DESJUDICIALIZAÇÃO E / OU JUSTIÇA?
Apesar da complementaridade que deve existir entre estas duas realidades, receamos , a
manter-se o excesso de informalização, que a desjudicialização prejudique a Justiça, como a
entendemos num Estado de Direito.
Não esqueçamos que os “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para
administrar a justiça em nome do povo” .
E embora a nossa Lei Fundamental possibilite a criação de instrumentos e formas de
composição não jurisdicional de conflitos, entendemos que deverá haver um limite a tal
A desjudicialização surge-nos como um subtipo de desregulação , a par da informalização
da justiça e da deslegalização. Se , por um lado, se assiste a um maior controlo do Estado
em novas áreas, como o urbanismo , o ambiente, definindo regras e impondo condutas, por
outro lado, também se assiste à redução da lei na regulação de comportamentos,
conduzindo ao fenómeno do “não direito”, conceito definido por Jean Carbonnier.
Não estamos contra a existência dos meios alternativos de resolução de conflitos, os ditos
“ADR´s”. Mas não podemos aceitar o seu alargamento, quando isso coloca em causa o
legitimo direito dos cidadãos à Justiça.
Sabemos, pelo menos em Portugal, que a razão essencial para retirar dos tribunais muitas
das suas competência assenta fundamentalmente em critérios de “eficácia “ temporal, à qual
o Estado não conseguiu ou não quis dar atempada resposta.
Com efeito, uma das consequências do desenvolvimento consubstancia-se, nomeadamente,
no aumento da litigância laboral, comercial, civil, com o consequente aumento da procura
de soluções em sede judicial.
Ora, o Estado deveria ter-se apercebido com antecedência dessa evolução exponencial e
encontrado respostas à mesma, sem ir esvaziando os tribunais de tais competências para as
entregar a comissões ou meras repartições decisórias, como é o caso das conservatórias.
Aliás, o discurso recorrente do Sr. Presidente do STJ no sentido de retirar dos tribunais as
acções dos litigantes frequentes disso é prova.
Os meios alternativos de resolução de conflitos, em complementaridade aos tribunais, nem
sequer é algo novo. Na verdade, os tribunais sempre apareceram e aparecem como um
segundo patamar na procura da Justiça pelos cidadãos. Na verdade, os cidadãos numa
primeira fase privilegiam a tentativa extrajudicial de resolução do conflito.
E fazem-no de uma forma muito próxima, ou seja, entre si próprios e , eventualmente,
com a participação de terceiros, que poderão ou não ser técnicos de direito.
Portanto, a questão não se coloca neste ponto. Coloca-se sim, quando o Estado impõe aos
cidadãos a utilização de outros meios alternativos, frequentemente desacompanhados de
técnicos de direito , podendo aqueles ficar fragilizados na resolução do conflito.
Portanto, a questão não assenta na criação e desenvolvimento de formas alternativas de
conflitos, mas sim no seu campo e modo de aplicação.
Defendemos a mediação, os tribunais arbitrais (melhor seria chamar-lhes órgãos arbitrais) e
outras formas de mediação.
Criticamos a excessiva desjudicialização a que se vem assistindo em Portugal, como é o
caso da transferência dos inventários para as Conservatórias, Felizmente que, quanto aos
inventários nada foi ainda regulamentado, mantendo-se essa competência nos Tribunais,
como recentemente decidiu o Tribunal Constitucional. Veremos, como neste ponto se irá
comportar o actual Governo.
E igualmente criticamos a forma como a informalização da justiça abriu caminho a uma
intervenção solitária dos cidadão, quando os meios financeiros à sua disposição lhes não
permitem o acesso a técnicos que os acompanhem nesses órgãos. Tudo isto em nome de
uma simplificação de procedimentos, que coloca em crise os direitos dos cidadãos.
O aumento brutal de litígios, a politização dos tribunais (vd. acções populares contra
decisões do Governo, como sejam as de construir uma barragem ou um túnel), a submissão
aos mesmos de casos em que os intervenientes são figuras públicas de peso político,
mostrou que os Tribunais não estavam, nem ainda estão preparados para lidar com esta
nova realidade. E isto torna-os fracos perante o poder politico, que lhes vai retirando
competências, em nome de uma alegada maior eficácia.
Ora, defendemos que o poder politico não pode continuar a esvaziar os Tribunais das suas
competências, principalmente em matérias conexas com direitos fundamentais. Ou, pelo
menos, o Estado deve deixar aos cidadãos a opção de se socorrerem ou não dos meios
alternativos.
De facto, a retirada de competências aos tribunais e consequente atribuição a meios
alternativos de resolução de conflitos , podem conduzir a que a parte mais fraca fique num
patamar de desigualdade face ao outra parte, como sucede na mediação laboral.
Uma mediação imposta e apenas justificada por razões de celeridade processual pode
contribuir para diminuir as garantias dos cidadãos e o direito destes à obtenção de uma
decisão justa.
Ora, só será possível obstar a tal, se o sistema garantir que qualquer cidadão que opte ou
seja forçado a utilizar um meio alternativo de conflito seja acompanhado por técnico de
direito, advogado ou solicitador.
Não podemos, não devemos, em nome de uma maior eficiência e rapidez, colocar em crise
o verdadeiro acesso à justiça ou seja, a uma justiça onde as partes possam estar em
condições de igualdade , garantindo verdadeiramente os seus direitos fundamentais.
Uma excessiva desjudicialização
torna a justiça mais acessível. Talvez a torne mais
eficiente. Mas nunca a tornará mais democrática, pois as partes financeiramente mais fracas
– e não falemos do simulacro do apoio judiciário – ficarão limitadas na defesa dos seus
direitos.
ASSIM, E EM CONCLUSÃO:
A) Os Tribunais são instituições centrais e fundamentais num Estado de Direito;
B) O Estado deve dotar os Tribunais de meios materiais e humanos para que estes
decidam em tempo e de forma eficaz;
C) O recurso a
sistemas alternativos de resolução de conflitos deve garantir aos
cidadãos a presença obrigatória de Advogado ou Solicitador.
LISBOA, 2011. OUTUBRO. 16
JORGE PRACANA
(CÉD. PROFISSIONAL 3881L)
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