PROTEÇÃO SOCIAL E FAMÍLIAS – UMA ANÁLISE
Adriana de Andrade Mesquita – Professora Substituta da UFF
Rita de Cássia Santos Freitas – Professora Adjunta da UFF
RESUMO:
Este estudo pretende apresentar os principais marcos histórico da trajetória e práticas (formais e
informais) de proteção social na Europa Ocidental, dentro de uma perspectiva histórica, tendo
como eixo norteador a participação da família e o seu papel desempenhado nas sociedades
analisadas. É importante colocar que nos apropriamos de uma literatura basicamente histórica
para a realização de um reexame dessa trajetória. Assim, é que pretendemos analisar a família
enquanto esfera de gestão e superação da crise de (mal) bem-estar social em que se vive hoje,
reconhecendo sua presença na configuração da proteção social das sociedades avançadas ou em
desenvolvimento em diversos tempos da história.
PALAVRAS-CHAVES: Proteção Social, famílias e gênero
SUMMARY:
This study aims to present the main landmarks of the history and practices (formal and
informal) social protection in Western Europe, within a historical perspective, and are guided by
the participation of the family and its role in the societies analyzed. It is important to put that in
an appropriate historical literature primarily to carry out a review of this trajectory. So we are to
analyze the family as a sphere of management and overcoming the crisis of (bad) social welfare
in which we live today, acknowledging its presence in shaping the social protection of advanced
societies and developing at different times in history.
KEYWORDS: Social Protection, family and gender
Introdução
Este estudo pretende apresentar os principais marcos histórico da trajetória e
práticas (formais e informais) de proteção social na Europa Ocidental, dentro de uma
perspectiva histórica, tendo como eixo norteador a participação da família e o seu papel
desempenhado nas sociedades analisadas. A escolha pelas sociedades ocidentais parte
do número de estudos que existem sobre os países aqui localizados e do fato de que a
Inglaterra teve um papel de destaque no que se refere a configuração de um padrão de
proteção social que adquire destaque e uma posição de influência e poder mundial. Não
é a toa que grande parte da literatura analisada acaba por priorizar em sua análise o caso
inglês ou o tem como referência.
Por isso, em nosso texto, vamos problematizar – ainda que introdutoriamente –
as relações entre a proteção social e as famílias em diferentes tempos históricos.
Esperamos que essas reflexões ajudem a repensar as políticas sociais hoje, bem como as
1
relações entre estas e as famílias – atualmente, sendo convidadas a exercer um papel de
protagonista na efetivação das políticas sociais.
Definindo Proteção Social
Ao iniciar os estudos sobre proteção social, nos deparamos com uma vasta
literatura sobre o tema e variedade de conceitos relacionados a ele. Isso efetivamente
traz uma grande confusão conceitual que não poderemos resolver aqui. Contudo, é
importante definir nosso entendimento do termo proteção social. Segundo Di Giovanni
(2008), não existe sociedade humana que não tenha desenvolvido algum tipo de
proteção social. Segundo este autor, a vida em comunidade estabelece formas de
solidariedade essenciais que garantem, mesmo que minimamente, algum tipo de
segurança aos seus membros. Assim, o sistema de proteção social é definido por ele
como:
“...as formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que
as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus
membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida
natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio e as
privações. Incluo neste conceito, também tanto as formas seletivas de
distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o
dinheiro), quanto de bens culturais (como os saberes), que permitirão
a sobrevivência e a integração, sob várias formas, na vida social.
Incluo, ainda, os princípios reguladores e as normas que, com intuito
de proteção, fazem parte da vida das coletividades. Isto significa que
as sociedades sempre alocaram recursos e esforços em suas atividades
de
proteção
social”
(http://geradigiovanni.blogspot.com/2008/08/sistema-de-proteosocial.html).
Trabalhamos com os estudos de Castel (1998) para compreendermos as
definições de proteção social primária e secundária. Para este autor, os sistemas de
proteção social estariam baseados numa “sociabilidade primária” – aquela regida pelos
vínculos estabelecidos na relação de proximidade, pertencimento e interdependência –
ou numa “sociabilidade secundária – aquela que surge na medida em que as sociedades
se tornam mais complexas, demandando um atendimento aos mais carentes de forma
mais especializada. Essa sociabilidade nos traz a institucionalização da proteção social
através da presença do Estado; que surge nas falhas da sociabilidade primária.
Concordamos com Costa, quando esta se refere à proteção social como:
“uma regularidade histórica de longa duração, de diferentes formações
sociais, tempos e lugares diversos... Tal orientação permite verificar
que diferentes grupos humanos, dentro de suas especificidades
2
culturais, manifestem, nos modos os mais variados de vida,
mecanismos de defesa grupal de seus membros, diante da ameaça ou
de perda eventual ou permanente de sua autonomia quanto à
sobrevivência.” (1995, p. 99).
Tendo por base essas reflexões entendemos que é impossível pensar em proteção
social sem incluirmos as formas como essa proteção foi historicamente construída pelas
pessoas no desenvolvimento das diferentes sociedades. Essas configurações impactam
diretamente nas formas como a institucionalização – ou não – dos Estados foram se
configurando. Enfim, acreditamos que falar em proteção social sem levar em
consideração a articulação das esferas pública e privada esconde a importância que a
família teve e tem – e nela, a mulher –, bem como, não reconhece as práticas femininas
que são constantemente recriadas diante das situações de vulnerabilidade.
Proteção social e o papel das famílias – uma análise histórica
É fato comum que pouco se conhece sobre o papel da família na literatura sobre
os sistemas de proteção social; parecendo que ela só tem importância na sociedade
contemporânea com o advento do capitalismo, onde a sociedade se torna complexa e as
relações foram separadas nas esferas públicas e privadas. No entanto, a compreensão da
história da proteção social pressupõe conhecer alguns aspectos da organização social,
dos modelos econômicos vigentes, da divisão entre os espaços públicos e privados, bem
como da família. Não se pode pensar nesses aspectos isoladamente e sim devemos
interligá-los e analisá-los conjuntamente. Não temos como meta produzir um estudo
exaustivo, mas apenas trazer algumas reflexões para o debate.
Tudo nos leva a crer que nas comunidades primitivas, alguma forma protetiva
existia e foi fundamental para a sobrevivência de seus membros e nela a família (ou o
início dos sentimentos e das relações de convivência e proteção a que hoje chamamos
de família) já apresentava um papel ativo. Mas não pretendemos ir tão longe em nosso
retorno no tempo1. Vamos nos concentrar na história ocidental, tomando como marco
inicial de nossos estudos a Idade Média, concluindo com o advento da Idade Moderna e
a transformação dos tradicionais sistemas de proteção social.
1
É importante dizer que grande parte das reflexões aqui desenvolvidas iniciaram-se nos estudos para
projeto de qualificação intitulado “Proteção Social na alta vulnerabilidade: o caso das famílias
monoparentais femininas em análise” de autoria de Adriana de Andrade Mesquita e orientada por Rita de
Cássia Freita dos Santos (professora Adjunta da Escola de Serviço Social da UFF) e Ana Célia Castro
(professora Adjunta do Instituto de Economia da UFRJ).
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Proteção Social e Idade Média - redes de solidariedades e relações familiares
As relações sociais, na Idade Média, eram fortemente baseadas em laços de
solidariedade, na relação de proximidade e na família, resultando na criação de
estruturas mínimas por parte da sociedade para lidar com as questões que rodeavam os
“infortunados”. A economia feudal era tipicamente agrícola. Os feudos eram
considerados a base econômica, de onde os senhores possuíam a terra e o poder. A
guerra era comum e um dos principais mecanismos de obtenção de propriedade e
ampliação do poder. Mas, a Idade Média também foi caracterizada por uma pobreza
permanente, assumindo seu ápice em alguns séculos: primeiro, entre os séculos VII e IX
e segundo, entre o XIV e XV. A pobreza atingiu grande parte da população medieval e
colocou a muitos em situação de grande vulnerabilidade. Por causa das transformações
ocorridas nas sociedades, a forma de lidar com a pobreza mudou também. Segundo
Michel Mollat (1989), a pobreza foi permanente ao longo da Idade Média e concebeu
um estado indigno ao homem pobre.
A vida no campo se tornou lócus privilegiado de proteção social durante,
praticamente, seis séculos, marcando um sistema de proteção baseado nas relações de
dependência e troca entre os senhores e os servos. Desse modo, verificamos que as
relações sociais, na Idade Média, eram fortemente baseadas em laços de solidariedade,
na relação de proximidade e na família, resultando na criação de estruturas mínimas por
parte da sociedade para lidar com as questões que rodeavam os “infortunados”. Mas,
uma característica era marcante nessa época: a pobreza era partilhada por todos; logo, as
iniciativas contra elas surgiam coletivamente e as redes de solidariedade, as relações de
proximidade e familiar eram essenciais. Ou seja, a família aparecia como importante
esfera de proteção social. Nas sociedades feudais havia certa confusão entre o que era
público e privado. Nela era muito comum a privatização do poder. “No limite, poder-seia dizer que na sociedade em que se torna feudal a área do público se embota, se
encolhe, e que, ao termo do processo, tudo é privado, que a vida privada penetra tudo”
(DUBY; 1990, p.24). Assim, o poder público se fragmentou aos poderes estabelecidos
em cada casa, em cada feudo. “De modo que poderia dizer que tudo se tornou público
na sociedade feudalizada” (ibdem p.25).
E, na esfera da casa, a família tinha uma presença e um poder privilegiado.
Basicamente, na família medieval, diferente da primitiva, os papéis sociais são bem
definidos. Aos homens cabia a provisão e proteção do lar e o trabalho na lavoura e
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pecuária; às mulheres o plantio e colheita, auxiliam também o trabalho dos homens,
cuidam da manutenção da casa, educa e cuida de seus filhos, em situação de guerra são
convocadas para fazer o trabalho que os homens realizavam nos feudos. Diante disso,
vemos que a família se transformou e se reconfigurou na história de seu cotidiano, mas
continuou sendo um dos eixos estruturantes de proteção social e promoção do bem-estar
social. Ela representava um grupo social essencial na vida dos indivíduos e que
influenciava e era influenciada por outras instituições de sua época.
Dessa forma, ocasionou-se numa nova estrutura de proteção social que mesclava
os fundamentos da família patriarcal e dos mecanismos feudais. Assim, entendemos que
surge uma proteção social feudal que representa uma organização social marcada pelas
redes de solidariedades, vínculos de vassalagem, linhagem ou familiar efetivadas entre
os moradores de um feudo, sejam eles senhores ou servos; visando a permanência e
proteção via relação de troca e interdependência de seus moradores. Não esquecendo
que nesse tipo de proteção o patriarca, seja ele o senhor feudal ou o líder da família
campesina, torna-se a figura central de poder e autoridade e que se preocupa com as
questões exteriores ao lar e de maior valor. Por outro lado, a mulher ainda continua
sendo essencial no cuidado, atenção e proteção dos membros de sua casa. Praticamente,
durante toda a Idade Medieval, a família era vista como uma realidade moral e social,
mais do que sentimental. Era por meio da família que os indivíduos viviam e garantiam
um mínimo de proteção social, mas em níveis e participação diferenciados entre as
famílias pobres ou ricas.
Proteção Social e Idade Moderna: transformação políticas, econômicas e sociais
Ao final do século XVIII e XIX, mais efetivamente, um quadro de verdadeira
transformação surge. Na expressão de Polany, um“A Grande Transformação” aconteceu
nas sociedades em questão modificando os tradicionais mecanismos de proteção social.
O desenvolvimento do sistema de mercado rompeu com a organização social existente.
Agora, uma questão importante é que as grandes transformações econômicas, políticas e
sociais são marcadas pela rapidez e amplitude que teve ao redor do mundo. Ocorreram
duas grandes revoluções – a Revolução Industrial e a Revolução Francesa –, um boom
demográfico, o aumento das comunicações entre as regiões, a redução dos espaços e
tempo percorrido por causa das ferrovias ou das vias fluviais, a expansão do comércio e
dos investimentos na produção capitalista, a transformação dos trabalhadores
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camponeses em trabalhadores livres, a privatização da terra. Com isso, mostra-se que o
mundo se transformava numa rapidez até então não vivenciada anteriormente,
ocasionando na ruptura dos antigos sistemas de proteção social e da necessidade de
institucionalização de ações protetivas por parte do estado. Não obstante, as atividades
comerciais e manufatureiras cresciam significativamente e colocavam os “arcaicos”
meios de produção agrícola em questão. O século XVIII foi marcado pela rápida
expansão demográfica, urbanização crescente, avanço da indústria e comércio e
melhoria da agricultura. Mudar o mundo rural era essencial, pois estava se tornando
obsoleto e não correspondia a conjuntura atual. Com isso, estamos falando do fim das
relações agrárias baseadas na troca, dependência e proteção social, tão comum na era
feudal, para entrar num mundo que transformou os tradicionais mecanismos de proteção
social em práticas de responsabilidade individual.
Dentro desse quadro, os princípios ideológicos do liberalismo ganharam espaço
e fomentaram a lógica da separação das esferas públicas e privadas e da alteração dos
antigos modelos de família, agora mais conhecida por família nuclear burguesa 2. De tal
modo, o século XVIII marca a efetiva separação das esferas públicas e privadas,
privatizando a família e mudando seus valores morais. A ressignificação dessas esferas
se iniciou com a Revolução Francesa e foi concretizada no início do século XIX. Para
Perrot (1991),
“O século XVIII havia apurado a distinção entre o público e o
privado. O público tinha se desprivatizado até um certo ponto,
apresentando-se como a “coisa” do Estado. O privado, antes
insignificante e negativo, havia se revalorizado a ponto de se
converter em sinônimo de felicidade. Assumira um sentido familiar e
espacial, que no entanto estava longe de esgotar a diversidade de suas
formas de sociabilidade.” (p. 17)
Desse modo, o público passava a representar tudo o que estava relacionado ao
Estado, à coisa pública, e o privado a esfera do familiar, da casa. A esfera pública
ampliava-se e individualizava-se a sociedade, colocando o indivíduo responsável de si e
com maior responsabilidade com sua família, espaço doméstico da vida privada. Ou
seja, a família é privatizada e sua função social é redefinida, sendo imediatamente
conhecida como um núcleo. A partir desse momento, ficou “estabelecido” que a família
representava “coisa” de mulheres: “as mulheres eram tidas como a representação do
2
A família nuclear burguesa é fundada no casamento monogâmico estabelecido por mútuo
consentimento, composta pelo pai, que é o chefe e detentor da autoridade, sob a mãe e seus filhos. A
divisão sexual dos papéis sociais está baseada nas características naturais de seus membros e, por isso, a
mulher tem um papel secundário e desvalorizado por causa da biologia. O espaço privado compete às
mulheres e a esfera pública ao homem.
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privado, e sua participação ativa enquanto mulheres em praça pública era rejeitada
por praticamente todos os homens” (HUNT; 1991, p.27).
Mesmo que a Revolução Francesa trouxesse como valores a liberdade, igualdade
e fraternidade, estas não se estendiam às mulheres. Assim, podemos afirmar que a
Revolução reafirma a idéia de separação sexuada das esferas públicas e privadas,
através da definição da “família moderna” – família nuclear, baseada numa relação
monogâmica e sob a autoridade/dominação exercida pelo homem, „cabeça‟ do casal e
da família – e igualmente, a definição da cidadania feminina era constituída a partir do
espaço privado, sendo proporcionada a partir da vida na casa. Segundo Varikas:
“A família sob controle masculino fazia do espaço privado doméstico
um espaço de „tirania‟, um espaço de „privação de direitos‟. Privação
dos direitos civis e políticos que retirava de uma metade do gênero
humano a independência necessária para participar, não da gestão de
uma comunidade instituída de uma vez por todas sem seu
consentimento, mas da própria definição do conteúdo e das regras da
vida em comum” (1997, p.61).
Diante do exposto, é notório que a família continua a ser uma esfera importante
de proteção social, em especial no caso das camadas populares. Já que as
transformações sinalizadas, modificaram o estilo de vida tradicional dos pobres e
trabalhadores pobres livres – grande maioria da população. As relações servis de
dependência e proteção foram substituídas pelo homem que vendia sua mão de obra aos
donos das indústrias. Tudo isso era resultado de um século que revolucionou as
sociedades ocidentais.
A configuração dos modernos sistemas públicos de proteção social
Conforme Polany, a civilização do século XIX ruiu os padrões de sociabilidade
até então existentes e com ela grandes transformações aconteceram.
Ou seja, as
transformações políticas, econômicas e sociais aniquilariam os sistemas de
solidariedade e responsabilidades das sociedades antigas de defenderem a si e a sua
comunidade, transformando seu ambiente natural. A simbiose de uma economia de
mercado e um estado liberal foram os elementos que atingiram os mecanismos de
solidariedades e responsabilidades da sociedade feudal e colocaram os mais
desfavorecidos em situação de dificuldade econômica, quebrando as redes de
solidariedades existentes e colocando em situação de quase total desproteção muitos. Ao
contrário da proteção social feudal, em finais do XVIII e início do XIX, na qual a
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organização social era marcada pelas redes de solidariedades vínculos de vassalagem,
linhagem ou familiar, parece que se configurava um momento de total desproteção da
sociedade, para sermos mais precisos, dos indivíduos e famílias pobres.
É nesse contexto rigidamente liberal que surgem as primeiras medidas de
proteção social, nas quais negavam a necessidade de intervenção estatal nas questões
sociais, pois o mercado e nele os indivíduos que prosperam eram eficaz para dar conta
dos problemas emergenciais emergentes. Contudo, com o passar do tempo e o
desenvolvimento do sistema capitalista, essa afirmação apresentará limites e
controvérsias, já que o mercado se mostrou incapaz de dar conta dos problemas gerados
na esfera da reprodução social, próprios de seus mecanismos. Com isso, ocorreu a
crescente exigência da intervenção estatal, tanto na esfera da produção quanto da
reprodução.
Dentro desse contexto, em 1834, a antiga Lei dos Pobres3 foi reformulada e
apresentou um novo significado, além de ser destinada aos que dela precisava, na sua
maioria os indigentes, estigmatizava-os. Em 1601, a Lei dos Pobres visava dar trabalho
para pessoas aptas ao trabalho, mas sem a criação de um estigma. Em 1834, com base
no princípio de menos elegibilidade, tratava com estima as pessoas que fossem
beneficiadas por essa lei, via uma recepção desagradável e pejorativa. A concepção
liberal teve forte influência nessa nova leitura da Lei dos Pobres, porque acreditava-se
que os homens tinham obrigação de trabalhar qualquer que fosse a condição e
remuneração para alcançar condições mínimas de sobrevivência, sua proteção social
deveria ser garantida por esforço próprio no espaço de trabalho. Segundo Hobsbawn,
“poucos estatutos foram mais desumanos que a Lei dos Pobres de 1834” (2010, p.83).
Porém, não dava mais para ignorar essa situação. O Estado não podia continuar
existindo apenas para garantir a segurança, pois a situação de miséria crescia e os
movimentos contra esse quadro insurgiam e davam visibilidade à situação de
precariedade em que muitos viviam. Foi, então, que as medidas protetivas do governo
alemão ganharam destaque e importância. A Alemanha foi um dos primeiros países da
Europa a desenvolver um avançado sistema de proteção social, o seguro social. Aqui
teve destaque Otto Von Bismarck, responsável pela criação de medidas como a lei de
acidentes do trabalho, o reconhecimento dos sindicatos e o estabelecimento de um
3
A Lei dos Pobres surgiu como um sistema de auxílio aos pobres ingleses na Idade Média, por volta do
século XV. Foi reconfigurada, em 1834, focando dois princípios básicos: o de “less elegibility” e o de
“workhouse test”.
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seguro social compulsório voltado à doença, acidente e invalidez. Outras iniciativas
ganharam evidência como foi o New Deal de Roosevelt. Por causa do período de grande
depressão, em 1929, foi necessária a configuração de um sistema de proteção social,
mesmo que residual, por se tratar de um país tipicamente de capitalismo liberal, para
lidar com a crise que estava posta. Todavia, a efetivação dos “poderosos” sistemas de
bem estar social se deu no período pós II Guerra Mundial.
O longo período de expansão, entre os anos de 1945 e 1973, foi caracterizado
por uma verdadeira transformação econômica, social e cultural. Modificações essas que
se deram numa velocidade extraordinária em diversos países ao redor do mundo.
Podemos citar as inovações tecnológicas, a criação de hábitos de consumo, práticas de
controle do trabalho, avanço do processo de industrialização e urbanização, crescimento
econômico, dentre outras fatores. O crescimento acelerado desse período dependeu de
uma série de compromissos e reposicionamentos por parte dos sistemas de produção
capitalista, que agora se baseava nos modelos fordista (produção e consumo em massa)
e keynesiano (pleno emprego e garantia de direitos trabalhistas via Estado), e do Estado
que teve que assumir novos papéis e formas de gestão das políticas públicas (HARVEY;
2008).
O Estado assumiu uma variedade de atribuições, que ia desde o controle dos
ciclos econômicos via políticas fiscais e monetárias até investimentos na área social, em
setores como seguridade social, saúde, educação, habitação, etc. Outro aspecto
importante, e que devemos sinalizar, é que a forma de intervenção do Estado variou
bastante nas diversas economias capitalistas avançadas. O período pós-2ª Guerra
Mundial foi emblemático na institucionalização e expansão dos Estados de Bem Estar
Social na maioria das economias capitalistas avançadas e, posteriormente, nas
economias periféricas. Aqui o Estado é chamado para agir estrategicamente nas
situações de desemprego, desigualdade, pobreza e miséria que apresenta um avanço
crescente no século XX.
Lefaucher (1991) e Bock (1991) afirmam que nos países em que o Welfare State
foi mais forte e presente proporcionou uma maior autonomia às mulheres por causa da
intervenção do estado na família. O Estado implementou algumas políticas públicas – a
saber:
saneamento básico, creches, escolas em tempo integral, investimentos
tecnológicos
(contraceptivos
e
produtos
industrializados
–
leite
em
pó),
eletrodomésticos (ferro elétrico, máquina de lavar, geladeira, fogão) – que
possibilitaram a “saída” das mulheres para a esfera pública e o acesso a direitos sociais
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até então não garantidos (direito a maternidade, previdência). Para as autoras, as
mulheres foram “casadas” com o Welfare State e este as “expulsou” para fora de suas
casas, impactando assim nas relações de gênero.
No entanto, é importante lembrar que, nos últimos anos, as crises dos padrões
produtivos, da gestão do trabalho e as recentes transformações societárias têm
repercutido diretamente nas políticas públicas de proteção social. E, nesse quadro a
família é redescoberta como agente de proteção social privado de proteção (PEREIRAPEREIRA, 2004),
Considerações Finais
No período pós década de 1990, em especial, as crises dos sistemas estatais de
bem-estar social afetam e ameaçam mais radicalmente as garantias de níveis mínimos
de emprego e seus sistemas protetivos, acesso aos direitos assistenciais, a qualidade de
saúde pública, educação gratuita como direitos universais. O projeto neoliberal ganhou
força e priorizou ações como as de privatização do Estado, internacionalização da
economia, desproteção social, sucateamento dos serviços públicos, concentração da
riqueza e aumento da pobreza e indigência. Vivenciamos, assim, um quadro de retração
e liquidação dos direitos sociais dos cidadãos, ocasionando no aumento do número de
indivíduos, famílias e comunidades que vivem em condições precárias por causa da
grande desigualdade social e da redução da qualidade de vida. Com isso, temos o
crescimento das desigualdades dos direitos básicos – civis, políticas e sociais – de
massa significativa das sociedades.
Concluindo, é neste cenário, que a família é (e sempre esteve) compreendida
como instância de gestão e superação da crise de (mal) bem-estar social que se vive hoje
nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. A família, além de assumir suas
tradicionais atribuições na sociedade, torna-se responsável por promover cuidados e
serviços que deveriam ser ofertados pelo estado de bem estar social.
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