Síntese da Clarineta por Modelagem Física
Oliveira, L.C. , Goldemberg, R. (Co-orientador) , Mendes, R.S. (Orientador)
Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial (DCA)
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Caixa Postal 6101, 13083-970 – Campinas, SP, Brasil
{lucaoliv,Luís Carlos Oliveira}@dca.fee.unicamp.br
{rgoldem,Ricardo Goldemberg}@iar.unicamp.br
{rafael,Rafael Santos Mendes}@dca.fee.unicamp.br
Abstract – This article is an introductory study on physical models of musical instruments. It initiates with a brief
explanation about timbre. Then a short history on synthesis of sound with application in music is explained. Our
approach begins with experimental results on the sonority of a clarinet where the influence of some parameters are
explained. Finally, our proposal on physical model of a woodwind is presented.
Keywords –
Acoustic of Musical Instruments, Physical Models, Synthesis of Musical Instruments.
1. Introdução
A música contemporânea procura explorar novas
sonoridades para a expressão musical. Concomitante, a utililização de novas tecnologias e ferramentas computacionais caminham na mesma direção e
com o mesmo fôlego.
Nossa contribuição para esta atividade tem
origem no resultado de estudos preliminares da
sonoridade da clarineta. Independente da ação de
um músico analisamos, experimentalmente, a influência de diversos fatores na sonoridade deste instrumento.
O conceito de timbre, essencial para este estudo, é abordado na secção seguinte. As técnicas
de síntese mais conhecidas estão indicadas na seqüência. Na secção subsequente apresentamos o desenvolvimento da técnica de síntese por modelagem
física. Finalmente, na última secção, indicamos
nossa hipótese teórica para a síntese do som da clarineta por modelagem física.
2. Timbre
Quando se propõe obter a síntese de um instrumento
musical o primeiro obstáculo encontrado refere-se
à definição de timbre do instrumento que se deseja
sintetizar. Diferentemente de outras propriedades
do som (altura, intensidade e duração), o timbre não
possui uma quantidade física diretamente associada
a ele.
O American National Standards Institute (ANSI) define o timbre como sendo
“...aquele atributo da sensação auditiva em termos do qual um ouvinte pode julgar que dois sons
sendo similarmente apresentados,
tendo a mesma intensidade e
mesma altura, são distintos.”
A caracterização clássica de timbre, devido
à Helmholtz [15], é feita através de uma forma de
onda fixa (espectro fixo) e um envoltória temporal.
Estudos feitos na segunda metade do século XX indicaram uma maior complexidade dos sinais musicais sendo possível falar em envoltórias para cada
parcial do som musical variantes com a intensidade
e a altura.
O estudo experimental realizado por Grey
[7] enfatiza a dificuldade de representação do timbre
de um instrumento musical caracteriazando-o como
um atributo multidimensional do som. Esta concepção é hoje amplamente aceita, embora em determinados estudos a teoria clássica seja ainda útil.
3. Síntese Musical
A preocupação científica com os instrumentos musicais remonta ao período pitagórico, 2500 anos atrás.
Daqueles estudos permaneceu uma constatação significativa: a relação harmônica dos modos de excitação da maior parte dos instrumentos. O termo
“harmônico” indica que o som dos instrumentos
musicais podem ser descritos em termos de componentes cujas freqüências são múltiplos inteiros de
uma determinada freqüência fundamental.
Com este ponto de vista em mente, técni-
cas de síntese de instrumentos musicais foram estabelecidas, principalmente após o advento da computação digital e protocolo MIDI (Musical Instrument Digital Interface). O foco destas técnicas é a
reprodução da complexidade inerente aos sons musicais dos diferentes instrumentos. Caracterizam-se
por representar o som desejado independente dos
fenômenos físicos envolvidos num instrumento real.
As técnicas mais comuns são Síntese Aditiva, Subtrativa, FM, ‘Sampling’ e ‘Waveshaping’. Outras
técnicas de síntese não procuram representar propriamente um instrumento musical, como por exemplo a Síntese Granular e a Síntese Evolutiva.
4. Modelagem Física
O interesse pelo estudo do processo físico presente
nos instrumentos musicais vem desde o século XIX
quando Helmholtz publicou, hoje clássico, “On
the Sensations of Tones” [15]. Outras publicações
de períodos próximos também contribuíram para
a discussão, como os trabalhos de Rayleigh [13],
Bouasse [3] e Raman [12] entre outros.
Os textos trouxeram contribuições ainda
hoje utilizadas. Como é o caso das envoltórias
ADSR (Attack, Decay, Sustain and Release), proveniente das observações de Helmholtz e presente
em vários sintetizadores e instrumentos eletrônicos
modernos.
O aprimoramento dos recursos computacionais aumenta a velocidade de processamento dos
modelos. Consequentemente, nota-se elevada quantidade de artigos relacionados ao estudo acústico de
instrumentos musicais. Cabe ressaltar o artigo de
McIntyre et al [16] que resgatando os conceitos
estabelecidos por D’Alembert, simula o comportamento dissociado da onda no instrumento. Isto é,
o fenômeno acústico foi descrito analiticamente por
ondas que caminham em sentidos opostos.
Este resultado foi o ponto de partida para
Julius O. Smith [8], que associando uma estrutura
de filtros em cascata possibilitou simular instrumentos reais através do guia de ondas (waveguides).
A equação da onda é resolvida, em determinada
geometria e condições de contorno por estes guias
de ondas proporcionando rápido cálculo computacional do termo linear do instrumento. Estes resultados renderam à Smith a patente do sintetizador VL1
da YAMAHA.
A Fig. 1 mostra o diagrama genérico para
modelagem física de um instrumento musical.
Músico
Som
Por volta de meados do século XX, a abordagem científica apresenta-se mais estruturada e
uma nova gama de pesquisadores enfocaram o estudo dos instrumentos musicais. Marca o início do
período moderno o artigo de Jim Backus [1], onde
seu estudo do comportamento linearizado da clarineta combinou teoria e experimentos, abrindo nova
perspectiva no tratamento científico.
Neste período, Benade [2] e colaboradores
aprofundam as pesquisas estabelecendo uma relação não-linear entre a palheta e o tubo da clarineta,
além de estudar a acústica de outros instrumentos. O
refinamento do estudo da acústica de instrumentos
de sopro segue com Nederveen [11], que partindo
das equações de conservação de massa e quantidade
de movimento, chega na equação da onda e faz uma
análise quantitativa e qualitativa dos instrumentos
de sopro de madeira (“woodwinds”). Outro importante texto de referência, Fletcher e Rossing [5] formalizam a matemática envolvida nos modelos físicos dos instrumentos musicais.
Fonte de
Energia
Constante
Gerador de
Resistência
Negativa
Ressonador
Primário
Radiação
Acústica
Perdas
Músculos, Respiração
Campana
Vibração Palheta
Coluna de Ar
Figura 1. Diagrama Genérico de um Instrumento.
O termo não-linear do modelo corresponde
ao bloco do mecanismo de excitação, onde para a
clarineta refere-se ao conjunto boquilha e palheta.
Este conjunto age como uma válvula controladora
de pressão a qual permite a entrada de energia no
instrumento tanto para a inicialização do processo
quanto para a manutenção das oscilações dentro do
tubo. Vários modelos para representar a ação deste
conjunto estão propostos na literatura [16], [5],
[9]. No entanto uma solução prática é tratar a palheta como uma oscilador harmônico simples com
atrito. Neste caso, faz-se uma analogia com um sistema massa-mola, onde a Eq. 1 modela este trecho
do instrumento [14].
d2 y
dy
+ k (y − y0 ) = −Sr p∆ (t) , (1)
dt
onde y é o deslocamento da palheta a partir de sua
posição de repouso y0 , no instante t; m corresponde
à massa da palheta, µ ao fator de atrito, k constante
da mola (palheta), Sr área da palheta e p∆ a diferença de pressão entre a cavidade bucal e o interior
da boquilha.
m
dt2
+µ
O trecho intermediário corresponde ao
corpo do instrumento (“bore”). É modelado com
o mencionado guia de ondas que está indicado na
Fig. 2 por “Delay Line”. Finalmente, o trecho
correspondente à produção sonora para o ambiente
(campana), também linear, é modelado por filtros
passa-alta (FPA),que transmite para o ambiente, e
passa-baixa (FPB), que reflete de volta para o corpo
do instrumento.
Pm
2
Pb −
+
z −1
z −1
···
FPA
z −1
Som
*
FPB
P∆
2
ρ
−
Pb +
z −1
z −1
···
z −1
Delay Line
Figura 2. Modelo Guia de Ondas.
Os modelos físicos mais recentes (década
de 1990 e início deste século) procuram descrever
a expressividade do músico no momento de atuação. Nos instrumentos de sopro, detalhes quanto
ao ataque da língua e influência do trato vocal na
articulação são aspectos frequentemente incorporados [4], [6], [14]. Muitos destes novos modelos
estão agrupados em teses de doutorado bem como
em artigos. Enfim, a variedade de modelos é extensa e o próprio Smith [9] agrupou criteriosamente
grande parte das publicações relativas e correlatas
ao assunto desde a década de 1960.
O processo cognitivo e a transformação da
anatomina corporal do músico estabelece um sistema dinâmico que é mediado pela audição do instrumentista.
Esta análise indica a quantidade de variáveis envolvidas, principalmente, no processo de
execução musical. A síntese da sonoridade de um
instrumento musical, para ser fiel do ponto de vista
psicoacústico, deve envolver grande parte delas.
Vários artigos recentes adotam este ponto de vista
e conduzem pesquisas nesta direção, isto é, incluir a
expressão musical na síntese sonora do instrumento.
Na tentativa de compreender este sistema
na execução musical de uma clarineta, iniciamos
com o isolamento do instrumento. Uma série de experimentos foram executados com um aparato experimental, denominado “Jr”, no NICS (Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora). O trabalho
mais recente [10] concentra os resultados dos anteriores. A dissociação músico/instrumento fez-se
necessária para compreender a influência dos diversos parâmetros do instrumento (dureza da palheta,
abertura da boquilha, posição na palheta, área de
contato na palheta, etc) na sonoridade das notas
E2 (região mais grave, chalumeau), E4 (clarino) e
E5 (agudíssima).
Obtivemos, do conjunto de experimentos,
um modelo linear da influência destes parâmetros
na sonoridade de cada componente espectral. E
através da síntese aditiva, estabelecemos um modelo
da sonoridade da clarineta para algumas notas nas
três regiões do instrumento. Porém ainda sem expressividade musical.
5.1. Modificação de Modelos Existentes
5. Modelos Propostos
Uma vez estabelecida a importância dos parâmetros do instrumento na sonoridade, partimos para
a modelagem física. Nossa proposta é usar como
ponto de partida os modelos encontrados na literatura. Modelo não linear para a região de excitação,
guia de ondas para o tubo do instrumento e filtros
passa-alta e passa-baixa para a região da campana.
Como mencionado anteriormente, nosso objetivo é
sintetizar a sonoridade da clarineta com a maior
aproximação possível da expressividade humana.
Independente do instrumento musical considerado
observamos uma interação entre o músico e o instrumento.
Nosso foco será observar os fenômenos que
acontecem no instrumento, uma vez que o processo
cognitivo e mudanças no corpo do músico, demasiadamente complexos, estão aquém do escopo deste
trabalho. Na tentativa de tornar o modelo mais realista, procuraremos obter a sonoridade sintetizada
de modo a corresponder ao processo evolutivo de
um músico. Nosso modelo deverá refletir a sonoridade de um iniciante, de um intermediário e de um
experiente.
Para tal finalidade analisaremos como se
processa o escoamento dentro do tubo para estes
três níveis de músicos. Nossa hipótese de base determina que para o iniciante o escoamento é mais
próximo do laminar, a região da camada limite dentro do tubo é mais espessa e existe grande influência
do efeito de entrada no instrumento. Para o músico
experiente prevemos o oposto: o escoamento é mais
turbulento, camada limite mais delgada e menor influência do efeito de entrada. Para o músico intermediário o processo ambienta-se entre estas duas
condições.
Para o modelo ter aspecto mais realístico,
introduziremos a atuação de “feedback” do músico.
Isto é, ao perceber por exemplo, uma nota fora do
“pitch” ele rapidamente a corrige. O modelo deve
ter condição de reproduzir o mesmo procedimento.
6. Conclusões
As bases necessárias para participar cientificamente
da modelagem física de instrumentos musicais estão
estruturadas. Inicialmente, estudos experimentais
sobre a sonoridade da clarineta permitiram desmitificar informações provenientes do meio musical.
Em seguida o aprofundamento do estudo nos modelos existentes possibilita sugerir modificações para
aprimorar a qualidade sonora obtida. A profunda
compreensão destes termos possibilitará num futuro
próximo propor modelos originais para a síntese de
instrumentos musicais.
Referências
[1] Jim Backus. Small-vibration theory of the
clarinet. J. Acoust. Soc. Am., 35(1):305–312,
March 1963.
[2] A. H. Benade. Fundamentals of Musical
Acoustics. Oxford Univ. Press, New York, 1st
edition, 1976.
[3] H. Bouasse. Instruments à Vent. Librairie Delagrave, Paris, 1st edition, 1929.
[4] E. Ducasse. A physical model of single
reed wind instrument, including actions of the
player. Computer Music Journal, 27(1):59–70,
2003.
[5] Neville H. Fletcher e Thomas D. Rossing. The
Physics of Musical Instruments. Springer,
New York, 2nd edition, 2005. 5th corr. printing.
[6] Claudia Fritz and Joe Wolfe. How do clarinet
players adjust the resonances of their vocal
tracts for different playing effects? J. Acoust.
Soc. Am., 118(5):3305–3315, November 2005.
[7] John M. Grey. Multidimension perceptual
scaling of music timbres. J. Acoust. Soc. Am.,
61(5):1270–1277, May 1977.
[8] Julius O. Smith III. In S. M. Ryvkin, editor,
Proceedings of the 1986 International Computer Music Conference, pages 275–280, The
Hague, 1986. Computer Music Association.
[9] Julius Orion Smith III.
Bibliography:
Physical modeling of musical instruments.
http://ccrma.stanford.
edu/~jos/pubs.html.
(acessado em
12/02/2009).
[10] L.C. Oliveira; R. Goldemberg; J. Manzolli. In
Anais da XII Convenção Nacional da AES, São
Paulo, 2008. AES-Brasil.
[11] Cornelis Johannes Nederveen. Acoustical Aspects of Woodwind Instruments. Northern Illinois University Press, DeKalb, Illinois, 2nd
edition, 1998.
[12] C.V. Raman. On the mechanical theory of
the vibrations of bowed strings and of musical
instruments of the violin family, with experimental verification of the results. Bull. Indian
Assoc. Adv. Sci., 15:1–158, 1918.
[13] Lord Rayleigh. Theory of Sound. Dover, New
York, 2nd edition, 1945. 1st published in 1877.
[14] Gary P. Scavone. In S. M. Ryvkin, editor, Proceedings of Stockholm Music Acoustics
Conference, Moscow, 2003, Stockholm, 2003.
KTH.
[15] Hermann L.F. von Helmholtz. On the Sensations of Tone. Dover, New York, 3rd edition,
1954. trans. A.J. Ellis.
[16] M.E. McIntyre; R.T. Schumacher; J. Woodhouse. On the oscillations of musical instruments. J. Acoust. Soc. Am., 74:1325–1324,
November 1983.
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