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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: CASO DE ALUNOS INDÍGENAS
XERENTE QUE CURSAM O ENSINO MÉDIO BÁSICO
Maisa Coelho Parente (UFT)1
[email protected]
Odair Giraldin (UFT)2
[email protected]
Juscéia Aparecida Veiga Garbelini (UFT)3
[email protected]
RESUMO: Este trabalho apresenta análises das variações linguísticas em produções textuais por alunos
indígenas Xerente; assim como refletir com esses e estabelecer mediação sobre a construção de
enunciados em língua portuguesa. O povo Akwẽ-Xerente se localiza na cidade de Tocantínia, no estado
do Tocantins. A língua akwẽ pertence ao tronco linguístico Macrô-Je e à família Jê. O território desse
povo se divide em duas terras: Terra indígena Xerente e Funil, sendo localizado na margem direita a leste
do rio Tocantins, estando distante 70 km de Palmas, capital do Tocantins. A escolha do tema foi motivada
principalmente pelo contato com alunos indígenas Xerente que cursam o Ensino Superior também na
Universidade Federal do Tocantins, que têm muita dificuldade em compreender alguns enunciados da
língua portuguesa, principalmente porque os usuários dessa última “falam rápido demais”. Além disso,
conhecer mais sobre a cultura e língua desse povo, contribuir para os estudos na área de Sociolinguística e
refletir com esses alunos acerca das variantes encontradas. O trabalho desenvolveu-se nas aldeias Salto e
Porteira e em visita ao Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio, em Tocantínia-To, para coleta dos
textos elaborados por 06 (seis) alunos Xerente. Sendo que lhes foram dados 03 (três) temas de escolha:
“Natureza”, “Minha vida na escola” e “Minha aldeia”, sendo este último o escolhido. Além disso,
utilizaram-se como recursos os materiais: computador, lápis, caneta, borracha e caderno de entrevista.
Em: “Nas aldeia”, por exemplo, à variável < s > de marcação de plural correspondem duas variantes:
presença do segmento ([s]) e sua ausência ([∅]). Por ser a palavra “aldeia” bimorfêmica, favorece ainda
mais a ausência do segmento ([s]).
Palavras-chave: Alunos Xerente. Variação Linguística. Língua Portuguesa.
ABSTRACT: This paper presents analysis of linguistic variations in textual productions by Xerente
indigenous students; as well as reflects about these mediation and set about building set in Portuguese.
The people Akwe-Xerente is located at the city of Tocantínia in the state of Tocantins. The language
belongs to the Akwe linguistic trunk Macro-Jê and Jê family. The territory of these people is divided into
two lands: indigenous land Xerente and Funil, being located at the right bank to the east of the Tocantins
River and is 70 km far from Palmas, capital of Tocantins. The choice for this theme was motivated
mainly by the contact with indigenous students who study Xerente Higher Education at the Federal
University of Tocantins as well, who have great difficulty in understanding some statements of the
portuguese language, especially because portuguese speakers "speak too fast". This works aims also learn
more about the culture and language of these people, contributing to studies in the area of sociolinguistics
and reflect with these students about the variants found. This work was developed in the villages Salto
and Porteira and during a visit to the Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio in Tocantínia – TO in
1
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Tocantins
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas
3
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais
2
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order to collect texts written by six (06) Xerente students. They were given three (03) subjects of choice:
"Nature", "My life in school" and "My village", the latter being chosen. Also, the used material resources
were: computer, pen, pencil, eraser and notebook interview. In: “Nas aldeia”, for example, the variable
<s> of plural correspond to two variants: the presence of the segment ([s]) and its absence ([∅]). Once the
word "aldeia" has two forms, it favors even more the absence of the segment ([s]).
Keywords: Xerente students. Linguistic variation. Portuguese.
1 INTRODUÇÃO
A construção desse artigo objetiva um passo para a conclusão do projeto de
pesquisa intitulado: “Ouvir, Fazer, Aprender: Estudo Comparativo dos Processos
Próprios de Ensino e Aprendizagem para os Akwẽ-Xerente, Krahô e Javaé”, além disso,
reflexões obtidas ao longo do contato com os povos Xerente. Este artigo analisa casos
de variação lingüística presentes nos textos de alunos indígenas Xerente, bem como
busca refletir sobre os eventos encontrados.
A motivação pela escolha do tema se deu principalmente pelo contato com
alunos indígenas Xerente que cursam o Ensino Superior também na Universidade
Federal do Tocantins, que têm muita dificuldade em compreender alguns enunciados da
língua portuguesa, principalmente porque os usuários dessa última “falam rápido
demais”. Além disso, conhecer mais sobre a cultura e língua desse povo, contribuir para
os estudos na área de Sociolinguística e refletir com esses alunos acerca das variantes
encontradas.
Dentro da Universidade tem que haver essa preocupação na relação desta com os
estudantes indígenas, pois esses alunos saem de suas aldeias, onde usavam sua língua
materna, no caso a língua akwẽ-xerente, de forma cotidiana. Quando chegaram à cidade
de Porto Nacional, no estado do Tocantins, onde se localiza o campus da Universidade
Federal do Tocantins, depararam com uma língua, que apesar de tê-la como segunda
língua, em relação à qual se sentem desnorteados.
Além disso, existe também a dificuldade de entender os textos que seus
professores universitários passam em sala de aula. Pois os assuntos abordados nesses
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textos, pelo menos na maioria deles, segundo relato dos próprios alunos indígenas, não
condizem com a realidade dos mesmos.
Os mesmos relatavam que têm muita dificuldade em escrever textos na língua
portuguesa e também ao que se refere à compreensão dos mesmos. Que eles não
tiveram um bom suporte no Ensino Médio, por isso possuem algumas deficiências,
sobretudo na escrita e compreensão de textos escritos na língua portuguesa. A partir
disso, surgiu o interesse de contribuir, ainda que de forma pequena, com reflexões para
tentar apontar pontos desses conflitos vivenciados por esses alunos, principalmente os
que cursam o Ensino Médio Básico.
A pesquisa deu-se através de consulta de bibliografia sobre o tema em foco,
(SOUSA
FILHO,
2007;
BORTONI-RICARDO,
2004;
TARALLO,
2002;
NASCIMENTO, 2012; MOLLICA E BRAGA, 2003; CARVALHO, 2009; CALLOU
& LEITE, 2001). O trabalho desenvolveu-se em campo, nas aldeias Salto (Kripe) e
Porteira (Nrôzawi) e em visita ao Centro Educacional Fé e Alegria Frei Antônio, em
Tocantínia, Tocantins, para coleta de textos dissertativos elaborados por 06 (seis) alunos
Xerente que estudam no 3° Ano do Ensino Médio Básico, com idade entre 18 e 20 anos.
Os alunos que redigiram as redações residem nas aldeias: Kripe, Nrôzawi e
Aldeia Nova Mrãiwahã. Sendo que lhes foram dados 03 (três) temas de escolha:
“Natureza”, “Minha vida na escola” e “Minha aldeia”, sendo este último o escolhido.
Além disso, utilizou-se como recursos materiais: computador, lápis, caneta, borracha e
caderno de entrevista.
A partir dessa introdução, o trabalho está dividido em três outras partes. Na
primeira será apresentado um breve histórico sobre os povos Xerente e a educação
indígena, além de apresentar os estudos dos autores que fundamentaram essa pesquisa.
Na segunda, é feita uma reflexão sobre as variações lingüísticas detectadas nas redações
escritas por alunos indígenas Xerente e na última parte as considerações finais.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O povo Akwẽ-Xerente se localiza na cidade de Tocantínia, no estado do
Tocantins. A língua akwẽ pertence ao tronco lingüístico Macrô-Je e à família Jê. O
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território desse povo se divide em duas terras: Terra indígena Xerente e Funil, sendo
localizado na margem direita a leste do rio Tocantins, estando distante 70 km de
Palmas, capital do Tocantins.
Apesar do contato intenso que os Xerente têm com os não-índios, esse povo
como destacam alguns autores (Giraldin, 2010; Maybury-Lewis, 1979; Melo, 2010)
ainda conservam sua língua, cultura, pintura corporal e vários rituais.
Esse povo se organiza em duas metades exogâmicas: Wâhire e Doí. Essas
metades são regidas por um sistema de clãs patrilineares que se distribuem em: Wâhire,
Krozake e Kremprehi que estão ligados à metade Wâhire. Os vinculados a metade Doí
são: Kuzã, Kbazí e Krito (Farias, 1990).
Segundo Sousa Filho apud Martius (2007, p.40), “os Xavante falavam um
dialeto da língua Xerente”. Esses dois povos compartilharam o mesmo território entre o
Tocantins e Araguaia até meados do século XIX, quando o povo Xavante decidiu
abandonar a região e migrar para o oeste evitando assim, o contato com os não-índios
(Giraldin, 2004).
Não é de hoje que se tem implantado vários projetos escolares aos povos
indígenas. Como se sabe, até o fim do período colonial a educação indígena era de
responsabilidade de missionários católicos, que tinham como único objetivo catequizar,
evangelizar e tornar os indígenas “filhos de Deus”. E de acordo Nascimento apud Paiva
(2003):
Desde que chegaram ao Brasil os jesuítas estabeleceram escolas e
começaram a ensinar ler, escrever, contar e cantar e, no contexto
brasileiro, pertencendo à corte portuguesa como eixo social, “as letras
deviam significar adesão plena à cultura portuguesa”.
(NASCIMENTO, 2012 apud PAIVA, 2003, p. 29)
E até os dias de hoje, os currículos usados na educação indígena se parecem com
os empregados em escolas regulares. Não levando em consideração a cultura, a visão de
mundo desses povos. (Silva; Azevedo, 1995).
Esse panorama educacional civilizatório e dominador só começou a ser
questionado na década de 80, por causa da consolidação dos movimentos indígenas
organizados que garantiam seus direitos na Constituição de 1988, como suas crenças,
costumes, línguas, cultura e etc. (Gerken; Oliveira, 2008). E, como destaca Nascimento:
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Uma das principais reivindicações dos povos indígenas, através do
movimento indígena, foi o direito à autodeterminação ou, em outras
palavras, a exigência de que as práticas formais educativas fossem
desenvolvidas pelos próprios indígenas, bem como que coubessem a
eles as definições de concepções de educação e processos próprios e
específicos de aprendizagem. (NASCIMENTO, 2012, p. 41)
E em 1996, nos artigos 23 e 26 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional) tornou possível a flexibilidade dos calendários e currículos escolares. E, além
disso, através da Resolução 03 e do Parecer 14, ambos documentos do Conselho
Nacional da Educação assinados em 1999, foram reconhecidos mais uma vez o caráter
intercultural e bilíngüe que deve ter a escolarização indígena.
Mas os conflitos continuam, pois apesar das conquistas dessas leis que
viabilizam o ensino indígena, na prática ainda não se estabeleceu definitivamente uma
política educacional que respeite a diversidade e assegure à população ameríndia o
direito de decidir sobre seus próprios projetos educacionais (Melo, 2010).
Mesmo tendo se consolidado as políticas educacionais voltadas aos povos
indígenas, muitos trabalhos de origem antropológica não se atentaram à educação desses
povos, por acreditar que o ambiente escolar não faz parte da cultura e cotidiano das
aldeias (Gerken e; Oliveira, 2008 apud Tassinari, 2001).
Sem dúvida, ocorre uma troca inevitável entre a população indígena e a escola,
pois de um lado se tem um povo que valoriza e tem a linguagem oral como
predominante e de outro a escola, que valoriza não só a linguagem oral, mas, sobretudo,
a escrita.
A educação escolar para os povos indígenas é ferramenta indispensável para o
asseguramento de sua autonomia devido a intensificação do contato com as agências
nacionais. A partir disso, necessita-se de uma formação adequada aos professores
indígenas, pois, como se nota, as políticas direcionadas a esses povos, muitas das vezes,
fica apenas no papel e quase nunca na prática (Nascimento, 2012).
A educação indígena brasileira sempre esteve mais interessada em impor a
língua portuguesa a reconhecer sua cultura, língua, mitos, rituais. Porém, o contato com
os não-índios é inevitável, e, consequentemente com a língua portuguesa.
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Além disso, percebe-se um grande números de alunos indígenas ingressos nas
universidades. O surgimento dessa grande demanda é devido à ideia de que a
escolarização, e, sobretudo, a linguagem escrita, pode garantir a defesa de seus
interesses e autonomia, sendo, portanto: “vista como instrumento indispensável na
interlocução com as instituições da sociedade envolvente, principalmente o Estado
(GERKEN; OLIVEIRA, 2008 apud KAHN; FRANCHETTO, 1994 apud TASSINARI,
2001).
Bortoni-Ricardo (2004) fala dos três ambientes onde a criança começa seu
processo de socialização, sendo: a família, os amigos e a escola, os quais a sociologia
chamou de domínios sociais. Aponta ainda que todos nós exercemos papéis sociais
diferentes, por exemplo, na aldeia, os índios exercem papéis de: caciques, pajés,
curadores, cantores, caçadores, pescadores, agricultores, pais, filhos, mães, etc. E desse
modo, temos diferenças lingüísticas, marcadas por papéis sociais distintos.
É importante refletir sobre os fenômenos existentes em nossa língua. Além de
sabermos em que tipo de comunidade lingüística estamos inseridos. A língua não é algo
pronto e acabado, ela está sempre em constante mudança. Por isso é importante
analisarmos essas variações presentes, e contribuir para os estudos nessa área.
Segundo Mollica e Braga (2003):
A sociolingüística é uma das subáreas da Línguistica e estuda a língua em
uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de
investigação que correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Esta ciência se
faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e
sociedade, focalizando precipuamente os empregos lingüísticos concretos,
em especial os de caráter heterogêneo (MOLLICA; BRAGA, 2003, pg.09).
Pode-se dizer, que a Sociolinguística examina as relações entre as estruturas
sociais e o funcionamento do código lingüístico e posteriormente localiza a fonte das
mutações. E a linguagem é concebida como criação do falante que a usa, no meio social
em que vive (Carvalho, 2009).
Para o estruturalismo, a língua é apenas um objeto homogêneo, isso implica
dizer que não existe variação. Já na Sociolinguística Variacionista a heterogeneidade da
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língua é inerente ao sistema lingüístico e integrante da competência lingüística dos
falantes.
A Sociolinguística Variacionista estuda a língua em uso em uma comunidade
linguística. Cada comunidade de fala possui características linguísticas que a distingue
das outras comunidades, ou seja, a língua é heterogênea e dinâmica, ela está sempre em
constante mudança.
Sabe-se também, que existem várias possibilidades de fala a nossa disposição.
Essas várias formas linguísticas têm como nome de variantes e ao seu conjunto a
Sociolinguística denominou de variáveis.
Sabemos que vivemos em um país plurilíngüe, onde existem várias comunidades
lingüísticas. Temos em torno de 180 línguas indígenas (Mollica e Braga 2003), e que
muitos sequer sabem dessa realidade. Essas variações lingüísticas enriquecem nossa
língua e cultura, e se todas as pessoas tivessem traços lingüísticos iguais não haveria
motivo para realizarmos um estudo sociolingüístico em nossa sociedade.
As mudanças que ocorrem em nosso léxico estão ligadas a nossa fala em uso,
pois como se sabe a língua é heterogênea e dinâmica. A partir daí, podemos afirmar que
na língua em uso sempre está se criando normas e as inventando. E segundo Carvalho:
A gênese do léxico de uma língua, para ser percebida em toda a sua extensão,
não pode ser estudada por uma visão sincrônica da linguagem. É necessário
uma visão diacrônica, para identificar-se a criação dos termos vernáculos e a
adoção dos estrangeirismos (CARVALHO, 2009, Pg. 21)
Entende-se por sincronia, como uma língua se encontrada em uma época
específica. E diacronia é uma observação da língua, mas em sua história e permanente
mudança. Sabe-se também que os alunos indígenas precisam da língua portuguesa para
resolverem seus problemas, tanto dentro como fora da aldeia, pois esta é a língua oficial
do Brasil.
As variações lingüísticas podem ocorrer de forma mais intensa ou não, isso vai
depender em que ambiente estamos. É o que Bortoni-Ricardo chama de monitoração, e
que geralmente nos eventos ligados à escrita seu grau de monitoração linguística é
maior.
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O poder econômico e político de um estado, cidade ou país, conferem também
maior prestígio de suas variedades lingüísticas. Portanto, as variedades lingüísticas
usadas por pessoas desfavorecidas socioeconomicamente tendem ser estigmatizadas
pela sociedade. A mesma autora defende a ideia de uma pedagogia sensível, que quando
o professor depara com a utilização de uma regra não padrão por um aluno, o mesmo
tem que ter dois componentes: identificação e conscientização da diferença.
O primeiro é muitas vezes prejudicado porque muitos professores desconhecem
algumas regras, e o segundo, o professor deve alerta seu aluno, que ele próprio deve
monitorar seu estilo, porém sem constrangê-lo, e prejudicar assim, seu processo de
ensino-aprendizagem.
Bortoni-Ricardo (2004) propõe três linhas para entendermos o português
brasileiro: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de
monitoração estilística.
No primeiro contínuo, a autora pede para imaginarmos uma linha e explica que
em uma das pontas estão situados os falares rurais isolados e na outra ponta os falares
urbanos, e que com o passar dos anos sofreram várias influências, como da escrita, por
exemplo. E entre eles fica uma zona rurbana, que é constituída por migrantes de origem
rural que preservam, ainda, aspectos lingüísticos e culturais de seus antecedentes.
No segundo contínuo, Bortoni-Ricardo fala de dois eventos: de letramento e
oralidade. O evento de letramento, na nossa linha imaginária fica na ponta da
urbanização, e na outra ponta, temos o evento de oralidade. No evento de letramento os
falantes são subsidiados por textos escritos, e no segundo evento, a autora dá como
exemplo, uma conversa com os amigos em um bar, porém se um dos falantes declamar
um poema, esse deixa de ser um evento de oralidade e passa a ter influências de um
evento de letramento.
No último contínuo, a mesma autora fala que podemos situar na nossa linha,
interações mais espontâneas e aquelas planejadas que exigem mais atenção de quem
está falando, ou seja, estilos mais monitorados e estilos menos monitorados.
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2.1 ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DOS DADOS COLETADOS
Os alunos indígenas falam a língua portuguesa somente quando estão em contato
com os não-índios, e que quando estão na escola com seus amigos, também Xerente,
falam somente na sua língua materna. O uso de empréstimos da língua portuguesa pelos
Xerente é inevitável, principalmente por questão territorial, pois os Xerente estão em
constante contato com os moradores de Tocantínia. Os próprios Xerente afirmam que “a
língua portuguesa é muito forte” (Parente; Giraldin; Garbelini, 2010).
Mas com tudo isso, os alunos indígenas não estão perdendo sua língua materna.
A relação com os não-índios, de acordo os mesmos, é boa, não havendo brigas e
ocorrendo respeito mútuo. Já alguns alunos não-índios têm muita dificuldade em
entender a cultura desse povo.
A pesquisa constatou que os alunos indígenas Xerente do 3° Ano do Ensino
Médio Básico possuem grande dificuldade em interpretar textos escritos na língua
portuguesa, e entender a gramática. Disseram também: “Quando vocês falam rápido
demais, a gente não entende quase nada”.
A seguir serão comentadas algumas variações linguísticas mais recorrentes em
trechos das 06 (seis) redações elaboradas pelos alunos indígenas Xerente:
1. “Nas aldeia, é muito diferente a nossa língua xerente (...)”. (Aluno Xerente).
2. “Os ancião ficam na warã, com eles nós aprendemos valorizar o que é nosso (...)”.
Nos fragmentos 1 e 2, à variável < s > de marcação de plural correspondem duas
variantes: presença do segmento ([s]) e sua ausência ([ ]) (Tarallo, 2002). Por ser a
palavra “aldeia” e “ancião” bimorfêmicas, favorecem ainda mais a ausência do
segmento ([s]). Essa tendência de flexionamos apenas o primeiro elemento do sintagma
nominal, se explica porque no português brasileiro dispensamos a redundância na
comunicação, e que quando a forma de um plural de um nome for mais diferente,
tendemos a usar a marca do plural (Bortoni-Ricardo, 2004).
3. “(...) Nas aldeias é prática não deixa as tradições (...).” (Aluno Xerente).
4. “(...) É importante preserva a nossa cultura (...)”.
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Ocorreu uma supressão do /r/ no infinitivo verbal “deixar” e “preservar” nos
fragmentos 3 e 4. Essa variação geralmente acontece porque é muito normal os falantes
suprimirem o /r/ na oralidade, dessa forma, reflete também na escrita. O professor deve
chamar a atenção dos alunos para a diferença entre o sistema oral e escrito. Pois em
quase todo o Brasil, o /r/ pós-vocálico tem uma tendência a supressão, principalmente
nos infinitivos verbais (correr >corrê; almoçar >almoçá; desenvolver >desenvolvê;
sorrir > sorri) (Bortoni-Ricardo, 2004).
5. “A aldeia fica no mato, mas é um lugar muito bonita, e os índios gostam de viver
nele, porquê a aldeia é melhor para se viver e plantar muitas coisas para nossa
alimentação, plantar feijão, milho, mandioca, arroz (...)”. (Aluna Xerente).
Existem dois gêneros na língua portuguesa: masculino e feminino. Pertencem ao
gênero masculino todos os substantivos a que se pode antepor o artigo o (Cunha e
Cintra, 2008). No caso acima o adjetivo “bonita” não está concordando em gênero com
o sintagma nominal “um lugar” e o mesmo aconteceu com o pronome “nele”, cujo
também não concorda em gênero com o sintagma nominal “aldeia”. O “porquê” usado
pela aluna é uma variação bastante ocorrente nos textos dos alunos, principalmente por
se tratar de um homófono. E sua função gramatical funciona como um substantivo,
significando: “o motivo”, “a razão”.
6. “(...) Assim somos realmente feliz, de ter escolas indígenas, infermarias (...)”.
É muito comum no português brasileiro flexionarmos apenas o primeiro
sintagma nominal, nesse caso, o aluno obedeceu a regra da concordância geral, que
concorda em número com o elemento mais próximo, no caso a palavra “realmente”.
Também é muito comum, por a escrita ser um reflexo da fala, escrevermos de acordo
com a pronúncia. No caso, o aluno escreveu “infermarias”, por assimilação, pois os
fonemas /e/ e /i/ tem características fonológicas parecidas (Callou e Leite, 2001).
7. “(...) Agente não podemos esquecer dos mais velhos (...)”.
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Homófonas são palavras que possuem sons iguais, mas escrita diferente. Por
esse motivo, são as que os alunos mais têm dificuldade na escrita, pois na oralidade a
pronúncia é a mesma. Foi o que aconteceu no caso de “agente”, pois o aluno não fez
distinção entre o pronome e o substantivo. Além disso, tem a falta de concordância entre
o sujeito e o verbo. O pronome “nós” está perdendo cada vez mais espaço para a
variante “a gente”, porém os alunos por seguirem a regra geral de concordância,
flexionam o verbo concordando com a 1ª pessoa do plural, como estão habituados fazer
com o pronome “nós.
8. “(...) Passa idéias que apredemos dos índios antepassados (...)”.
Como acontece no fragmento 3, a supressão do /r/ é muito recorrente nos
infinitivos verbais, nada mais é do que o reflexo da fala na escrita. Em “apredemos”, o
aluno suprimiu a letra /n/, ocorrendo uma síncope.
9. “(...) Na aldeia tem escola tem emfermaria (...)”.
Nesse caso, o aluno por talvez desconhecer a regra que se usa a letra /m/
somente diante de /p/ e /b/, e por a letra /m/ também ser nasal, fez a troca do /n/ por /m/.
Pois na oralidade não diferenciamos os sons de tais fonemas, assim os aplicamos na
escrita. (Callou e Leite, 2001).
10. “(...) as conseqüências ocorridas são um proplema para a sociedade indígena.”
Nesse caso, alguns alunos trocam os fonemas /p/ e /b/ por terem o mesmo ponto
e modo de articulação, ou seja, os dois fonemas são bilabiais e plosivos. No entanto, se
diferenciam pelo vozeamento, sendo que o fonema /p/ é desvozeado e o /b/ vozeado.
Dessa forma ocorreu nesse fragmento um metaplasmo por permuta de traço. (Callou e
Leite, 2001).
11. “(...) Existem com seumodede viver, e com sua cultura (...)”.
“Mode” é a forma arcaica da palavra “modo”, esse arcaísmo é mais usado na
zona rural e raramente pronunciado pelos falantes da zona urbana. O uso por esse aluno
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se explica porque muitos alunos, mesmo aqueles que estudam na cidade residem na
zona rural, onde essa variante e usada de forma mais intensa.
12. “(...) Não se preocupa com nada só ajudar as pessoa (...)”.
13. “(...) Por essa razão somos feliz, sempre vivendo com nossa cultura (...)”
Assim como acontecem nos fragmentos 3, 4 e 8, “preocupa”, houve a supressão
do fonema /r/ nesse infinitivo verbal. E no fragmento 13, ocorreu a marcação do plural
apenas no primeiro elemento do sintagma nominal, evitando a redundância no
enunciado, e que também ocorreu nos fragmentos 1,2 e 6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É muito importante que os alunos e professores indígenas tenham conhecimento
do uso da língua portuguesa, para que os mesmos possam se apropriar desse
conhecimento e buscar melhorias ao que se refere ao próprio processo educacional. E
como destaca Bortoni-Ricardo (2004, pg. 75): “A escola é, por excelência, o locus – ou
espaço – em que os educandos vão adquirir, de forma sistemática, recursos
comunicativos que lhes permitam desempenhar-se competentemente em práticas sociais
especializadas”.
Evidentemente, os professores indígenas Xerente necessitam saber mais sobre
seus aspectos sócio-culturais, pois é uma forma de fortalecer suas próprias identidades,
mas também, tem que haver a preocupação de saber sobre os aspectos sócio-culturais de
sua segunda língua, no caso, a língua portuguesa. Sendo que esse povo fica em intenso
contato com os não-índios, surge então a necessidade de preparar os alunos indígenas
para lidarem com essa sociedade.
Com base nas reflexões dos fragmentos acima, a pesquisa constatou que os
informantes escrevem da maneira como falam, e que, mesmo sendo essa pesquisa de
porte pequeno, ficou comprovando que independente da idade, sexo ou etnia e mesmo
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esses alunos estando em constante contanto com as regras gramaticais na escola, a
variação acontece.
Através desse trabalho, foi possível conhecer mais sobre as variações
lingüísticas na língua portuguesa pelos alunos indígenas Xerente e contribuir, ainda que
de forma muito pequena, como um estudo sociolingüístico.
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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
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Recebido Para Publicação em 07 de setembro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.
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caso de alunos indígenas xerente que cursam o ensino médio básico