Chamamos Renascimento, ou Renascença, à renovação cultural que teve início na península Itálica a partir do
século XIV. Sob a influência da cultura greco-romana, esse movimento influenciou as artes, a literatura, a ciência
e a filosofia, difundindo-se por várias regiões da Europa.
Os participantes dessa renovação — os renascentistas — rejeitaram a cultura medieval, presa aos padrões definidos pela Igreja Católica, e passaram a defender e explorar a diversidade de idéias e o espírito crítico.
Com sua afirmação do individualismo e do racionalismo, valores supremos da modernidade, o Renascimento
situa-se na transição da sociedade feudal para a sociedade burguesa, na passagem da Idade Média para a Idade
Moderna.
1. O COMEÇO, NA IDADE MÉDIA
As raízes do Renascimento podem ser encontradas ainda na Baixa Idade Média, quando, a partir do século XI, o
comércio e as cidades voltaram a florescer em diversas regiões da Europa.
O crescimento das cidades criava um meio social que favorecia o desenvolvimento de atividades intelectuais e
artísticas. Não por coincidência, foram justamente as cidades mais ricas, localizadas no norte da península Itálica,
que se tornaram os primeiros e principais centros de difusão do movimento renascentista.
O ressurgimento do comércio permitiu à burguesia acumular riqueza suficiente para financiar as obras de escritores e artistas. Assim, tornou-se comum a figura dos mecenas, indivíduos ricos que, em busca de glória e prestígio, patrocinavam o trabalho de artistas e escritores. Entre os mecenas da península Itálica, destacaram-se a família Sforza — senhora do ducado de Milão —, os Médicis — família de banqueiros que exercia o controle político da República de Florença — e os papas Júlio II e Leão X.
O humanismo renascentista
No âmbito do pensamento, o Renascimento se caracterizou pelo individualismo, pelo racionalismo e pelo humanismo.
O individualismo valorizava a capacidade de o ser humano fazer escolhas livremente, valendo-se apenas de suas
próprias forças, sem apelar para o sobrenatural.
O racionalismo enfatizava a razão como principal instrumento para compreender o Universo e a natureza.
O humanismo, por sua vez, colocava o ser humano como centro das preocupações e indagações dos pensadores, considerando-o a obra suprema de Deus. Essa orientação é denominada antropocentrismo e representava
uma forte oposição ao teocentrismo (theós vem do grego e significa deus) da Igreja Católica.
Em 1445, o germânico Johannes Gutenberg inventou o sistema de impressão com tipos móveis, revolucionando
o processo de produção dos livros, até então feitos à mão. Com o novo invento, foi possível propagar as idéias
humanistas a um número cada vez maior de pessoas.
2. ONDE TUDO COMEÇOU
Embora tenha sido um movimento de ampla repercussão, a Renascença surgiu na península Itálica e foi nela que
alcançou sua maior expressão. Ali, esse grande movimento de idéias costuma ser dividido em três períodos: o
pré-Renascimento (ou Trecento, século XIV), o Quattrocento (século XV) e o Cinquecento (século XVI).
O pré-Renascimento
Os anos 1300 (Trecento) são considerados, por alguns estudiosos, o momento inicial do movimento. Contudo, os
representantes do Trecento, embora ainda carregassem traços medievais muito fortes, já apontavam para uma
nova forma de expressão artística.
Ao contrário dos autores medievais, que escreviam em latim, alguns escritores e poetas do Trecento expressavam-se no idioma toscano, do qual surgiria o italiano moderno. Além disso, criticavam a visão restrita da Igreja,
enalteciam o espírito de investigação e revelavam intensa paixão pelos autores da Antiguidade Clássica.
O Trecento teve seu principal centro em Florença, onde havia uma concentração de ricos mercadores e banqueiros.
O período é representado, na literatura, por Dante Alighieri (1265-1321), autor da Divina comédia; Francesco Petrarca (1304-1374), considerado "pai do humanismo"; e Giovanni Boccaccio (1313-1375), autor de Decameron.
Na pintura, destacou-se principalmente Giotto di Bondone (1266-1337), que explorou a técnica do afresco, um
tipo de pintura realizada em paredes. Em vez dos personagens rígidos da arte medieval, Giotto esforçou-se para
dar vida, movimento e expressão às figuras e às cenas que pintou.
Quatro invenções revolucionárias
As invenções técnicas desempenharam um papel essencial na formação da nova era. Nesse momento, especialmente quatro delas (todas com precursores no Oriente) entraram em uso disseminado no Ocidente, com imensas ramificações culturais: a bússola magnética, permitindo as façanhas da navegação que abriram o globo à
exploração européia; a pólvora, contribuindo para o fim da velha ordem feudal e a ascensão do nacionalismo; o
relógio mecânico, fator de decisiva mudança nas relações entre o ser humano e o tempo, a natureza e o trabalho, separando e libertando as atividades humanas da predominância dos ritmos da natureza; e a imprensa (o
autor se refere aos tipos móveis de impressão, inventados por Gutenberg), que produziu um fabuloso aumento
no aprendizado, levando tanto as obras clássicas como as modernas a um público cada vez mais amplo e erodindo o monopólio do conhecimento há muito nas mãos do clero.
A invenção de Gutenberg
O avanço da imprensa nos anos 1550-1560 não pode ser dissociado dos aperfeiçoamentos ocorridos na primeira
metade do século XVI: o desenvolvimento do fabrico do papel, afixação e melhoria na forma dos caracteres (tipos móveis de impressão) etc. Uma edição exigia grande aplicação de recursos e se apresentava como verdadeira aventura. Ainda que vagarosamente, porém, o livro passou a ser vendido. (..)
Desde o aparecimento da imprensa, a Igreja e os soberanos procuraram exercer influência sobre esse poderoso
meio de difusão das idéias. A censura, em geral, era entregue às universidades.
Depois da Bíblia (primeiro livro impresso por Gutenberg), começaram a ser impressas obras de autores contemporâneos. No século XVI, a cidade onde se editavam mais livros passou a ser Paris, no lugar de Veneza (..). Publicavam-se livros religiosos e literários, além de traduções de autores antigos, principalmente Virgílio. As obras dos
humanistas tinham grandes tiragens: Erasmo de Roterdam teve centenas de milhares de exemplares impressos
no decorrer do século XVI.
O Quattrocento
Durante o Quattrocento, os artistas procuraram aperfeiçoar suas técnicas aproximando-se da ciência. Os pintores passaram a fazer uso da geometria e criaram a perspectiva, recurso que lhes permitia reproduzir na tela cenas tridimensionais.
Se durante o Trecento predominavam o afresco e a pintura em madeira, agora os artistas preferiam pintar em
telas de tecido resistente apoiadas em cavaletes. O novo suporte deu maior independência à pintura.
Entre os grandes artistas do período, vale citar o arquiteto Fillippo Brunelleschi, cuja obra mais expressiva foi a
gigantesca cúpula da catedral de Florença. Entre os escultores, destacou-se Donatello. Na pintura, despontaram
Masaccio, Sandro Botticelli — autor do Nascimento de Vênus —, Paolo Uccello, Fra Angelico e Andrea Mantegna.
Apogeu da Renascença
Período de plena maturidade do Renascimento, o Cinquecento foi dominado pelos gênios de Leonardo da Vinci
(1452-1519), Michelangelo Buonarroti (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520). Os dois últimos trabalharam sobretudo em Roma, que substituiu Florença como o mais destacado centro artístico.
Leonardo da Vinci distinguiu-se em muitos campos do conhecimento, como a engenharia, a arquitetura, a matemática e a física, mas notabilizou-se sobretudo como pintor. E conhecido pelo tratamento psicológico que dava
aos personagens e pelo domínio da técnica que ele mesmo chamou de chiaroscuro (claro-escuro), que consiste
no jogo de luz e sombra. Suas obras mais famosas são Sant'Ana, Monalisa e A última ceia.
Escultor e pintor, Michelangelo foi o autor dos afrescos da Capela Sistina, em Roma. Como escultor, suas obras
inspiraram artistas de todas as épocas. Entre as mais importantes, destacam-se Pietà, Moisés e Davi.
Rafael trabalhou em Roma sob os auspícios dos papas Júlio II e Leão X. Reproduzia temas religiosos — fez numerosas representações de Nossa Senhora (Madona) — e também pagãos, como é o caso de A Escola de Atenas,
em que resume a história da filosofia grega.
No âmbito da literatura e do pensamento político, o Cinquecento produziu autores de importância universal,
como Ludovico Ariosto, Torquato Tasso e, principalmente, Nicolau Maquiavel (1469-1527).
Escritor, historiador e cientista político, Maquiavel é o autor da obra O príncipe, tratado no qual faz uma reflexão
sobre a natureza do poder político e dá conselhos aos soberanos sobre a melhor forma de constituir um governo
centralizado e de unificar a península Itálica.
3. O MOVIMENTO SE EXPANDE
Da península Itálica o movimento renascentista difundiu-se pela Europa, alcançando maior expressão nos países
em que o desenvolvimento urbano e mercantil era mais intenso.
Flandres. Por esse nome era conhecida a rica região que corresponde ao norte da atual Bélgica. Além de centro
comercial, Flandres apresentava grande expansão das atividades manufatureiras e bancárias. A pintura assumiu
ali características próprias, diferentes das tendências dominantes na península Itálica, onde era maior a influência
da arte greco-romana. Seu maior representante foi Jan van Eyck (1390-1441), autor de retratos e cenas religiosas.
Entre os pensadores, a mais notável figura do Renascimento flamengo foi Desidério Erasmo (1466-1536), ou
Erasmo de Roterdam. Seu trabalho mais conhecido é Elogio da loucura, de 1511, dedicado ao inglês Thomas Morus. Crítico do pensamento dogmático, Erasmo defendia o retorno da Igreja à simplicidade proposta nos Evangelhos.
Sacro Império. Nas cidades mais ricas — localizadas justamente nas rotas de comércio que ligavam o norte ao sul
da Europa —, sobressaíram dois dos principais artistas do Sacro Império: os pintores Albrecht Dürer (1471-1528) e
Hans Holbein, o Moço (1497-1543), ambos familiarizados com a pintura da península Itálica. Holbein se notabilizou como retratista, sendo muito conhecidos os retratos que pintou de Erasmo e do rei inglês Henrique VIII.
O Renascimento no Sacro Império se caracterizou, mais do que na pintura, pelos notáveis estudos humanistas
efetuados nas universidades, em fins do século XV. Seguindo a trilha aberta por Erasmo, os humanistas insistiam
nas críticas à Igreja. Foi por esse caminho que seguiram Philip Melanchthon e Martinho Lutero, que deram início
à Reforma Protestante.
Inglaterra. O desenvolvimento da cultura renascentista ocorreu tardiamente na Inglaterra, e seus principais representantes são escritores.
Um deles foi o humanista Thomas More ou Morus (1478-1535). Sua obra mais conhecida é Utopia, palavra grega
que significa "em nenhum lugar", na qual descreve uma sociedade ideal. Para escrevê-la, inspirou-se no relato de
Américo Vespúcio sobre a América.
O mais conhecido representante do Renascimento inglês foi William Shakespeare (1564-1616), autor de Romeu e
Julieta, Hamlet, Rei Lear, Macbeth e inúmeras outras obras que se colocam entre as mais importantes do teatro
universal.
França. O Renascimento foi um movimento principalmente literário e filosófico na França.
Na literatura, o nome de maior expressão foi François Rabelais (1495?-1553?), autor de Gargântua e Pantagruel,
sátiras que criticavam os costumes da época, particularmente a tirania, o dogmatismo da Igreja e a guerra.
No âmbito da filosofia, Michel Montaigne (1533-1592) escreveu os Ensaios, reflexões filosóficas feitas a partir da
leitura dos autores clássicos.
Espanha. O Renascimento teve início bem cedo na Espanha, quase ao mesmo tempo que na península Itálica, em
virtude dos freqüentes contatos entre as duas regiões. Apesar disso, a cultura renascentista enfrentou problemas em terras espanholas, por causa da ação intolerante da Igreja Católica com a Inquisição.
O grande nome do Renascimento espanhol foi o escritor Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616), autor de
Dom Quixote, sátira que narra as desventuras de um nobre (fidalgo) espanhol influenciado pela leitura de novelas
de cavalaria.
Portugal. Dois autores se destacaram na cultura renascentista portuguesa: Francisco Sá de Miranda (1481-1558),
que se notabilizou em vários campos da literatura, e especialmente Luís de Camões (1524-1580), considerado um
dos maiores poetas da língua portuguesa. A mais conhecida de suas obras é Os lusíadas, poema épico que narra
as conquistas marítimas lusitanas.
4. AVANÇOS CIENTÍFICOS
A época renascentista também apresentou importante desenvolvimento no campo das ciências. Responsáveis
por impulsionar o conhecimento nas áreas da astronomia, da matemática, da física e da medicina, eis alguns dos
principais cientistas desse período:
Miguel de Servet (1511-1553) — médico e humanista, descobriu a chamada "pequena circulação" do sangue ou
circulação pulmonar.
Francis Bacon (1561-1626) — divulgou o método indutivo de conhecimento, pelo qual se deve partir da observação das coisas concretas para se chegar à compreensão das leis e processos gerais ou universais. Para ele, o conhecimento científico só poderia ser alcançado por meio da observação e da experimentação.
Willian Harvey (1578-1657) — fisiologista e anatomista, desvendou a circulação do sangue.
Nicolau Copérnico (1473-1543) —notabilizou-se como astrônomo. Em seu livro Sobre as revoluções dos corpos
celestes, desenvolveu a teoria heliocêntrica, segundo a qual a Terra e os outros planetas giram em torno do Sol
(hélio, em grego). Derrubou, assim, a velha teoria geocêntrica, formulada na Antiguidade por Cláudio Ptolomeu e
adotada pela Igreja Católica. De acordo com o geocentrismo, aTerra era o centro do Universo e o Sol girava em
torno dela.
Galileu Galilei (1564-1642) — considerado o fundador da física moderna, investigou as leis do movimento dos
corpos. Com um telescópio por ele mesmo construído, observou o céu e chegou a conclusões semelhantes às de
Copérnico.
Johannes Kepler (1571-1630) — demonstrou que os planetas descrevem uma órbita elíptica e não circular, como
pensava Copérnico.
A Igreja Católica reagiu de modo intolerante a muitas dessas idéias e avanços científicos, porque colocavam em
dúvida os dogmas religiosos. Assim, para não perder o controle nem o poder sobre o conhecimento e os fiéis,
não hesitou em recorrer à Inquisição e punir aqueles que discordavam de seus ensinamentos. Galileu Galilei, por
exemplo, esteve preso e só não foi para a fogueira porque renegou suas descobertas.
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Chamamos Renascimento, ou Renascença, à renovação cultural