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A Exploração do Passado em Terapia de Casais
(Re) Descobrindo a Criança do Adulto
Denise Franco Duque1
Resumo
Neste artigo a autora demonstra através de um exemplo clínico de terapia de casal como é
possível associar à compreensão sistêmica a leitura psicodinâmica, para melhor compreender a
lógica interna dos sistemas avaliados e melhor auxiliar o par na resolução de seus conflitos
conjugais, ajudando-o a desvendar as lealdades e fidelidades transgeracionais e as identificações
construídas sobre imagens do passado.
Palavras-Chave: conflito conjugal; lealdades transgeracionais; exploração do passado.
The Exploration of the Past in Marital Therapy:
(Re) Discovering the Adult’s Child
Abstract
In this clinical case of a marital therapy, the author combines psychodynamic and systemic
theories. The articulation of these two theoretical perspectives enlarges the possibilities to
understand the conflicts, and better helps the couple to overcome them. In this particular case, the
therapeutic strategy allowed revealing trans-generational loyalties and allegiances, as well as each
of the partner’s identifications with people and scenarios from the past.
Key words: marital conflict; trans-generational loyalties; revisiting the past.
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Coordenadora do Familiare Instituto Sistêmico (Florianópolis-SC). Psicóloga especialista em terapia de casal e
família. Sócia fundadora da ACATEF.
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Introdução
Muitos terapeutas de casal e família receberam em sua formação profissional fortes doses de
conhecimento psicanalítico, que pouco, ou quase nada, puderam aproveitar em sua prática clínica
de orientação sistêmica. Tais como adolescentes tiveram que rejeitar, temporariamente, partes
integrantes de suas identidades profissionais e opuseram-se aos seus pais para poderem diferenciarse e tornarem-se adultos. A autora, encontrando-se em fase mais madura do seu ciclo vital
profissional, demonstra um caminho para retomar suas origens e melhor aproveitar os modelos e
identificações recebidas de seus “pais” psicanalistas da “infância” (profissional).
Por acreditar que mais pessoas possam ter passado ou estar passando por processo semelhante,
decidiu compartilhar sua experiência, apresentando, através de um exemplo de sua prática clínica, a
integração de dois referenciais teóricos aparentemente tão pouco compatíveis.
Esta integração foi fortemente influenciada por Edith Tilmans-Ostyn, terapeuta belga, que
supervisionou e atuou como consultora do caso clínico apresentado.
- O Caso Um casal vem à consulta por recomendação do terapeuta de grupo da esposa, que considerou a
necessidade de juntos examinarem o que acontecia entre eles.
O objetivo da procura para cada um era, claramente, modificar o outro. O problema para a
esposa era que o marido zangava-se por motivos que ela desconhecia e passava semanas sem falar
com ela. Isto a “desesperava”, deixava-a “louca”. Estava cansada de ouvir dele que ela era
desequilibrada e que tinha problemas e o trazia para que ele se tratasse, uma vez que ela já fazia a
sua terapia. Ele por sua vez, pensava que o casamento ia mal porque ela estava sempre brigando,
exigindo tudo dele e insatisfeita sem nunca saber o que queria. Afirmava não ver necessidade de
mudar e pensava que a esposa se beneficiaria se tomasse medicação antidepressiva.
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Reproduziam este jogo nas sessões, chegando a situações em que a esposa exasperava-se com a
“insensibilidade” do marido e com sua pouca disposição para examinar a própria participação no
conflito. Ameaçava separar-se por não poder mais agüentar o que considerava maltrato por parte
dele.
A terapeuta, sentia dificuldades em sair da queixa e por vezes não era capaz de compreender
nem mesmo o que diziam, uma vez que se confundiam, perdendo o curso do pensamento e
expressando confusamente suas idéias.
O marido percebia, ou pelo menos era quem podia verbalizar sobre esta falta de entendimento
da terapeuta, e manifestava seu descontentamento, ainda que tentando camuflar desqualificações:
“acho que tu trabalhas assim porque és psicóloga. Os psiquiatras aprofundam mais (...), teu
trabalho parece mais com serviço social”.
Ele tinha razão. O primeiro movimento da terapeuta, infrutífero, foi tentar alguma trégua,
alguma harmonia, através do papel de mediadora e clarificadora da comunicação (Sluzky, 1987;
Satir, 1980; Sager, 1976). Tinha como objetivo o estabelecimento de um clima psicológico
propício, para posteriormente poder passar a examinar as raízes mais profundas do casal e suas
disfunções. (Waldemar, 1993).
Reconhecendo essas dificuldades, foi proposta a realização de uma entrevista-consultoria com
Edith Tilmans-Ostyn (sessão com a consultora na sala) que se encontrava a trabalho em
Florianópolis.
Durante essa sessão ela pode verificar como brigavam e como não podiam ouvir qualquer tipo
de intervenção. A terapeuta comunicou à consultora, diante do casal, que sua maior dificuldade era
com o marido, o qual foi descrito como “um peixe que escapa das mãos sempre que se tenta pegálo”.
Tilmans afirmou que provavelmente era esse o problema: a tentativa de pegá-los, de fazê-los
parar com a briga, quando esta talvez fosse a primeira vez que o marido estivesse podendo brigar
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e ser ouvido. Formulou a hipótese de que ele nunca tenha conseguido isto enquanto criança, e que a
única ajuda real a ser dada fosse a de escutá-lo sem recriminá-lo ou castigá-lo por isto, como ele
certamente havia sido quando criança. O marido emocionou-se agradecido e acrescentou
informações sobre sua vida infantil ilustrando a hipótese de Tilmans. Acrescentou ainda, que podia
agora entender porque reclamava tanto do trabalho da terapeuta, sem contudo pensar em deixar de
vir às sessões.
A consultora sugeriu que o tempo nos próximos seis meses fosse utilizado no exame sobre as
“boas razões” que eles teriam para não mudar, para não parar com a briga.
A esposa, neste momento, reagiu contrariada, dizendo encontrar-se em seu “limite de tolerância,
sem forças para suportá-lo assim por mais tempo”.
Tilmans novamente interveio, caracterizando-a como “apressadinha” que parece não poder
receber “presentes”, referindo-se ao marido que se desnudou daquela forma. Encerrou a sessão
reafirmando que seria necessária muita paciência para trabalhar sobre os riscos de mudança. A
terapeuta expressou sua impressão de que a esposa parecia ainda querer falar e ter-se zangado com
o que acabara de ouvir. Ela confirmou dizendo sentir-se acusada e recriminada pela consultora.
Na sessão seguinte, a esposa chegou decidida a encerrar a terapia, enquanto o marido tentou
convencê-la a não fazer isto, uma vez que para ele “agora que o tratamento estava começando”. E
realmente estava.
Pôde pensar muito na sua incapacidade de brigar e como sua esposa, ao queixar-se dele,
apressá-lo e empurrá-lo, incorporava sua mãe “que estava sempre exigindo, controlando tudo e
todos”, despertando nele o menino que se retirava estrategicamente, fazendo-se invisível e surdo. A
tentativa da esposa de despertá-lo era exatamente o que o acionava.
O marido pôde ainda, no decorrer das sessões, confirmar, pela primeira vez, a percepção da
esposa de que tudo dependia dela, pois só ela com seu carinho e capacidade de reaproximação
poderia retirá-lo de sua redoma. Estes insights do marido, no entanto, não se refletiam ainda em
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mudanças em seu modo de agir, o que deixava a esposa cada vez mais exasperada, fazendo
ameaças contínuas de separação. Não conseguia entender como ele podia passar até um mês inteiro
sem dirigir a palavra a ela, nem ao menos para informar sobre o motivo de sua zanga. Era apoiada
pelo seu grupo terapêutico neste sentido, uma vez que não podiam entender seu “masoquismo” e
suas razões para permanecer casada com um homem que a maltratava tanto.
Embora reconhecesse seu sofrimento, a terapeuta mantinha firme sua posição de não mudança.
Insistia em ajudá-la a refletir sobre o que poderia aprender com este sofrimento. Estimulava-a a
pensar sobre porque necessitaria passar por ele, que boas razões teria para precisar de seu
“masoquismo” e o que poderia aprender com este. Que bons motivos teria para continuar
ameaçando, resmungando e exigindo, se já sabia que este comportamento só fazia agravar as coisas
entre eles, uma vez que, sem perceber, acabava vestindo-se de bruxa tal qual fora a mãe dele?
Aos poucos, passou a compreender com surpresa que a fragilidade e sensibilidade do marido a
assustavam. Pôde ver que embora o distanciamento, indiferença e rudeza fossem o que mais lhe
maltratava, era também o que mais necessitava, uma vez que estas manifestações hostis do marido
“escondiam”, encobriam seus aspectos frágeis. Reconheceu que repetia com o marido a vivência de
maus tratos que tivera com o irmão mais velho, o qual assumira o lugar do pai após a morte deste,
quando ela tinha um ano e meio de idade. O irmão, além de excluí-la sistematicamente das
brincadeiras, por qualquer motivo a castigava ou batia nela. Aos poucos ela passou a infligir-se
autocastigo: quando seus três irmãos mais velhos (era a caçula) iniciavam uma brincadeira, que ela
supunha que não a deixariam participar, trancava-se em um guarda-roupa, e ali permanecia
encolhida, somente ouvindo e espiando a atividade dos irmãos. Constatou que na sua vida conjugal
o marido incorporava o “fantasma” do irmão (termo dela). Sentia-se novamente como que enfiada
no armário, toda vez que ele se zangava e cortava a comunicação. Castigava-a sem motivos e ela
trancava-se novamente no armário. Pôde também examinar que realmente era difícil receber
presentes, principalmente de homens. Desta forma defendia-se da dor por não poder receber do pai
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morto. Acionava o mesmo mecanismo em outros âmbitos de sua vida, como nas situações em que
se sentia carente e rejeitada: retirava-se, separava-se antes que as pessoas que ela gostava o
fizessem. Fora assim em seu breve casamento anterior, no qual um mês após começar a se sentir
insatisfeita, abandonou o marido e o apartamento em que moravam. Em seu atual casamento por
pouco não fizera o mesmo. Permitiu-se pela primeira vez trabalhar os ressentimentos da menina,
por nunca em sua vida infantil ter sido escutada, respeitada e atendida em suas necessidades. Tinha
sempre que compreender que a mãe tinha muito a fazer, e que os mais velhos sempre tinham razões
e justificativas para os maus tratos que lhe eram infligidos.
Somente após cerca de 3-4 meses de sessões quinzenais, puderam parar de falar em separação e
entraram em um período de intenso companheirismo, afeto e desfrute sexual. Passavam horas
conversando, recuperando a magia dos primeiros tempos. Nas sessões, continuávamos a
reencontrar as “crianças” de cada um, tendo sempre presente os riscos da mudança e a cautela
necessária diante dos progressos.
De fato, passaram logo em seguida por outro período de intensa crise, precipitada por um
insucesso da esposa no campo profissional, durante o qual lançaram mão de padrões de interação
similares aos do início do processo terapêutico. Desta vez, entretanto, com maior capacidade de
ambos de verbalizar os sentimentos e refletir sobre a própria conduta.
A seguir, serão apresentados trechos de uma sessão realizada sete meses depois da consultoria.
- Esposa “Estou conseguindo não ser mais Dona Maria (mãe dele), controladora, exigente, metida em
tudo, que quer discutir sem parar de falar, mas também não me reconheço assim mais quieta,
mais isolada....” Acrescenta que está conseguindo lidar com divergências na escola em que
trabalha “não tendo que futucar somente no que não está bem”.
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- Marido “Percebi que a gente tem dificuldades de perceber o que é a realidade e o que é a nossa
construção da realidade (...). Acho que só agora consigo perceber que, ao contrário dela, eu
não podia discutir porque, sem me dar conta, tinha uma verdade, não sei dizer, acho que uma
idealização, uma expectativa de como as coisas e as pessoas deveriam ser e achava que isto já
estava estabelecido. Não tinha que ser discutido. Simplesmente não discutia, porque é como se
já tivesse falado, já fosse sabido. Somente conversando com um colega doutor em robótica é
que tive este insight”.
Antes de encerrar-se a sessão, o marido pede permissão à esposa para contar à terapeuta o que
ela, em casa, havia sugerido a ele. A sugestão era que ele procurasse um terapeuta homem porque
pensava que ele não estava sendo penetrado por nada pelo fato de terem uma terapeuta. Ela se vê
mudada, mas acha que nada acontece com ele. Ao ajudá-lo a contar-me, a esposa percebe que é
novamente a sua exigência de que ele mude no ritmo dela e encerra dizendo: “é, eu é que sou
apressadinha mesmo, embora saiba que primeiro a mudança ocorre por dentro e só muito depois
por fora”.
Epílogo
Cerca de dois anos após o término das sessões a terapeuta foi informada de que o marido estava
com câncer, que teria pouco tempo de vida e que gostariam de uma visita de “despedida”. A visita
ocorreu na residência do casal, estando ambos muito entristecidos, o marido muito debilitado e a
esposa extremamente zelosa. Esperando pela visita da terapeuta, estava também a filha do casal
que, naquela época, tinha 9 anos. A menina, com seu jeito espontâneo, mostrou-se feliz em
finalmente conhecer a antiga terapeuta dos pais e passou grande parte da visita contando estórias,
fazendo piadas, esforçando-se em manter o ambiente alegre e descontraído, até que se retirou do
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ambiente para dançar em seu quarto. Somente então se tornou possível falar sobre as dificuldades
da família em lidar com a proximidade da perda e sobre o modo como a menininha esforçava-se
para manter o ambiente vivo. Conversamos abertamente sobre a doença, sobre o medo da morte,
sobre a necessidade de darem oportunidade à filha de expressar seus medos e dúvidas, sua tristeza e
de juntos chorarem uma despedida. A terapeuta expressou a tristeza que também sentia por terem
que passar por tamanho sofrimento.
Posteriormente, a esposa revelou que esta reunião foi super importante para eles. Passaram o
resto do dia chorando e discutindo sobre as dificuldades de pensar sobre o futuro sem ele,
relembrando os bons momentos vividos juntos, sendo capazes de, finalmente, incluir a filha nisto.
Cerca de uma semana depois a terapeuta foi chamada para os funerais e, a pedido da esposa,
permaneceu com ela na chegada da filha ao cemitério e auxiliou-as a realizar um ritual de
despedida conforme modelo sugerido por Bowen (1991). Seguiu acompanhando-as, primeiramente
na elaboração do luto, e posteriormente, esporadicamente, no processo de desenvolvimento do
ciclo vital da nova família constituída por mãe e filha.
- Considerações Finais –
Influenciados num primeiro momento pelos teóricos da comunicação humana e pelo grupo de
pesquisa de Palo Alto, e posteriormente pelo modelo terapêutico dos Associados de Milão e pelo
pragmatismo das terapias pós-modernas, muitos terapeutas sistêmicos tendem a acreditar que a
ação terapêutica deva centrar-se no aqui e agora, no presente. Por considerarem desnecessária a
busca e a existência de ‘verdades’ e significados ocultos (Soar, 1997), dedicam-se a clarificar
padrões de comunicação, criar estratégias que facilitem a mudança ou construir novas narrativas
que contribuam para dissolver os problemas trazidos pelos casais e pelas famílias.
Esta pode constituir-se numa atitude extrema que despreze a possibilidade de enriquecimento da
prática clínica com recursos preciosos provenientes da compreensão da lógica interna dos sistemas
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avaliados. O terapeuta pode transformar suas intervenções quando trabalha analiticamente dentro
do sistema, associando à compreensão sistêmica a leitura psicodinâmica de fenômenos, tais como
repressão, negação, introjeção, projeção, entre outros, utilizando-os como recursos para melhor
compreender o jogo interacional.
Iniciar pelo exame dos riscos que a terapia e a mudança implicam, permite acesso à lógica
interna do sistema conjugal ou familiar, desvendando as lealdades e fidelidades transgeracionais
(Nagy, 2003) e as identificações construídas sobre imagens do passado. Este procedimento, como
foi demonstrado, auxilia a elucidar jogos de reciprocidade e complementariedade de necessidades e
anseios, que fazem parte da vida a dois e que são ao mesmo tempo uma repetição de conflitos e
ansiedades do passado de cada um (Lamaire, 1970). Auxilia a evidenciar aspectos do contrato
secreto do matrimônio, que se constitui segundo Pincus&Dare (1987), em um acordo subjacente a
partir do qual os comportamentos disfuncionais do casal podem ser compreendidos como uma
solidariedade genuína e testada ao longo do tempo, que se manifesta de modo incongruente.
É possível levar-se em conta apenas os aspectos conscientes do contrato firmado pelo par:
auxiliá-los a esclarecer que regras querem renegociar ou mesmo construir para que passem a
considerar a interação mais satisfatória para ambos.
Compreendendo-se o jogo de projeções como sentimentos e idéias internas, atribuídas a outras
pessoas e objetos externos (Pincus&Dare, 1987, p.36), pode-se fornecer uma perspectiva de
compreensão que desculpabiliza os envolvidos no conflito: não se comportam de modo diferente
porque não possuem em seus repertórios um modelo de aprendizagem que forneça esta
possibilidade. Nesses casos, o fazem, não somente por estarem um contra o outro, mas também
porque um cônjuge desperta no outro sentimentos e reações antigos, com os quais não soube ou
não pôde lidar e teve que esquecer ou não sentir para poder sobreviver em seu meio familiar.
Muitas vezes o custo desse processo de banimento das lembranças, resulta inclusive em sintoma
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orgânico, o qual pode ser compreendido como uma metáfora deste sofrimento psicológico que
ainda não pôde ser expresso de outra forma.
A necessidade de ser amada, o medo de perder o amor dos pais, de ser castigada ou rejeitada faz
com que a criança esqueça as experiências e passe a não as reconhecer como suas. Ela cresce e
torna-se adulta sem saber que está escondendo algo e o que esconde (Miller, 1997). À medida que
desenvolve uma relação de intimidade com um parceiro conjugal, essas emoções banidas
(reprimidas ou negadas), reaparecem dissociadas das experiências iniciais que as provocaram, e o
adulto as vivencia como se elas fossem novas: provocadas exclusivamente pelo cônjuge, um
“adversário” disponível que passa a tomar o lugar de seus não disponíveis pais (ou figuras
parentais), sob o qual se descarrega a raiva, a indignação e ressentimentos, cuja expressão não foi
autorizada no passado. Esta expressão de sentimentos não autorizados no passado pode, muitas
vezes, ser descarregada sobre os filhos. No exemplo apresentado, o casal, e posteriormente a
esposa, puderam poupar a filha, restringindo o conflito à esfera conjugal.
É neste sentido que a relação conjugal pode ser entendida como um processo terapêutico natural
(Dicks, 1970), no qual a relação de intimidade e confiança permite a repetição de experiências e de
conflitos infantis, cuja reedição se constitui numa tentativa de resolução. Dicks faz uma clara
alusão ao que a psicanálise convencionou chamar de compulsão a repetição. No entanto, a
resolução será possível somente se for possível compreender e fazer aceitar que há bons motivos,
boas razões para não mudarem, continuarem com suas brigas, sintomas físicos e naturalmente seus
conflitos.
As respostas a este tipo de questionamento – que boas razões têm para não mudarem? - nem
sempre aparecem facilmente. Às vezes é o conjugue que auxilia relatando alguma passagem da
vida do companheiro que ouviu a sogra, ou o sogro, ou algum outro parente contar. Outras vezes
são os terapeutas, que podem lançar suas hipóteses, ou mesmo indicar leituras ou filmes que tratem
sobre tema semelhante, que os auxilie a entrar em contato com este sofrimento banido da
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consciência (reprimido), que em sua vida adulta “vomitam” em seu cônjuge. Neste exemplo
apresentado foi sugerida a leitura do livro “O Drama da Criança Bem Dotada”, de Alice Miller
(1997), o qual serviu enormemente ao marido, reportando-o de forma maciça às vivências infantis
tal qual uma ilustração, que o auxiliou a melhor discriminar o que pertencia ao seu passado daquilo
que se referia à situação presente conjugal.
Se o terapeuta passa a buscar a harmonia e a tentar conhecer somente o contrato explícito pelo
casal e não investiga os motivos inconscientes dos desacertos, pode acabar sem querer, sem saber,
mantendo a regra familiar não dita de que as emoções não podem ser expressas por palavras – que
o sofrimento deve ser suportado às escondidas e em silêncio.
Questionar sobre as boas razões para não mudarem poderá constituir-se num meio para
“entregar a iniciativa de mudança aos clientes que poderão mudar e dar provas de seu impulso vital
e de seus recursos em seu próprio tempo, sem sentirem ameaçadas as suas identidades”. (TilmansOstyn, 1996, p.441).
Para encerrar, apresentam-se abaixo, a título de síntese, os objetivos desta prática:
1. Possibilitar a empatia com o sofrimento de cada um;
2. Evitar a culpabilização e a conseqüente organização de defesas contra o terapeuta
ou contra o processo terapêutico;
3. Permitir “colocar a raiva em seu devido lugar” – reconectar as emoções aos
eventos originais dos quais foram dissociadas;
4. Desfazer as projeções – proteger o adversário disponível, transformando-o em
efetivo aliado;
5. Evitar a transmissão intergeracional das dores e mágoas do passado;
6. Acompanhar o reaparecimento da ternura e afeto entre o par.
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Referências Bibliográficas:
Andolfi, M. (2202). A crise do casal – uma perspectiva sistêmico-relacional. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Bowen, R. (1991). De la Familia al individuo – La diferenciación del sí mismo en el sistema
familiar. Barcelona: Ediciones Paidós.
Dicks, H.V. (1970). Tensiones matrimoniales. Buenos Aires: Ediciones Hormé.
Lamaire, J. (1970). Terapias de pareja. Buenos Aires: Amorrortu Ediciones.
Miller, A. (1986/1997). O drama da criança bem dotada: como os pais podem formar (e deformar)
a vida emocional dos filhos. São Paulo: Summus Editorial.
Nagy, B.I.; Spark, G.M. (2003). Lealtades Invisibles: Reciprocidad en terapia familiar
intergeneracional. Buenos Aires: Amorrortu.
Pincus, L.; Dare, C. (1997). 2ª ed. Revisada. Psicodinâmica da família. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Sluzki, C. (1987). Terapia de pareja desde la perspectiva de la teoria sistemica. Conferência
proferida em Quito em 01/06/87.
Sager, C. (1976). Marriage contracts and couple therapy. New York: Brunner/Mazel.
Satir, V. (1980). Terapia do grupo familiar. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora.
Soar Filho, E.J. (1997). O "construcionismo" de William James. Humanas (Editora da UFPR), n. 6,
p. 151-165.
Tilmans-Ostyn, E. (1996). La fictation de la doleur pour l’individu, la famille et les intervenants. in
Thérapie Familiale:Génève, 17(3) p. 439-443.
Tilmans-Ostyn, E. (2000). La terapia familiar frente a la transmisión intergeneracional de
traumatismos. Sistemas Familiares, julho, p. 49-65.
Tilmans-Ostyn, E.; Meyckens-Fourez (2000). Os recursos da fratria. Belo Horizonte: Artesã.
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Waldemar, O. (1993). in Cordioli, S. (org.) Psicoterapias - Abordagens atuais (p. 173-174) Porto
Alegre: Artes Médicas.
Endereço para correspondência
[email protected]
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