A Lei de Boyle e a Equação Hipsométrica
Michael Fowler, Uva 6/14/06
Introdução
Noutro texto já discutimos o conceito de pressão, introduzimos as unidades (Newton por metro quadrado,
ou Pascal, e libras por polegada quadrada) e observamos que um fluido no interior de um recipiente
exerce pressão nas paredes, tanto verticais como horizontais – se uma porção da parede for removida, o
fluido escapa (esguicha) para o exterior.
Todos sabemos que apesar da água (como outros líquidos) ser aproximadamente incompressível, o ar é
compressível – pode apertar com as mãos um pequeno balão tornando o seu volume mais pequeno, ou
apertar uma bomba de ar (para encher pneus de bicicletas) até determinado ponto, mesmo que bloqueie a
saida do ar, impedindo-o de escapar. Boyle foi o primeiro a
determinar quantitativamente como diminui o volume de
determinada quantidade de ar quando se aumenta a pressão.
Pode-se imaginar realizar a experiência com gás no interior de
um cilindro como no diagrama ao lado, colocando diferentes
massas e medindo o volume de gás. Uma vez que o pistão se
encontre em equilíbrio, a pressão do gás multiplicada pela área
do pistão equilibra o peso do pistão com a massa adicionada, e
portanto a pressão é fácil de determinar.
Mas há aqui um aspeto a ter em conta: se o gás for comprimido muito rapidamente – como ao adicionar
uma massa elevada, levando a que o pistão desça subitamente – o gás aquece. Em seguida, à medida que
o calor escapa gradualmente pelas paredes do cilindro, o gás ocupa gradualmente um volume cada vez
mais pequeno.
O objetivo de Boyle era determinar como o volume de gás varia quando sujeito a pressão exterior, se a
temperatura do gás permanecer constante. Portanto, se Boyle realizasse a experiência com o cilíndro
representado acima, teria que aguardar algum tempo entre as medições de volume, para se certificar de
que a temperatura tinha atingido o valor inicial.
Mas Boyle não utilizou um cilindro de pistão como o representado na figura anterior. Ele realizou esta
experiência em 1662. Possivelmente os canhões produzidos na altura teriam funcionado, com um pistão
oleado (não tenho a certeza) mas ele encontrou uma forma alternativa muito elegante: “aprisionou” uma
quantidade de ar num tubo de vidro fechado cheio de mercúrio, e variou a pressão de acordo com a
explicação seguinte (nas suas próprias palavras).
O resultado da experiência foi muito simples: se a pressão duplicasse, a temperatura constante, o volume
de gás passaria para metade. Se a pressão triplicasse, o volume de gás passaria para um terço (1/3) do
volume original, e assim sucessivamente. Isto é, para uma pressão P e volume V, a temperatura constante
T, PV = constante. Esta é a Lei de Boyle.
Depois de analisar a engenhosa experiência de Boyle, devemos ser capazes de ver como a Lei de Boyle é
a chave para perceber uma caraterística muito importante da atmosfera da Terra: como a densidade e
pressão do ar diminuem com a altitude. É claro, a temperatura da atmosfera também varia com a altura e
as condições climatéricas, tornando a análise mais complexa, mas a Lei de Boyle fornece um bom ponto
de partida para analisar a situação.
A Experiência de Boyle
(ver diagrama abaixo)
Robert Boyle nasceu em 1627, o décimo quarto filho do primeiro Conde de Cork, um grande proprietário
rural irlandês. Escreveu o texto em baixo em 1662. (Foi retirado do seu livro A Defense of the Doctrine
Touching the Spring and Weight of the Air. Adicionei algumas notas em parêntesis retos, que espero
clarifiquem a situação. Os parêntesis curvos, ( ), são do próprio Boyle.)
“Utilizamos um longo tubo de vidro, que, com uma mão hábil e a ajuda de uma lâmpada,[que aquece o
vidro até que seja possível moldar] foi de tal modo curvado, que a parte dobrada que apontava para baixo
aponta agora para cima de forma quase paralela ao resto do tubo [dobraram o tubo para assumir a forma
representada no diagrama] e o orifício da perna mais pequena deste tubo em sifão (se assim se pode
chamar ao instrumento) foi hermeticamente selado, o comprimento desta foi dividido em polegadas (cada
uma das quais dividida em oito partes) e utilizada uma folha de papel com todas estas medidas que lhe foi
cuidadosamente colada. Adicionou-se depois o mercúrio suficiente para encher o arco ou curvatura do
sifão, de tal modo que o mercúrio seja o suficiente para que numa das pernas do sifão atinja a escala de
papel, e fique ao mesmo nível na outra perna; tivemos o cuidado de frequentemente inclinar o tubo, de
modo a que o ar pudesse circular livremente de uma perna para a outra (tivemos, como disse, o cuidado),
de modo a que o ar que ficasse, por fim, no tubo mais pequeno tivesse a mesma pressão que o resto do ar
à sua volta. [Quer dizer, a pressão atmosférica.]
Posto isto, começamos a adicionar mercúrio à perna maior do sifão, que devido ao seu peso pressionou o
mercúrio existente na perna mais pequena, fazendo-o subir e [comprimir] o ar no interior do tubo: e
continuando a adicionar mercúrio até o ar que se encontra na perna mais curta do sifão estar reduzido a
metade do volume que ocupava anteriormente; olhamos para a perna mais longa do sifão de vidro, na
qual foi também colada uma folha de papel dividida em polegadas e “oitavos de polegada”, e observamos
com bastante satisfação, que o mercúrio na perna mais alta do sifão se encontrava 29 polegadas (760 mm)
acima do mercúrio da outra perna.”
Boyle descobriu que quando adicionava mais mercúrio ao tubo, aumentando a pressão do ar que
se encontrava aprisionado no tubo mais pequeno, o volume de ar diminuía para metade, se a
pressão total, incluindo a pressão atmosférica, fosse o dobro.
A satisfação de Boyle na última frase surge porque ele sabia que aquela pressão extra exercida pelas 29
polegadas (760 mm) de mercúrio adicionado, correspondiam a uma atmosfera extra, e por isso o ar
aprisionado no tubo mais pequeno viu o seu volume diminuir para metade quando a pressão aumentou
para o dobro. Boyle repetiu a experiência várias vezes, com diferentes alturas para a coluna de mercúrio
no tubo mais longo, e verificando em cada dia a pressão atmosférica na altura da realização da
experiência.
Boyle formulou então a sua Lei,
para o intervalo de pressões que considerou. É importante ter em conta que, durante as suas experiências,
Boyle deixou passar tempo suficiente entre medições de volume, para que o ar contido no interior do tubo
voltasse à temperatura ambiente.
A Equação Hipsométrica: Um Oceano de Água
Primeiro, uma pequena revisão sobre como determinar a variação da pressão com a profundidade numa
massa de água em repouso. Podemos imaginar um pequeno cilindro de água isolado, com o seu eixo
vertical, e construir um diagrama de corpo livre:
A forças provocadas pela pressão da água envolvente nos lados
curvos do cilindro obviamente se cancelam umas às outras. Por
isso as únicas forças a considerar são o peso do cilindro de água,
e as forças exercidas pela pressão da água no topo e no fundo do
recipiente – sendo as do fundo de maior dimensão, já que têm
que equilibrar as forças provocadas pela pressão no topo e o
Peso, desde que o cilindro esteja em equilíbrio.
Considerando que o cilindro tem base de área A, altura Δh, e que
a densidade da água é ρ, o cilindro tem volume AΔh, massa
ρAΔh, e por isso peso ρAΔhg.
A pressão P é função da altura h acima do fundo, P = P (h).
Neste caso medimos h desde o fundo do oceano, porque já de seguida vamos aplicar a mesma análise à
atmosfera, onde nesse caso vivemos no fundo do “oceano”.
A pressão no topo do cilindro exerce uma força descendente igual a
E o fundo do cilindro sofre uma pressão ascendente P(h) A, de tal forma que a força total deverá ser zero,
.
Pode-se arranjar esta equação da seguinte forma:
.
Se nos lembrarmos que o diferencial é definido por
, verificamos que para
esta equação da pressão, no limite Δh→0:
.
Uma vez que ρg é constante, a solução é simples:
.
Onde se escreve a constante resultante da integração na forma
. Repare que a pressão neste oceano
atinge o valor zero a uma altura h = h0, obviamente a superfície! Isto significa que a nossa fórmula
descreve a pressão da água num oceano de profundidade h0, e é apenas uma forma diferente de dizer que
a pressão é
multiplicada pela profundidade abaixo da superfície. (Estamos a desprezar a pressão
atmosférica que atua na superfície do oceano devido ao ar que se encontra por cima deste – estamos
apenas a considerar o peso da própria água à medida que descemos para maiores profundidades. Lembrese que a pressão causado pelo ar é a mesma que se sente quando mergulhados em água a uma
profundidade de 30 pés (~ 9.14 metros), portanto é uma pequena correção face ao que se verifica num
oceano real.)
Um oceano de Ar
Vamos agora utilizar exatamente o mesmo argumento para um “oceano de ar”, desenhando o mesmo
diagrama de corpo livre para um pequeno cilindro vertical, e utilizando a mesma equação diferencial,
Mas a solução não será a mesm! A razão para tal é o fato de ρ, que tomamos como constante para o caso
da água (uma excelente aproximação), não ser obviamente constante para o caso do ar. É bem conhecido
o fato de o ar se tornar mais rarefeito com o aumento da altitude.
A chave para resolver esta equação é a Lei de Boyle: para uma dada quantidade de gás, vimos que PV =
const., mas repare que isso significa que se a pressão do gás duplicar, o gás é comprimido para metade do
volume, e por isso a sua densidade duplica.
Portanto uma forma alternativa da lei de Boyle é
onde C é uma constante (assumindo a temperatura constante). Substituindo na equação diferencial:
.
Esta equação pode ser resolvida (se isto for novidade para si, veja a nota de rodapé no fim do texto):
.
A densidade do ar diminui exponencialmente com a altura: esta é a Equação Hipsométrica.
A diminuição da densidade não ocorre com a água pois esta é praticamente incompressível. Uma analogia
possível é imaginar a água como uma torre de tijolos, um em cima do outro, e o ar como uma torre de
esponjas, de modo que as esponjas do fundo estão comprimidas e com densidade muito maior – mas este
modelo não é o mais preciso, porque no topo da atmosfera o ar se torna cada vez mais rarefeito, não
havendo limite para esta rarefação, ao contrário das esponjas.
Nota de Rodapé: Resolver a Equação Diferencial
A equação é a mesma que
, onde a é uma constante. Se já estiver familiarizado com a
função exponencial, e souber que
, pode ver que a equação é resolvida pela função
exponencial. Caso contrário, a equação pode ser arranjada para
para se obter
, e depois integrada utilizando
, sendo c a constante resultante da integração. Finalmente,
tomando o exponencial de cada lado, utilizando
, obtém-se
, onde
.
Exercícios
1. A pressão atmosférica varia de dia para dia, mas 1 atm é definida como 1.01 x 105 Pa. Calcule a
distância que uma coluna de água é forçada a percorrer (para cima) num “barómetro de água”, quando
sujeita a esta pressão.
2. A densidade do ar à temperatura ambiente é de aproximadamente 1.29 Kg/m 3. Utilize este valor,
juntamente com a definição de 1 atm dada no exercício anterior, para encontrar a constante C na Equação
Hipsométrica escrita acima. Utilize o seu resultado para estimar a pressão atmosférica no topo da
montanha Blue Ridge (com cerca de 4000 pés de altitude ~ 1.22 Km), da montanha Snowmass (com
cerca de 11 000 pés ~ 3.35 Km) e do Monte Evereste (com cerca de 29 000 pés ~ aproximadamente 8.84
Km).
3. Como exercício prático, como seria capaz de medir a densidade do ar no interior de uma sala? Na
realidade, Galileu efetuou essa medição por volta de 1600. Consegue imaginar como ele o fez? (O
resultado que ele encontrou tinha um desvio de fator dois, mas continua a ser um bom resultado!)
© Michael Fowler, Universidade de Virgínia
Casa das Ciências 2012
Tradução/adaptação de Nuno Machado e Manuel Silva Pinto
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