O Peso da Tradição: a Influência do Modelo Mental dos
Gestores no Desenvolvimento das Capacidades Dinâmicas
Autoria: Rubens Mussolin Massa
Resumo
Neste artigo analiso como os conceitos de paradigma, cultura organizacional e cognição de
recursos influenciam o modelo mental dos gestores e enviesam a escolha de quais capacidades
dinâmicas devem ser desenvolvidas por uma organização no processo de inovação e mudança.
Na esfera empírica realizo um estudo de caso da editora A Recreativa, tradicional empresa de
64 anos. Os resultados evidenciam como os conceitos descritos, aplicados à rotina da
organização, tendem a deixar a mesma gradativamente mais alinhada consigo mesma em
detrimento das reais demandas do ambiente, colocando em risco sua sobrevivência a longoprazo e revelando o peso da tradição.
Introdução
A inovação organizacional envolve, ao longo do tempo, a mudança dos recursos
organizacionais e das competências, acompanhada da renovação dos produtos (FLOYD;
LANE, 2000). O conceito de capacidades dinâmicas se refere à habilidade da empresa de se
renovar em função das mudanças do ambiente (TEECE; PISANO; SCHUEN, 1997).
Neste artigo, valho-me da literatura clássica e atual sobre capacidades dinâmicas,
associada a uma revisão da literatura de mudanças estratégicas (QUINN, 1980; SPENDER;
GRINYER, 1979; PETTIGREW, 1985; JOHNSON, 1987), com o objetivo de argumentar e
demonstrar empiricamente, através do estudo de caso da Editora A Recreativa, como os
paradigmas organizacionais enviesam a escolha de quais capacidades dinâmicas devem ser
desenvolvidas nas organizações, causando um alinhamento destas com seus próprios
paradigmas, em detrimento das reais demandas do meio-ambiente.
Considerando capacidades dinâmicas como processos internos de uma empresa,
assumo neste artigo uma lente organizacional empírica, e não econômica (BARNEY, 1991
apud EISENHARDT, 2000). Busco também demonstrar que capacidades dinâmicas não são
tautológicas e vagas como se tem discutido, mas, sim, processos bem conhecidos, que
envolvem alianças, desenvolvimento de produtos e decisão estratégica ‒ conceitos estudados
à parte da tradicional RBV ‒ mas com valiosa contribuição para os estudos de vantagem
competitiva por sua habilidade em criar, integrar, recombinar e economizar recursos
(EINSENHARDT; MARTIN, 2000).
Referencial Teórico
A inovação organizacional envolve a mudança dos recursos organizacionais e
competências ao longo do tempo, acompanhada da renovação dos produtos (FLOYD; LANE,
2000). O conceito de capacidades dinâmicas se refere à habilidade da empresa de se renovar
em função das mudanças do ambiente (TEECE; PISANO; SCHUEN, 1997). Eisenhardt e
Martin (2000) afirmam que a base de recursos da organização pode ser alterada de 4 (quatro)
maneiras diferentes: alavancando os recursos existentes; criando novos recursos; acessando
recursos externos; ou economizando nos recursos. Entretanto, há pouco conhecimento de
como a capacidade dinâmica é exercida.
Mecanismos de funcionamento das capacidades dinâmicas
Segundo Winter (2003), capacidades dinâmicas são similares a capacidades
organizacionais, que ele define como uma coleção de rotinas, que junto com inputs no fluxo
de execução, fornecem à gestão de uma organização um leque de decisões estratégicas para
produzir outputs significantes de um tipo particular, o que implica em dizer que não há
capacidade dinâmica se não houver um objetivo definido. Assim, dá-se uma discussão sobre o
que são capacidades dinâmicas e o que não são. Winter (2003) utiliza-se do termo adhoc
problem solving para se referir a movimentos de mudança de comportamento no tempo que
não são capacidades dinâmicas, ou seja, que não são rotinas, não seguem padrões e não são
repetitivos.
Alguns dos principais mecanismos de aprendizado de capacidades dinâmicas são: a
prática repetida; a codificação da experiência; os erros e a velocidade da experiência. A
prática repetida, como demonstram inúmeros estudos empíricos (ZOLLO; SINGHS, 1998),
combinada com a codificação da experiência em novas tecnologias e procedimentos, tornam a
experiência mais fácil de aplicar e acelera a construção de rotinas (ARGOTE, 1999). Os
estudos sobre erros igualmente demonstram que estes, quando são grandes e estratégicos,
2 colocam barreiras à ação dos gestores, enquanto que, quando pequenos, incentivam o
aprendizado interno nas organizações para se readequar em busca de corrigi-los
(EISENHARDT; SULL, 2001). A velocidade das experiências também afeta as capacidades
dinâmicas: ao passo que experiências muito intensas levam os gestores a não conseguir
transformá-las em um aprendizado significativo e experiências infrequentes podem levar a
esquecer o que foi aprendido previamente. O resultado é pouco conhecimento acumulado
(ARGOTE, 1999).
A definição de rotinas moderada pela dinâmica do mercado
Rotinas no processo de desenvolvimento de capacidades dinâmicas, em uma visão
expandida do processo de rotinas (CYERT; MARCH, 1963; NELSON; WINTER, 1982),
podem ser moderadas pela dinâmica do mercado estudado.
Estudos (WALLY; BAUM, 1994; FREDRICKSON, 1984; EISENHARDT;
TABRIZI, 1994) demonstram que organizações com processos muito bem estruturados são
capazes de produzir produtos mais rapidamente; entretanto, frequentemente estes não estão
em consonância com as demandas do mercado. Ao passo que empresas sem estrutura alguma,
com processos orgânicos, são igualmente ineficazes (BROWN; EISENHARDT, 1997). Sabese que à medida que se ganha conhecimento neste processo, para torná-lo mais eficaz, tendese a transformá-lo em rotinas progressivamente mais formais para que possam atingir seu
objetivo com mais eficácia.
Explico a relação: a literatura mainstream do tema teoriza que em mercados com
dinâmica moderada, onde mudanças ocorrem com frequência, seguem padrões lineares e
previsíveis e as condições competitivas são bem definidas, os gestores são capazes de
trabalhar com o histórico e desenvolver planos estruturados com base nestes (HELFAT,
1997). Entretanto, em mercados muito dinâmicos, ou seja: onde as fronteiras do mercado não
estão claras, não existem modelos de negócio claramente de sucesso, os players de mercado
são ambíguos e estão em constante mudança (Einsenhardt, 1989), assim as mudanças tendem
a ser não-lineares e menos previsíveis. Salienta-se que mesmo nestas condições é importante
considerar rotinas que permitam que as decisões não sejam desestruturadas e orgânicas,
valendo-se de procedimentos mais simples focados em pontos essenciais, mas capazes de
gerar poucas regras eficazes em especificar fronteiras de ação e determinar prioridades. Neste
contexto o uso de experimentos que gerem aprendizado rápido supre a falta de procedimentos
muito estruturados, utilizando-se de protótipos capazes de gerar e ganhar mais conhecimento
rapidamente de maneira a embasar mais adequadamente as decisões estratégicas para a
construção de novos recursos eficazes na criação de novas vantagens competitivas
(ARGOTE, 1999; SITKIN, 1992).
O viés na decisão de desenvolvimento de capacidades dinâmicas
Isto, entretanto, não explica integralmente porque algumas organizações são capazes
de se renovar em face das mudanças ambientais enquanto outras sucumbem, deixando gaps
teóricos importantes. Um deles, identificado por Danneels (2010), afirma que o que é feito no
exercício das capacidades dinâmicas depende da cognição dos executivos sobre os recursos da
firma, demonstrando através de aplicação empírica que o que uma empresa pode fazer
depende fortemente da visão dos gestores sobre a organização, uma vez que o modelo mental
dos executivos influencia na identificação de recursos, no entendimento de sua fungibilidade,
em que direção a organização deve seguir e outras dimensões relevantes.
O autor chamou isto de “esquema de recursos”, ou seja, modelos mentais
simplificadores da realidade que os gestores adotam em suas empresas para gestão dos
3 recursos. Estes contêm respostas para perguntas que levarão à aplicação dos recursos de
acordo com a sua visão e lógica particular; entretanto, podem omitir detalhes importantes e
decisivos nos rumos da organização.
Assim, é relevante atentar-se não somente às questões postas na literatura sobre
capacidades dinâmicas, mas também às questões políticas e socioculturais que influenciam na
escolha de quais capacidades dinâmicas desenvolver, para que estas estejam comprometidas e
alinhadas com o meio-ambiente e não somente com o paradigma da organização. Isto pode
explicar, por exemplo, porque em pesquisas citadas por Brown e Eisenhardt (1997) empresas
com processos muito bem estruturados são capazes de produzir produtos mais rapidamente,
todavia, frequentemente estes não estão em consonância com as demandas do mercado.
Links entre estratégia e cultura organizacional
Uma quantidade relevante de trabalhos tem sido desenvolvidos na última década
mostrando as ligações entre a estratégia e a cultura organizacional, citando também os
problemas que envolvem a inércia estratégica e a necessidade dos gestores em gerenciar o
contexto cultural para buscar mudanças estratégicas que permitam e sustem mudanças para o
sucesso de longo prazo. Um dos pontos relevantes neste processo, é considerar as implicações
da ação dos gestores.
Em mercados de pouca dinâmica, as mudanças tendem a ser incrementais, utilizandose do conceito de “incrementalismo lógico”, que significa que no decorrer de longos períodos
a estratégia vai se desenvolvendo incrementalmente e o passado tem grande relevância na
forma como a empresa molda o futuro (QUINN, 1980). Entretanto, existem outras
explicações para como os padrões emergem. As pesquisas em gestão estratégica apontam que
as decisões emergem pela aplicação da experiência gerencial como um filtro para estímulos
internos e internos dentro de um ambiente social e político; assim, é razoável afirmar que a
orientação estratégica está diretamente relacionada com as premissas, valores e crenças
presentes na experiência organizacional de seus gestores e na cultura organizacional vigente.
Se existem interpretações individuais, de certo modo, existe um conjunto de crenças
compartilhadas entre os gestores, denominado como paradigma (SCHEIN, 1986), que se
configura por atuar de maneira inconsciente no nível mais profundo das crenças e premissas
entre os gestores, formando visões “tidas como certas” que moldam a maneira como a
organização se vê e enxerga o ambiente. Assim, por sua natureza, o paradigma é uma
estrutura cognitiva presente, em maior ou menor intensidade, dentro de todas as organizações.
Isto permite que a organização internalize suas competências únicas e habilidades especiais
que serão a base para atingir vantagens competitivas (JOHNSON, 1992). Entretanto, isto
também pode gerar problemas.
Forças ambientes e capacidades organizacionais afetam a performance de uma
organização mas não são elas propriamente ditas que criam a estratégia organizacional. Quem
faz isso são as pessoas, e um dos mecanismos que influenciam este processo são os
paradigmas (JOHNSON, 1992). Explica-se: certamente aspectos internos e externos à
organização afetam, de forma individualizada, a forma como os gestores desta percebem os
fatos, o que influencia diretamente o direcionamento de tomada de decisão nesta. Este viés
interpretativo pode ser ilustrado pelo fato cotidiano de dois diferentes espectadores verem o
mesmo lance em um jogo de futebol de maneira diferente, ou analisarem uma mesma decisão
de investimento na bolsa de valores de maneiras opostas. O processo é então reiterado por
uma série de artefatos culturais: as rotinas da organização, os rituais, os controles formais
vigentes.
4 Tomada de decisão enviesada
Deparando-se com situações de mudança, executivos tendem a lidar melhor com
situações que estejam alinhadas com seus paradigmas, a cultura e os demais aspectos sociais e
normas políticas vigentes na organização. Isso torna difícil tomar decisões que fujam deste
contexto, principalmente que mudem “o modo de fazer as coisas por aqui”. Assim, a
tendência dos gestores será sempre primeiramente modificar o que não fuja ao paradigma
vigente, eliminar informações que não estejam de acordo com o mesmo e absorver as
informações que estão de acordo com este. Entretanto, este viés, ao longo do tempo, faz com
que a estratégia da empresa se torne cada vez mais descolada das mudanças ambientais, um
processo que tende a ser negligenciado pelos gestores até que comece a afetar os resultados.
O resultado deste processo é que a organização tende a desenvolver estratégias
alinhadas com o que pensam os gestores da empresa e não com o que realmente ocorre no
ambiente. Entretanto, em um paradoxo, as forças do ambiente afetarão o desempenho da
empresa e prejudicarão o seu resultado ao longo do tempo.
A cognição de recursos é um conceito extensivamente explorado na psicologia e na
economia comportamental. No contexto deste trabalho é capaz de unir a teoria sobre
paradigma e cultura aos conceitos de capacidades dinâmicas. Sua definição é de extremo
valor para o caso a ser analisado. Mas o que o termo significa? Quais suas implicações? De
maneira objetiva, cognição de recursos significa: identificação de recursos e o entendimento
de sua fungibilidade, resultando em esquemas de recursos, ou seja, modelos mentais que os
gestores aplicam em suas empresas que determinam quais são os recursos percebidos naquela
empresa e quais as aplicações potenciais daqueles recursos, resultando num processo
subjetivo de escolhas e identificação (DANEELS, 2010; TEECE, 1982; HAMEL;
PRAHALAD, 1994) valioso para o objetivo deste estudo.
Metodologia
Estudos de caso são adequados quando as questões “como” e “por quê” são colocadas,
o observador tem pouco controle sobre os eventos e o foco são fenômenos contemporâneos
que ocorrem no contexto real (YIN, 2001). São particularmente interessantes por existirem
poucos dados sobre as variáveis analisadas, evidências de várias formas capazes de permitir
uma triangulação dos dados e quando existem preposições teóricas anteriores capazes de guiar
a coleta de dados (YIN, 2001). Este é o caso deste estudo. Portanto, utilizaremos para
desenvolvimento deste estudo os procedimentos propostos por Yin (2001).
A editora A Recreativa é, particularmente, uma unidade de análise interessante para
contribuir com o objetivo deste trabalho por ser uma empresa familiar de cultura muito forte e
rotinas muito bem estabelecidas, que atua no mercado editorial desde 1.950, sendo a pioneira
no desenvolvimento de revistas de Palavras Cruzadas e passatempos no Brasil.
Após 5 décadas de estabilidade, a empresa, nos últimos 15 anos, enfrenta dificuldades
em lidar com a necessidade de inovar, inerente às mudanças ambientais que ameaçam o seu
negócio principal. O estudo foca nos últimas 2 décadas do ciclo de vida da editora, realizando
uma análise longitudinal, que abrange os últimos 5 anos de estabilidade da editora e
acompanha as ações que foram realizadas nos últimos 15 anos visando inovar e sair da
situação de declínio em que se encontra.
Devido ao meu trabalho na organização como gestor e posteriormente como consultor
e sócio, meu acesso à mesma se tornou fácil. Como objetos de análise, foram entrevistados
em profundidade os sócios gestores da empresa, que por questões éticas serão referidos como
entrevistado 1, entrevistado 2 e entrevistado 3, bem como os balanços financeiros e os
5 demonstrativos de resultado do exercício nos anos considerados e relatórios de
acompanhamento de mercado fornecidos pela empresa
Primeiramente, foram desenvolvidos os conceitos que envolvem os construtos
utilizados: as 4 dimensões no desenvolvimento de capacidades dinâmicas propostas por
Eisenhardt e Martin (2000); alavancagem de recursos; criação de novos recursos; acesso a
recursos externos e economia de recursos ‒ associadas a uma quinta dimensão, proposta por
Danneels (2010), interligando-as posteriormente com o construto de paradigma, sob a ótica da
literatura de mudança estratégica desenvolvida no referencial teórico e demais literatura
demandada no decorrer da análise do material.
Posteriormente, foram realizadas 6 entrevistas em profundidade com 3 dos 4 gestores
da empresa nos últimos 20 anos. Em seguida, os dados coletados foram codificados e
confrontados com a literatura e os dados financeiros e econômicos coletados.
Uma breve história da Editora A Recreativa
Fundada em outubro de 1950, na cidade de São Paulo, a editora A Recreativa é a
realização do sonho do seu fundador, Owen Ranieri Mussolin, grande admirador das revistas
de passatempos italianas, suas grandes companheiras no período que passou na Itália em sua
primeira infância. Sentindo que não havia nada parecido no Brasil, fundou a Gazeta A
Recreativa, a primeira revista de Palavras Cruzadas do Brasil, em outubro de 1950. Nesta
época, Owen conciliava sua rotina como bancário com a criação dos passatempos, editava a
revista com a ajuda dos leitores colaboradores e escrevia um dicionário pessoal de termos
para Palavras Cruzadas.
Após se aposentar, em 1974, mudou-se para a cidade de Poços de Caldas e se dedicou
integralmente à edição de suas revistas de palavras cruzadas, até o ano de 1998, quando,
acometido por uma doença degenerativa aposentou-se, vindo a falecer em 2002. Seus filhos,
um deles já junto de Owen desde o início da década de 80, deram sequência ao seu trabalho e
administram até hoje a empresa, sendo os gestores em uma sociedade de 5 irmãos e 2 sócios.
Historicamente, a empresa apresenta um quadro de funcionários enxuto, com 10
colaboradores, o que a permite ter uma estrutura simples composta de dois setores:
administrativo e criação. O restante das atividades são terceirizadas a prestadoras de serviço
especializadas. Por se tratarem de revistas de passatempos, com um elevado nível de
dificuldade, se comparado a suas concorrentes, a editora atua sozinha em um grupo
estratégico de mercado. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa, em um
questionário inserido nas revistas para os clientes, seus consumidores são essencialmente da
terceira idade, sendo 80% acima de 80 anos, aposentados, com bom poder aquisitivo; 70%
dos leitores possuem renda superior a 10 salários mínimos e elevado grau de formação, e 70%
dos leitores possuem nível superior completo.
A empresa, ao longo de suas décadas de existência, construiu uma base de clientes
muito fiéis, alguns deles colecionadores das revistas da editora desde a primeira edição.
Entretanto, devido a mudanças ambientais, dentre elas novos hábitos da população idosa,
principalmente o envelhecimento do seu público-base e a dificuldade de renovação deste, vem
provocando uma queda de vendas geral nos produtos de A Recreativa, nos últimos 15 anos. A
empresa, acostumada à estabilidade de 5 séculos sem crises acentuadas, precisa agir para
sobreviver.
Ao longo dos últimos 15 anos, a empresa buscou se manter fiel à sua tradição de
produzir passatempos com elevado teor de cultura, concentrando-se em uma estratégia de
lançar novos títulos no mercado com as mesmas características, buscando, através de uma
segmentação maior por tipo de passatempos e sub-níveis de dificuldade (sempre do médio ao
difícil), atrair um novo público - especialmente migrando leitores das revistas Coquetel para a
6 editora A Recreativa. Posteriormente, buscou também lançar títulos infantis e oferecer
passatempos semelhantes aos das revistas Coquetel, confiando na fungibilidade da sua marca
e na percepção de que sua imagem de qualidade se transporia do seu segmento para todo o
mercado. Outras tentativas descritas no caso foram realizadas. Entretanto, não surtiram os
efeitos esperados.
Este estudo de caso longitudinal abrange os últimos 20 anos de histórico da editora,
sob a perspectiva das dificuldades que o peso da tradição impõe buscando compreender
porque a editora A Recreativa falhou até aqui no seu objetivo de atender às novas demandas
que o mercado dinâmico exigia, guiando-se pelo referencial teórico que busca responder à
questão: como os paradigmas organizacionais enviesam a escolha de quais capacidades
dinâmicas devem ser desenvolvidas nas organizações?
Descobertas
O histórico da editora A Recreativa demonstra que a empresa atingiu grande sucesso e
atendeu às demandas do mercado ao longo de mais de 5 décadas. Entretanto, nos últimos 15
anos a editora encontra dificuldades em readequar às mudanças e reestabelecer seu antigo
patamar financeiro, correndo risco de morte. Ou seja, considerando seu ciclo de vida, a
empresa se encontra em fase de declínio precisa reverter esta situação.
Inúmeras tentativas foram realizadas, embora sem sucesso. Sob a teoria das
capacidades dinâmicas, esta seção é organizada considerando as 4 dimensões em que a base
de recursos de uma empresa pode ser alterada (EISENHARDT; MARTIN, 2000), e a quinta
dimensão proposta por Danneels (2010), traçando um paralelo geral com a evolução do
paradigma na empresa e seu desempenho financeiro nos últimos 20 anos.
O Estudo de Caso da Editora A Recreativa
Alavancando os recursos existentes
Alavancar os recursos existentes significa se utilizar dos recursos presentes para
aplicar em novas formas de uso. Recursos podem ser categorizados em 2 tipos diferentes:
relacionados ao mercado e relacionados à tecnologia.
A editora Recreativa, ao longo das 5 primeiras décadas de sua existência, desenvolveu
a capacidade de criar novos produtos sempre que havia uma alteração no seu resultado
financeiro, passando incólume por momentos históricos brasileiros, como o congelamento dos
preços imposto pelo plano Collor, tendo a habilidade de lançar títulos paralelos sempre que a
situação demandava. O know-how neste tipo de atividade, de caráter tecnológico, é tão grande
que a empresa, de um mês para outro consegue, montar e desmontar uma linha de produção
mantendo a qualidade, como itera o entrevistado 2: “[...] ao longo dos anos, passando
principalmente pelas dificuldades, impostas pelo congelamento dos preços do plano Collor,
aprendemos a construir uma equipe muito flexível, composta por dezenas de colaboradores
que atuam sob demanda, tendo ampla experiência”. Entretanto, uma vez questionados se
estes produtos atingiam um novo público, os 3 gestores são enfáticos em dizer que a editora
nunca precisou se preocupar com atrair mais pessoas, pois tinha uma base fiel de clientes que
se encarregavam, por si só, de disseminar as revistas da editora entre os amigos e parentes. “O
caso de “A Recreativa” é incrível. Nunca conheci uma empresa com uma base de clientes tão
fiel. Alguns deles já chegaram a deixar sua herança pra editora por perceberem ela como uma
companheira de vida” complementou. Esta crença demonstra como a empresa conseguiu lidar
bem com a tecnologia, para manejar as crises e oscilações que ocorriam, mas se despreocupou
em lidar com as situações externas, ocorridas no mercado. Disse o entrevistado 2:
7 [...] nunca nos preocupamos em fazer análises ou mesmo com os preços da
concorrência. Até hoje acho que as revistas de A Recreativa não tem ligação direta
com qualquer outra produto do mercado [...]. Temos o nosso público, e os outros
meios têm o deles. Só não encontramos a forma de lidar com a renovação deste
público, porque tenho certeza que existir, ele sempre vai existir [...].
O conhecimento do consumidor reflete um modelo mental integrado de identidade,
necessidades, estilo de vida e comportamentos (DANNEELS, 2003). No parágrafo acima, é
possível perceber como o paradigma da empresa a respeito do conhecimento do seu
consumidor sofre influência de um viés. Ao lançar os novos produtos, os editores imaginavam
que apenas os seus leitores atuais seriam uma base suficiente para atingir novos públicos
através da indicação destes para seus conhecidos. Entretanto, esta percepção tornou-se falha
em dois aspectos principais prováveis: o primeiro é que os consumidores não estavam
dispostos a apresentar os produtos aos amigos e/ou os amigos não estavam dispostos a
conhecer os novos produtos. O que ocorre por diversos aspectos relacionados ao seu modelo
mental e de comportamento social que no decorrer dos anos vão se transformando.
A editora A Recreativa é distribuída nacionalmente pela empresa FC Comercial, sendo
a cliente mais antiga desta empresa. Ao lançar novos produtos, A Recreativa acreditava que
poderia se utilizar do relacionamento construído ao longo de seis décadas para obter apoio.
Entretanto, o que aconteceu foi que no ínterim dos lançamos, a distribuidora foi atingida por
uma grande crise e vendida para a outra empresa do segmento, a DINAP, que juntas
formaram um monopólio do segmento brasileiro de distribuição de revistas. Dentro desta
nova realidade, a empresa perdeu seu histórico poder de barganha com o fornecedor e passou
a ser vista como apenas mais um cliente. Importantes mudanças contratuais foram realizadas e
os custos de operação do processo de distribuição cresceram muito, bem como as condições
mínimas de venda. Com isto, a empresa foi, gradativamente, obrigada a manter apenas
produtos rentáveis, uma vez que a distribuidora se negava a investir em novos títulos por um
período, uma vez que se encontrava em situação de crise. Disse o entrevistado 3:
Pensamos que teríamos o apoio da FC ao lançarmos os novos títulos. Revista é
imprevisível, você tem que lançar e apostar nela por pelo menos seis números para
ver se o mercado responde. Não nos deram essa chance e ainda aumentaram os
valores de multas por não atingir padrões mínimos de venda. Aí ficou difícil.
Além do lançamento de novos produtos dentro da sua categoria, a editora A
Recreativa buscou novas alternativas que estivessem dentro do escopo do paradigma vigente
da empresa, ser uma “editora de Palavras Cruzadas impressas”, praticando uma estratégia de
extensão de marca, definida como: a utilização de marcas existentes para entrar em novas
categorias de produtos (KELLER; AAKER, 1992 apud DANNEELS, 2010). Segundo os
autores, três tipos de associação de marca impactam na fungibilidade de uma marca:
associações a categorias de produtos (palavras cruzadas), associação a benefícios (qualidade)
e associações referentes à usabilidade (divertidas).
A editora optou por oferecer conteúdo ao mercado, através da venda de edições
direcionadas, ou seja, de venda de conteúdo para projetos especiais corporativos como:
campanhas educativas e revistas de publicação direcionada (exclusivas para venda em
determinadas redes, publicadas com a marca da rede). Segundo o entrevistado 3, “[...]
sabíamos que as vendas em banca trabalhavam contra nós, os números caíam
constantemente enquanto os custos de operação da distribuidora só aumentavam. Chegou um
momento que ficou claro que não poderíamos pensar apenas nas vendas de banca mais”.
Persistindo dentro do paradigma organizacional, a empresa optou novamente pela inovação
incremental. Entretanto, a decisão gerencial sobre a fungibilidade da marca novamente se
8 mostrou ineficaz, pois a única associação de marca que se demonstrou, na prática, foi a de
associação de categoria de produtos.
[...] pensávamos que ao lançar novos produtos conseguiríamos transpor pra eles
nossa imagem voltada para a qualidade, uma vez que nosso concorrente tinha uma
visão quantitativa, mas não sei o que aconteceu, não conseguimos o respaldo do
mercado que pensávamos. As pessoas nos reconheciam como uma marca
importante, nos recebiam bem, mas sempre perdíamos as licitações que
participávamos, mesmo com preços abaixo da tabela (Entrevistado 3).
Claramente, os novos clientes não perceberam a nova categoria de produtos
desenvolvida pela editora A Recreativa como algo que trouxesse algum benefício adicional ao
que já existia no mercado. Ou seja, os produtos, apesar do reconhecimento de marca, não
adicionavam valor algum. O que era feito dentro do seu nicho, não se mostrou fungível a
novas categorias.
Sendo incapazes de exercer a capacidade de alavancar os recursos existentes, as
organizações devem buscar desenvolver a capacidade de criar novos recursos que juntos
formarão uma nova competência (GRANT, 1991 apud DANNEELS, 2010). Nesta dimensão,
a editora A Recreativa se mostrou inábil. Segundo o gestor 1: “[...] sempre soubemos que o
que devíamos fazer estava dentro da nossa competência, que é desenvolver palavras cruzadas
e passatempos de qualidade com muito conteúdo” complementado pelo gestor 3 “Até hoje
acho que pensar diferente é perder o foco. Todos nós aqui dentro pensamos assim”. Como se
nota, os gestores da empresa compartilham a visão, até a presente data, de que a empresa deve
se concentrar na inovação incremental e que o desenvolvimento de novas capacidades que
gerariam novas competências é tratado como algo negativo para empresa, por estar associado
à perda de foco na competência de produzir passatempos de qualidade com “conteúdo
relevante”.
Este paradigma corrobora para que a empresa não se preocupasse em desenvolver
formas estruturadas, capazes de desenvolver a capacidade dinâmica atrelada à criação de
novos recursos, o que corroborou para o desalinhamento entre a organização e o meioambiente em processo citado no referencial teórico. Infiro que, por estar em um ambiente
pouco dinâmico, a empresa conseguiu se perpetuar ao longo de décadas sem esta capacidade;
entretanto, quando ocorreu uma mudança ambiental significativa, a empresa passou a contar
apenas com os recursos já existentes, inadequados ao novo contexto.
É possível constatar, pela análise dos balanços da empresa, que a falta de foco na
inovação não está relacionada à escassez de recursos financeiros, estando relacionada ao
paradigma dos gestores da organização de que as inovações devem ser incrementais e dentro
das competências existentes. O entrevistado 2 cita que “[...] conhecemos bem o negócio, não
perdemos dinheiro com pesquisas e outras coisas. Temos que manter a empresa saudável
financeiramente” o que evidencia a noção de que apenas gastar menos significa “manter a
empresa saudável” e o gestor 1 complementa que “[...] com o tempo aprendemos a
economizar. “Essa é uma das razões do sucesso da empresa até hoje” ‒ mostrando como
apesar da queda das vendas e dos resultados financeiros acentuadamente decrescentes os
gestores da empresa ainda tem uma visão de “sucesso” sobre a forma como a gestão é
realizada.
Acessando recursos externos
Segundo a classificação que utilizamos, outra dimensão capaz de modificar os
recursos de base de uma organização é acessar recursos de fora da organização. Alianças e
aquisições são duas formas de realizar isto (EISENHARDT; MARTIN, 2000). A editora A
9 Recreativa, ao longo de seu processo de queda de vendas e de margens de lucro, utilizou o
fundo da empresa para investir no segmento de livros, adquirindo uma empresa de impressão
de livros sob demanda, mantida anônima neste por questões contratuais, denominada aqui
simplesmente como editora “Livro Novo”. Segundo o entrevistado 2, a expectativa era “[...]
comprar um negócio já formada para adaptá-lo à cultura da editora sem riscos”, ou seja,
acessar recursos complementares ao seu para desenvolver futuramente novas competências.
Como recursos para a editora Livro Novo a editora A Recreativa oferecia dinheiro para
acelerar o seu desenvolvimento e sua rede de contatos de distribuição para gerar alcance à
distribuição de livros da editora, que pretendia o fazer através do canal de bancas de revista.
Para a editora A Recreativa, a editora Livro Novo oferecia, como supracitado, novos recursos
que poderiam gerar novas competências em um mercado de interesse para a editora A
Recreativa, o mercado independente de livros. O plano demonstrou-se inviável.
A editora Livro Novo se iniciou pela iniciativa de dois jovens sócios que perceberam
uma carência na impressão de livros sob demanda para autores interessados em publicar seus
trabalhos e com dificuldades ou aversão a procurar grandes editoras para isto. Baseados em
histórias de sucesso no exterior, baseadas neste modelo, de conhecimento de um dos sócios
que residiu um período fora, a editora resolver investir sem muito planejamento, apenas
intuitivamente, de acordo com o consenso entre os sócios. Nos primeiros meses, entretanto, a
incompatibilidade entre o modelo mental de tomada de decisão dos gestores da editora A
Recreativa e os gestores da editora Livro Novo se tornaram evidentes, o que tornou a tomada
de decisão da empresa, ainda uma startup, lento para os fundadores e muito dinâmico para os
gestores de A Recreativa. Não tardou para isto resultar em desavenças insolúveis, como
afirma o entrevistado 3,
Não dava. No primeiro momento, os meninos pareciam dispostos a seguirem um
desenvolvimento mais lento e seguro, como estamos acostumados. Mas nos
primeiros meses ficou evidente que eram crianças ainda, que não tinham muito mais
do que uma boa ideia na cabeça. Perdemos algumas centenas de milhares de reais
mas decidimos sair do negócio, não nos adaptamos. Ficamos em uma situação
difícil [...].
Também, os planos iniciais de expansão se mostraram mais onerosos do que
inicialmente se demonstravam e as mudanças relativas à fusão da distribuidora FC Comercial
tornaram os planos de distribuição através de bancas inviáveis. Assim, os recursos recíprocos,
diferentemente do que pensam os gestores envolvidos na negociação, se tornaram
desinteressantes para ambos, deixando a situação mais difícil ainda. “Chegou um momento em
que nossa sociedade não fazia mais qualquer sentido. Não nos suportávamos”, frisou o
entrevistado 1. A editora A Recreativa se deparou com a mais fundamental das premissas de
sucesso do processo de alianças ou aquisições. “As empresas precisam ter recursos para
buscar recursos” (EINSENHADT; SCHOONHOVEN, 1996 apud DANNEELS, 1996).
Os fatos denotam atitudes aparentemente precipitadas de buscar recursos através de
aquisições, sem se atentar a questões básicas, evidenciando a inaptidão da empresa em acessar
recursos externos através de aquisições e fusões.
Economizando recursos
Economizar recursos é a última das capacidades dinâmicas (EISENHARDT;
MARTIN, 2000) que a literatura tradicional aborda. E esta é a capacidade que foi exercida
com mais frequência na empresa ao longo do período analisado. Entretanto, o que se verifica
é que, apesar da preocupação dos gestores em trabalhar com o mínimo de recursos possíveis,
isso contribui negativamente para o processo de inovação, uma vez que impede, muitas vezes,
10 que sejam construídos processos mais adequados de criação de novos recursos ou mesmo de
alavancagem dos recursos existentes.
Para a alavancagem de recursos existentes, tendo como base a lógica incremental em
mercados de baixa dinâmica, supõe-se processos estruturados que se utilizem de dados do
passado capazes de gerar planos mais estruturados de futuro para a empresa. O que se nota,
entretanto é, como citado pelo entrevistado 2, “[...] conhecemos bem o negócio, não perdemos
dinheiro com pesquisas e outras coisas. Temos que manter a empresa saudável
financeiramente”, ou seja, há um consenso de que os executivos conhecem tão bem o negócio
que apenas uma gestão intuitiva é suficiente.
Como implicações na criação de novos recursos, frases citadas na entrevista conjunta
entre os gestores são emblemáticas ao demonstrar a cultura da empresa. Indagados sobre
como eles percebem a queda constantes nas vendas em relação às mudanças ambientes, frases
como “somos competentes fazendo e imprimindo palavras cruzadas, sempre existirão pessoas
que gostam de papel e de letras”, “não acredito que o computador vá acabar como nosso
mercado. As crianças são alfabetizadas com lápis e papel, mesmo com tanta tecnologia” e
“todas as nossas experiências fora da nossa área de know how” foram catastróficas
demonstram como o paradigma dos gestores da organização continua a ser que a editora A
Recreativa é uma editora de Palavras Cruzadas impressas e assim deve continuar.
Um ponto relevante é que apesar da histórica economia de recursos, a organização não
os investe em melhorias. De acordo com declarações como a do entrevistado 3 que diz que
“[...] toda a família depende deste negócio, temos que corresponder. Nosso negócio é estável,
não precisamos gastar dinheiro com isto. Uma hora vamos achar o caminho”, demonstram
que a economia de recursos tem a função apenas de trazer benefícios imediatos aos sócios,
não exercendo a função estratégica de buscar melhorias e a sobrevivência da empresa ao
longo do tempo. Contando para isto, aparentemente apenas com a sorte.
Cognição de recursos
Danneels (2010) propõe e testa empiricamente uma nova dimensão capaz de alterar
todos os demais recursos da empresa, denominada cognição de recursos. Suas premissas são
que para entender como as empresas exercitam suas capacidades dinâmicas é preciso
considerar antes como os executivos da empresa as exercitam e as enxergam.
A cognição de recursos é um conceito extensivamente explorado na psicologia e na
economia comportamental e se refere à identificação de recursos e o entendimento de sua
fungibilidade, resultando em esquemas de recursos, ou seja, modelos mentais que os gestores
aplicam em suas empresas que determinam quais são os recursos percebidos naquela empresa
e quais as aplicações potenciais daqueles recursos, resultando num processo subjetivo de
escolhas e identificação (DANNEELS, 2010; TEECE, 1982; HAMEL; PRAHALAD, 1994).
No caso da editora A Recreativa, mesmo diante dos fatos demonstrados pelo resultado
financeiro da empresa questões internas e ambientes demonstradas, como as mudanças de
hábitos da população idosa, o advento de novas tecnologias, a queda da receita e da margem
de lucro, existe a crença que a lógica da mudança incremental é o único caminho para a
empresa reverter esta situação. Isto influencia a forma como os gestores da empresa enxergam
e tomam decisões acerca de como e quais capacidades dinâmicas a empresa precisa
desenvolver para alterar suas bases de recurso. Os gestores da organização evidenciam que
não acreditam na extinção gradativa do mercado editorial de revistas, nem no potencial de
substituição das palavras cruzadas por outras formas de lazer e cultura, o que é determinante
na forma como exercitam suas capacidades dinâmicas. No caso da editora A Recreativa,
investindo apenas em alavancagem dos recursos já existentes, mesmo assim, de maneira
desestruturada, na captação de recursos externos como uma ameaça ao paradigma vigente, na
11 economia de recursos apenas para benefícios imediatos dos sócios e na criação de novos
recursos como algo negativo que tira o foco da empresa do seu negócio principal: produzir
revistas impressas de palavras cruzadas e passatempos.
Discussão
Partindo do entendimento dos conceitos referentes às capacidades dinâmicas,
proponho colaborar com o preenchimento do gap teórico proposto por Danneel (2010),
argumentando que somente planos estruturados e rotinas não são suficientes para guiarem
adequadamente o processo de mudança estratégica nas organizações. Devido à sua
complexidade, é importante considerar as questões socioambientais capazes de influenciá-lo.
A teoria nos diz que ao se deparar com mudanças, os executivos tendem a lidar melhor
com situações que estejam alinhadas com seus paradigmas, a cultura e os demais aspectos
sociais e normas políticas vigentes na organização, sendo a tendência destes sempre tentar
primeiro inovar através do que não fuja a estes, eliminando informações que não estejam de
acordo com o mesmo e absorvendo informações que corroborem (GRYNIER; SPENDER,
1979).
O caso apresentado analisa empiricamente esta questão teórica, demonstrando a
importância do paradigma organizacional no processo de decisão acerca de quais capacidades
dinâmicas a organização desenvolverá ou não, o que é um fator relevante no estudo da razão
pelo qual algumas organizações sobrevivem às mudanças do ambiente enquanto outras
sucumbem.
Algumas perguntas devem ser respondidas ao se estudar capacidades dinâmicas,
questões de cunho teórico importantes para a adequação do modelo de análise. A primeira
delas é: até que ponto a inovação na empresa é exercida realmente através de capacidades
dinâmicas? Explico: A teoria demonstra que para se exercer capacidades dinâmicas é preciso
que haja rotina e um objetivo bem definido (WINTER, 2003). Alguns dos principais
mecanismos de aprendizado para seu exercício são a prática repetida, a codificação da
experiência, o aprendizado pelos erros e a velocidade da experiência (ZOLLO; SINGH,
1998), sendo que, à medida que se ganha conhecimento no processo, tende-se a transformá-lo
em rotinas progressivamente mais formais, para que possam atingir seu objetivo com mais
eficácia. O estudo de caso, entretanto, demonstra que, de maneira geral, os gestores da editora
A Recreativa atuam de maneira intuitiva, sem nenhum planejamento formal de longo prazo, o
que os impede de exercer o processo de decisão estratégica de maneira estruturada como se
sugere em mercados pouco dinâmicos, como é o caso (HELFAT, 1997).
Mesmo assim, é perceptível que em alguns processos, mesmo sem se utilizar de
ferramentas técnicas, os gestores conseguiram desenvolver na empresa muito bem uma das
capacidades dinâmicas propostas, a de alavancagem dos recursos existentes. Proponho aqui
que isto ocorra pelo fato de que a empresa passou por crises anteriores, que a colocaram
diante da necessidade de desenvolvê-la, como o congelamento de preços do plano Collor
citado no estudo, criando um processo repetido por inúmeras vezes que permitiu a empresa
codificar a experiência, aprender com os erros de maneira a gradativamente desenvolver um
processo eficaz na criação de novos produtos para o seu público já existente. Entendo que isto
permitiu que a empresa prolongasse seu ciclo de vida com sucesso.
O incrementalismo lógico pressupõe que a estratégia da empresa se desenvolve
incrementalmente em um modelo, no qual o passado tem grande relevância na forma como a
empresa molda o futuro (QUINN, 1980). Baseado neste conceito, sugiro que este “sucesso”
através da alavancagem de recursos existentes corroborou para a construção de um forte
paradigma (JOHNSON, 2003), que atua negativamente, impedindo o desenvolvimento de
outra dimensão fundamental das capacidades dinâmicas propostas por Einsenhard e Martin
12 (2000), a criação de novos recursos. Neste processo, a visão histórica de que apenas alavancar
os recursos existentes é suficiente para manter a empresa saudável, reforçou o paradigma
organizacional e não permitiu que os gestores da empresa tomassem decisões de caráter
realmente inovador, criando novos recursos para desenvolver novas competências. Enquanto
ela percorria o seu ciclo de vida, essas competências não se mostraram necessárias, tornandose evidentes somente no momento em que o meio-ambiente exigiu que mudanças fossem
feitas, mostrando-se como fatores críticos de sucesso. Entretanto é uma capacidade que a
empresa não desenvolveu.
É importante considerar que corrobora para a formação do paradigma vigente e a
análise sob a ótica do incrementalismo lógico, a experiência da empresa em tentar exercitar a
terceira das dimensões das capacidades dinâmicas (EISENHARD; MARTIN, 2000): a
aquisição de recursos externos. Ao buscar crescer a adquirir novas competências rapidamente,
buscando atuar em um novo segmento, a empresa teve uma experiência mal sucedida. Os
gestores da editora A Recreativa, sem experiência prévia, baseados apenas na percepção
pessoal dos gestores e das críticas compartilhadas, ou seja, os paradigmas fizeram a aquisição
da editora Livro Novo confiando em premissas que não se mostraram verdadeiras. Ao final, a
editora A Recreativa não pôde mais oferecer os recursos que interessavam ao Livro Novo,
como distribuição abrangente em bancas e dinheiro, e a Livro Novo não podia oferecer um
modelo de negócios que se enquadrasse no paradigma dos gestores de A Recreativa. Não
havia, portanto, uma relação baseada em troca de recursos, como pressupõe uma relação de
aquisição de recursos, e, portanto, a parceria perdeu o sentido. O que ocorre é que os gestores
não enxergaram a situação desta maneira e se fecharam a novas parcerias, atribuindo a esta
modalidade de esforço também uma conotação negativa, ao invés de tentar codificar a
experiência, aprender com os erros e buscar novos caminhos que procurassem desenvolver a
capacidade dinâmica de adquirir recursos.
A análise do caso deixa evidente que os paradigmas organizacionais enviesam a
escolha de quais capacidades dinâmicas devem ser desenvolvidas, priorizando nas escolhas
aquelas que estejam de acordo com o paradigma organizacional. Como consequência, a
organização tende a ficar alinhada com estes, ao invés de se alinhar com realidade do meioambiente. Explico melhor:
As alterações do ambiente, com as mudanças de hábito, rotinas e perfil dos idosos
brasileiros, colocam em risco à sobrevivência da editora A Recreativa. O estudo demonstra
como é latente a necessidade de desenvolver capacidades dinâmicas para se conseguir ir ao
encontro destas alterações ambientais. Entretanto, é demonstrado que o modelo mental de
tomada de decisão dos gestores, afetado pelo paradigma organizacional, é um fator impeditivo
para que isto ocorra, fazendo com que a organização se alinhe com este paradigma e não com
o ambiente efetivamente. Sendo esta a principal contribuição deste trabalho: demonstrar como
isto ocorre.
No processo supracitado, os gestores tendem a desconsiderar informações do ambiente
que não se alinhem com o seu paradigma, como, por exemplo, que o mercado de revistas
impressas, apesar da expansão da base brasileira com poder aquisitivo suficiente para investir
em lazer, decresce a uma média de 3% ao ano (ANER, 2012) e que os idosos de hoje, por
exemplo, tem novos hábitos e expectativas, considerando informações que reforcem suas
crenças, como, por exemplo, que a população de idosos está crescendo. Este processo
influencia diretamente a tomada de decisão estratégica dos gestores e, consequentemente, a
escolha de quais capacidades dinâmicas a empresa desenvolverá.
Este fenômeno é denominado por Danneels (2010) como “esquema de recursos”, ou
seja, modelos mentais simplificadores da realidade que os gestores adotam em suas empresas
para conseguir lidar com a complexidade e gerir seus recursos, contendo respostas a perguntas
que levarão a aplicação dos recursos através de sua visão e lógica particular. Entretanto, por
13 serem modelos simplificadores, podem omitir detalhes importantes e decisivos no rumo da
organização (DANNEELS, 2010), como demonstrado pelo exemplo acima e pela clareza das
opiniões emitidas pelos gestores da empresa ao acreditarem que a mesma não deve buscar
outras oportunidades que não aquelas que abranjam sua competência atual: produzir revistas
impressas de palavras cruzadas. Assim, desprezando as informações do ambiente que não
estão de acordo com ela e considerando outras que corroboram com a visão em um esquema
mental distorcido que influencia perigosamente a organização.
A economia de recursos ficou evidenciada no estudo de caso como uma prática
frequente no decorrer do exercício da empresa. Entretanto, ao averiguar o objetivo deste
percebe-se que não tem função estratégica determinada, é utilizada apenas como forma de
gerar mais distribuição de lucro aos sócios para objetivos particulares. Mesmo assim, entendo
que esta pode ser considerada uma capacidade dinâmica por atender aos requisitos propostos
por Winter (2003) e Zollo e Singh (1998).
Analisando o contexto, é possível inferir que este é um dos exemplos do enviesamento
das escolhas no processo de tomada de decisão dos gestores, pois o meio-ambiente exige que
a empresa se reinvente e desenvolva novas competências, mas, mesmo assim, o modelo
mental reforçado pelo paradigma dos gestores enxergam o investimento na criação de novos
recursos como algo negativo e um desperdício de dinheiro, o que demonstra, como supra
proposto, que os paradigmas organizacionais fazem a empresa tender a se alinhar mais com
seus próprios paradigmas do que com o ambiente, enviesando a escolha de quais capacidades
dinâmicas desenvolver para ser capaz de promover as mudanças e então a inovação que
permita que ela não entre, ou, no caso da editora A Recreativa, saia da situação de declínio no
seu ciclo de vida.
Permeando como premissa todas as 04 dimensões das capacidades dinâmicas
(EISENHARDT; MARTIN, 2000), está a quinta dimensão proposta por Danneel (2010), a
cognição de recursos, que tem relação direta com o conceito de “esquemas de recursos”.
Procurei evidenciar na análise de cada uma delas como o modelo mental de tomada de
decisão dos gestores influencia diretamente a escolha de quais capacidades dinâmicas devem
ser desenvolvidas na organização. Meu objetivo foi demonstrar empiricamente como a
cognição de recursos influencia quais capacidades dinâmicas uma organização desenvolve e o
resultado empírico foi que: a força dos paradigmas faz com que a organização se alinhe cada
vez mais consigo mesma, desconectando-se gradativamente do meio-ambiente.
Hoje, a editora A Recreativa continua a sofrer com a queda de sua receita, mantendose viva com a contribuição significativa das capacidades dinâmicas que desenvolveu ao longo
de sua trajetória: a alavancagem dos recursos existentes e economia de recursos. Entretanto,
mostra-se incapaz de reinventar-se à frente dos desafios que o meio-ambiente impõe a uma
editora de revistas impressas de Palavras Cruzadas, justamente por não buscar novas
competências de alguma forma enviesada pelo esquema mental construído ao longo dos seus
quase 65 de atuação revelando o peso da tradição.
Contribuições
O artigo traz contribuições teóricas e práticas importantes. A primeira delas é que
poucos artigos demonstram as capacidades dinâmicas através de estudos de caso, e destes,
poucos discutem o que são capacidades dinâmicas e o que não são, tratando qualquer forma
de inovação adhoc problem solving (WINTER, 2003) como um exercício de capacidade
dinâmica, o que foge ao conceito teórico da abordagem. O artigo, então, se preocupa em
discutir esta confusão teórica, tentando elucidá-la.
Entretanto, como supracitado e seguindo seu objetivo, demonstra empiricamente a
importância do paradigma organizacional no processo de decisão de quais capacidades
14 dinâmicas a organização desenvolverá ou não, o que é um fator preponderante no estudo de
porque algumas organizações sobrevivem às mudanças do ambiente enquanto outras
sucumbem. A análise deixa claro que, como proposto, os paradigmas organizacionais
enviesam a escolha de quais capacidades dinâmicas devem ser desenvolvidas e como
consequência deixam a organização alinhada com seus próprios paradigmas ao invés da
realidade do meio-ambiente.
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O Peso da Tradição: a Influência do Modelo Mental dos Gestores no