TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
Exmo. Sr. Dr. João Miguel Barros
Chefe de Gabinete
Gabinete da Ministra da Justiça
Praça do Comércio
1- Encontra-se em discussão a reforma do Mapa Judiciário.
No âmbito deste debate já emiti parecer sobre «a competência territorial ao
nível dos Tribunais da Relação», como é do conhecimento de V. Ex.ª (junto de novo
cópia, doc. n.º 1).
Em Janeiro do corrente ano a DGAJ colocou em discussão o «Ensaio para a
Reorganização da Estrutura Judiciária» para em Junho passado o Ministério da
Justiça ter apresentado as «Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização
Judiciária».
Tais documentos foram já objecto de amplo debate e muito se escreveu sobre os
mesmos sendo de destacar o Estudo da ASJP (Crítica e Construção do Mapa
Judiciário – Análise e Comentário Críticos das «Linhas Estratégicas para a
Reforma da Organização Judiciária»).
Tal como foi apresentado o documento «Linhas Estratégicas para a Reforma
da Organização Judiciária», representava, no que à competência territorial ao nível
dos Tribunais da Relação concerne, o sentir e o pensar dos Presidentes dos Tribunais
das Relações, que em documento conjunto e em reunião com o CSM defenderam a
solução então apresentada.
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Mereceu igualmente o acordo da ASJP, como resulta do documento supra
referido.
Surgem, agora, dois projectos de diploma legal – Lei de Organização do
Sistema Judiciário e o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais
Judiciários –, que culminam todo o debate havido.
2- É grande a nossa surpresa quanto às soluções adoptadas, uma vez que são
apresentadas soluções que nunca foram defendidas em nenhum dos documentos
supra mencionados.
Efectivamente, no que respeita á «competência territorial» dos Tribunais da
Relação verifica-se que a Relação do Porto, ao contrário do que sempre foi dito e
defendido vê a sua competência restringida às Comarcas de Porto, Porto Este e
Aveiro, deixando de ter competência para os processos oriundos de Vila real e
Bragança, que passam para a competência do Tribunal da Relação de Guimarães.
Não se vislumbra qualquer razão para esta mudança, que apenas acarreta
inconvenientes e contribuirá, certamente, para uma pior Justiça.
3- Tal como consta do Mapa II dos Anexos dos dois projectos de diploma legal,
– Lei de Organização do Sistema Judiciário e o Regime de Organização e
Funcionamento dos Tribunais Judiciários – a nova proposta de configuração da
competência territorial dos Tribunais da Relação inviabiliza por completo a tão
propugnada «especialização» dos Tribunais.
Afirma-se no Preâmbulo do Projecto de Decreto-Lei do ROFTJ que as
«vantagens decorrentes do alargamento da jurisdição especializada, provenientes da
maior concentração e especialização da oferta judiciária têm, a par da racionalização e
aproveitamento de recursos humanos, impacto no combate à morosidade processual e à
liquidação de processos pendentes».
Todavia, perante o quadro proposto não tenho dúvidas em afirmar que a
redacção do artigo 65 n.º 3 e 4 da proposta do ROFTJ, que permite a criação de secções
especializadas nos Tribunais da Relação, será letra morta.
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Efectivamente, com a dimensão propugnada para os Tribunais da Relação
será de todo impossível (eventualmente com excepção da Relação de Lisboa) criar
secções em matéria de família e menores, de comércio, de propriedade intelectual e
de concorrência, regulação e supervisão.
Mesmo no que concerne à Secção Social não vislumbramos volume de
serviço que possa justificar a criação de uma secção em todas as Relações (repetese com excepção da Relação de Lisboa).
4- Efectivamente só é possível a existência de uma Secção Social (ou outra) com
um volume de serviço que permita o seu efectivo funcionamento.
Daí que a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, cuja competência
material (em matéria de Direito do Trabalho e do Direito da Segurança Social, para
quem admita a sua autonomização enquanto específico ramo de Direito) abrange
também os Tribunais de Trabalho de Viana do Castelo, de Braga, Guimarães e de
Barcelos, situados na área territorial do Tribunal da Relação de Guimarães.
Relativamente à Secção Social do Tribunal da Relação do Porto (que
relembre-se tem actualmente competência sobre todo o Distrito Judicial) o número
de Magistrados aí colocados, em 2009, 2010 e 2011 foi de 7 (de Abril a Setembro de
2012 apenas exerceram funções 6), sendo que um tinha redução de serviço por
motivo de doença.
No ano de 2009 cada Desembargador viu ser-lhe distribuídos 79 processos e
no ano de 2010 esse número foi de 99 tendo em 2011 esse número subido para 115.
Se em 2011 foram distribuídos 781 recursos em matéria laboral, no ano de
2012 é manifesta a diminuição do número de processos entrados, sendo que até ao
corrente mês entraram apenas 653 processos.
Ora, é evidente que tal volume de serviço nunca permitirá criar uma secção
social na Relação do Porto e outra na Relação de Guimarães, uma vez que tais
secções nunca poderiam ter mais de 3/4 Desembargadores, o que é de todo
desaconselhável.
Mas mais importante é de salientar que dos Tribunais que na nova proposta se
pretende incluir na competência da Relação de Guimarães apenas vieram 269 processos
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(40 de Viana do Castelo, 165 de Braga, 20 de Bragança e 44 de Vila Real), o que só por
si é demonstrativo da falta de volume de serviço para uma secção.
5- Mas se o volume de serviço desaconselha e indica que não devem ocorrer
alterações no que concerne ao modelo vigente também outros indicadores mostram que
a solução propugnada não é adequada aos interesses da boa administração da Justiça.
Nesta Relação do Porto os processos que aqui deram entrada foram decididos
em prazos que revelam o esforço e dedicação dos Magistrados.
Efectivamente se no ano de 2009 os processos foram decididos num prazo
médio de 81 dias já no ano de 2010 esse prazo baixou para 79 dias, tendo em 2011
subido para cerca de 3 meses em virtude do aumento do volume de serviço e da
diminuição do número de Desembargadores em 14, como tive oportunidade de
salientar em comunicação enviada ao CSM (de que junto igualmente cópia, doc. n.º
2).
Nesta Relação foi possível terminar em 2010 mais processos - 8 850 – do que
aqueles que deram entrada – 8 822 – e em 2011 os números continuam a demonstrar a
eficiência, o enorme e profícuo trabalho dos Desembargadores desta Relação, pois que
foram distribuídos 8616 recursos e findaram 8606.
6- Sem pretender fazer uma comparação exaustiva, nem interferir com o
trabalho que é desenvolvido noutras Relações, uma simples visita aos sites das restantes
Relações demonstra como é eficiente o Trabalho nesta Relação, podendo ser mais
eficiente ainda se houvesse mais massa critica que permitisse a criação de secções
especializadas, o que é de todo inviabilizado com a nova proposta (remete-se neste
ponto para a comunicação referida em 5, enviada ao CSM).
Comparando os dados oficiais da Justiça, podemos verificar nos indicadores de
desempenho dos Tribunais Superiores, que a taxa de eficiência e a taxa de resolução
nesta Relação do Porto, apesar de todos os nossos condicionalismos, se situou em 2009
(último ano disponível neste site) no segundo lugar.
Se atendermos ainda à informação disponibilizada pelo sistema Habilus, estas
taxas no ano de 2010 melhoraram.
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Assim, se em 2009 se a taxa de eficiência era de 77,44% já em 2010 foi de
79,31% e se taxa de resolução era de 97,80 já em 2010 foi de 1,01%.
No ano de 2011, por consulta no Habilus verifica-se que a Taxa de
Eficiência foi de 78,55% e a Taxa de Resolução de 1,00%.
È evidente o trabalho aqui desenvolvido.
Não sabemos se estes dados retirados dos sites daquelas Relações e do
www.siej.dgpj.mj.pt reflectem a verdade e se traduzem a realidade, (sendo certo que a
realidade nem sempre é aquela que a simples leitura dos números nos transmite).
Todavia, é com base nestes dados estatísticos e com estes elementos que temos
que reflectir sobre as necessidades do Tribunal da Relação do Porto.
7- Voltando à Competência Territorial do Tribunal da Relação do Porto,
saliente-se que num passado não muito distante, este tinha competência territorial sobre
os distritos administrativos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Bragança, Porto e
zona norte dos Distritos de Aveiro (abrangendo as Comarcas de Espinho, St.ª Maria da
Feira, Oliveira de Azeméis, Ovar, Estarreja, Vale de Cambra, S. João da Madeira,
Arouca e Castelo de Paiva) e de Viseu (abrangendo as comarcas de Cinfães, Resende,
Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira, Armamar, Tabuaço e S. João da Pesqueira).
O Tribunal da Relação do Porto, instalado na cidade do Porto, em edifício que
reúne todas as condições para o adequado exercício da função, tinha competência
territorial sobre a área geográfica abrangida pela influência económica e cultural da
cidade.
No cenário proposto, o Tribunal da Relação do Porto perderia jurisdição
sobre todos os municípios do distrito de Vila Real e de Bragança bem como os da
zona norte de Viseu que sempre estiveram na sua área de influência económica e
cultural.
Afigura-se-nos uma situação perfeitamente inadmissível, que não trará qualquer
ganho de eficácia, nem se vislumbram quais as vantagens para as populações abrangidas
sendo certo que em termos económicos não se alcançarão quaisquer benefícios, antes
pelo contrário a despesa tenderá a aumentar, ficando as instalações do Palácio da
Justiça do Porto subaproveitadas.
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O Palácio da Justiça do Porto é um edifício do Estado com óptimas condições
para acolher com dignidade um órgão de soberania como é um Tribunal da Relação.
Pensamos ser inequívoco que actualmente a Relação do Porto se encontra
instalada num edifício – o Palácio da Justiça do Porto – que oferece todas as
condições para o exercício condigno das funções, podendo acolher com facilidade mais
secções – seja na vertente dos Magistrados seja na vertente dos funcionários.
Acresce que a proposta agora apresentada é aquela que, num cenário de crise
económica como aquela que o país atravessa, pior serve os desígnios e os interesses de
toda a população.
A reforma do Mapa Judiciário deve evitar tratar de forma igual o que é
manifestamente desigual. As diferenças não podem ser ignoradas, como não podem ser
esquecidos os interesses das populações, destinatários últimos de qualquer reforma ou
reorganização da estrutura judiciária do País.
Porto, 30 de Outubro de 2012
O Presidente do Tribunal da Relação do Porto,
_________________________________________
José António de Sousa Lameira
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O texto que se segue não foi enviado ao Ministério da Justiça (na altura não
tinha pensado)
ANEXO
Podemos afirmar que a reorganização que é proposta para os Tribunais da
Relação se perspectiva e efectua em sentido contrário á reforma proposta para os
Tribunais de 1ª instância.
Efectivamente enquanto ao nível da 1ª instância se defende e nos vem proposta
uma concentração de meios, com, afirma-se, a consequente economia e aumento de
eficácia, não se percebe o movimento de sentido contrário a nível dos tribunais
superiores, caso dos tribunais da relação.
A alteração proposta para os Tribunais da Relação, muito em especial no que
concerne ao actual Distrito Judicial do Porto (Relação do Porto e Relação de
Guimarães), parece-nos avulsa, sem estudo válido que a sustente, recomende ou
justifique.
Entendo que os efeitos, nefastos, que advém de tal reforma são vários.
Desde logo, num momento de estabilidade demográfica, como é o presente, não
se vislumbra o que justifica a alteração proposta.
Acresce que a desconcentração significa aumento de custos globais, quer do
Estado quer dos particulares, pois o movimento é do centro para a periferia.
Custos também a nível da uniformização da jurisprudência, uma vez que quantos
mais forem os Tribunais a decidir maior será a probabilidade de existência de
entendimentos divergentes com efeitos nefastos na certeza e eficácia do direito.
Depois, como tentei explicar, inviabiliza-se, definitivamente, a proclamada e
reivindicada especialização. Desconcentrando, falta dimensão/escala aos tribunais para
oferecer a especialização reclamada por agentes judiciários e económicos.
A alteração proposta é uma aritmética de saldo negativo, com custos
económicos, sociais e jurídicos.
No actual momento de escassez de meios que vivemos, em que se pretende
Reformar e Reorganizar o Estado, diminuindo os custos de funcionamento desse mesmo
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Estado, quando se justificava a concentração, corrigindo o que anos atrás foi menos
ponderado – lembre-se que quando foi criada a Relação de Guimarães foi também
criada a Relação de Faro (que felizmente nunca foi instalada) – eventualmente fruto do
tempo de «vacas gordas e de esbanjamento» que então se vivia, insiste-se e mais grave
ainda, aprofunda-se o erro, com graves custos e consequências.
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Parecer sobre a Nova Lei de Organização do Sistema Judiciário