1751 X Salão de Iniciação Científica PUCRS O REPÓRTER DA HISTÓRIA: ANCHIETA E O IV CENTENÁRIO DO RIO DE JANEIRO Natália Müller Bona1, Drª. Eliane Cristina Deckmann Fleck1 (orientador) 1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS, 2Centro de Ciências Humanas Resumo Esta comunicação contempla os primeiros resultados de minha inserção como Bolsista de Iniciação Científica, desde janeiro de 2009, ao Subprojeto “O Dia de Anchieta e sua repercussão na mídia impressa e nas atividades culturais e educacionais”, que integra o Projeto “Dos fins da política e da religião: o pensamento anchietano e sua apropriação pelo regime militar”. Dentre as inúmeras atividades culturais que ocorreram imediatamente após a instalação do regime militar em 1964, destacam-se as comemorações alusivas ao IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro. Foi neste contexto que Amaral Netto produziu, em 1965, o que pode ser chamado de “documentário sonoro” que, tal qual novela, relata como nasceu a “mui leal e heróica” cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Este documentário destaca, sobretudo, a atuação do Pe. José de Anchieta, tanto na expulsão dos franceses, quanto na fundação da cidade do Rio de Janeiro, razão pela qual a análise proposta atende aos objetivos do Projeto maior. Introdução Para a finalidade deste Salão de Iniciação Científica, apresento a análise de um documentário alusivo ao IV Centenário da criação da cidade do Rio de Janeiro (1565-1965), que nos permite uma série de reflexões sobre as informações por ele veiculadas, tanto sobre a França Antártica – e, sobretudo, sobre a expulsão dos franceses –, quanto sobre o papel desempenhado pelo missionário jesuíta José de Anchieta neste episódio. Produzido e dirigido por Amaral Netto, gravado no estúdio “F” da Odeon, este documentário sonoro de 1965 se insere no processo de construção e difusão de uma memória sobre Anchieta, que foi incrementada durante a década de sessenta do século XX. A produção comemorativa vem X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 1752 reforçar representações já consagradas sobre o missionário, em especial aquelas difundidas através das biografias produzidas desde o século XVI e da inauguração de monumentos e de outros lugares de memória associados ao Apóstolo do Brasil. Metodologia Para a reconstituição do momento histórico da instalação da Companhia de Jesus no Brasil e sobre a atuação missionária de José de Anchieta, nos valemos de EISENBERG (2000), TOLEDO (2006) e RUCKSTADTER (2006), e para melhor compreendermos a participação dos jesuítas no episódio da expulsão dos franceses da Baía de Guanabara, realizamos a leitura dos trabalhos de DAHER (2007), WETZEL (1972) e de LUCENA (2008). Em relação às comemorações do IV Centenário da criação da cidade do Rio de Janeiro, recorremos à COSTA (1965). E para a análise da produção sonora, consideramos fundamentais os pressupostos de análise adotados por ALMEIDA (1990), CHARTIER (1990), KORNIS (1992), FERRO (1992) e ROSSINI (1997). Estas leituras foram fundamentais para entendermos as representações veiculadas através do documentário e para identificarmos os elementos da composição técnica do documentário, tais como o jogo de som e silêncio, os tons das vozes e os barulhos que envolvem o ambiente das cenas, cuja finalidade é a de envolver o ouvinte e ativar seu imaginário. A análise que fizemos do documentário levou em consideração informações sobre o autor e a finalidade da produção, o contexto histórico que é alvo do documentário e aquele em que foi produzido. Informações relativas ao financiamento e a recepção do documentário sonoro também foram investigadas, apesar das limitações de acesso a estas informações. Resultados (ou Resultados e Discussão) O documentário produzido em 1965, ao destacar a atuação do jesuíta Anchieta no episódio da França Antártica e enaltecer seu envolvimento no combate à ameaça estrangeira e na defesa dos valores tradicionais da família e da religião, aponta para uma sintonia com os valores defendidos pelos setores sociais mais conservadores e identificados com o regime militar que promoveram a instituição do Dia de Anchieta. Seu autor, Amaral Netto, além de jornalista, mantinha, à época, uma proximidade com então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, favorável ao Golpe de 1964, vindo a atuar, posteriormente, como deputado pelos partidos UDN, MDB, ARENA e PDS. O documentário pode, ainda, ser percebido, como uma tentativa de resgatar a importância da cidade do Rio de Janeiro para a X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 1753 manutenção da integridade do território brasileiro, após ter deixado de ser Distrito Federal no início da década de sessenta do século XX. Conclusão A França Antártica – estabelecida na Baía de Guanabara, no período de 1555 a 1567 –, tema do documentário sonoro “Assim nasceu o Rio” que analisamos, representou uma ameaça concreta à integridade do território português, ao atendimento espiritual dos colonos e à catequização dos indígenas promovida pelos jesuítas. A figura do Pe. José de Anchieta, tida como fundamental para que houvesse a vitória portuguesa diante dos franceses calvinistas, é ressaltada tanto nos trechos narrados por Amaral Netto, quanto nas entrevistas com personalidades do século XVI que integram a produção. A exaltação da atuação do jesuíta José de Anchieta em defesa da política metropolitana e da religião católica – que caracteriza o documentário – parece não apenas se adequar ao momento de afirmação do discurso integracionista, tão caro ao recém-implantado regime militar, mas estar em sintonia com os anseios de setores mais conservadores da sociedade brasileira e da Igreja Católica. Referências RUCKSTADTER, F. M. M. Análise da construção histórica da figura "heróica" do padre José de Anchieta. Cadernos de História da Educação. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, v. 5, p. 13-26, 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/nephe/arquivos/edicao5/ ed5completa.pdf#page=13>. Acesso em: 03 de janeiro de 2009. COSTA, Nelson. O rio através dos séculos: história da cidade em seu IV centenário. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1965. 176 p. DAHER, Andréa. O Brasil francês: as singularidades da França Equinocial 1612-1615. Rio de Janeiro: Record, 2007. 358 p. EISENBERG, J. . As Missões Jesuíticas e o Pensamento Político Moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. FERRO, Marc. Cinema e historia. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 143 p. KORNIS, Mônica Almeida. História e Cinema: um debate metodológico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 237-250. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/106.pdf. LOPEZ, Adriana. Franceses e Tupinambás na Terra do Brasil. São Paulo: Editora Senac, 2001. 170 p. LUCENA, Paula Cardoso de. Um soldado a serviço do rei e de deus: as representações da atuação do jesuíta José de Anchieta no episódio da frança antártica. Trabalho de conclusão de curso. Unisinos: São Leopoldo, 2008, 74p. WETZEL, Herbert Ewaldo. Mem de sá : terceiro governador geral: 1557-1572. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. 277 p. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009