Ano 21 • N° 4
julho/dezembro 2013
ISSN 2238-6807
O futuro
não precisa ir
para o lixo
Desafios da
Política Nacional de
Resíduos Sólidos
Ricardo Abramovay:
“Brasil perde
R$ 8 bilhões pela
precariedade da
reciclagem”
A situação de
catadores e
profissionais
de limpeza
urbana
foto: Thinkstock
Senac – Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial
Departamento Nacional
Av. Ayrton Senna, 5.555, Barra da Tijuca
Rio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004
www.senac.br
Conselho Nacional
Antonio Oliveira Santos
Presidente
Departamento Nacional
Sidney Cunha
Diretor-geral
A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral
produzida pelo Gerência de Marketing e Comunicação
do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira
responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em
qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após
consulta aos editores.
Contato: [email protected]
E xpediente
Editor
Fausto Rêgo
Colaboraram nesta edição
Carolina Massote, Francisco Luiz Noel,
Gabriel Fonseca, João Roberto Ripper,
Luiz Claudio Marigo, Mário Moreira
e Verônica Couto
Editoração
Gerência de Marketing e Comunicação
Projeto gráfico e diagramação
Cynthia Carvalho
Produção gráfica
Sandra Amaral
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro :
Senac/Departamento Nacional/Gerência de Marketing e Comunicação, 1992- .
v. : il. color ; 26 cm.
Semestral.
Absorveu: Senac e educação ambiental.
ISSN 2238-6807.
1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente –
Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.
CDD 574.505
Ficha elaborada pela Gerência de Documentação Técnica do Senac/DN.
Uma
edição
especial
Tema da Conferência Nacional
do Meio Ambiente, a Política
Nacional de Resíduos Sólidos
– transformada em lei há três
anos, depois de duas décadas
de negociações – estabelece
princípios e atribui responsabilidades a todos os integrantes
da cadeia produtiva de bens de
consumo.
Os desafios são imensos. Por
isso dedicamos ao tema boa
parte desta edição. Falamos
da Conferência Nacional e do
fim dos lixões, analisamos a
situação de catadores e profissionais responsáveis pela
limpeza urbana, conversamos
com Ricardo Abramovay, que é
uma das vozes mais conceituadas no debate sobre o problema do lixo.
Mas também temos lindas
reportagens sobre a pesca artesanal na fronteira Brasil-Uruguai e o espetáculo de rara
beleza da floração da piúva, no
Pantanal.
Boa leitura!
foto: Thinkstock
E ditorial
S umário
6
Capa
Entrevista
Sólidos desafios
Contra a sociedade do
desperdício
Em sua quarta edição, Conferência
Nacional do Meio Ambiente
produziu 60 propostas para
implementação da Política Nacional
de Resíduos Sólidos.
4
Senac Ambiental
12
Professor do Departamento
de Economia da USP, Ricardo
Abramovay defende a gestão
responsável do ciclo de vida dos
produtos e o fim da cultura do
desperdício.
20
48
Trabalho
Comunidades
Risco diário
Pesca artesanal resiste
Profissionais de limpeza urbana
enfrentam condições insalubres
e convivem com alta taxa de
acidentes no trabalho. Modelo
de coleta do lixo é o grande
responsável.
Agronegócio e avanço da
monocultura de arroz reduzem
espécies de peixe nas lagoas Mirim
e dos Patos, na fronteira do Brasil
com o Uruguai.
30
Reciclagem
Lixo que rende
Ao delegar responsabilidades aos
produtores de resíduos sólidos,
legislação beneficia catadores.
Apesar das dificuldades, setores
envolvidos com reciclagem são
otimistas.
36
Notas
40
Flora
Primavera pantaneira
Espetáculo raro e que dura apenas
alguns dias, floração da piúva
é uma das mais espetaculares
manifestações da natureza.
58
Educação Ambiental
Conhecimento na bagagem
Por que jovens brasileiros foram
buscar na Austrália especialização
em disciplinas relacionadas a meio
ambiente e sustentabilidade
68
Ecoturismo
Nas águas do Velho Chico
Passeio à foz do rio São Francisco
é um dos mais bonitos e
emocionantes do país. Cenário
encanta pela beleza e pela
diversidade.
74
Estante Ambiental
julho/dezembro 2013
5
foto: thinkstock
C apa
Sólidos
desafios
Fim dos lixões em 2014 está
mantido. Mas ainda é preciso
criar mecanismos para gerar
riqueza a partir do que sobra
do consumo.
Fausto Rêgo
Dentro de casa, o lixo se acumula e
incomoda. É um estorvo. Quando
a lata chega ao limite da capacidade, você retira o saco (de plástico,
geralmente) e leva os resíduos, devidamente embalados, para o lado de
fora. Vão se juntar a outros saquinhos
semelhantes dos seus vizinhos. O
lixo ainda incomoda, mas agora um
pouco menos, já que está na rua. O
caminhão da prefeitura passa e faz a
coleta. Pronto, o problema acabou.
Acabou?
julho/dezembro 2013
7
O lixo nosso de cada dia pode ir para
o “lado de fora”, mas permanece –
inevitavelmente – dentro do planeta.
Por isso, mais do que providenciar
uma destinação adequada para os
resíduos que geramos, devemos encontrar maneiras de reduzi-los.
Nos últimos dez anos, a população
brasileira cresceu quase 10%. Nos últimos seis, o lixo produzido no país
passou de 213 mil toneladas por dia
para 273 mil toneladas por dia. Dados
da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Especiais (Abrelpe) mostram que o
Brasil gerou 64 milhões de toneladas
de resíduos em 2012, dos quais 37,5%
não tiveram destinação adequada. A
Abrelpe estima que seria preciso investir R$ 6,7 bilhões para o país coletar e destinar adequadamente todos
os resíduos sólidos que produz.
Lixão de Gramacho,
no Rio de Janeiro, está
hoje desativado. PNRS
mantém para 2014 o
prazo para o fim dos lixões
em todo o país
8
Senac Ambiental
O que fazer com os resíduos sólidos é
um dos maiores desafios ambientais.
No Brasil, após mais de duas décadas
de muita negociação, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi
finalmente aprovada há três anos, na
forma da Lei 12.305/2010.
Em seu artigo primeiro, a PNRS resume seus objetivos: “disciplinar a
gestão integrada e o gerenciamento
dos resíduos sólidos, fazendo uso
de princípios, objetivos e instrumentos que a viabilizem e atribuindo
responsabilidade aos geradores, ao
poder público e às pessoas físicas ou
jurídicas responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos
sólidos e as que desenvolvam ações
relacionadas à gestão de resíduos sólidos.”
O texto se fundamenta em três conceitos básicos [mais informações no box]:
• gestão integrada (com a coordenação de ações de caráter nacional, estadual, microrregional, intermunicipal
e municipal);
• responsabilidade compartilhada
(que estabelece a divisão de responsabilidades entre todos os setores da
sociedade, fomentando a reavaliação
de padrões de consumo e a redução
de possíveis impactos ambientais);
• logística reversa (mecanismo que
gera obrigações, especialmente do
setor empresarial, quanto ao recolhimento de produtos e embalagens
após o consumo, de modo a reassegurar seu reaproveitamento no mesmo ciclo produtivo ou sua inserção
em outros ciclos).
A PNRS estabeleceu metas para eliminação dos lixões (terrenos onde
todo tipo de resíduo é depositado a
céu aberto, sem qualquer controle,
proteção ao meio ambiente ou preocupação com as normas de saúde
pública), determinou a elaboração
foto: D’Arcy Norman, sob licença CC
Política Nacional de
Resíduos Sólidos
foto: shutterstock
de planos de metas do poder público nos âmbitos nacional, estadual
e municipal, bem como a adoção
de planos de gerenciamento de resíduos sólidos na iniciativa privada.
Além disso, formaliza a inclusão dos
catadores de materiais recicláveis ou
reutilizáveis nas cadeias de logística
reversa e coleta seletiva.
Olhando para o futuro próximo, a
PNRS é um passo decisivo para que o
Brasil cumpra uma das metas do Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas, que tem como objetivo reduzir
as emissões de gases causadores do
efeito estufa: obter um índice de reciclagem de resíduos de 20% já em
2015.
Nova riqueza
Nos três anos que se seguiram à criação da PNRS, sua implementação
progrediu muito lentamente em um
país tão grande e complexo como o
nosso. A elaboração dos planejamentos regionais ainda não é realidade
em todos os estados e se concretizou
apenas em aproximadamente 10%
dos municípios. É preciso avançar.
Um dos autores de Lixo zero – gestão de resíduos sólidos para uma
sociedade mais próspera, Ricardo
Abramovay, professor da Faculdade de Economia da Universidade
de São Paulo (e nosso entrevistado
nesta edição, veja a partir da página
12), defende a PNRS, mas alerta que,
embora previsto na lei e necessário,
o fechamento dos lixões (e sua substituição por aterros controlados) é
uma medida tímida. Imprescindível
mesmo, afirma, é reduzir o que jogamos fora e gerar riqueza a partir daquilo que sobra do consumo. Esse é
o mecanismo capaz de desencadear
verdadeira transformação.
Abramovay considera importante
o reconhecimento do trabalho dos
catadores, mas acha que as grandes
corporações devem ser responsáveis
pelos sistemas de coleta e recupera-
ção dos resíduos gerados pelo consumo dos produtos que fabricam, assim
como já ocorre em países desenvolvidos.
Legislação estabelece
necessidade de mecanismos
para recolhimento de
embalagens pós-consumo
O sistema de logística reversa tornou-se, após a aprovação da PNRS,
obrigatório em algumas cadeias produtivas consideradas prioritárias: descarte de medicamentos; embalagens;
óleos lubrificantes e seus resíduos;
lâmpadas e aparelhos eletroeletrônicos. Mas há que se resolver a questão
dos custos de coleta, destinação e
transporte. Hoje o cenário mostra um
jogo de empurra. A iniciativa privada
reluta em absorver o custo em detrimento de maior rentabilidade. E a
população, de maneira geral, rejeita a
cobrança da “taxa do lixo”, o que não
impede que esse custo seja repassado ao consumidor de forma subliminar, embutido em outros tributos.
Desoneração fiscal e concessão de
incentivos tributários para viabilizar
a implantação da PNRS podem ser a
solução, como já destacou recentemente a ministra do Meio Ambiente,
Izabella Teixeira.
Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em julho, o jornalista especializado em meio ambiente
Washington Novaes é categórico: as
julho/dezembro 2013
9
indispensáveis transformações demandarão muito esforço. “Não há
alternativas a não ser a sujeira, a degradação de áreas urbanas e o desperdício”, vaticinou.
foto: shutterstock
Conferência
A importância desse assunto levou o
governo federal a dedicar ao tema a
quarta edição da Conferência Nacional do Meio Ambiente, realizada de
24 a 27 de outubro, em Brasília (DF).
O processo preparatório envolveu
uma extensa mobilização que levou
à organização de 643 conferências
municipais ou microrregionais (que
envolveram, ao todo, 3.652 municí-
Três conceitos
“A gestão integrada dos resíduos sólidos inclui todas as ações voltadas para a busca de soluções para os
resíduos sólidos, incluindo os planos nacional, estaduais, microrregionais, intermunicipais, municipais e os de
gerenciamento. Os planos de gestão sob responsabilidade dos entes federados devem tratar de questões como
coleta seletiva, reciclagem, inclusão social e participação da sociedade civil durante a elaboração, implementação e monitoramento, estabelecendo meios de controle e fiscalização da sua implementação e operacionalização. A gestão integrada envolve também os resíduos de serviços de saúde, da construção civil, de mineração,
de portos, aeroportos e fronteiras, industriais e agrossilvopastoris.
A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos abrange fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de
resíduos sólidos. Está relacionada com a não geração, redução, reutilização e reciclagem, conforme o artigo 9º
da PNRS – estabelecidos na ordem de prioridade na gestão e no gerenciamento dos resíduos sólidos. Tanto
a redução da geração de resíduos sólidos, do desperdício de materiais, da poluição e dos danos ambientais
quanto o estímulo ao desenvolvimento de mercados, produção e consumo de produtos derivados de materiais
reciclados e recicláveis são objetivos da responsabilidade compartilhada. Isso envolve toda a sociedade na
discussão de temas como a reavaliação dos padrões de consumo, reciclagem de materiais, oportunidade de
novos negócios com viés socioambiental, ecodesign, diminuição dos impactos ambientais inerentes ao nosso
modo de vida e inclusão social.
A logística reversa engloba de forma sistêmica diferentes atores sociais na responsabilização da destinação
ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. Gera obrigações, especialmente do setor empresarial, de realizar o recolhimento de produtos e embalagens pós-consumo, assim como reassegurar seu reaproveitamento
no mesmo ciclo produtivo ou garantir sua reinserção em outros ciclos produtivos. De acordo com a PNRS, o
sistema de logística reversa tornou-se obrigatório para as seguintes cadeias de produtos: agrotóxicos, seus
resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas
fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
A partir de acordos setoriais firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas de logística
reversa serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos
demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, a viabilidade técnica e econômica da logística
reversa, bem como o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.”
Fonte: Texto orientador da Conferência Nacional do Meio Ambiente – Resíduos Sólidos
10
Senac Ambiental
Das mais de 3.500 propostas encaminhadas pelas conferências
prepara­tó­rias, 60 foram aprovadas
pela Conferência Nacional, igualmente distribuídas entre os quatro eixos
de atuação em que ela foi estruturada. No eixo Produção e Consumo
Sustentável, ações voltadas para a
produção de alimentos sustentáveis
e segurança alimentar. Em Redução
dos Impactos Ambientais, ideias sobre coleta seletiva e compostagem
orgânica dos resíduos. No eixo Geração de Trabalho, Emprego e Renda,
defesa do trabalho decente, destinação de recursos e investimentos em
cooperativas de materiais recicláveis
e desoneração tributária das cooperativas. Por fim, no eixo Educação
Ambiental, capacitação de agentes e
professores de educação ambiental
e fortalecimento das comissões interinstitucionais de educação ambiental. O documento com todas as propostas está disponível no site www.
conferenciameioambiente.gov.br.
Lixões
Na abertura do encontro, a ministra Izabella Teixeira ratificou agosto
de 2014 como prazo para o fim dos
lixões. Dirigindo-se aos prefeitos e
seus representantes, lembrou a necessidade de cada município apresentar seu plano de ação e foi enfática: “Acabar com os lixões não é
apenas cumprir prazos, é transformar
os catadores em empreendedores”.
Segundo ela, essa categoria deverá
ter cada vez mais espaço nas políticas
públicas ambientais. Não por acaso,
a ideia de desenvolvimento sustentá-
foto: Walter Campanato/Agência Brasil
pios) e outras em cada unidade da
federação, além de conferências livres e um encontro virtual que reuniu
mais de 200 mil pessoas de todo o
país. O evento nacional foi a maior
conferência ambiental já realizada no
Brasil, com a participação de 1.130
delegados e representações de governos, empresários e organizações
da sociedade civil.
vel com inclusão social foi marcante
no documento aprovado ao final do
encontro.
Ministra do Meio Ambiente,
Izabella Teixeira, destacou a
atuação dos catadores
Há resistência, porém, em boa parte
dos municípios, sob a alegação de
falta de estrutura e recursos para a
instalação de aterros sanitários. A
Frente Nacional dos Prefeitos defende a extensão do prazo conforme a
realidade de cada município e argumenta que mais de dois terços dos
governantes eleitos em 2012 não
estavam no cargo quando a lei foi
aprovada, responsabilizando as gestões anteriores. A legislação prevê
sanções que podem levar à inelegibilidade dos atuais prefeitos.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 50,5% dos municípios brasileiros ainda convivem com
os lixões. Esse percentual é muito
maior nas regiões Nordeste (89,1%),
Norte (84,6%) e Centro-Oeste (72,7%)
e consideravelmente menor no Sudeste (18,4%) e no Sul (15,3%).
Edição especial
Diante da importância e do tamanho dos desafios que a questão do
lixo impõe à nossa sociedade, esta
edição da revista Senac Ambiental
aprofunda a discussão sobre alguns
dos principais temas que envolvem a
Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Acompanhe nas próximas páginas!
julho/dezembro 2013
11
E ntrevista
Contra a
sociedade
do “jogar
fora”
Professor do Departamento
de Economia da USP,
Ricardo Abramovay
defende a responsabilidade
compartilhada na gestão de
resíduos
foto: shutterstock
Fausto Rêgo
julho/dezembro 2013
13
foto: GST HBK
A Política Nacional
de Resíduos Sólidos
(PNRS) é um passo importante, mas não vai
resolver sozinha todos
os problemas do país em
relação ao lixo que produz. Autor de livros sobre a
questão ambiental – e Lixo zero:
gestão de resíduos para uma sociedade
mais próspera é o mais recente –, o
professor Ricardo Abramovay, do
Departamento de Economia e do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo,
entende que há princípios éticos
que devem permear a PNRS para
que o Brasil enfrente a cultura do
descarte e do desperdício e passe
a gerir de forma responsável o ciclo
de vida de seus produtos.
Quem suja deve se responsabilizar
pelo que faz, ele afirma. Isso inclui
os gastos com separação do lixo,
coleta, transporte e reaproveitamento. O consumidor, por sua vez,
deve compreender que o custo re14
Senac Ambiental
sultante das medidas necessárias à
gestão adequada dos resíduos sólidos é pago de forma indireta: com
preservação dos recursos naturais,
cidades mais limpas e maior qualidade de vida. “O desafio mais importante”, anuncia, “é fazer no setor
de embalagens, eletrônicos, pilhas e
lâmpadas aquilo que já se faz com
pneus, baterias automotivas, óleos
lubrificantes, embalagens de óleos
lubrificantes e embalagens de agrotóxicos: o setor privado (em coordenação com o setor público, claro)
organiza e paga pelo recolhimento
e pela destinação correta dos remanescentes daquilo que ofereceu ao
consumidor”.
Senac Ambiental – O prazo para
implantação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos termina em 2014,
mas algumas das suas diretrizes
ainda permanecem no papel. Ainda
é razoável imaginar que a PNRS será
integralmente implementada nesse
período? Que expectativa podemos
ter em relação a isso?
Senac Ambiental – E quais os
grandes desafios para o Brasil em
relação à PNRS?
Ricardo Abramovay – O fundamental é que o Brasil deixe de ser
uma sociedade do “jogar fora” e se
converta em uma sociedade saudável na maneira como gere o ciclo
de vida de seus materiais. Este é
um princípio ético, um valor subjacente à PNRS. Os remanescentes
do consumo devem ser reinseridos
e revalorizados por sua nova inserção na vida econômica sob a forma
de bens e serviços que agreguem
valor aos materiais que até então
eram considerados lixo. Isso supõe
a responsabilidade compartilhada,
como diz a lei. O ponto de partida
desta partilha está na revelação de
custos socioambientais hoje ocultos. O princípio tem de ser o do
poluidor pagador. A empresa que
Hoje os lixões e aterros
sanitários ainda recebem
40% dos resíduos gerados
no país
julho/dezembro 2013
foto: Marcello Casal/Agência Brasil
Ricardo Abramovay – Seria ilusório imaginar que a gestão dos
resíduos sólidos vai mudar da água
para o vinho numa certa data. É um
processo. O que tem data – e isso
provavelmente não será cumprido
– é o fim dos lixões, dos aterros
controlados, e a generalização dos
aterros sanitários. Em 2007, lixões
e aterros controlados recebiam
60% dos resíduos brasileiros. Hoje
isso baixou para 40%. Os maiores
municípios conseguiram avançar
na implantação dos aterros sanitários. Para pequenos municípios é
mais difícil, pois exige a formação
de consórcios que supõem mudar a
lógica com a qual se encara o tema.
Mas acabar com os lixões não é o
mais importante na PNRS. Este é o
mínimo dos mínimos para uma sociedade do século 21. Mas nem de
longe é o desafio mais importante.
15
16
Senac Ambiental
Senac Ambiental – A gestão adequada do lixo implica mudanças no
modelo econômico, no estilo de
vida e nos padrões de consumo.
Isso leva tempo e demanda investimento em educação. Em que é
possível avançar em curto e médio
prazos?
Ricardo Abramovay – Nos países
que mais avançaram nessa direção,
esse investimento foi feito pelo próprio setor privado. Na política europeia de Ponto Verde [mais informações no box], as empresas pagam
campanhas publicitárias interessantes que levam informação precisa ao consumidor sobre o que ele
deve fazer com seus resíduos. Dizer
que o consumidor não coopera por
razões culturais é um equívoco. Se
houver informação em campanhas
inteligentes e orientação precisa
nos próprios produtos, o consumidor tende a ter um comportamento
foto: Agência Brasil
Galpão de cooperativa
de reciclagem no Distrito
Federal: gestão adequada do
lixo é um dos maiores desafios
oferece um produto ao consumidor
tem de responder pela organização
e pelo pagamento do sistema que
vai permitir que esse bem seja devidamente coletado e reaproveitado,
transformado em nova fonte de riqueza. Isso vai onerar o consumidor, claro, que passará a pagar por
um custo cuja gratuidade, até aqui,
se exprimia em destruição de ecossistemas, em cidades sujas, rios
e mares poluídos. O desafio mais
importante é fazer no setor de embalagens, de eletrônicos, de pilhas
e lâmpadas aquilo que já se faz com
pneus, baterias automotivas, óleos
lubrificantes, embalagens de óleos
lubrificantes e embalagens de agrotóxicos: o setor privado (em coordenação com o setor público, claro)
organiza e paga pelo recolhimento
e pela destinação correta dos remanescentes daquilo que ofereceu ao
consumidor.
Senac Ambiental – O senhor tem
afirmado que a atuação do setor
privado é essencial para o sucesso
da PNRS. O que impede as grandes
empresas de adotar no Brasil práticas de coleta e recuperação de resíduos que já executam em outros
países?
Custo ambiental:
destinação inadequada
polui rios e lagoas
foto: Luis Sánchez, sob licença CC
adequado. Mas o mais importante é
a orientação da PNRS de que haja
redução, ou seja, de que se produza cada vez menos embalagens.
Esta é uma discussão fundamental: sempre que pudermos fazer em
casa aquilo que compramos, haverá
um ganho social imenso. Muitos
produtos, hoje, poderiam ser oferecidos de forma compacta, desde
que o consumidor fosse orientado a
acrescentar-lhes, por exemplo, água
na hora de sua utilização. Reduzir a
quantidade de embalagens e conceber um tipo de design que se volte
para uma desmontagem e uma reutilização fáceis e economicamente
viáveis (no caso dos eletrônicos,
isso é fundamental) são desafios
que vão exigir muita inovação, mas
que podem nos conduzir a uma sociedade melhor na maneira de utilizar os materiais de que depende.
Ricardo Abramovay – Os países
que estão conseguindo reduzir a
produção de resíduos e ampliar a
reciclagem obedecem a quatro determinações básicas. Em primeiro
lugar, o setor privado arca com os
custos da logística reversa. Esperar que o pagamento da reciclagem
venha das prefeituras é perpetuar
a sociedade do desperdício. Esta
foi a conclusão a que chegou uma
recém-criada organização norte-americana chamada Recycling Reinvented, que conta com apoio da
gigante global Nestlé Waters. Quem
julho/dezembro 2013
17
foto: Julio Avanzo, sob licença CC
tem de organizar e pagar pela coleta seletiva é o setor privado.
A segunda determinação é que
se formem organizações públicas
e não estatais, sob a direção do
setor privado (como já existe no
Brasil para pneus, embalagens de
agrotóxicos e óleos combustíveis)
e que colocam em funcionamento
esta logística reversa e fazem as
campanhas de informação para os
consumidores.
A terceira determinação é que o
consumidor tem um papel decisivo, não apenas separando os materiais de maneira adequada, mas
pagando de forma clara e visível a
coleta de seus resíduos. A demagógica abolição da taxa do lixo no
Brasil e sua demonização foram
perdas importantes para a política
pública, pois escondem os custos
no imposto territorial e impedem
que se beneficiem aqueles que fazem gestão mais adequada.
foto: Shutterstock
Para Abramovay, a ação dos catadores é fundamental. “Não é admissível que continuemos
mandando riqueza para o lixo”, afirma
18
Senac Ambiental
Por fim, o Estado tem um papel
fundamental em articular toda esta
política e estabelecer metas para
que ela seja levada adiante.
Ricardo Abramovay – O Brasil
perde hoje, anualmente, oito bilhões de reais pela precariedade da
reciclagem. O objetivo tem de ser
lixo zero. Não é admissível, num
mundo que caminha para escassez de materiais e onde a economia pressiona a oferta de serviços
ecossistêmicos, que continuemos
mandando riqueza para o lixo,
mesmo que seja para aterros sanitários.
Senac Ambiental – Qual o valor
da reciclagem no contexto da redução de resíduos, já que ela não
contesta a cadeia de consumo?
Ricardo Abramovay – Quando os
custos da reciclagem começarem
de fato a ser pagos pelo setor privado (e, consequentemente, pelos
consumidores), as pessoas passarão a se questionar a respeito da
maneira como os produtos são embalados. Portanto há um potencial
de contestação quanto à cadeia
de consumo. Contrariamente a
uma imagem comum, o Brasil não
é uma sociedade de reciclagem. O
papel dos catadores é fundamental, como é fundamental que eles
se organizem melhor e seu trabalho seja mais valorizado, o que começa a acontecer. Esta valorização
não pode vir apenas do que eles
vendem. Ela tem de vir também
do serviço ambiental de retirar das
ruas produtos que iriam provocar
danos imensos. Alguns desses
produtos (latinhas, por exemplo)
têm valor. Outros, não. Mas é essencial pagar para que estes que
têm pouco valor também sejam
destinados à reciclagem.
foto: Shutterstock
Senac Ambiental – Lixo também
pode ser fonte de riqueza? De que
forma estamos avançando nesse
aspecto?
Ponto Verde
Conforme a legislação europeia sobre gestão de embalagens e seus
resíduos, os embaladores e importadores são responsáveis pela destinação adequada, pós-consumo, dos
materiais que produzem e comercializam. Dessa forma, ou cuidam
autonomamente desse processo ou
entregam a tarefa a terceiros devidamente licenciados.
Surgiu daí uma iniciativa chamada
Ponto Verde, desenvolvida pela organização Packaging Recovery Organisation Europe (PRO Europe), baseada
em Bruxelas, na Bélgica. A entidade
foi criada em 1995, reunindo um grupo de fabricantes de embalagens que
assumiu o compromisso com a coleta seletiva, o reaproveitamento e a
reciclagem de seus produtos.
A PRO Europe criou a chancela Ponto Verde, que tem status de referência de padronização e qualidade
no processo de coleta, separação e
reciclagem de embalagens usadas.
Os países que aderem ao sistema
firmam acordos com empresas certificadas, as quais ficam responsáveis
por todo o processo de descarte ou
reaproveitamento, e estabelecem
metas de reciclagem e destinação
adequada.
Saiba mais em www.pontoverde.pt e
www.pro-e.org.
julho/dezembro 2013
19
Tr abalho
Risco
diário
Modelo de coleta de lixo é
o grande responsável pela
taxa de acidentes envolvendo
profissionais de limpeza
urbana
Francisco Luiz Noel
foto: Eduardo Sengès/Comlurb
Lixeiro, gari, coletor de lixo, trabalhador da limpeza urbana ou, em
palavras ecologicamente corretas,
coletor de resíduos sólidos. As denominações variam, assim como as
formas de recolhimento do lixo e as
condições de segurança e saúde dos
brasileiros que atuam na atividade –
estimados em 225 mil pessoas pelo
Ministério das Cidades. Diariamente,
chova ou faça sol, eles coletam mais
de 150 mil toneladas de resíduos,
que somam volume superior a 55
milhões de toneladas por ano. Mas,
apesar da função de utilidade pública, esses trabalhadores nem sempre
recebem a devida atenção no debate
ambiental, ao contrário dos catadores, associados a temas de apelo popular como a reciclagem e a inclusão
social.
Prova de que os coletores merecem
um olhar mais atento dos governos e
da sociedade é a grande ocorrência
de acidentes de trabalho na categoria, uma das mais afetadas pelo problema na economia formal. Em 2011,
foram 6.588 casos – 18 por dia – registrados na coleta de resíduos não
perigosos, de acordo com o Anuário
Estatístico de Acidentes de Trabalho
(AEAT) lançado no ano passado pelo
julho/dezembro 2013
21
foto: Shutterstock
Coletores estão entre as categorias com mais altos índices
de acidentes de trabalho
Ministério da Previdência Social. O
AEAT 2011 mostra que a taxa de incidência de acidentes entre os coletores é de 65,66 por mil vínculos previdenciários. É uma das mais altas
exposições ao risco no mercado de
trabalho, contra média nacional de
18,13 casos por mil trabalhadores.
Cortes e perfurações nas mãos, mesmo com uso de luvas, são ocorrências típicas entre os coletores. Eles
também sofrem ferimentos em outras partes do corpo, entorses e quedas. Algumas podem levar à morte,
como nos casos em que caem do
estribo dos caminhões compactadores. No Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de
Serviços de Asseio e Conservação e
Limpeza Urbana de São Paulo, o diretor do Departamento de Saúde do
Trabalho, João Capana, alerta que o
número real de acidentes supera o
das estatísticas. “Chega ao dobro,
se consideramos as subnotificações,
22
Senac Ambiental
os acidentes ocorridos no serviço
público e aqueles que não tiveram
benefícios da Previdência”, afirma.
As mortes no trabalho foram pelo
menos três de janeiro a outubro de
2013. Em março, no município paranaense de Ponta Grossa, o coletor
Carlos Eduardo Felipe Alves de Souza, 22 anos, morreu atropelado por
um compactador da empresa Ponta
Grossa Ambiental quando o motorista deu marcha a ré. No mês de
junho, em Teresópolis (RJ), Luiz Fernando Pereira Barbosa, 28 anos, da
Sellix Ambiental, teve morte instantânea sob o caminhão após a quebra
do suporte em que se pendurava.
Outro que morreu atropelado pelo
compactador, em agosto, em Criciúma (SC), foi Júlio Cesar Líbero, 35
anos, ao escorregar e ser colhido por
uma das rodas dianteiras do veiculo,
da empresa JC Lopes.
Quanto aos cortes e perfurações,
grande parte decorre da negligência
da população ao acondicionar vidro
quebrado, lâminas, agulhas de seringas e outros objetos perfurantes
nos sacos plásticos, que se tornaram
marca do descarte de lixo no Brasil.
“Não é comportamento comum
pensar no gari. As pessoas não se
preocupam com o fato de que o lixo
vai ser movimentado por alguém”,
queixa-se na Companhia Municipal
de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb) o coordenador especial
da Diretoria Técnica e de Logística,
Gustavo Puppi. Além de luvas de
borracha nitrílica, resistente a perfurações, e uniformes reforçados, a
empresa – a maior do país – é das
poucas que fornecem borzeguins
com palmilhas de metal, para evitar
que objetos pontiagudos furem os
pés dos garis.
Tolerância ao risco
Autor de tese de doutorado sobre
segurança e saúde dos coletores e
perito do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul, o engenheiro Luiz Carlos Alves da Luz lamenta a tolerância social em relação
aos riscos na rotina dos coletores
de lixo. “Há uma falsa ideia de que
não existem coisas viáveis economicamente que possam ser feitas para
que sejam melhoradas as condições
de trabalho daqueles que lidam com
resíduos sólidos, principalmente na
coleta domiciliar. Isso resulta em
uma aceitação tácita das condições
de labor vividas por eles”, lamenta.
Luz, que apresentou a tese em 2011,
com dados colhidos em Campo
Grande e no município paulista de
Penápolis, constatou que 76% dos
acidentes com coletores estavam
relacionados a cortes ou perfurações – e 7%, provocados por agulhas de seringas. As partes do corpo
mais atingidas foram mãos, pernas
e joelhos. “Ao acondicionar inadequadamente o resíduo perfurante
ou cortante, a população torna-se
a principal responsável pelos aci-
dentes com os coletores”, critica.
Quanto ao risco biológico, 65% das
enfermidades e dores relatadas pelos trabalhadores se referiam a micoses, sarnas e larva migrans cutânea
(o popular bicho geográfico).
Em face da vulnerabilidade da categoria frente aos riscos – alguns
inerentes à coleta manual –, cresce
entre gestores do setor, sindicalistas
e estudiosos a defesa da mecanização do recolhimento de lixo nas cidades brasileiras, a exemplo do que
é feito em muitas da Europa e dos
Estados Unidos. Na base do modelo está a coleta em prédios, ruas e
comunidades por meio de contêineres, esvaziados mecanicamente nos
compactadores, cabendo aos garis
a operação do sistema, sem contato com os resíduos. Pioneira na
conteinerização semiautomatizada,
iniciada no Rio há 15 anos, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) distribuiu aos cariocas,
em 2012, 50 mil desses recipientes.
São feitos de plástico e têm capacidade para 240 litros.
Outra rota tecnológica que desponta
no Brasil é o uso de contêineres metálicos de alta capacidade, erguidos
e despejados nos compactadores
por dispositivo de carregamento lateral. Adotado em vários locais de
Porto Alegre e das cidades gaúchas
de Caxias do Sul, Santa Maria, Pelotas, Venâncio Alves e Bagé, o sistema foi lançado no país em 2007 pela
empresa chilena Themac, subsidiária
de um grupo industrial da Itália. No
Rio, 200 desses contêineres, cobertos, com 3,2 mil litros, estão sendo
testados pela Comlurb em comunidades de baixa renda.
“A conteinerização combina a segurança do trabalhador com a produtividade. É muito mais rápido do que
catar saco de lixo no chão e jogar no
caminhão”, diz o coordenador Gustavo Pupp, da companhia carioca,
que coleta sete mil toneladas de lixo
julho/dezembro 2013
23
foto: Shutterstock
trabalham os coletores aparece no
Diagnóstico do Manejo de Resíduos
Sólidos Urbanos 2011, do Ministério
das Cidades. Divulgado em junho,
como parte do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento, o
trabalho reúne dados de 2.100 municípios, onde viviam 130 milhões
de pessoas – 67,7% da população
dos 5.565 municípios brasileiros. Nas
áreas urbanas, a coleta de resíduos
domiciliares atendia 98,4% dos moradores, tendo na dianteira a Região
Sul, com 99,4% de cobertura, e na
retaguarda a Norte, com 94,8%.
A participação voluntária no Diagnóstico sugere que as 2.100 prefeituras – a maioria, de pequeno porte
– possuem níveis mínimos de coleta
dos resíduos sólidos e de gestão das
informações geradas no serviço. Na
média, o volume de lixo domiciliar e
público coletado por dia foi de 0,96
quilo por morador urbano, somando
113 mil toneladas diárias no universo pesquisado, correspondentes a
41,5 milhões de toneladas no ano.
Projetando o cálculo para as áreas
urbanas de todo o país, o Ministério
estimou o recolhimento de 151,6 mil
toneladas de lixo por dia, totalizando
55,3 milhões de toneladas no ano.
Diagnóstico nacional
Na coleta dos resíduos nos 2.100
municípios, foram utilizados 16.896
veículos, dos quais 6.513 (38,5%)
eram caminhões compactadores. Os
basculantes, de carroceria comum
e baús somaram 7.412 (43,9%); os
tratores com reboque, 1.959 (11,6%);
os caminhões poliguindastes, 428
(2,5%); os veículos de tração animal,
413 (2,4%); e as embarcações, 171
(1%). De acordo com o Diagnóstico,
as empresas privadas eram proprietárias de 4.579 (70,3%) compactadores, 4.264 (57,5%) outros caminhões
e 274 poliguindastes (64%), controlando uma frota de 9.888 (58,5%) veículos de todos os tipos.
Na falta de números totalizantes sobre a coleta no país, o retrato mais
aproximado da realidade em que
No manejo do lixo, segundo o Ministério das Cidades, foram mobilizados 225.532 trabalhadores em todo
domiciliar por dia. Em São Paulo, o
diretor sindical João Capana, técnico
em segurança do trabalho, também
defende avanços tecnológicos que
dispensem o coletor do manuseio
do lixo. “A conteinerização é a melhor saída. Enquanto o trabalho for
feito de forma manual, os riscos estarão aí”, adverte.
24
Senac Ambiental
Falta de padrões
Pelas peculiaridades da profissão, a
Federação Nacional dos Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação, Limpeza Urbana, Ambiental e Áreas Verdes defende que os
padrões de segurança e saúde na
coleta de lixo tenham norma regulamentadora especial do Ministério
do Trabalho e Emprego. A proposta,
feita com base em manual de segurança da Comlurb, foi acolhida em
setembro pela Comissão Tripartite
Paritária Permanente do Ministério,
composta por representantes das
centrais sindicais, confederações
patronais e governo.
“Cada lugar do Brasil coleta de uma
maneira diferente. Em alguns, ainda usam tração animal; em outros,
os trabalhadores são transportados
com o lixo em caminhões basculan-
tes. Há situações em que os veículos
são muito altos para os coletores e
as lixeiras também. Propomos uma
padronização, pois tudo isso são fatores de acidentes”, explica o sindicalista João Capana, acrescentando
adversidades que resultam de problemas de conservação das cidades
brasileiras: “Além de ter de correr
com o saco de lixo, o gari sofre com
as calçada e ruas esburacadas, que
provocam entorses e quedas”.
A exemplo da maioria das categorias
profissionais, a dos coletores tem regras de segurança e saúde espalhadas por várias normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho. A
natureza insalubre da profissão é
prevista na NR 15; os parâmetros
ergonométricos para equipamentos
e instalações, na NR 17; as medidas especiais para o trabalho a céu
aberto, na NR 21; as condições sanitárias e de conforto nos locais de
trabalho, na NR 24; e as precauções
obrigatórias para o recolhimento de
lixo hospitalar, na NR 32. Na defesa
de uma norma específica, sindicatos
foto: Shutterstock
o Brasil em 2011. A maioria esteve
a serviço das empresas privadas:
120.892 (53,6%). Somados os contingentes das companhias particulares
e das prefeituras, o Sudeste concentrava 117.104 trabalhadores; o Nordeste, 46.096; o Sul, 30.646; o Centro-Oeste, 17.938; e o Norte, 13.748.
julho/dezembro 2013
25
foto: Shutterstock
No Brasil, ainda
é predominante o
acondicionamento em
sacos plásticos
26
Senac Ambiental
pacionais na coleta em São Paulo.
A pesquisa reuniu dados de 2002 a
2010 e subsidiou o Ministério Público do Trabalho (MPT) em inquérito
que resultou numa ação civil pública
em favor de medidas para melhorar a
rotina dos garis paulistanos.
Profissão esquecida
A incidência do alcoolismo entre os
profissionais chamou a atenção da
psicóloga da Fundacentro logo nos
primeiros contatos, em 1990. “Nos
perguntávamos por que os coletores
bebem tanto. A questão nos levou a
perceber o sofrimento, a invisibilidade, as dores no corpo, a vergonha,
a exclusão do trabalhador”, lembra.
Tereza começou estudando o significado do trabalho com o lixo. “Eles
lidam com aquilo que não tem mais
utilidade para os outros, que não
tem mais valor. A vida desses trabalhadores denuncia a relação e a
associação histórica do lixo com sujeira, pobreza, prostituição e morte.”
Um dos fatores associados às condições de trabalho sofríveis no setor é
a delegação do serviço a empresas
privadas em muitos municípios. “O
fato de serem trabalhadores terceirizados faz que a precarização do
trabalho e a preocupação com as
questões de segurança e saúde deixem muito a desejar”, diz, na capital
paulista, a psicóloga Tereza Luiza
Ferreira, chefe do Serviço de Sociologia e Psicologia da Fundação Jorge
Duprat Figueiredo de Segurança e
Medicina do Trabalho (Fundacentro).
O sindicalista João Capana observa, porém, que em muitos casos “a
terceirização tem se mostrado mais
eficiente” para os coletores, comparada ao despreparo e à escassez de
recursos de pequenas prefeituras.
Em 2011, Tereza montou a exposição fotográfica Coletores de Lixo:
Arriscando, Brincando e Limpando, no Centro Técnico Nacional da
Fundacentro, no bairro de Pinheiros – endereço elegante por onde
os trabalhadores da limpeza urbana
só haviam passado antes para recolher o lixo. Formada por 40 painéis
legendados com falas dos coletores, a mostra estimulou a reflexão
pública sobre seus sentimentos e
percepções, marcados por vivências
de marginalização social. O conteúdo também resultou numa cartilha
sobre a realidade dos coletores e a
importância de a população embrulhar em papel os vidros quebrados,
agulhas e latas, a fim de evitar acidentes na coleta.
Há mais de duas décadas dedicada
ao tema, Tereza conta que, nos anos
1990, a abordagem ambiental da coleta dos resíduos sólidos ofuscava
completamente a realidade enfrentada pelos profissionais do setor. Um
dos estudos de que ela participou
foi o levantamento dos riscos ocu-
Expressão da desvalorização histórica do trabalho dos coletores foi o
episódio em que uma falha técnica
no jornal da TV Bandeirantes levou
ao ar, em 31 de dezembro de 2009,
uma alusão depreciativa do jornalista Boris Casoy a garis que haviam
dos coletores invocam o exemplo
dos trabalhadores de matadouros e
frigoríficos, que contam desde abril
com uma NR especial, a 36.
desejado feliz ano novo aos telespectadores. “Dois lixeiros desejando
felicidades do alto de suas vassouras! O mais baixo na escala do trabalho”, disse o apresentador. Pelo
comentário, pelo qual se desculpou
depois, Casoy e a emissora foram
condenados pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo a pagar indenização de R$ 21 mil, por danos
morais, a um dos coletores ofendidos, Francisco Gabriel de Lima.
Discussão judicial
As adversidades flagradas pelo MPT
entre os coletores paulistanos na década passada incluíam desde a falta
de equipamentos de proteção individuai (EPIs), como luvas, uniforme e
botas apropriadas, até a realização
de refeições em meio ao ambiente
de trabalho, passando por jornadas
de até 12 horas sem remuneração
extra. Como não houve acordo com
as empresas em torno de soluções,
o Ministério Público não só cobrou
providências, mas também pediu ao
TRT a punição das concessionárias
com a aplicação de multa indenizatória de R$ 10 milhões.
fotos: Eduardo Sengès/Comlurb
A ação civil pública aberta pelo MPT
em São Paulo, no ano de 2010, colocando na berlinda a Prefeitura e as
concessionárias Ecourbis Ambiental
e Logística Ambiental de São Paulo
(Loga), que recolhem as 10 mil toneladas de lixo domiciliar produzidas
diariamente na cidade, continua em
tramitação no Tribunal Regional do
Trabalho (TRT) da 2° Região. Em
outubro, a Prefeitura, as empresas
e o Ministério Público examinavam
laudo pericial sobre a situação atual
da coleta. Partiu das concessionárias a solicitação de nova perícia,
sob o argumento de que a ação foi
instaurada com base num quadro de
segurança e saúde superado pelas
empresas.
Contêiner de alta capacidade está sendo testado no município do Rio de Janeiro
Representante da Ecourbis no Sindicato das Empresas de Limpeza Urjulho/dezembro 2013
27
bana no Estado de São Paulo (Selur),
o superintendente de administração
da empresa, Adalberto dos Santos
Oliveira, afirma que “a realidade
mudou muito” nas condições de
trabalho dos coletores paulistanos.
”As empresas chegaram à conclusão de que o investimento em ações
preventivas é mais produtivo, além
de mais barato”, afirma, chamando
atenção para o aumento da preocupação com segurança e saúde na
gestão das concessionárias. No caso
da Ecourbis, Oliveira diz que a empresa tem priorizado 15 itens relacionados à prevenção de acidentes e à
promoção da saúde dos coletores e
motoristas.
Responsável pelo recolhimento do
lixo na populosa área sudeste da capital paulista desde 2004, a Ecourbis
é uma das gigantes do setor na América do Sul. Criada em 2004 pelo grupo Queiroz Galvão, emprega 2,4 mil
trabalhadores em duas grandes bases do serviço de coleta, nos bairros
de Itaquera e Campo Limpo. Opera
duas estações de transbordo e, no
bairro São Mateus, um aterro sanitário que recebe sete mil toneladas
diárias de resíduos. De acordo com o
superintendente de administração, a
concessionária tem sido rigorosa no
fornecimento dos recursos materiais
para a proteção dos coletores e, ao
mesmo tempo, investido em ações
lúdicas de conscientização para evitar acidentes na coleta e nos deslocamentos.
“O coletor só pode se deslocar até o
setor dentro da cabine do caminhão.
Se for pego fora do padrão, está sujeito a advertência e até demissão”,
assinala Oliveira, para acrescentar
que a empresa instalou cintos de
segurança adicionais nas cabines,
para proteção do trio de coletores
de cada veículo. Em parceria com
fabricantes, a Ecourbis desenvolveu
luvas e calçados especiais de alta
resistência, além de fornecer jaquetas de inverno e filtro solar para os
28
Senac Ambiental
coletores. Além de recorrer a vídeos
para difundir conceitos de segurança, a empresa dinamizou a Semana
Interna de Prevenção de Acidentes
de Trabalho, criou gincana associada ao tema e lançou o prêmio
mensal Acidente Zero, sorteando
brindes entre os coletores que não
se acidentam. “Eles se dedicam muito para não haver acidentes”, diz o
superintendente.
No sindicato dos coletores paulistanos, o dirigente João Capana reconhece que as condições de segurança melhoraram e que o tratamento
aos trabalhadores foi “mais humanizado”, mas ressalva que os problemas decorrentes da coleta manual
permanecem, gerando acidentes e
sobrecarregando os coletores. “O
modus operandi continua o mesmo,
quando a saída para a questão da
segurança e da saúde é a conteinerização. O volume de lixo aumentou
e o coletor está trabalhando mais.
Defendemos a diminuição da carga
horária, pois não dá para o trabalhador correr mais de 30 quilômetros
por dia subindo e descendo do caminhão”, reclama.
Exemplo catarinense
Por conta da atuação do MPT, Florianópolis tornou-se exemplo na adoção de soluções para o transporte
dos garis. Em 2010, Na condição de
ré em ação na Justiça do Trabalho, a
Companhia Melhoramentos da Capital (Comcap), vinculada à Prefeitura, firmou termo de ajustamento
de conduta (TAC) e descentralizou a
logística do serviço, erradicando os
riscos que os coletores corriam nos
estribos dos caminhões em estradas de alta velocidade. De pé, agarrados em suportes da carroceria,
eles se arriscavam em percursos de
até 50 quilômetros entre a sede da
empresa, no bairro continental do
Estreito, e locais como o Costão do
Santinho e Rio Vermelho, no norte
da ilha.
A Comcap ativou três bases regionais de operação, onde os coletores
que moram em cada região passaram a tomar os caminhões, deslocando-se no estribo apenas em
trajetos de baixa velocidade, de uma
rua a outra. “Acabamos com 80% dos
riscos que corriam os garis”, salienta
o presidente da companhia, Ronaldo
Freire. “Investimos na segurança e
ainda obtivemos ganho de tempo na
operação, embora o grande objetivo
tenha sido a proteção do ser humano”. Em trajetos mais longos, os garis viajam em trio na cabine, com o
motorista, ou em Kombis.
Embora exemplos de respeito a normas de segurança humanizem a rotina dos coletores, perdura o problema de fundo da coleta à brasileira:
o modelo manual. “Em nosso país,
quando se fala em pequenos geradores de resíduos sólidos, predomina o acondicionamento em sacos
plásticos, incluindo as sacolas de supermercados, dispostos na frente de
residências ou pontos de comércios
para que sejam coletados. Isso dificulta a coleta mecanizada e, devido
à pequena distância entre os pontos
de coleta, favorece a utilização de
veículos com estribos”, salienta o engenheiro Luiz Carlos Alves Luz. Por
causa do descarte do lixo em sacos
na porta de casas e lojas, o desafio
do Brasil é mudar hábitos culturais
e modelos de coleta, a fim de livrar
dos riscos os coletores de resíduos
sólidos.
Coleta mecanizada
proporciona maior
segurança
foto: Shutterstock
No quesito salário, a Comcap também se destaca, ao lado de Rio de
Janeiro, Brasília e São Paulo. Na capital catarinense, a remuneração do
coletor iniciante soma R$ 2 mil mensais, contados salários, adicional de
insalubridade, gratificações e benefícios como vales-refeição e transporte. Dos 394 garis, 205 atuam na
coleta convencional, 55 na seletiva
e os demais em outros serviços. No
contingente, em que 129 completaram o ensino médio e 37 têm esse
nível incompleto,123 trabalhadores
possuem de dez a 20 anos de casa
e 117 têm pelo menos cinco anos.
Caso raro no setor em todo o país,
sete garis exercem postos de chefia
– entre eles, Lidnei Machado Rodrigues, gerente do Departamento de
Coleta de Resíduos Sólidos.
julho/dezembro 2013
29
foto: Shutterstock
R eciclagem
Lixo
que rende
Política delega
responsabilidades aos
produtores de resíduos sólidos
e beneficia catadores
Carolina Massote
A geração de lixo é uma preocupação recorrente nos grandes centros
urbanos. A gestão do enorme volume de resíduos é um velho e conhecido problema, que, no caso do
Brasil, ainda parece longe de uma
solução. No estado do Rio de Janeiro, com 92 municípios, existem
apenas 11 aterros controlados, que
recebem o lixo de 16 municípios1.
O prejuízo fica não somente para
as gerações futuras, mas também
para as atuais, como afirma a professora Katia Dantas, da Engenharia
Ambiental da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), que usa o
exemplo do deslizamente de terra
no Morro do Bumba, no município
de Niterói, há três anos, para alertar
sobre o perigo do acúmulo de gás
metano. “Poucas pessoas sabem
por que não se deve ocupar um aterro”, diz.
Katia coordena o programa Recicla
CT, no Centro Tecnológico da UFRJ,
e ressalta que a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS), que foi discutida durante 19 anos, é um avanço
significativo na gestão da reciclagem
no país. Para a professora, o resumo
1
Fonte: bit.ly/lixorj
julho/dezembro 2013
31
de toda a questão da reciclagem reside no inciso VII do artigo 3º da lei:
a destinação final ambientalmente
adequada. Ela aponta a causa da demora para a aprovação da lei:
fotos: Carolina Massote
“Na PNRS, fica estabelecida a responsabilidade de cada parte na gestão de resíduos sólidos. Assim, as
empresas que lucram com a geração
de lixo têm a obrigação de contribuir
com a logística reversa”.
A logística reversa, de acordo com o
site do Ministério do Meio Ambiente,
constitui “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações,
procedimentos e meios destinados a
viabilizar a coleta e a restituição dos
resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu
ciclo ou em outros ciclos produtivos,
ou outra destinação”.
Sancionada em 2010, a PNRS estabeleceu também uma hierarquia
para a gestão de resíduos sólidos.
Assim, há uma ordem de prioridade no seu reaproveitamento: não
geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos
sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Lançado em 2007, o Recicla CT possibilitou a existência de um centro
32
Senac Ambiental
de triagem dentro da universidade,
para onde todo o lixo coletado é levado. A vantagem é grande, já que se
poupam viagens de caminhão com o
grande volume de material produzido semanalmente.
A Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec), da UFRJ, contratou
dois catadores de lixo para auxiliar
no processo de triagem. Um deles é
Mônica Auxiliadora, que trabalhou
como catadora durante seis anos e
desde 2010, com carteira assinada,
ocupa o cargo de agente ambiental
– embora o nome desse posto ainda
não esteja no quadro oficial da instituição.
Antes de ser contratada pela fundação, Mônica atuava em grandes
eventos. Ela explica que, nessas
ocasiões, por exemplo, empresas
que atuam com a reciclagem costumam contratar cooperativas de catadores para deixar os locais limpos.
Em geral, a prefeitura não participa
de nenhuma etapa no processo de
limpeza desses espaços. Mônica estima que um turno de quatro a seis
horas renda aos catadores cerca de
R$ 100, além de R$ 130 para o catador líder.
Segundo ela, materiais de polipropileno, como as latinhas de alumínio,
são os mais procurados pelos catadores de lixo, em detrimento de
outros tipos de materiais, como o
poliestireno, muito usado para fabricar garrafas e sacos plásticos. “O poliestireno rende pouco, por isso ninguém está comprando a tonelada.
Isso resulta em um prejuízo enorme
para o meio ambiente”.
A professora Katia Dantas completa:
“Em outros países, pode-se cometer
o erro de pensar que o Brasil recicla
muito, porque 98% das latinhas de
alumínio são recicladas. Os grandes
recicladores, como a Alemanha e a
Holanda, reciclam 60% do seu mateiral. É simples amassar e carregar
as latinhas, além do lucro que elas
dão. Mas esse percentual não se repete com os outros materiais”.
Cooperativas fortalecem
profissão
A UFRJ obedece ao Decreto 5.940,
que institui a separação dos resíduos
recicláveis descartados por órgãos da
Administração Pública Federal, direta
ou indiretamente, na fonte geradora,
bem como sua destinação a associações e cooperativas de catadores de
materiais recicláveis. O transporte é
financiado pela Prefeitura. Assim, o
material segue dali, semanalmente,
para a Cooperativa Popular Amigos
do Meio Ambiente (Coopama).
Localizada no bairro da Maria da
Graça, no subúrbio do Rio, a Coopama foi fundada em 2003 e conta com
63 catadores, que organizam o material que chega diariamente ao local. A média diária de lixo recebido é
de oito toneladas. O diretor administrativo, Luiz Carlos Fernandes, conta
que, além das instituições públicas,
o material chega de residências, condomínios e empresas.
“A maior dificuldade que temos hoje
é com o transporte”, afirma. “O material é muito, mas contamos com
apenas um caminhão. Às vezes temos de recorrer ao aluguel de transporte. Embora algumas empresas e
moradores colaborem trazendo o
material, nós temos de buscá-lo na
maior parte das vezes.”
O diretor também diz que alguns lugares não fazem a coleta seletiva antes
de enviar o material para a Coopama.
Por isso a contaminação do material
e o lixo orgânico são também fatores
negativos e um risco para a realização
do trabalho dos catadores.
A Cooperativa recebe material eletrônico e faz o chamado “desmanche”, separando plástico e metal. O
destino final são empresas que trabalham com reciclagem.
As consequências da implantação
da lei já foram sentidas em alguns
julho/dezembro 2013
33
34
Senac Ambiental
setores de profissionais que lidam
com a coleta de lixo. O Movimento
Nacional dos Recicladores de Materiais Recicláveis (MNCR), por exemplo, aponta mudanças significativas
após a sanção da PNRS, como a
preocupação com a inclusão socioprodutiva de catadores de materiais recicláveis, estabelecendo parcerias formais com as cooperativas e
associações da classe.
“A vida dos catadores de lixo, definitivamente, melhorou nos últimos
anos”, afirma Nilza Soares, técnica
em Pesquisa Ambiental e consultora da Coopama. “Hoje, no município
do Rio de Janeiro, existem 18 a 20
cooperativas que contratam catadores que vieram do Jardim Gramacho
[onde, até bem pouco tempo atrás,
funcionava um lixão]. Eles ganham
melhor agora”.
No entanto, apesar dos avanços obtidos com a lei, ainda há muito a ser
feito. Ainda de acordo com o MNCR,
a legislação abre uma brecha que
desvirtua seus princípios: a possibilidade de adoção de incineradores
de lixo como destino final. A incineração, de acordo com a assessoria
do movimento, é uma tecnologia
incompatível com a reciclagem, pois
compete diretamente com os programas de recuperação e necessita
de um investimento altíssimo durante a contrução dos equipamentos e em toda sua vida útil em manutenção e prevenção de acidentes.
Além disso, o processo prejudica a
saúde, pois produz gases que causam câncer.
Nilza afirma que, embora a classe
ainda não tenha alcançado o patamar ideal, ela caminha para isso. “Até
a implantação da PNRS e do decreto
5.940, as leis que diziam algo a respeito do catador eram basicamente
aquelas sobre saneamento básico”,
diz. “É de interesse do Governo Federal que essas pessoas saiam da
categoria abaixo da linha da pobreza, e ele tem demonstrado grande
preocupação em relação à classe”.
A técnica destaca que os catadores
têm participado de debates, e a sociedade vem pressionando cada vez
mais as instituições para que elas
cumpram seu papel e ajudem na
reciclagem do lixo produzido. Nilza,
porém, também aponta problemas:
“Embora a Companhia Municipal de
Limpeza Urbana, hoje, esteja destinando diretamente resíduos para as
cooperativas, a empresa ainda não
faz coleta seletiva. Então, muitas vezes, o lixo orgânico chega junto com
o lixo reciclável e o contamina.”
Apesar do atraso, os setores envolvidos com a reciclagem expressam
otimismo após a implantação da
PNRS. “A política é uma referência
da legislação para a organização dos
municípios. A competência é deles.
Agora é esperar para que saia do papel e vire prática”, afirma a professora Katia Dantas.
fotos: Carolina Massote
De acordo com Nilza, a maior parte
dos municípios brasileiros não fez o
plano de estabelecimento – e aqueles
que já o providenciaram não o fizeram de maneira clara. “Não existe ainda um sistema de coleta eficiente no
Rio de Janeiro. Por enquanto, apenas
alguns bairros da Zona Sul e da Zona
Norte fazem coleta seletiva.”
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) também promove ações
para fomentar a reciclagem. O Programa Coleta Seletiva Solidária
atua capacitando gestores públicos para a implantação de programas municipais de coleta. Também mantém linhas de ação voltadas para órgãos públicos e catadores.
O Inea é um órgão executivo da Secretaria do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro que mantém vários projetos e programas
de melhoria à gestão de resíduos nos municípios. Como forma de
fortalecimento desses projetos e programas, tendo como base a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, foi lançado em setembro o
Pacto pela Reciclagem, reunindo, além do Coleta Seletiva Solidária, mais seis programas que promovem iniciativas relacionadas à
reciclagem.
De acordo com a assessoria do órgão, o programa oferece assessoria a 65 municípios do estado. Vinte deles chegaram a implantar
os seus programas municipais de coleta seletiva solidária. Nessas
cidades, o material reciclável é coletado por intermédio do serviço
municipal e doado às cooperativas de catadores.
julho/dezembro 2013
35
N otas
fotos: Shutterstock
COP-19: acordo
frustrante
Concentração
recorde de CO2
Mais uma Conferência das Nações
Unidas sobre o Clima – a COP-19,
realizada em Varsóvia, na Polônia,
no final de novembro – terminou
sem grandes razões para entusiasmo. O encontro foi marcado por uma
atitude radical das organizações da
sociedade civil, que abandonaram
o evento antes do fim, em protesto
contra o rumo das negociações.
Houve acordo em torno da criação
de um mecanismo de perdas e danos para auxiliar as nações mais vulneráveis a eventuais consequências
de eventos provocados pelas mudanças climáticas, como furacões e
inundações. Também foi estabelecido um fundo mundial para Redução
de Emissões por Desmatamento e
Degradação das florestas, o REDD,
de modo que os países que preservarem suas áreas verdes sejam recompensados financeiramente.
De qualquer forma, foi estabelecido
um roteiro para um possível acordo
sobre redução de emissões de carbono na próxima Cúpula, marcada
para daqui a dois anos, em Paris,
na França. Mas os 195 países participantes preferiam adotar o termo
“contribuições”, em vez de “compromissos”, ao se referir às propostas
que apresentarão em 2015.
Mais informações em
bit.ly/copvarsovia.
Em relatório divulgado no final de
setembro, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), formado por especialistas
vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), alertou para a
concentração recorde de dióxido
de carbono (CO2) na atmosfera.
As consequências, cada vez mais,
tendem a ser o aumento do nível
dos oceanos e maior incidência de
eventos climáticos extremos, como
secas, nevascas, grandes tempestades e furacões.
Nível do mar em alta
A revelação de que o aumento do
nível do mar, neste século, tem
sido o dobro da média registrada
no século passado é mais um dado
a confirmar os efeitos preocupantes das mudanças climáticas no
planeta. A média de elevação atual
é recorde: 3,2 milímetros por ano,
de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, que divulgou
a notícia em novembro, durante a
COP-19 (mais informações sobre
o evento na nota “COP-19: acordo
frustrante”). As consequências são
piores para as cidades litorâneas,
que tornam-se ainda mais vulneráveis a grandes tempestades e
tufões.
A organização apontou ainda que
as temperaturas também estão
igualmente elevadas. Este ano já
é o sétimo mais quente da história
desde o início das medições, em
1850, considerando apenas os primeiros nove meses de 2013. Neste
período, temperaturas recordes foram aferidas em países como Austrália, China, Coreia do Sul e Japão.
36
Senac Ambiental
Este é o quinto relatório divulgado
pelo IPCC desde 1990. Os cientistas
– entre os quais estão alguns brasileiros – buscam chamar a atenção
de governos e da sociedade global
para a grande ameaça provocada
pela ação humana com as emissões
resultantes da queima de combustíveis fósseis. O diagnóstico aponta
para um aumento de pelo menos
1,5oC na temperatura média do planeta até o final deste século.
N otas
Contaminação: os dez mais
Um dos dez locais mais poluídos do mundo fica na América do Sul: é o rio
Matanza-Riachuelo, na Argentina, contaminado pelos resíduos lançados por
cerca de 5 mil indústrias. A lista, divulgada no início de novembro, inclui
ainda países como Rússia, Indonésia, Bangladesh e Gana. O levantamento
foi feito pelo Blacksmith Institute, organização que se dedica a projetos de
despoluição em países em desenvolvimento e está baseada em Nova York,
nos Estados Unidos. De acordo com a entidade, a contaminação ambiental
põe em risco a saúde de aproximadamente 200 milhões de pessoas em
todo o planeta.
Veja a lista dos dez lugares
mais poluídos (divulgada em
ordem alfabética de país) e,
entre parênteses, as substâncias nocivas encontradas:
Rio Matanza-Riachuelo,
Argentina (compostos orgânicos voláteis, em especial o
tolueno)
Hazaribagh, Bangladesh
(cromo)
Lixão Agrobloshie, Gana
(chumbo, cãdmio e mercúrio)
Rio Citarum, Indonésia
(chumbo, cádmio, cromo e
pesticidas)
Kalimantan, Indonésia
(cádmio e mercúrio)
Delta do rio Níger, Nigéria
(petróleo)
Dzershinsk, Rússia (sarin,
chumbo, fenóis e subprodutos tóxicos)
Norilsk, Rússia (metais
pesados)
Chernobyl, Ucrânia (radionuclídeos)
Kabwe, Zâmbia (chumbo)
Menos automóveis
em Barcelona
Incentivar caminhadas, estimular
o uso de bicicletas e do transporte
coletivo é o caminho para reduzir
em 30% a quantidade de veículos
nas ruas de Barcelona nos próximos cinco anos. O município está
desenvolvendo um plano de mobilidade urbana com medidas específicas para cada tipo de transporte. O
estopim dessa iniciativa foi a multa
de cerca de meio milhão de euros
aplicada pela Comissão Europeia
por não cumprimento da norma de
qualidade do ar.
A ideia é incentivar a carona solidária, desenvolver um sistema que
torne a passagem mais barata para
quem usar ônibus com mais frequência, criar vias exclusivas para
os coletivos, ampliar calçadas e ciclovias, além de integrar o uso de
bicicletas com o transporte público.
julho/dezembro 2013
37
N otas
Copa motiva
investimento em
parques nacionais
foto: Pedro Spoladore, sob licença CC
O Governo Federal promete investir R$
10,4 milhões para obras de emergência
em 16 parques nacionais, com o objetivo
de atrair mais turistas e oferecer conforto aos visitantes, aproveitando o período
da Copa do Mundo de futebol, em 2014.
A iniciativa é resultado de uma parceria
entre os ministérios do Meio Ambiente e
do Turismo.
Entre as unidades de conservação contempladas estão o arquipélago de Fernando de Noronha (PE), o Parque Nacional da
Tijuca (RJ), o Parque Nacional do Iguaçu
(PR), a Chapada dos Veadeiros (GO), o Parque Nacional de Brasília (DF) e a Chapada
dos Guimarães (MT) .
Para o ministro do Turismo, Gastão Vieira,
esse investimento deve aumentar a competitividade do turismo brasileiro. “Nesse
primeiro momento, é um banho de loja,
uma tentativa de dar mais conforto ao turista. Tivemos quase sete milhões de visitantes nos parques nacionais. Precisamos
nos preparar para tratar o turista bem”,
explicou.
Chapada dos
Guimarães
38
Senac Ambiental
Malária: 3,4
bilhões ainda
vivem em áreas
de risco
O Relatório Mundial sobre
a Malária 2013, divulgado
em dezembro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), registra avanços significativos no combate à doença e estima que, com o aumento das medidas de prevenção e controle, 3,3 milhões
de vidas teriam sido salvas desde 2000. Em 2012, porém,
cerca de 207 milhões de casos foram diagnosticados, com
aproximadamente 627 mil mortes – das quais a maioria é
de crianças com idade inferior a 5 anos. De acordo com o
documento, quase 3,4 bilhões de pessoas ainda vivem em
áreas de risco, em especial na África e no sudeste asiático.
Sobre o Brasil, o relatório faz a previsão de que o país –
hoje responsável por 52% dos casos da doença e 59% das
mortes registradas no continente americano – conseguirá
reduzir em 75% os casos de malária até 2015.
A OMS anunciou que está desenvolvendo uma estratégia
global para o controle e a erradicação da malária a ser
adotada no período de 2016 a 2025. O fundo global para
controle da doença passou de 100 milhões de dólares, em
2000, para dois bilhões de dólares, em 2012.
N otas
O Brasil assume em fevereiro a
presidência do grupo C-40, que
reúne prefeitos de algumas das
principais metrópoles mundiais
para discutir e propor medidas capazes de combater as mudanças
climáticas. A escolha foi anunciada em novembro: o prefeito do Rio
de Janeiro, Eduardo Paes, será o
sucessor do prefeito de Nova York,
Michael Bloomberg. A transmissão
do cargo ocorre durante a próxima
reunião do grupo, a ser realizada
em Joanesburgo, na África do Sul.
Durante a Rio+20, o C-40 anunciou o compromisso de reduzir
em 1,3 bilhão de toneladas suas
emissões de gases do efeito estufa até 2030, o que talvez tenha
sido a principal notícia de toda a
conferência. O prefeito do Rio vai
liderar gestores de 58 cidades que
compartilham conhecimento e ex-
foto: C-40 Cities
Brasil assume
presidência do
C-40
Michael
Bloomberg e
Eduardo Paes
periências em busca de modelos
mais sustentáveis. Apenas três cidades brasileiras fazem parte dessa composição – além do Rio, São
Paulo e Curitiba estão no grupo.
Segundo Paes, chegar à presidência
da C-40 é uma oportunidade fan-
tástica. “O Rio é a primeira cidade
de um país em desenvolvimento do
hemisfério sul a assumir a presidência do C-40. Cada vez mais, as cidades assumem um protagonismo
maior. O processo de intercâmbio
entre elas é fundamental”, afirmou.
julho/dezembro 2013
39
Flor a
Primavera
pantaneira
Espetáculo raro e que dura
apenas alguns dias, floração
da piúva é uma das mais
espetaculares manifestações
da natureza
Texto e fotos:
Luiz Claudio Marigo
O Pantanal Mato-grossense é mundialmente conhecido por sua riqueza
faunística, que atrai turistas de todo
o mundo. Essa grande planície inundável de 160 mil quilômetros quadrados abriga cerca de 130 espécies de
mamíferos, 550 de aves, 180 de répteis e 50 de anfíbios. Devido a suas
paisagens abertas, que permitem
boa visibilidade, e à grande quantidade de indivíduos de cada espécie,
essa profusão de animais é facilmente observada a qualquer hora do
dia. Mesmo à noite, durante as “focagens” – excursões em caminhões
abertos para observação da fauna
noturna –, é possível avistar vários
animais. Uma viagem de Porto Jofre
a Poconé pela rodovia Transpantaneira durante a madrugada, quando
a estrada está praticamente deserta,
pode proporcionar a observação de
uma onça-pintada, alguns cachorros-do-mato, um mão-pelada, um
tapiti (o coelhinho selvagem brasileiro) ou uma anta, por exemplo. A
fama do Pantanal como um lugar privilegiado para observação de fauna
é merecida, mas parcial, injusta com
suas paisagens e sua flora, que são
subestimadas e relegadas a um plano menor.
julho/dezembro 2013
41
restas de ipês-amarelos, Tabebuia
aurea) e os piuvais (florestas de ipês
-rosa, Tabebuia ipe).
A flora pantaneira exibe pelo menos
3.500 espécies de plantas e diversas paisagens: rios, baías (lagoas)
com aguapés e as vitórias-régias
características do Pantanal –Victoria
cruziana (não a mesma espécie da
Amazônia), corixos, campos abertos,
capões de mata e florestas ao longo dos rios, matas secas parecendo
caatingas, carandazais (formações
de palmeiras-carandá, Copernicia
alba, muito semelhantes aos carnaubais da Caatinga), babaçuais,
cambarazais (florestas de cambarás,
Vochysia divergens), paratudais (flo42
Senac Ambiental
Na planície do Pantanal, a lua cheia
nasce no horizonte, como quando
a avistamos surgindo no mar. Nesses dias, ela desponta no leste, em
oposição ao pôr-do-sol. A paisagem
ainda recebe a luz do sol quando a
lua surge, redonda e enorme, entre
as árvores esparsas nos campos
naturais de capim-mimoso, a forrageira nativa da região. As árvores
preservadas pelo fazendeiro tradicional são as piúvas, como são localmente chamados os ipês-rosas.
Onde predomina o capim-mimoso,
o fazendeiro do Pantanal não introduziu o capim braquiária, de origem
africana. Para aumentar as pastagens, eliminou as matas e deixou o
capim-mimoso expandir-se. Mas nas
pastagens pantaneiras o homem evitou derrubar as piúvas.
Segundo Harri Lorenzi, em seu livro Árvores Brasileiras, volume 3, a
piúva é uma árvore de grande porte,
a mais alta do Pantanal, crescendo
até 30 metros de altura. Tem tronco reto e cilíndrico, com diâmetro
entre 50 centímetros e um metro e
quarenta e de casca grossa, pardacenta, com fissuras longitudinais. “É
uma espécie característica e exclusiva das florestas ripárias do Pantanal
Mato-grossense, onde é frequente
e abundante”. A piúva impressiona
pela bela arquitetura de sua exuberante copa, com galhos fortes e
longos que se espalham em todas
as direções. É uma planta que gosta de sol e água e, embora sendo
vegetação primária, encontrada no
meio das matas que crescem ao
longo dos rios, “tem a capacidade
de regeneração em áreas abertas”.
Essa característica da piúva torna-a
a espécie dominante dos campos do
Pantanal, e sua espetacular floração,
quando deixa cair todas as folhas e
cobre-se de flores cor-de-rosa em
formação densa, torna-a uma espécie extremamente ornamental para o
paisagismo.
A paisagem pantaneira dos piuvais
quase poderia ser considerada uma
obra de paisagismo. É uma paisagem
construída, formada pelos hábitos
conservacionistas do pantaneiro,
mas sem a intenção explícita de
criar um cenário para o ser humano,
– sem um design ou um plano para
formar aquele visual. Ela acontece
assim, simplesmente. Quase 83% da
área do Pantanal permanece em excelentes condições de conservação.
Isto se deve muito mais à dificuldade
de modificar uma região que é inundada periodicamente e à sua aptidão
para a pecuária extensiva, que não
exigiu a formação de pastagens artificiais – fato logo percebido pelo
fazendeiro do Pantanal, no início da
ocupação desse bioma.
A paisagem das piúvas escreve a história do Pantanal, sua colonização e
cultura. Segundo André Thuronyi, fazendeiro e dono da pousada Araras
Eco Lodge, na rodovia Transpantaneira, o ipê-rosa é uma madeira de
lei e, como a aroeira (Myracrodruon
urundeuva), era utilizado para a construção de currais, pontes, mourões
de cerca, casas e mobiliário. O pantaneiro evita derrubar as piúvas, pois
preza pela conservação de seus recursos naturais. “A aroeira teve seu
corte proibido, mas o ipê ainda pode
ser utilizado pelas fazendas para uso
próprio, embora não comercialmente. E quando o fazendeiro manda
passar o trator nos campos para
abrir mais pastagens, ele orienta
o tratorista para poupar os brotos
de piúvas que nascem espontaneamente, pois vai precisar delas mais
tarde.” Não há nenhuma intenção
estética, nenhum projeto artístico de
paisagismo, apenas uma visão utilitária. Mas isso é conservação da natureza – conservação dos recursos
naturais para futura utilização econômica. Quem poderia prever que
iria resultar em tanta beleza?
Tuiuiús (acima) constroem
ninhos gigantescos em
piúvas, cujas flores servem de
alimento para os bugios
Ao ver uma piúva toda coberta de
flores – e só de flores –, a tendência
do observador é ajoelhar-se em adoração a tanta beleza e majestade. No
entanto, somente em alguns anos, e
durante alguns dias apenas, num período de duas semanas no máximo,
julho/dezembro 2013
43
A grandiosidade da piúva
fica nítida na foto acima,
comparando-a com a figura do
homem ao seu lado
centenas de piúvas vestem a planície
pantaneira de rosa. É uma das mais
espetaculares manifestações da natureza brasileira.
É possível que a floração simultânea
das piúvas seja uma resposta das
árvores ao estresse hídrico a que
são submetidas durante a secura
prolongada. Um comportamento semelhante ao das plantas do Cerrado,
que florescem após os incêndios periódicos da região, também na estiagem. Nessa época, levanta-se uma
poeira fina, que paira sobre o Pantanal, e as matas perdem suas folhas,
assumindo um aspecto pardacento
ou acinzentado. Nas formações de
mata seca, encontradas ao longo da
rodovia Transpantaneira, destacamse cactos e bromélias espinhentas,
lembrando as vegetações do Chaco
paraguaio e da Caatinga nordestina.
Mas em poucos dias a paisagem
modifica-se com a brotação das flores das piúvas. Irrompe a primavera
pantaneira.
A floração das piúvas coincide com
a época de nidificação das aves no
Pantanal. Como se o intenso man-
44
Senac Ambiental
to cor-de-rosa que cobre a planície
saudasse, com a cor da maternidade,
a renovação da vida.
Se há ninhos pendentes em seus
galhos, as piúvas adornam esses
ninhos com buquês de várias flores
juntas, em forma de corneta, que parecem anunciar a glória da temporada. É o que acontece com os ninhos
pendentes dos graveteiros, aves da
mesma família do joão-de-barro.
Os ornitólogos Dalci Maurício Miranda de Oliveira e Roberto Brandão Cavalcanti, num estudo em
três épocas consecutivas de reprodução de tuiuiús no Pantanal
de Poconé, entre 1995 e 1997, assinalaram que, ao longo da rodovia Transpantaneira, os casais de
tuiuiús usaram 13 diferentes espécies de árvores para construir seus
gigantescos ninhos, mas 78% deles
estavam em forquilhas de piúvas. E
sob as grandes construções feitas
pelos tuiuiús geralmente encontram-se os lares de vários casais
de caturritas, o único representante da família das araras, papagaios
e periquitos que constroem seus
próprios ninhos. Todos os outros
psitacídeos utilizam ocos de árvores ou cavidades em rochas, barrancos ou cupinzeiros para nidificar.
As araras-azuis-grandes não aninham nas piúvas, que não apresentam ocos favoráveis a seus ninhos,
mas chamam a atenção do observador quando pousam em seus
galhos e contrastam o azul-cobalto de sua plumagem com as flores
cor-de-rosa. Uma pousada especializada em turismo de observação de aves na Transpantaneira
instalou ninhos artificiais de caixas
de madeira para atrair a nidificação
das araras-azuis-grandes em piúvas, pois em seus limites não existem as espécies que proporcionam
ocos apropriados para elas aninharem. As araras aceitaram esses
ninhos e agora deslumbram os turistas com sua presença, pois são
aves que logo se acostumam com a
proximidade dos homens, quando
não ameaçadas ou perturbadas.
Vários animais alimentam-se das
flores das piúvas. Diversos insetos
apícolas procuram o néctar das flores para produzir mel, assim como
diversas espécies de beija-flores,
que necessitam de alimentação de
forte teor energético. Papagaiosverdadeiros, papagaios-galegos
e diversos periquitos comem as
flores. Também próximo à rodovia Transpantaneira observam-se
diversas espécies de cracídeos
– de uma família de aves parecidas com seus parentes distantes,
os faisões asiáticos – em bandos,
comendo as flores das piúvas.
Principalmente na beira dos rios,
são aracuãs-do-pantanal, jacusde-barriga-castanha, cujubis e jacutingas-de-garganta-azul. É tão
intensa a predação das flores das
piúvas por essas aves, impedindo
a formação dos frutos, que alguns
ornitólogos afirmam que as populações das piúvas são afetadas
pela ação dessas aves.
Mas não são apenas as aves que
se alimentam das flores das piúvas.
Também os bugios regalam-se com
suas flores, aproveitando o sabor
adocicado de seu néctar. E quando as flores caem das árvores, são
os cervos-do-pantanal, os veadoscampeiros e mateiros, o gado e os
cavalos-pantaneiros que vêm se regalar com as flores no solo.
Urutau
camuflado
Até o homem come piúvas! Não as
flores, mas a casca das árvores. O
pantaneiro acredita que, fervida, a
casca combate o câncer e o extrato
da entrecasca é depurativo, bactericida e bom para o estômago. O
cerne contém lapachol (ou ipeína),
que supostamente inibe tumores e
alivia a dor.
Caminhando nas matas e nos campos do Pantanal, ou descendo os
rios em canoas com motor de popa,
é possível observar aves de todas as
espécies sobre as piúvas floridas.
Nas matas, o urutau, um mestre do
disfarce, ave noturna de cerca de 50
centímetros de comprimento, passa
os dias pousado em segura camuflagem sobre os galhos de piúvas, com
as quais sua plumagem se confunde
perfeitamente. Na beira dos rios, biguatingas, gaviões de diversas espécies e bandos de biguás fazem das
piúvas seus lugares de pouso.
Novateiro
As piúvas são um símbolo do Pantanal, mas não são as únicas árvores
capazes de transformar sua paisagem. Também os ipês-amarelos, os
paratudos (Tabebuia aurea), formam
grandes conjuntos – os paratudais
– que se cobrem de amarelo durante as floradas, que ocorrem mais ou
menos na mesma época das piúvas.
São um pouco menores do que elas,
atingindo até 20 metros de altura, e
mais delgados. Sua madeira é também menos resistente que a das
piúvas. Em sua utilização medicinal,
serve para tudo (daí seu nome): desde a cura de verminoses até problemas estomacais, diabetes, febres e
inflamações.
julho/dezembro 2013
45
Jacutingas-de-garganta-azul
De julho a setembro, antes das piúvas e dos paratudos florescerem, os
cambarás (Vochysia divergens) pintam
as margens dos rios de amarelo. São
milhares de árvores em formação
compacta. Sobrevoando o Pantanal, as florestas parecem um tapete
verde e amarelo. Os cambarás não
perdem as folhas durante a floração
e suas inflorescências crescem verticalmente na copa. O efeito, para
quem observa as árvores do alto,
como num sobrevoo, é de uma delicada textura. A espécie é endêmica
das várzeas da bacia dos rios Paraguai e Araguaia.
Na mesma época, a primavera pantaneira brinda o visitante com outras florações. Árvores isoladas nas
pastagens, de copa alta e estreita
com até 18 metros de altura, os louros-brancos (Cordia glabrata), ou louros-pretos, ou claraíbas, apresentam
pequenas flores totalmente brancas,
formando floradas compactas, que
duram várias semanas. Abrem suas
flores na mesma época que as piú-
46
Senac Ambiental
vas e, como elas, sua floração acontece também depois que as árvores
deixam cair todas as folhas, o que
provoca forte impacto visual.
Nas matas ciliares ou em terrenos
bem alagados ao longo dos rios, a
canafístula (Albizia inundata), ou biguazeiro, ou timbó-branco, de cinco
a oito metros de altura, mostra flores delicadas, esbranquiçadas, de
beleza sutil. Já o novateiro, ou paude-novato (Triplaris brasiliana), é uma
planta dioica: as flores masculinas e
as femininas apresentam-se em indivíduos diferentes. As árvores com
flores femininas são exuberantes e
apresentam grandes cachos compactos de flores vermelhas, que contrastam com o verde da vegetação
ribeirinha. O conjunto dessas inflorescências é extremanente decorativo. As flores masculinas são mais
discretas, amareladas e menores.
No interior do tronco oco do paude-novato vivem formigas, o que lhe
empresta outros nomes populares:
pau-formiga e formigueiro. “Pau-de-
novato” indica que a pessoa inexperiente que encostar na árvore sofrerá
com o ataque das formigas.
Ao lado dos novateiros, também
em terrenos alagados na beira dos
rios, as abobreiras (Erythrina fusca),
ou suinãs, ou açacuranas, exibem
suas flores alaranjadas, mas mantêm
as folhas – ao contrário de outros
mulungus, espécies do gênero Erythrina. Ao longo dos rios Paraguai e
Cuiabá, na altura da Estação Ecológica Taiamã e do Parque Nacional do
Pantanal Mato-grossense, as abobreiras oferecem um espetáculo que
rivalizaria com as piúvas, embora
ocorram em formações distintas.
As paisagens do Pantanal ainda são
pouco conhecidas pelos turistas,
sejam estrangeiros ou brasileiros.
A abundância da fauna tende a nos
cegar para a beleza das paisagens
e da flora. Ou talvez não tenhamos
educado nossa sensibilidade para
perceber e compreender a paisagem. Começamos a publicar guias
de identificação de aves, de répteis,
de mamíferos, mas não temos ainda
a preocupação de relacionar, visual e
pictoricamente, esses grupos de animais com o ambiente em que vivem.
Araras azuis
Em última análise: deveríamos observar os atores, mas também o palco de suas performances.
Piúvas ao pôr-do-sol
julho/dezembro 2013
47
C omunidades
Pescadores
artesanais
resistem
Agronegócio e avanço
da monocultura de arroz
reduzem espécies de peixe nas
lagoas Mirim e dos Patos, na
fronteira com o Uruguai
Texto e fotos:
João Roberto Ripper
julho/dezembro 2013
49
Gauchinho e sua esposa,
Cleci, pescam juntos. Ela
diz que o barco também é a
casa deles
Quando venta muito no município
de Lagoa Mirim, “vai dar mar”, dizem os pescadores da colônia Z16,
na Vila do Porto, município de Santa
Vitória do Palmar, no Rio Grande do
Sul. Mesmo que ainda seja inverno,
eles saem para pescar. Algumas vezes, é impossível, e aí o jeito é esperar o dia seguinte e curtir a família
ou consertar redes e barcos. O porto
tem apenas uma avenida, a Getúlio
Vargas, e três ou quatro ruas, a maioria com casas bem coloridas e de
muro baixo. Cerca de 90 pescadores
artesanais vivem nessa comunidade
de Lagoa Mirim, na fronteira entre o
Brasil e o Uruguai, a 20 quilômetros
do arroio Chuí.
Binacional, a Lagoa Mirim é cercada
por quatro municípios brasileiros:
Rio Grande, Santa Vitória do Palmar,
50
Senac Ambiental
Arroio Grande e Jaguarão. Cada um
deles com pelo menos dois distritos.
Alguns são pequenas comunidades.
Os pescadores sabem que não é
fácil sobreviver de pesca na Lagoa
Mirim, a maior lagoa de água doce
do Brasil. Os mais antigos contam
que, em poucas décadas, sumiram
da Lagoa, pelo menos, cinco espécies de peixe. A competição também
é muito grande, pois são seis mil
trabalhadores que vivem da pesca
artesanal nas lagoas dos Patos e Mirim. Além disso, a lavoura de arroz
é ávida consumidora e poluidora das
águas. A resistência dos pescadores
às transformações socioambientais
só consegue manter as comunidades na atividade pesqueira porque
existe um sentimento de bem-querer
e de pertencimento ao território e à
profissão. Esse afeto é evidente no
uso medicinal de plantas e peixes,
no domínio de técnicas e sistemas
de manejo da pesca, nas crenças
religiosas e nas tradições culturais.
É claro que também nas histórias,
muitas histórias. Afinal de contas,
nenhum lugar ou pessoa tem apenas
uma história.
Lá, na divisa entre os dois países, as
atividades de pesca artesanal e agricultura de subsistência são comuns
a centenas de pescadores-agricultores, homens e mulheres. A natureza
mistura banhado, Mata Atlântica,
praias e dunas. Em harmonia com
essa natureza, vivem os ribeirinhos,
que retiram da lagoa o sustento de
suas famílias. Eles guardam uma
grande sabedoria sobre a vida das
águas e nas águas. Por exemplo,
que peixe-rei filhote, assim que é
pescado, deve voltar pra água; que
gordura de jacaré pode ser usada no
tratamento de doenças respiratórias;
que cabeça de peixe fervida é remédio pra enxaqueca; que banha de lagarto é boa contra dores reumáticas
e que óleo de capivara é bom para
o câncer.
A maioria dos pescadores artesanais
aprendeu sua profissão com seus
pais ou familiares próximos. São
histórias passadas de avô para neto
há centenas de anos que garantem a
existência dessa cultura ribeirinha. É
no exemplo e nas histórias contadas
que se forma a consciência ambiental do pescador. Na luta diária pela
sobrevivência, o pescador artesanal
vai acumulando uma fantástica sabedoria das coisas da terra, do céu
e da água. A relação com a natureza
é fundamental para a vida e para a
sua própria identidade. Hoje, ela faz
parte do sistema ecológico da região, representando a dimensão do
ser humano no grande ciclo da vida,
na imensidão da maior lagoa de água
doce do Brasil.
É de pai pra filho. A criança, muitas
vezes, vai cedo pescar ou assistir ao
trabalho dos pais, observando a arte
de estender a rede e depois colher.
Os filhos estão acostumados com
barco e rede e veem a mãe tratar
dos peixes, muitas vezes dentro da
embarcação.
O Rio Grande do Sul ocupa o quarto
lugar entre os estados produtores de
pesca artesanal, atividade que, no
Brasil, ainda é grande, com cerca de
12 mil pescadores licenciados pelo
Ministério da Pesca e Aquicultura.
Os pescadores respeitam a piracema, período em que os peixes de-
sovam, também conhecido como
época de defeso, que se estende de
novembro ao fim de janeiro. Em fevereiro, a pesca é novamente liberada, mas em Santa Isabel só se volta a
pescar depois da festa da padroeira,
Nossa Senhora dos Navegantes, comemorada no dia 2 de fevereiro.
Mara Alice, que começou a pescar aos 15 anos e precisou parar
para cuidar da filha doente
Incentivo
Como contrapartida por ficarem três
meses sem trabalho, o Governo Federal concedeu aos pescadores o
benefício de um seguro-desemprego
no valor de um salário mínimo por
mês.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) foi expandido em 1999 aos
pescadores artesanais, facilitando o
crédito para a compra de artefatos
de pesca, motores e embarcações.
Personagens, lendas e
histórias
Nas localidades do estado onde
vivem comunidades pesqueiras
existem muitas histórias, e algumas
viram mitos ou lendas. Uma delas é
a da maldição do padre, que, para
alguns, serve como explicação para
a escassez de peixes e os alagamentos sofridos todos os anos na Vila
de Santa Isabel, município de Arroio
Grande, às margens da Lagoa Mirim.
Diz a lenda que, depois que o padre
julho/dezembro 2013
51
foi assassinado na igreja da localidade, a fartura de peixes começou a
diminuir e as enchentes se tornaram
mais frequentes.
Segundo o pescador Gauchinho, um
dos líderes da comunidade, é necessário que, além de uma consciência
social e ecológica, se tenha fé no
próprio trabalho, pois “quem pesca
sem convicção não tira peixe”. Gauchinho, cujo nome é Vorni dos Santos da Silva, tem 55 anos e pesca em
companhia de sua esposa, Cleci Machado da Silva, de 48. Muitas vezes,
voltam com o barco cheio e muita
traíra. Nas férias escolares, quem os
acompanha é a filha, Marcelly Machado da Silva, 11 anos. Eles pescam
e, na volta, Cleci já vem limpando o
peixe. É comum irem num dia e voltarem no outro; por isso, segundo a
pescadora, o barco é também a casa
deles. Gauchinho e sua companheira
procuram mais os banhados da lagoa para pescar.
Além de ser a maior lagoa de água
doce do país, a Lagoa Mirim é tam-
bém a segunda maior da América
Latina. Os mais velhos, mestres
na arte da pesca, afirmam que em
poucas décadas desapareceram,
pelo menos, cinco espécies de peixe. Conforme conta Gauchinho, isto
aconteceu principalmente devido à
construção, em 1977, da Barragem
de São Gonçalo, entre a Lagoa dos
Patos e a Lagoa Mirim, impedindo,
desde então, que a água salgada escoasse para a lagoa.
Pescadores reclamam que
algumas espécies de peixes já
desapareceram da região
“São as lavouras de arroz que se
beneficiam da dessalinização das
águas. Elas consomem cerca de 12
milhões de litros por hectare plantado”, conta. Segundo ele, “quase
todo mundo planta com a água da
Mirim, e muito banhado foi reduzido
a arroz. De 15 anos pra cá, terminaram os mananciais”, denuncia Gauchinho.
Entre a capital, Porto Alegre, e o município de Arroio Grande fica a Estação Ecológica do Taim, onde jacarés,
capivaras e outros animais podem
ser vistos de um lado e de outro da
julho/dezembro 2013
53
pista. A unidade de conservação ganhou o título de Reserva da Biosfera
pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(Unesco) e é conhecida como ponto
de pouso e nidificação (construção
de ninhos) de aves migratórias vindas das regiões ártica e antártica. A
estação é um viveiro natural de animais e vegetais da região Sul.
As espécies mais comuns de peixe
na Lagoa Mirim são o jundiá, o pintado, o trairão, a viola, a corvina, o
cascudo e o peixe-rei. O mais desejado de todos é a traíra, que tem,
aproximadamente, 40 centímetros.
Considerada o peixe mais valioso,
dela se extraem os miúdos, tidos
como uma iguaria saborosa. A bochecha do peixe é comercializada
pela cooperativa de pescadores para
as cidades ao redor, mas não chega
ao interior do estado ou à capital.
Um dos pratos típicos da culinária
local, feito com molho de tomate e
creme de leite, é o estrogonofe de
bochecha de traíra, servido quente,
com arroz e batata.
Nos meses de agosto e setembro, o
vento na Lagoa Mirim, no sul do Rio
Grande do Sul, pode chegar a 100
quilômetros por horas. O peixe fica
gelado e, mesmo tendo caído na
rede, não estraga rápido. Com isso,
o pescador ganha 72 horas para colher o que pescou. Assim, em dias
de ventania, os pescadores mais
experientes aconselham a esperar
em casa e acessar a internet para
saber se, no dia seguinte, o vento
vai amenizar. No verão, isso não
acontece. Quem não colher rápido
perde o peixe.
Na vila dos pescadores, enquanto
aguardam uma calmaria, os profissionais consertam redes e barcos,
limpam peixes e fazem outros biscates para completar a renda.
A lagoa anda baixa, reclamam vários
pescadores, alegando que as águas
andam paradas e há pouco oxigênio
54
Senac Ambiental
para os peixes. A traíra, que sempre
se reproduzia nos banhados de encosta, aos poucos vai perdendo seu
lugar de desova por causa da grande quantidade de canais artificiais
produzidos pelos monocultores de
arroz.
Na comunidade do Porto, em Santa Vitória do Palmar, Evanilda Rolim
Termezana, de 63 anos, é uma das
lideranças da comunidade. Hoje
aposentada, Dona Nina, como é conhecida, é filha de pais pescadores.
“Comecei a pescar com 23 anos e
assim fui até 2002, quando peguei
uma forte bursite e me aposentei por
invalidez. Hoje trabalho com ervas
medicinais e ajudo os pescadores,
atendendo gratuitamente”, conta.
Nina relata que, em certa época,
cuidou de um senhor conhecido na
região por Castelhano. “Ele tinha o
pé condenado e já havia marcado
para amputar no hospital, quando
me chamaram. Higienizei seu pé e,
todos os dias, colocava ervas medicinais. Ele ficou bom!”, diz ela, com
alegria.
Para a líder e cuidadora dos pescadores, a comunidade precisava ter
apoio para poder estender a pirace-
ma por um ano, a fim de recuperar
os peixes. “Essa barragem aí às vezes amola a gente, porque diminui
a água da lagoa. Os granjeiros, com
suas bombas, sugam a água, os mananciais estão diminuindo”, reclama.
Muito prestativa, Dona Nina adora
receber visitas, abre sua casa e acolhe as pessoas. “Sempre fui assim,
desde mais nova. Talvez por isso
tenha sido a primeira presidente da
Associação de Pescadores de Santa
Vitória, em 2000”, conta.
Outra personagem importante é
Mara Alice Rodrigues, de 50 anos,
exemplo de garra e coragem para
toda a comunidade. Ela, que começou a pescar com 15 anos, tem sete
filhos naturais e um adotivo. Precisou abandonar a pesca para cuidar
da filha Lilian Rodrigues, que sofreu
um acidente e foi escalpelada pelo
motor de um barco. “Não posso
deixa-la só. É um cuidado intenso,
e tenho de me dedicar também ao
filho dela, pois depois do acidente
o marido foi embora e desde então
vivemos com o salário mínimo que
o governo dá para minha filha, com
o bolsa-família e com biscates de
fazer algumas redes”. Por causa de
um coágulo no cérebro, os médicos
Comunidade de Porto,
em Santa Vitória do
Palmar, quer estender a
piracema por um ano
julho/dezembro 2013
55
não garantem que a filha viva muito
tempo. “Mas vou ficando perto dela,
porque, mesmo nesse estado, é uma
alegria vê-la viva e ver crescendo sadio meu neto Jordano, de 12 anos.
Ganhei mais um filho, filho-neto”,
diz. “No início, minha filha vivia de
sonda e mamadeira e não andava.
Hoje, já anda. O acidente afetou o
cérebro dela, que chegou a ser dada
como morta, diz Maria Alice, que
conta com um grande aliado: Cocota, seu papagaio.
Mais depoimentos
Com 71 anos, Natálio Almada pesca
desde os seis. Não teve filhos, mas
adotou uma menina que hoje está
grande. Nascido e criado em Santa
Vitória, Natálio se aposentou aos 65
anos. “Pesquei de rede, de caico, de
tudo que é jeito. Agora crio minha
horta, faz cinco anos que não pesco
mais. Pescava com meu irmão, que
também se aposentou e está com
72 anos. Pesca entra no coração da
gente e nunca mais esquecemos. É
uma vida dentro da nossa vida”, comenta, saudoso.
Cristiano Lopes Brum tem 40 anos
e várias vezes é acompanhado na
pesca por sua mulher, Maria Jandira Correia Borges, de 30 anos. Para
eles, os meses de inverno são os
mais difíceis para a pesca, por causa
do frio intenso na região. Ele explica
que no Uruguai tem mais peixe porque ainda há muito banhado para os
animais se criarem, ao passo que no
lado brasileiro o prejuízo é maior devido ao crescimento dos granjeiros
produtores de arroz, que estão construindo canais e desviando água da
lagoa.
Comunidade de Santa
Isabel, em Arroio Grande
56
Senac Ambiental
“Se desse uma boa chuva, os peixes
apareceriam, mas, com a falta de
chuva e as granjas puxando a água,
tem dia que o peixe nem aparece.
Está tudo mudando, até o clima, e o
peixe diminuindo. Outro dia a gente
pegou só três jundiás e umas poucas
tainhas”, explica.
Seu depoimento é reforçado por outro pescador, Rudinei Lopes Brum,
irmão de Cristiano, de 42 anos.
“Hoje temos pouco peixe e não existem mais todos os tipos de peixe de
antes, pois a lagoa não está permitindo, o banhado diminuiu muito a
reprodução.” Ele também admite
que o fenômeno ocorre por causa
dos granjeiros. Segundo afirma, é
comum, na época da colheita, encontrar vários peixes mortos nos
banhados de arroz – traíra e peixes
miúdos. “Antigamente eu colocava dez redes e recolhia cem quilos
de peixe. Hoje, minha mulher e eu
colocamos 40 redes pra colher, no
máximo, 20 quilos”, lamenta. Para
Rudinei, a situação é tão grave que
o pescador até vive melhor na época
da piracema, com o salário mínimo
que recebe do governo.
Pescador mais antigo na Colônia
Nossa Senhora dos Navegantes
(conhecida como Z16), Lobão Orival dos Santos, em atividade há 37
anos, conta que tirou seu documento como pescador aos 16 anos,
mas aprendeu a pescar com os pais,
quando garoto. Ele explica que a colônia tem 179 sócios cadastrados.
Mais de 60, porém, devem à associação, que engloba várias comunidades – nove em Vila Anselmo, dez na
Vila Cariri, sete na Vila Manoel, 12 na
Vila Machado, 90 em Vila do Porto e
Vila Hermenegildo e de 10 a 15 que
pescam no mar.
Para o tesoureiro da associação, a
Barragem de Pelotas poderia apresentar um nível mais fechado, que
levantaria a água na Lagoa Mirim
e também nos banhados. Quando
Lobão começou a pescar, existiam
arroios naturais e muito mais banhados onde as espécies podiam se
reproduzir. Hoje, porém, o pescador
observa que os banhados são escassos e existem inúmeros canais
artificiais que desviam água. “Tudo
isso fez nossa lagoa ficar alta, e ela
está sempre derramando água para
o oceano. Na costa da Lagoa, na
área do porto, tudo era banhado.
Nas cheias, a gente viajava entre seis
e sete horas dentro dos banhados.
Isso acontecia até 15 anos atrás.
Hoje, passa jipe por lá. A gente pescava até 400 quilos de jundiá. Hoje,
nem o sarandi. Onde era o banhado tem três grandes cortes de água
desviada pelos canais dos granjeiros. Além desses problemas, o mais
grave é que a lagoa, aos poucos, vai
sendo aterrada”, lamenta.
Lobão conta ainda que dunas de
areia se formavam nos lagos. Com
os canais, as dunas foram sugadas,
desmanchadas pela água da lagoa.
“Hoje, sumiram muitos tipos de peixe”, constata.
A vida dura e cheia de incertezas leva
os pescadores a desejarem um futuro melhor para os filhos.
Por isso valorizam muito
a escola. Cristiano e Maria Jandira têm dois filhos
– Jéssica, de 15 anos, e
André, de 12. O casal se
esforça muito pra que os
dois sigam nos estudos.
“Eles têm de estudar. Às
vezes é bravo deixar os
dois sozinhos para irmos
trabalhar. Colocamos redes em 15 locais diferentes. Pescador não tem
dia nem hora, tem é que
pescar.”
A maioria dos pescadores
aprendeu o ofício com os pais
ou familiares próximos
Já o casal Rudinei Lopes
Brum e Sílvia Daniello
Gomes, 36 anos, tem
cinco filhos. Quatro já na
escola, além de Larisse,
de cinco meses. Natural
de Pelotas (RS), Rudinei,
que vive há 22 anos em
Santa Vitória do Palmar,
recorda que já saía para
pescar aos cinco anos.
“Eu me criei pescando,
mas quero que meus filhos sejam criados estudando”.
julho/dezembro 2013
57
imagem: Shutterstock
E ducação A mbiental
Conhecimento
na bagagem
Por que jovens brasileiros
buscam na Austrália
especialização em disciplinas
relacionadas ao meio ambiente
Gabriel Fonseca
O que leva um universitário a sair do
Brasil para estudar disciplinas relacionadas ao meio ambiente? E por
que a Austrália é um dos destinos
preferidos?
Interessados em aprimorar o inglês
e em aprofundar sua formação cursando uma pós-graduação, jovens
brasileiros não desanimam diante da
distância, do preço das passagens e
do alto custo de vida e estão cada
vez mais elegendo a terra dos cangurus como seu lar temporário.
A Austrália é o segundo melhor país
do mundo para viver, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) de 2011 da Organização das
Nações Unidas. Perde apenas para
a Noruega. O IDH considera não
apenas dados econômicos, mas
também a expectativa de vida, a
saúde e as condições de vida das
populações.
Segundo o governo australiano, o
belo país de proporções continentais situado na Oceania, a mais de
13 mil quilômetros daqui, é a terceira
nação de língua inglesa mais popular
entre aqueles que buscam educação
julho/dezembro 2013
59
fora de sua terra natal. E o Brasil figura entre os dez países com mais
estudantes na Austrália.
de São Paulo (USP), um projeto de
colaboração entre a Universidade do
Estado de São Paulo (Unesp) de São
Vicente, o Instituto Oceanográfico,
a USP e o Procam. Ao terminar o
mestrado, Fabiana sentiu vontade de
aprimorar o inglês e continuar seus
estudos ambientais. E não pensou
duas vezes: “Queria estudar onde
pudesse manter meu estilo de vida
e minhas atividades esportivas. Pratico surfe, e a Austrália é uma das
mecas desse esporte. Também não
considerei outro país, pois eu tinha
o objetivo de estudar com alguns
pesquisadores que viviam em Sydney, como Tony Underwood e Ross
Coleman, entre outros.” Outro fatorchave para a decisão foi que os estudantes podem trabalhar legalmente
20 horas semanais no país, o que
não ocorre nos Estados Unidos, por
exemplo.
As saudades de casa, da família e
dos amigos, as dificuldades de adaptação e as diferenças culturais não
desanimam os jovens, que se valem
do fato de ser uma nação multiétnica, que recebe gente de todos os
continentes.
Fabiana e os animais
marinhos
Uma das linhas de pesquisa mais
fortes na Austrália é a que envolve o
meio ambiente e as tecnologias verdes. Foi justamente o campo em que
Fabiana Moreira desenvolveu sua
pesquisa quando cursou doutorado
em Ecologia Marinha na Universidade de Sydney (USYD). Fundada em
1850, a USYD está entre as oito mais
produtivas em termos de pesquisa
no país. Localizada no coração da
maior cidade do país e capital do
estado de Nova Gales do Sul, abriga
quase 50 mil alunos de 120 países.
Fabiana formou-se em Biologia Marinha na Universidade Santa Cecília,
em Santos, litoral de São Paulo. Depois, fez um mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Ciência
Ambiental (Procam) da Universidade
foto: Fabiana Moreira, arquivo pessoal
Fabiana Moreira usa o barco
da universidade para fazer
coletas na baía de Sydney
Segundo Fabiana, o processo seletivo para a bolsa na USYD foi longo e
burocrático. Ela precisou fazer uma
extensiva prova de inglês acadêmico e também teve avaliado todo seu
histórico escolar da graduação, do
mestrado e de publicações científicas. Todos os documentos tiveram
de ser traduzidos para o inglês por
tradutor juramentado. Para organizar
e enviar a documentação, a pesquisadora contou com o auxílio gratuito
de uma agência paga por universidades australianas para auxiliar candidatos a cursos no país.
60
Senac Ambiental
A dedicação de Fabiana deu frutos.
Ela ganhou uma bolsa financiada pela
USYD que cobria todas as mensalidades. Além disso, ainda contava com
um auxílio de cerca de 500 dólares
por semana. O dinheiro era suficiente para cobrir as despesas da vida
simples que ela levava em Sydney.
Já no segundo ano de PhD, Fabiana
começou a trabalhar como tutora
no curso de graduação em Ciências
Biológicas na própria USYD. Com o
dinheiro extra, conseguiu comprar
um carro e fez uma poupança.
julho/dezembro 2013
61
foto: Fabiana Moreira, arquivo pessoal
62
Senac Ambiental
Fabiana trabalhou pesado em campo durante três anos e meio. Debaixo de sol ou chuva, frio ou calor, ela
pegava o pequeno barco da universidade para fazer coletas semanais
em meio à movimentada Baía de
Sydney. Recolhia pequenos animais
e amostras de água para fazer uma
análise aprofundada no laboratório
da universidade.
Apos o término do curso, a saudade
da família falou mais alto e a pesquisadora decidiu voltar ao Brasil com o
marido. E começou, então, um pósdoutorado no Instituto Oceanográfico da USP. Ela ressalta a importância
dos estudos na Austrália: “A pesquisa, lá, possibilitou meu aperfeiçoamento em desenhos experimentais
para a avaliação de impactos ambientais. Esse conhecimento é fundamental para desenvolver projetos
voltados para o uso sustentável dos
recursos naturais, que podem ter diversos focos. Na Austrália, o projeto
era relacionado ao impacto do uso
da água do mar para resfriar e aquecer prédios comerciais e residenciais
costeiros. Agora desenvolvo um projeto relacionado ao monitoramento
de resíduos sólidos e plásticos na
costa brasileira.”
foto: Gabriel Fonseca
A Universidade de Sydney:
primeira a ser fundada no
país e uma das melhores
até hoje
O curso que ela fez no laboratório
do Centro de Pesquisas de Impactos Ecológicos em Cidades Costeiras
teve como objetivo mostrar os impactos de um sistema de refrigeração de ar que diversos prédios usam
ao redor da Baía de Sydney e sugerir
aprimoramentos para esse sistema.
Muitos grandes prédios comerciais,
e até residenciais, na cidade, incluindo a famosa Ópera de Sydney, são
baseados num sistema de refrigeração que utiliza a circulação da água
do mar em canos ao redor do prédio. Funciona da seguinte maneira:
a água do mar é sugada da baía e
passa por um complexo de canos
espalhado por todos os ambientes
do prédio. A água do mar tem baixa
temperatura e resfria os ambientes
por onde passa. O grande problema
é que, com a água, o encanamento
carrega pequenos animais marinhos,
entre eles os moluscos, o que acaba
entupindo os canos e prejudicando
a refrigeração. Uma das maneiras
que as empresas encontraram para
resolver a perda de efetividade do
sistema de ar-condicionado foi jogar cloro na água para espantar os
animais. O cloro é uma substância
extremamente poluidora e, ao interagir com a água do mar, forma
novos compostos ainda mais contaminantes.
foto: Gabriel Fonseca
Wander e a
diversidade genética
dos peixes
Quem também pesquisa a preservação do ecossistema marinho é Wander Godinho, que saiu de Fortaleza
para estudar na Universidade Macquarie, em Sydney. O objetivo do
estudante cearense, mestre em Engenharia de Pesca pela Universidade do Ceará, é avaliar a diversidade
genética de populações de peixes de
recife. Ele explica por que escolheu
a Austrália: “Eu sabia que qualquer
bom trabalho realizado com ecologia marinha aqui teria relevância
mundial. Também considerei os Estados Unidos, mas os programas de
bolsa na Austrália e a possibilidade
de trabalhar na Grande Barreira de
Corais eram bem interessantes.”
Inicialmente, Wander deixou a ensolarada Fortaleza para estudar inglês,
mas já tinha em vista fazer contatos
com universidades australianas para
um possível doutorado. Depois de
nove meses estudando inglês em
período integral, conseguiu um estágio voluntário na Universidade
Macquarie. Voltou, então, ao Brasil
e candidatou-se a uma vaga para
doutorado na instituição sem ter
concluído ainda o mestrado brasileiro. Para sua surpresa, conseguiu
o objetivo. “Passei meu primeiro ano
na Austrália trabalhando também
no meu mestrado para a Universi-
dade Federal do Ceará e ainda tive
de desenvolver as primeiras atividades do doutorado australiano. Uma
loucura!”, diz Wander, recordando o
aperto que passou.
Outras dificuldades lembradas por
Wander foram o idioma, especialmente quando lidava com trâmites
burocráticos, e os termos técnicos
do mundo da pesquisa – além do frio
no inverno. “Estou acostumado com
os 300 dias por ano de sol e calor de
Fortaleza. Ainda me sinto um pouco
desconfortável aqui”, desabafa.
O biólogo Wander Godinho na
Baía de Chowder, aonde leva
seus alunos para atividades
educacionais no mar
A Universidade Macquarie foi criada
em 1964 e tem investido muito em
pesquisa. Atualmente, é considerada
a nona melhor da Austrália e é cada
vez mais disputada pelos estudantes. Ela mantém convênios com mais
de 370 instituições de pesquisa e ensino em 53 países.
O objetivo da pesquisa de Wander
é estudar barreiras biogeográficas
ao longo da costa leste australiana e avaliar a diversidade genética
de populações de peixes recifais
entre parques marinhos no estado de Nova Gales do Sul. “No meu
doutorado, abordei um tema ligado
à evolução de peixes marinhos e a
processos históricos que explicam a
distribuição das espécies na Austrália. Meus resultados são importantes por mostrarem a influência das
correntes marinhas e da topografia
das praias na distribuição dos peixes recifais e o porquê da atual disjulho/dezembro 2013
63
foto: Gabriel Fonseca
O químico Felipe Valini trocou
Brisbane por Canberra para
desenvolver painéis de energia solar
mais eficientes
tribuição por tamanho das espécies
desses peixes nos variados ecossistemas marinhos. Minha pesquisa
poderá servir de comparação para
o estudo de peixes marinhos pelo
mundo e revelar padrões de evolução talvez diferentes do que encontrei para a Austrália.”
O estudante tem uma rotina intensa:
divide seu tempo entre a preparação
dos manuscritos de seu doutorado
para serem publicados, o trabalho
na universidade como tutor nas disciplinas Evolução & Biodiversidade e
Ecologia & Genética, além de trabalhar na Land’s Edge, uma empresa
que desenvolve atividades de recreação e educação ao ar livre com estudantes de escolas de Sydney. “Sou
contratado como biólogo marinho
para simular atividades científicas
com os estudantes. Isso envolve
mergulho com os alunos em praias
locais para que eles possam comparar a relação entre números de ouriços e quantidade de algas e peixes
que encontram. Daí eles aprendem
a metodologia de trabalho científico e, no final, a gente comenta os
resultados. É interessante ver que a
maioria dos alunos se mantém focada no trabalho, algo difícil para uma
faixa etária que vai de 12 a 15 anos”,
explica Wander.
O cearense quer ficar por mais algum tempo na Austrália: “Volto ao
64
Senac Ambiental
Brasil para a Copa do Mundo em
2014. Mas, por enquanto, desejo
desfrutar mais da vida segura que
tenho aqui. No entanto, não descarto a possibilidade de desenvolver um pós-doutorado em parceria
com universidades brasileiras. Após
o doutorado, pretendo continuar na
área de educação, com a meta de
desenvolver programas de conservação ambiental.”
Felipe e a
contaminação dos
mangues
Formado pela Universidade Oswaldo Cruz, o químico e pesquisador
Felipe Valini trocou São Paulo pela
Austrália para aprimorar o inglês.
Em Brisbane, na costa leste, tentou
vaga como voluntário no laboratório
do Departamento de Geologia da
Universidade de Queensland (UQ),
uma das melhores do país. Não conseguiu a vaga, mas acabou sendo
convidado a participar dos trabalhos
de pesquisa. O brasileiro teve de se
desdobrar para adquirir um conhecimento que não tinha, mas foi assim
que acabou desenvolvendo sua linha
de pesquisa em geoquímica.
Ao contrário de outros mestrandos, Felipe não achou muito difícil
o processo de admissão na UQ. Ele
acredita que a paixão por estudar
e pelo seu objeto de estudo são
primordiais para um bom começo.
Além disso, é preciso encontrar um
professor que tenha uma linha de
pesquisa que o estudante admire e
fazer muitos contatos para checar as
possibilidades de bolsa de estudos.
Nem todos os professores podem
oferecer bolsa, algo fundamental
para que os estudantes tenham condições financeiras de viver no país.
Felipe investigou a contaminação
de mangues por metais pesados,
problema que atinge a bela Baía de
Moreton, na costa leste australiana,
Brisbane, onde a pesquisa foi desenvolvida, é a terceira maior cidade
do país e uma das regiões de maior
crescimento econômico. Os impactos da urbanização acelerada são
sentidos com intensidade e os manguezais da baía estavam visivelmente
afetados. O mangue é um ecossistema muito delicado e importante para
o equilíbrio da cadeia alimentar, um
verdadeiro berçário para os animais
marinhos. A poluição afeta peixes,
caranguejos e, consequentemente, a
pesca e o turismo, atividades importantes ao redor da baía.
Os resultados encontrados na pesquisa de Felipe bateram de frente com os divulgados anualmente
pelas autoridades da região. Felipe
alega que estes só incluem dados
biológicos e não consideram metais
pesados na análise, nem a contaminação do solo. Regiões com muitos metais pesados na água foram
consideradas limpas segundo as
análises da prefeitura. Os principais
responsáveis pela contaminação dos
manguezais locais são as refinarias e
indústrias instaladas no entorno da
baía, sem falar no lançamento na
água de produtos domésticos como
detergentes e desinfetantes. “A argila do mangue é muito frágil, porque
os grãos minúsculos que a formam
atraem os metais pesados e se fundem com eles. O mangue funciona
como uma esponja”, afirma o pesquisador. O próximo passo de Felipe
será publicar os resultados na mídia
científica e esperar que a prefeitura
se pronuncie sobre possíveis ações
para conter a contaminação dos
manguezais.
Felipe trabalhando
em campo na Baía de
Moreton, em Brisbane
foto: Felipe Valini, arquivo pessoal
e muitas outras pelo mundo afora. O
estudo foi pioneiro na região. “Fui a
primeira pessoa a fazer um mapeamento para verificar quais as localidades com mais altas concentrações
de metais pesados. Fiz levantamento
em 46 pontos da baía, onde trabalhei muito colhendo amostras de
solo e água”, conta o pesquisador.
O mestrado de Felipe já rendeu frutos além dos manguezais: ele se mujulho/dezembro 2013
65
dou para a capital do país, Canberra,
para trabalhar no desenvolvimento
de produtos que vão melhorar a
eficiência de painéis de geração de
energia solar. “Desenvolvemos novas
tecnologias que utilizam novos componentes químicos e vão gerar mais
energia com menor preço.”
quarie, a mesma de Wander. Todo o
processo durou cerca de dez meses
e consumiu alguns milhares de dólares. “Você precisa da tradução juramentada de todos os documentos
acadêmicos, de cartas de recomendação de pesquisadores e professores com quem tenha trabalhado
previamente e exame de proficiência
em inglês, além de um projeto de
pesquisa definido e do aceite do seu
atual orientador”, informa a bióloga.
E não se pode esquecer de tirar o
visto de estudante.
Priscila e as ostras
A bióloga Priscila Gonçalves se graduou e fez mestrado em biologia
celular na Universidade Federal de
Santa Catarina antes de se aventurar pelas terras australianas. Ela se
inscreveu no programa Ciências sem
Fronteiras, do governo brasileiro, e
conseguiu uma bolsa para estudar
no exterior. O programa é uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério
da Educação.
“É necessário planejamento financeiro antes mesmo de começar”,
recomenda Priscila, que atualmente
está no segundo ano do doutorado
em Ciências Biológicas. Sem uma
bolsa de estudos, os alunos estrangeiros teriam de pagar por ano cerca
de 30 mil dólares australianos (aproximadamente 55 mil reais).
Com sinal verde após receber a
bolsa de estudos, começou a parte
mais complicada: organizar os papéis para obter uma vaga no curso
de doutorado na Universidade Mac-
A Austrália chamou atenção da doutoranda pela crescente preocupação
com a conservação de ecossistemas
marinhos e pelo alto investimento em pesquisas na área ambiental
tanto por parte de instituições governamentais como de empresas e
associações privadas vinculadas ao
setor. Outros aspectos interessantes, segundo ela, são a qualidade do
ensino dos cursos de pós-graduação, o renome dos pesquisadores e
a ótima estrutura dos laboratórios.
foto: Gabriel Fonseca
Priscila Gonçalves estuda os
impactos do CO2 em ostras
66
Senac Ambiental
O projeto de doutorado da brasileira
aborda os impactos de níveis elevados de gás carbônico (CO2) em populações de ostras nativas. Por meio de
programas de melhoramento genético, foram selecionadas populações
de ostras de rápido crescimento e
resistência a enfermidades. Elas também mostraram maior tolerância às
condições de alta temperatura e baixo pH (nível de acidez) da água. Isso
pode ser resultado de uma adaptação
genética às condições ambientais.
“Estou comparando os resultados
com os efeitos observados em po-
pulações selvagens da mesma espécie. As análises estão sendo feitas
tanto em nível celular quanto molecular e têm por objetivo investigar a
base molecular para uma potencial
adaptação às mudanças climáticas.
Além disso, também investigamos a
resposta de ostras expostas a níveis
elevados de CO2 ao longo de três gerações, a fim de observar se os efeitos
do baixo pH da água se tornam mais
amenos ou mais severos em ostras
provenientes do cruzamento de adultos já previamente expostos a essa
nova condição”, explica Priscila.
Mesmo vinculada à Universidade
Macquarie, todos os experimentos e
análises da doutoranda estão sendo
desenvolvidos no Instituto de Ciência Marinha de Sydney (Sims), na paradisíaca Baía de Chowder – mesmo
local aonde Wander leva estudantes
para atividades de observação e
pesquisa no mar. O Sims tem convênio com cinco das mais importantes
universidades de Sydney e os alunos
destas instituições podem usar à
vontade sua estrutura de laboratórios e tanques para as pesquisas.
Priscila afirma que o tipo de pesquisa que desenvolve na Austrália
é pouco explorado no Brasil, apesar
da grande diversidade marinha do
país e da crescente preocupação
com a conservação da costa brasileira: “Estudos dessa natureza têm
grande importância tanto no nível
científico, por causa da adaptação
e extinção de espécies marinhas,
quanto na ciência aplicada e também na aquicultura.
A volta ou não ao Brasil ainda não
passa pela cabeça da bióloga. Ela diz
que tudo depende de bolsas, financiamentos e oportunidades. “Medidas como o aumento do número
de bolsas e da qualidade do ensino
das pós-graduações no Brasil, bolsas de estudo com valor compatível
aos pós-graduandos em ciência e
tecnologia, maior financiamento de
projetos de pesquisa, novas ofertas de concursos públicos, além
do reconhecimento das atividades
científicas e da regulamentação da
profissão podem auxiliar no retorno
de estudantes que estudam fora ao
país”, sugere.
A bióloga usa o laboratório
do SIMS para analisar o
material coletado
Os quatro entrevistados desta reportagem são apenas gotas num
oceano de profissionais que querem
fazer diferença no mundo e contribuir para a construção de um desenvolvimento sustentável. Todos eles
concordam que para ter sucesso
na carreira acadêmica no exterior é
preciso ter muita força de vontade,
disposição, competência, paciência,
foco e paixão pelo objeto de estudo.
“A biologia é tão mágica e tão complexa que cada novo questionamento, cada nova observação se torna
motivo de inspiração para novos
projetos. E a partir destes surgem
novas perguntas e ideias. É um ciclo
inspirador que rende muitos frutos.”,
garante a apaixonada Priscila.
julho/dezembro 2013
67
foto: Shutterstock/Vinicius Tupinamba
E coturismo
Nas águas
do Velho
Chico
Passeio à foz do rio
São Francisco é um dos mais
bonitos e emocionantes
do país
Mário Moreira
Quem viaja ao Nordeste a passeio
normalmente pensa em se estirar
em alguma praia paradisíaca, mas
nem só de mar vive a região. Ainda
pouco explorado pelos turistas, o
passeio à foz do rio São Francisco,
divisa natural entre Sergipe e Alagoas, é daqueles que ficam na lembrança para o resto da vida.
O programa é um dos muitos tesouros ecoturísticos abundantes
no território nacional. Durante
aproximadamente três horas, o visitante se deslumbra e se emociona com as belezas e a diversidade
do cenário.
Para quem visita a região, o mais
indicado é hospedar-se na alagoana Penedo, a cerca de 160 quilômetros de Maceió. A cidade fica
às margens do São Francisco, e
quem chega para conhecê-la não
deixa de se admirar com as águas
do Velho Chico movendo-se lenta
e majestosamente rumo ao Oceano Atlântico, 30 quilômetros mais
abaixo. O impacto é ainda maior
para quem chega ao cair da tarde,
julho/dezembro 2013
69
já que o sol se põe do lado oposto,
em terras sergipanas.
semelhantes às jangadas, com velas
quadradas e coloridas.
De Penedo, são 25 quilômetros
pela rodovia AL-101 até Piaçabuçu,
de onde partem os barcos para a
foz do São Francisco. Os hotéis de
Penedo costumam reservar o passeio com a cooperativa dos barqueiros do município vizinho.
À medida que o barco vai descendo
o rio, os coqueiros começam a escassear, dando lugar a vastos manguezais. Aqui e ali, nos intervalos do
mangue, em locais de vegetação arbustiva, surgem pequenas cabanas
de palha e casebres de pau-a-pique usados por pescadores para se
abrigar durante os meses de verão
– no inverno, quando chove mais e
o rio enche, aquelas margens ficam
inundadas. O rio ali é largo, chegando a atingir quatro quilômetros de
uma margem à outra.
O mais fácil e prático, principalmente para quem está com crianças, é comprar os ingressos para
os barcos que abrigam 40 turistas.
A tarifa custa R$ 35 por pessoa
[valor de setembro], mas é possível
contratar embarcações menores e
exclusivas, com preços a combinar.
Paisagens variadas
Uma vez a bordo, é hora de, literalmente, deixar-se levar pelo rio. O
barco desliza suavemente e, pouco
a pouco, o turista vai descobrindo
uma variedade de ecossistemas nos
13 quilômetros percorridos até a
foz.
É um momento grandioso, em que
a placidez do rio contrasta com a
força das ondas do Atlântico que
vêm em sentido contrário. A maioria
das embarcações turísticas estanca
cerca de 200 metros antes, já que
as condições naturais normalmente
não recomendam navegar pela foz.
foto: Verônica Couto
Os coqueirais predominam
nas margens. O passeio
de barco percorre 13
quilômetros até a foz
Nos primeiros 20 minutos, o que
predomina em ambas as margens são os coqueirais típicos do
Nordeste. É nesse trecho do São
Francisco que se avistam as “borboletas”, pequenas embarcações
Mais alguns minutos, já no trecho
final, o que passa a predominar são
praias e dunas de areia branca. É
quando se pode finalmente avistar
o encontro do Velho Chico com o
mar, depois de mais de 2.800 quilômetros desde a nascente, na Serra
da Canastra, em Minas Gerais.
70
Senac Ambiental
foto: Verônica Couto
Em compensação, há uma parada
de cerca de uma hora para banho
nas águas mornas do São Francisco, junto ao Pontal do Peba, a parte
alagoana da foz. No pontal, além de
dunas, há uma lagoa onde também
é possível banhar-se. Na faixa de
areia entre a lagoa e o rio, barraquinhas vendem comidas típicas e
artesanato da região.
À direita, próximo ao lado sergipano, as ruínas de um pequeno farol
construído em 1876 e já engolido
pelas águas testemunham como o
mar avançou rio adentro nos últimos 140 anos.
Assoreamento
Essa imagem, por sinal, faz pensar
no impacto que poderá ter sobre o
Velho Chico o projeto de transposição das suas águas, cujas obras estão em andamento. O plano prevê
a retirada de 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho e
sua destinação a 390 municípios do
agreste e do sertão nordestino, por
meio da construção de dois canais
(eixos Norte e Leste) que levarão a
água do São Francisco para outros
rios da região. A estimativa do governo federal é garantir o abastecimento a 12 milhões de habitantes.
Uma das críticas feitas ao projeto
é a de que a retirada de parte da
água, mesmo em proporção pequena, pode vir a afetar a profundidade
do rio e a biodiversidade no Baixo
São Francisco, prejudicando a atividade pesqueira na região e a qualidade de vida da população local.
Mesmo antes do término das obras
de transposição, pescadores de
Piaçabuçu já reclamam que a fauna
fluvial vem sendo invadida por espécies marinhas.
Neste ano, uma expedição composta por pesquisadores de cinco
universidades federais do Nordeste comprovou que o assoreamento
do São Francisco entre Alagoas e
Sergipe já ocasiona a existência de
trechos onde é possível caminhar
no leito, algo impensável décadas
atrás.
julho/dezembro 2013
71
fotos: Verônica Couto
Penedo
Não é somente a vista do rio São
Francisco que torna Penedo uma
das cidades mais interessantes para
serem visitadas em Alagoas. Seu
bem preservado centro histórico é
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e
merece a atenção do turista por pelo
menos um dia.
Igreja de Nossa Senhora dos
Anjos, cuja construção teve
início em 1660
72
Senac Ambiental
Hoje com cerca de 60 mil habitantes,
a vila de Penedo surgiu em meados
do século 16, quando o então donatário da Capitania de Pernambuco,
Duarte Coelho, buscava um local
próximo à foz do São Francisco
para demarcar os limites da região
e instalar um ponto de apoio para
o comércio e também de vigilância
contra eventuais incursões fluviais
de invasores. Numa curva do rio, encontrou um rochedo elevado, a cerca de 30 metros de altura em relação
à margem, e ali instalou o núcleo que
daria origem à cidade (“penedo” significa rochedo ou penhasco).
Em 1637, os holandeses, que já ocupavam parte do Nordeste, tomaram
Penedo e ali construíram um forte,
onde se instalaram. O muro externo
da fortificação constitui atualmente
a parede de um restaurante que oferece uma linda vista do São Francisco. Os portugueses só recuperaram
Penedo oito anos depois.
Hoje, quem visita a cidade pode
admirar diversos prédios históricos.
Dentre as igrejas, destacam-se a de
Nossa Senhora da Corrente e a de
Nossa Senhora dos Anjos.
A primeira, erguida em 1765, fica em
uma praça no início da avenida que
margeia o São Francisco. Em estilo
barroco, foi construída para ser a
capela particular da família do abolicionista português André de Lemos
fotos: Verônica Couto
Ribeiro. Além do bonito altar-mor
dourado e dos coloridos azulejos
que adornam as paredes do interior,
a igreja tem uma peculiaridade: na
parede junto a um altar lateral, há
um esconderijo onde Lemos Ribeiro
mantinha escravos fugidos.
Na mesma praça localiza-se o Paço
Imperial, onde o imperador d. Pedro
II ficou hospedado em sua visita à
cidade, em 1859. O bonito prédio
abriga um museu, com objetos de
decoração dos séculos 18 e 19.
A Igreja e Convento de Nossa Senhora dos Anjos, restaurada nos
últimos anos, começou a ser construída em 1660 e tem fachada típica
daquela parte do Nordeste, com
adornos de pedra em formato de
conchas. Seu interior é ricamente
decorado. O claustro do convento
também vale a visita.
Na parte mais alta da cidade, localiza-se a bonita praça Barão de
Penedo, rodeada de construções
históricas, como a catedral de Nossa Senhora do Rosário, a Casa de
Aposentadoria e o Oratório dos
Condenados.
Outro prédio interessante é o Teatro Sete de Setembro, inaugurado
em 1884 e que abriga espetáculos
teatrais e musicais. A fachada contém quatro estátuas representando
as deusas gregas da poesia, da pintura, da música e da dança.
Para quem se interessa pela história
da região, outra dica é a Fundação
Casa do Penedo, com bom acervo
histórico e iconográfico sobre a vida
no Baixo São Francisco.
No mais, é sair pelas ruas à procura de belos casarões em estilo
colonial. Não será difícil encontrar
vários.
julho/dezembro 2013
73
E stante A mbiental
Meio ambiente & química
Pérola de Castro Vasconcellos
Senac SP, 2013
144 páginas
Mais um volume (o de número 20) da
Série Meio Ambiente, esta obra nasceu de uma demanda bastante atual:
a discussão do impacto que nossos
hábitos de consumo provocam no
meio ambiente. Assim, o livro acaba
por provocar reflexões muito oportunas acerca da preocupação com
a possibilidade de estarmos chegando a uma situação-limite.
Em uma análise que compreende a formação da
Terra e sua transformação
pelo ser humano, a professora Pérola de Castro
Vasconcellos nos ensina, com
simplicidade e clareza, os processos químicos característicos
do planeta em que vivemos e
inerentes ao nosso modo
de vida.
É um livro para todos que
se interessam por química
e, sobretudo, para os que buscam um estilo de vida sustentável.
Ele nos permite compreender os
efeitos de nossos maus hábitos, para então modificá-los.
Tel.: (11) 2187-4450
www.editorasenacsp.com.br
74
Senac Ambiental
Tempestades dos meus
netos: mudanças climáticas
e as chances de salvar a
humanidade
James Hansen
Senac SP, 2013
368 páginas
Os verões cada vez mais quentes, registrados em diversos pontos do globo terrestre, são resultado do aquecimento global? A onda de calor que
atingiu a França em 2003, a escassez
de chuvas que afetou a Amazônia em
2005 e 2010, as temperaturas extremas registradas em Moscou, na Rússia, também em 2010 e a seca que
atingiu os estados norte-americanos
do Texas e de Oklahoma em 2011 são
consequências desse fenômeno?
As variações climáticas que ocorrem
na natureza podem ser bastante amplas – e a relação direta entre fenômenos extremos e aquecimento global não é unânime no meio científico
–, mas para James Hansen – pesquisador e diretor do Instituto Goddard
de Estudos Espaciais da Nasa, um
dos cientistas que mais têm alertado
os dirigentes políticos sobre o aquecimento da Terra – os impactos da
mudança climática já estão sendo
sentidos aqui e agora. E pior: revelam-se piores do que ele mesmo já
havia previsto anteriormente.
Tel.: (11) 2187-4450
www.editorasenacsp.com.br
Senac EAD
Um mundo novo de
oportunidades
Descubra novas possibilidades para
sua vida profissional com os diversos
cursos a distância do Senac.
www.ead.senac.br
O melhor ensino a distância do país
Cursos Livres • Cursos Técnicos • Graduação • Pós-Graduação • Extensão Universitária
As novas marcas do Sistema
CNC Representação
- Sesc - que
Senac
mudaram.
gera resultado
Promove o Desenvolvimento Social
E foram
premiadas.
Incentiva
o espírito cooperativo
Impulsiona a Transformação Nacional
O case “Novas marcas CNC - Sesc - Senac, a sinergia da
transformação” foi o vencedor nacional na categoria Comunicação
de Marca da 39ª edição do Prêmio Aberje.
Presentes em todo o País, CNC - Sesc - Senac compõem um dos
maiores sistemas sociais do mundo, responsável por um conjunto
integrado de ações em prol do desenvolvimento econômico e
social. Uma referência no fortalecimento do comércio de bens,
serviços e turismo.
Essa conquista reconhece a parceria das agências Packaging
Brands e Ogilvy Brasil e o esforço coletivo das pessoas que fazem
parte do Sistema CNC - Sesc - Senac em inovar na busca de uma
nova identidade para representar a transformação.
Acesse os nossos sites e saiba mais sobre o
nosso posicionamento:
www.cnc.org.br
www.sesc.com.br
www.senac.br
O case “Novas marcas
CNC-Sesc-Senac,
a sinergia da transformação”
foi o vencedor nacional na
categoria Comunicação
de Marca da 39ª edição do
Prêmio Aberje.
Download

O futuro não precisa ir para o lixo