecnologias que a evangelização se reforça e se dá a conhecer o quotidiano dos padres que compõem o clero aveirense.
O Bispo de Aveiro, D. António
Francisco, reafirma na sua mensagem que “este é o tempo favorável
para os colaboradores de Deus”
Todas estas informações estão
disponíveis no site http://www.diocese-aveiro.pt/anosac/.
Igreja do Vietnã:
profunda gratidão aos
missionários franceses
Dom Pierre Nguyên Van Nhon,
presidente da Conferência Episcopal do Vietnã, manifestou o clima
de alegria e de esperança com que
os católicos desse país comemoram o Ano Santo inaugurado solenemente em novembro na Diocese de Hanói, em presença de cerca
de 100 mil fiéis.
“Este Ano Santo é um convite a uma vida de oração, de piedade, de justiça e de serviço. Cada um deve praticar estas virtudes
em suas atividades diárias, para
tornar mais piedosas sua vida e suas relações com os demais”, acentuou Dom Nguyên, em entrevista
a Église catholique en France, órgão informativo da Conferência
dos Bispos Franceses (http://www.
eglise.catholique.fr).
Dom Nguyên reafirmou também
os sentimentos que unem a Igreja vietnamita à Igreja da França,
pois deste país partiram numerosos missionários para a evangelização da Indochina. Atualmente, disse, “nossa Igreja está prosperando
e temos muitas vocações. Devemos
isso aos Padres da Missão, a quem
devotamos um sentimento de profunda gratidão”.
Papa reitera confiança no
Cardeal Bertone
Rádio Vaticano – O jornal
L’Osservatore Romano, em sua edição de 21 de janeiro, publicou carta de Bento XVI confirmando o
Cardeal Tarcisio Bertone como Secretário de Estado do Vaticano.
Na missiva escrita de próprio punho, em alemão, o Papa descreve o
“longo caminho” de colaboração com
o Cardeal salesiano que, em conformidade com o direito canônico, apresentou sua renúncia ao completar 75
anos, em dezembro passado.
No texto, o Papa recorda “com
vivo reconhecimento” o desempenho do Cardeal Bertone como
consultor da Congregação para a
Doutrina da Fé, ressaltando o delicado trabalho realizado na construção do diálogo com Dom Marcel Lefebvre. “Naqueles anos intensos e comprometidos, criaram-se numerosos documentos
de grande importância doutrinal e
disciplinar” — lembra o Pontífice.
“Todas as suas qualidades levaram-me a decidir nomeá-lo meu Secretário de Estado em 2006, e é hoje
a razão pela qual não quero renunciar à sua preciosa colaboração”.
40 anos de serviço à Igreja
e à sociedade do Porto
A leitura dos acontecimentos
relevantes da atualidade à luz da
doutrina da Igreja é uma das principais marcas do estatuto editorial
da Voz Portucalense (VP) que se
mantém desde as primeiras edições, assegurou o diretor, Pe. Manuel Correia Fernandes.
A Voz Portucalense conta atualmente com cerca de sete mil assinantes, número que se tem man-
tido estável. No último ano houve cerca de 400 novas adesões e
dos 7500 exemplares que semanalmente saem da gráfica, meio milhar são distribuídos e vendidos
nas instituições da diocese, bem
como na própria sede. O futuro
passa por melhorar a presença na
Internet e dar mais espaço à fotografia na edição em papel, afirmou o diretor.
A Missa que comemorou as
quatro décadas do semanário foi
presidida por D. Manuel Clemente, bispo do Porto, e contou com
a participação de cerca de duas mil pessoas, do Algarve ao Minho e também do estrangeiro. “A
Sé do Porto estava completamente cheia”, descreveu o Pe. Correia
Fernandes.
A celebração pretendeu igualmente homenagear os antigos directores da Voz Portucalense, os
bispos diocesanos das últimas quatro décadas e os assinantes.
Universidade Católica deve
ser espaço de ciência e fé
Diário do Minho - “Que a Universidade Católica seja um espaço de ciência, de comunhão e de
partilha, onde a procura da verdade seja a medida de todas as coisas”. Este desejo, expresso em forma de prece na Sé de Braga, resume o apelo que o Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga, fez na missa do Dia da Universidade Católica Portuguesa (UCP).
Presidindo à eucaristia com a
presença de professores, alunos e
funcionários das três Faculdades do
Centro Regional de Braga — Filosofia, Teologia e Ciências Sociais —
o prelado falou sobre a importância
desta instituição “no mundo do saber”, onde a Igreja “tem algo a dizer”. O presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa afirmou que
a Universidade Católica deve ser
“uma casa de ciência e fé”, mostranMarço 2010 · Flashes
de Fátima      43
A figura do irmão leigo e
a necessidade da oração
Dois importantes documentos
estão sendo preparados pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica, conforme anunciou seu presidente, o Cardeal
Franc Rodé, em entrevista à Rádio
Vaticano no dia 2 de fevereiro.
O primeiro terá como tema
central “A absoluta necessidade da
oração na vida espiritual de uma
pessoa de vida consagrada”. O documento, explicou o Cardeal Rodé, visa aplicar “alguns corretivos”
perante certa “ignorância”, certa
“falta de conhecimento e de formação litúrgica”, em religiosos e
religiosas jovens; e também a propósito de “fantasias litúrgicas”
que têm surgido, as quais “nem
sempre são de bom gosto, não correspondem ao desejo e à vontade
da Igreja nem ao espírito da Liturgia”.
O segundo documento tratará especificamente dos irmãos leigos, cujo número teve grande diminuição nas últimas décadas.
Sua Eminência ressaltou a necessidade de esclarecer que “a figura do irmão leigo é uma figura autônoma, uma figura que tem um
sentido em si mesmo, que tem
uma identidade própria”. O irmão
leigo não é, como muitos julgam
erroneamente, alguém que por alguma razão não conseguiu ser sacerdote. “Trata-se de uma vocação que tem uma missão particular na Igreja, como a História prova amplamente”, acrescentou o
Cardeal.
Apostolado
Maria Rainha
Cliatop / Wikipedia
do que “o diálogo não só é possível,
mas absolutamente necessário”.
A Universidade Católica “deve ser um centro de criatividade e
de irradiação de um saber que seja para bem da humanidade”, indicou o arcebispo, que terminou a
homilia apelando aos católicos para que rezem e partilhem bens, a
fim de que a UCP “possa dispor
dos meios necessários para atingir os objetivos, que são nobres e
sublimes”. E assim, observou, “ser
fiel ao projecto inicial”, que começou a ser concretizado em Braga
— na Faculdade de Filosofia —
há mais de 40 anos.
Abadia de Solesmes completa
1000 anos de fundação
Em 15 de janeiro último foi recebido pelo Santo Padre o Abade
de Saint-Pierre de Solesmes, Dom
Philippe Dupont. A audiência se insere nas comemorações pelo milenário da famosa abadia, que se iniciaram em 2 outubro passado e se
prolongarão até outubro deste ano.
Fundado em 1010 pelos monges
da Abadia Saint-Pierre-de-la-Couture, em terreno e edifícios doados por
Goffredo de Sablé, o mosteiro de Solesmes enfrentou ventos e tempestades ao longo de seus mil anos de existência. No século XIX Dom Prosper
Guéranger tornou Solesmes um centro de vida espiritual e ponto de partida para uma renovação da piedade
litúrgica e do canto gregoriano.
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44      Flashes de Fátima · Março 2010
Victor Toniolo
Orações de ontem, de hoje e de sempre
"Jesus carregando a Cruz" Igreja de San Ginés, Madri
Oração da alma desamparada
Santa Bernadette Soubirous
Ó
Jesus desolado e ao mesmo tempo refúgio das almas desoladas, Vosso
amor ensina-me que é de Vossos
abandonos que devo haurir toda a
força de que necessito para suportar os meus. Estou persuadida de
que o abandono mais temível em
que eu possa cair seria não participar do Vosso. Mas, como Vós me
destes a vida com a Vossa morte, e
me livrastes, por Vossos sofrimentos, daqueles que me eram devidos, também merecestes, pelo Vosso desamparo, que o Pai celeste
não me desamparasse, e que nunca estivesse mais próximo de mim,
por Sua misericórdia, do que quando estou mais unida (a Vós) pela
desolação.
Ó Jesus, luz da minha alma, iluminai os meus olhos interiores no
tempo da tribulação; e já que me
é útil sofrer, não leveis em conta
meus temores nem minha fraqueza.
Eu Vos conjuro, ó meu Deus,
por Vossos desamparos, não que
não me aflijais, mas que não me
abandoneis na aflição, que me ensineis a procurar-Vos nela como o
meu único consolador, que sustenteis nela a minha Fé, que nela fortifiqueis minha esperança, que purifiqueis nela o meu amor; concedei-me a graça de reconhecer nela
a Vossa mão, e de não desejar nela outro consolador a não ser Vós.
Humilhai-me então quanto Vos
aprouver, e consolai-me somente a
fim de que eu possa sofrer e perse-
verar até a morte no sofrimento. Já
que as graças que Vos peço são fruto de Vossos desamparos, fazei que
sua virtude se manifeste na minha
fraqueza, e glorificai-Vos na minha
miséria, ó meu Jesus, único refúgio
da minha alma.
Ó Mãe Santíssima do meu Jesus, que vistes e sentistes a extrema
desolação do Vosso querido Filho,
assisti-me no tempo da minha.
E vós, santos do Paraíso, que
passastes por esta provação, tende
compaixão daqueles que sofrem, e
obtende-me a graça de ser fiel até a
morte. ²
(Extraída do livro Bernadette Soubirous, do Pe. André Ravier.
São Paulo: Loyola, 1985, p. 81-82)
História para crianças... ou adultos cheios de fé?
Nasce uma vocação
Ajoelhado à cabeceira do pai, o menino sentiu no fundo
da alma a grandeza do Sacramento da Reconciliação. Ele
também seria padre!
Irmã Michelle Viccola, EP
E
ra uma fria manhã de outono. Rafael chegava apressado em sua humilde casa,
com o médico.
— Doutor, por aqui. Ele está se
sentindo muito mal...
O médico aproximou-se do leito e viu, encolhido e tremendo, o senhor Adalberto, ardendo em febre.
Era o lenhador mais forte da região,
mas fora atacado pela peste que
grassava por aqueles tempos.
Examinando-o, sentiu-lhe a temperatura, colocou umas tiras de pano,
molhadas em água fria, em sua testa,
receitou alguns remédios e disse:
— Rafael, seu pai está muito grave. Necessita muitos cuidados. Você
seria capaz de tornar-se responsável
pela casa durante sua doença?
O menino aprumou o corpo e,
com ares de homenzinho, respondeu-lhe:
— Claro que sim, doutor!
O médico explicou como ministrar-lhe os medicamentos e saiu para atender os muitos outros doentes
que havia na região.
Pouco depois, chegou
a avó, e Rafael foi correndo à cozinha para falar com
ela:
— Vovó, más notícias...
Papai está muito grave! A
peste o atacou. Mas vamos
cuidar bem dele!
E explicou à boa senhora as receitas que o médico
havia dado, bem como os
cuidados com sua alimentação.
— O doutor me pediu
que assuma a casa enquanto papai se recupera —
disse com ares de adulto.
De fato, depois de servir a sopa a
Adalberto e de verificar que a febre
havia diminuído um pouco, deixouo com a avó e dirigiu-se ao bosque
para cortar as lenhas que o pai prometera a seus clientes. O inverno já
tinha começado e prometia ser bem
rigoroso naquele ano.
Ao terminar de fazer as entregas,
entrou na igrejinha da aldeia e ajoelhou-se aos pés da bela imagem de
Maria Auxiliadora, padroeira daquele povoado. E rezou com muita devoção, pedindo por seu pai, mais do
que nada, pela saúde de sua alma...
Adalberto era muito honesto,
mas não queria saber de frequentar a Igreja, nem de receber os Sacramentos. Como muitos homens de
seu tempo, sentia-se autossuficiente, dizendo que acreditava em Deus,
mas que não precisava de rezas,
nem de Missas. Entretanto, Rafael
tinha esperança de que, nessa hora
de sofrimento, uma graça lhe tocaria
o coração e o pai voltaria a frequentar a paróquia, como fazia no tempo
em que sua mãe vivia.
Cheio de confiança e com o coração reconfortado, Rafael voltou para casa. Encontrou o pai um pouqui-
Em uma fria manhã de outono, Rafael chegava
apressado em sua humilde casa, com o médico
46      Flashes de Fátima · Março 2010
Edith Petitclerc
nho melhor e contou-lhe como havia cumprido todos os seus compromissos. Este ficou satisfeito com o
pequeno, que em seus doze anos de
idade já demonstrava tanta disciplina e responsabilidade.
Ao cair da tarde, Rafael avistou
pela janela do quarto o pároco e disse:
— Papai, vejo o padre Vicente
voltando para a aldeia. Não quer dizer-lhe “boa tarde”?
O duro coração do lenhador,
compreendendo as intenções do
menino, não se moveu:
— Não, obrigado. Eu me viro sozinho.
Rafael não perdia as esperanças.
Todas as noites rezava com sua avó
pela conversão do pai. E, dia após
dia, depois de cumprir suas obrigações, passava pela igreja, rezava, e
estudava um meio de levar o pároco
para conversar com o pai. Mas o lenhador estava irredutível.
Depois de alguns dias de aparente recuperação, Adalberto piorou.
Durante a noite chamou pelo filho,
com uma voz fraca:
— Rafael, Rafael... sinto-me muito mal! Mas já é noite fechada...
acho que você não vai ter coragem...
O menino levantou-se ligeiro e,
aproximando-se do pai, disse:
— Sim, papai. Eu tenho coragem.
Vou correndo buscar o doutor!
Mas, para sua surpresa, o lenhador lhe retrucou:
— Não, Rafael, não é o doutor
que eu quero. Sinto que meus dias
estão no fim... Chame-me o padre
Vicente!
O menino teve que conter as lágrimas pela emoção. E respondeu:
— Claro que sim, papai. Em seguida estou de volta com ele.
Caía uma fina chuva. Rafael pegou um lampião fechado para iluminar os escuros caminhos até a
aldeia, abrigou-se bem e, depois
de dar a boa-nova à avó, saiu correndo até a igreja. O pároco se
“Papai, aqui está um futuro sacerdote que também poderá perdoar.
Prometo que serei padre!”
despertou assustado com as fortes batidas na porta da casa paroquial, mas ao saber do que se tratava, aprontou-se rapidamente e
dirigiu-se sem demora à casa do lenhador enfermo.
Embora se sentindo muito débil, Adalberto ajoelhou-se diante de
uma imagenzinha de Nossa Senhora e logo começou a confessar seus
pecados. Enquanto isso, do lado de
fora do quarto, Rafael e a avó rezavam por ele.
Após receber sua última absolvição, o lenhador chamou o menino, e
disse-lhe com a voz embargada:
— Meu filho, você não imagina como sinto minha alma em paz,
refeita pelo perdão de Deus. Sei
que logo me encontrarei com Ele.
E apesar da tristeza em lhe deixar,
sinto uma alegria imensa! Respeite sempre os sacerdotes: eles são os
médicos mais eficazes! Às suas palavras as feridas mais profundas se cicatrizam e os maiores pecados são
perdoados! Reze, meu filho, para
que os enfermos sempre tenham,
em sua última hora, a graça de um
padre que os abençoe...
O pequeno, de joelhos à cabeceira do pai, sentiu no fundo da alma a
grandeza do Sacramento da Reconciliação e o poder imenso que Deus
colocou nas mãos de seus ministros.
E sentindo-se arrebatado pela força
da vocação, afirmou decididamente:
— Pois, papai, aqui está um futuro
sacerdote que também poderá perdoar. Prometo que serei padre!
Nesse momento, Adalberto fez
um grande sinal da cruz e, entregando sua alma a Deus, ainda pôde contemplar, em uma visão, o filho revestido de alva e estola, com a mão
levantada como se estivesse dando
uma absolvição.
Ajudado pela avó e pelo padre
Vicente, Rafael entrou para o seminário e depois de longos estudos e
muita oração, foi ordenado e pôde,
também ele, devolver a paz a tantas almas. Aquela cena nunca saiu
de sua lembrança, pois devia à última absolvição de seu pai a graça da
vocação. 
Março 2010 · Flashes
de Fátima      47
________
Os Santos de cada dia cos que ainda hoje formam parte
da Liturgia oriental.
Sergio Hollmann
1. Santo Albino, Bispo (†cerca de 550). Bispo de Angers, França. Promoveu o III Concílio de Orléans, para combater os maus costumes de sua época.
12. São José Zhang Dapeng,
mártir (†1815). Após ser batizado na província de Guangxi, China, abriu sua casa aos catequistas
e missionários. Preso e condenado à crucifixão, derramou lágrimas de alegria por ter sido julgado digno de morrer por Cristo.
2. São Troádio, mártir (†251).
Morto durante as perseguições
do imperador Décio em Neocesarea do Ponto, atual Turquia.
3. Santa Teresa Eustóquio Verzeri, virgem (†1852). Proveniente
de nobre família de Bérgamo, Itália, fundou o Instituto das Filhas
do Sacratíssimo Coração de Jesus, para educação das jovens pobres, órfãs e abandonadas.
4. São Casimiro (†1484).
São Basino, Bispo (†705). De família nobre, fez-se monge no cenóbio beneditino de São Maximino de
Trier, Alemanha, do qual foi eleito
abade. Mais tarde foi nomeado Bispo dessa cidade.
5. São Lúcio I, Papa (†254). Logo após ascender ao sólio pontifício
foi exilado pelo imperador Valeriano. Quando pôde retornar, combateu com energia os hereges novacianos.
6. Santa Coleta Boylet, virgem
(†1447). Religiosa clarissa natural
de Corbie, França, reconduziu muitos mosteiros de sua Ordem à perfeita observância da Regra.
7. III Domingo da Quaresma.
Santas Perpétua e Felicidade,
mártires (†203).
Santa Teresa Margarida Redi,
virgem (†1770). Carmelita descalça do mosteiro de Florença, Itália.
Destacou-se pela sua extraordinária
abnegação ao serviço das irmãs doentes e idosas.
48      Flashes de Fátima · Março 2010
“São Leandro, bispo de Sevilha”,
por Bartolomé Esteban Murillo
Catedral de Sevilha (Espanha)
8. São João de Deus, religioso
(†1550).
Santo Unfredo, Bispo (†871).
Não mediu esforços para reunir e
confortar os fiéis da sua diocese de
Thérouanne, França, quando a cidade foi destruída pelos normandos.
9. Santa Francisca Romana, religiosa (†1440).
Santa Catarina de Bolonha, virgem (†1463). Fundadora e abadessa
do mosteiro franciscano de Bolonha.
Deixou muitos escritos espirituais.
10. São João Ogilvie, mártir
(†1615). De família escocesa calvinista, foi enviado a estudar na
França, onde ingressou na Companhia de Jesus. Retornando clandestinamente à Escócia, exerceu às
ocultas seu ministério sacerdotal
até que foi descoberto e enviado ao
patíbulo.
11. São Sofrônio, Bispo (†639).
Monge da Palestina eleito Patriarca
de Jerusalém. Combateu a heresia
monotelista. Compôs hinos e cânti-
13. São Leandro de Sevilha,
Bispo († cerca de 600). Irmão de
Santo Isidoro, São Fulgêncio e
Santa Florentina, converteu à Fé
Católica o rei visigodo Hermenegildo.
14. IV Domingo da Quaresma.
Santa Matilde, rainha (†968). Esposa de Henrique I, rei da Germânia,
prestou generosa assistência aos pobres, fundando hospitais e mosteiros.
15. Beato João Adalberto Balicki,
presbítero (†1948). Reitor do seminário de Przemysl, Polônia. Consagrou a maior parte do seu ministério à administração do Sacramento
da Penitência e à formação dos jovens seminaristas.
16. São Juliano, mártir (†séc. IV).
Durante o governo de Marciano, na
Cilícia (atual Turquia) sofreu penosas torturas por não renegar a Fé.
17. São Patrício, Bispo (†461).
Beato João Nepomuceno Zegrí y
Moreno, presbítero (†1905). Nascido em Granada, Espanha, fundou a Congregação das Irmãs Mercedárias da Caridade com o fim de
tornar sempre presente o amor de
Deus onde houvesse “uma só dor
para curar, uma só desgraça para
consolar, uma só esperança para
derramar nos corações”.
18. São Cirilo de Alexandria, Bispo e doutor da Igreja (†387).
Santo Anselmo, Bispo (†1086).
Governou a Igreja de Lucca, Itália,
mantendo-se fidelíssimo à Sé Romana na intrincada questão das investiduras. O Papa São Gregório VII
o enviou como Legado pontifício à
Lombardia.
19. São José, esposo da Bemaventurada Virgem Maria.
Beato Isnardo de Chiampo, presbítero (†1244). Religioso dominicano de Bolonha, Itália. Insigne pregador, reconduziu a Deus grande número de pecadores e hereges, particularmente na região de Pavia. Fundou nesta cidade o convento de Santa Maria de Nazaré.
20. Beata Joana Véron, virgem e
mártir (†1794). Companheira da Beata Francisca Thénet no cuidado das
crianças enfermas de Dampierre,
França. Morreu guilhotinada, por ter
refugiado em sua casa sacerdotes que
haviam recusado prestar o juramento
à Constituição Civil do Clero.
©Santiebeati.it
21. V Domingo da Quaresma.
São Tiago o Confessor, mártir
(†cerca de 824). Em Constantino-
Santa Teresa Margarida Redi
pla, defendeu firmemente o culto às
imagens sagradas, motivo pelo qual
foi morto.
22. Santo Epafrodito, “companheiro de labor e de lutas” do Apóstolo São Paulo, que a ele assim se refere na Carta aos Filipenses.
23. São Turíbio de Mogrovejo,
Bispo (†1606).
Santa Rebeca Pierrette ArRayes, virgem (†1914). Religiosa
da Congregação das Maronitas Libanesas. Atingida pela cegueira e
outras enfermidades, perseverou
em contínua oração durante trinta anos, dando exemplo de alegre
aceitação dos sofrimentos enviados
pela Providência.
24. São Mac Cairthind, Bispo
(†séc. V). Governou a diocese de
Clogher, Irlanda. Foi discípulo de
São Patrício, o incansável evangelizador da “Ilha dos Santos”.
25. Anunciação do Senhor.
Santa Margarida Clitherow,
mártir (†1586). Mãe de família que
escondia em sua casa os sacerdotes perseguidos durante o reinado
de Isabel I da Inglaterra. Foi morta
na prisão, esmagada sob um enorme peso.
26. São Cástulo, mártir (†séc.
IV). Sendo camareiro de Diocleciano, ajudou a muitos cristãos durante a perseguição desse imperador.
Descoberto, foi executado após sofrer cruéis torturas.
27. Beato Peregrino de Falerone, presbítero (†1232). Filho de
uma nobre e rica família, tornouse um dos primeiros discípulos de
São Francisco de Assis. Partiu para
a Terra Santa, esperando receber o
©Santiebeati.it
_____________________ Março
Beata Natália Tułasiewicz
martírio, mas não se realizaram seus
anseios, pois sua vida santa causou
admiração até aos sarracenos.
28. Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor.
Beata Renata Maria Feillatreau, mártir (†1794). Leiga católica
guilhotinada durante a Revolução
Francesa.
29. São Marcos de Aretusa, Bispo (†364). Sofreu violenta perseguição no tempo da controvérsia ariana, pela ortodoxia da sua doutrina.
30. Beato Luís de Casoria, presbítero (†1885). Religioso franciscano, dedicou-se ao resgate e à formação de jovens africanos vendidos como escravos. Fundou as Congregações dos Irmãos da Caridade
e das Irmãs Franciscanas de Santa
Isabel.
31. Beata Natália Tułasiewicz,
mártir (†1945). Professora polonesa
que acompanhou voluntariamente
mulheres de seu país a prestar trabalhos forçados na Alemanha, a fim
de dar-lhes ajuda espiritual. Descoberta pela Gestapo, foi torturada e
depois enviada ao campo de concentração de Ravensbrück, onde morreu na câmara de gás.
Março 2010 · Flashes
de Fátima      49
A irresistível
doçura cristã
Equivocam-se os homens ao procurar a solução de seus
problemas no dinheiro, nas tramas políticas, ou nas armas.
Deveriam eles buscá-la, antes, na poderosa doçura cristã,
mais forte que os ventos e as tempestades.
Rodrigo Fugiyama Nunes
A
força da tempestade, o
poder dos ventos, o flagelo das intempéries castigam sem cessar as pedras dos mais belos monumentos históricos, erodindo-os, deformando-os,
tornando-os testemunhos mudos da
inexorável ação destruidora dos elementos. Seja nas misteriosas pirâmides do Egito, nos suntuosos templos
orientais ou nas portentosas fachadas de catedrais românicas como a de
Coimbra, impressiona-nos apreciar as
profundas cicatrizes deixadas na rocha pelas inclemências do tempo ou
pelas paixões humanas.
Para melhor enfrentar o deletério
passar dos séculos, certos monumentos foram confeccionados com um
material mais perdurável que a pedra: o bronze. Sua durabilidade e resistência à corrosão levaram a gregos
e romanos utilizá-lo na fundição de
grandes estátuas, algumas das quais se
conservam até hoje em bom estado. E
a maior parte das que desapareceram,
não foram destruídas pelas forças da
natureza, mas sim por homens ávidos
de usar a valiosa matéria de que estavam compostas na cunhagem de moedas ou na fundição de novas estátuas.
O bronze é usado também desde
a mais remota antiguidade na con-
50      Flashes de Fátima · Março 2010
fecção de armas e utensílios domésticos, por inúmeros povos. Seu largo
uso deve-se ao fato de possuir bela
aparência e fácil modelagem, além
da grande durabilidade.
Segundo abalizados estudos, o
uso dessa peculiar liga de cobre e estanho foi introduzido na Europa pelos fenícios. Nesse continente, foi
largamente utilizada na fundição de
sinos, alguns tão imponentes como o
Tsar Kolokol (Sino do Tsar), o maior
sino existente, datado de meados do
século XVIII, e que se encontra no
Kremlin, em Moscou. Pesa 222 toneladas e mede 6,14m de altura por
6,6m de diâmetro.
Por suas características e simbolismo, não é de estranhar que tenha sido o bronze a matéria escolhida por
Arnolfo di Cambio para perpetuar numa artística escultura, fundida
no século XIII, em memória do primeiro Papa. A famosa imagem, que
se encontra na Basílica do Vaticano,
representa o príncipe dos Apóstolos
sentado majestosamente em seu trono, tendo na mão esquerda as chaves do Reino dos Céus, e a mão direita paternalmente elevada para dar
a bênção. Os dois dedos estendidos
lembram a natureza divina e humana de Nosso Senhor Jesus Cristo, en-
quanto os outros três se unem numa
manifestação do mistério da Santíssima Trindade. O pé direito adianta-se
naturalmente à frente, num discreto
convite para ser venerado.
Todo fiel, de qualquer idade ou
nacionalidade, visitando a Basílica princeps da cristandade, ao passar diante da majestosa imagem do
primeiro Papa sente uma suave e irresistível força que o impele a realizar um ato de devoção repetido
sem interrupção ao longo dos séculos: oscular o venerável pé do Apóstolo. Constatará então que esse pé,
feito de bronze, está todo desgastado. Não pelas intempéries, nem pela ação destruidora de alguma substância corrosiva, mas sim pelos piedosos lábios dos peregrinos, capazes
de vencer com a doçura do amor filial a proverbial dureza desse metal.
Eis aí uma admirável lição. No
mundo de hoje, tão marcado pela ganância e pela violência, os homens se equivocam, procurando a
solução de seus problemas no dinheiro, nas tramas políticas, ou nas
armas. Deveriam eles buscá-la, antes, na poderosa doçura cristã, mais
forte que os ventos e as tempestades, e contra a qual nem o mais rígido metal resiste. 
Gustavo Kralj
Março 2010 · Flashes
de Fátima      51
“Nossa Senhora das
Mercês” - Basílica da
Vitória, Málaga (Espanha)
M
aria, fonte de amor,
Fazei que na vossa dor
Convosco eu chore também.
Fazei que o meu coração
Seja todo gratidão
A Cristo de quem sois Mãe.
52      Flashes de Fátima · Março 2010
Sergio Holmann
(Da sequência Stabat Mater)
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Revista Arautos do Evangelho