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O Novo Direito das Crianças
e Jovens
… um recomeço
Paulo Guerra
Advogada Estagiária – 1.° Curso de 1999 (Auditora do C.E.J.)
1. Começava esta troca de notas convosco por duas ideias, aparentemente contraditórias, mas que
fazem ressaltar, de forma eloquente, aquilo que significa, de facto, este novo Direito das Crianças e Jovens
– por um lado, é sabido que o “caminhante ainda não caminhou enquanto houver caminho a percorrer”;
por outro, era o Príncipe de Salinas de “O Leopardo” de Lampedusa que referia que “às vezes, é preciso que
mude algo para que tudo fique na mesma”...
No contexto de um Estado de Direito Democrático os aspectos jurídicos, sejam os da elaboração das
leis, sejam os relativos à sua aplicação, têm uma importância fundamental.
Correspondem a valores essenciais eleitos pela sociedade constituída em comunidade ética e são instrumentos indispensáveis à sua interiorização e concretização no quotidiano. O direito dos nossos dias
constitui, cada vez mais, um projecto que, na convivência humana, procura traduzir o reconhecimento da
dignidade da pessoa e intenta oferecer-se como elemento de realização da sua liberdade e responsabilidade.
Apresenta-se como um instrumento insubstituível ao serviço da vida individual e comunitária.
Esta função do direito assume particular relevância nos domínios referentes à família, à criança e ao
jovem, como aqueles a que respeitam as novas Leis 147/99 e 166/99, entradas em vigor no passado dia 1
de Janeiro de 2001, a meu ver, um pouco precipitadamente e antes de existirem todas as condições indispensáveis à sua efectiva implementação (talvez impulsionadas por um particular ataque nocturno a uma
conhecida actriz, o que gerou uma onda de algum oportunismo político que precipitou no tempo aquilo
que necessitava de melhores infra-estruturas humanas e logísticas para melhor ser implementado).
São leis exigentes na compreensão profunda da sua filosofia imanente, dos seus objectivos e mecanismos, a tornarem indispensável uma adesão crítica, generosa, responsável e co-responsabilizante, como meio
fundamental para a eficácia individual e social das suas disposições. E aqui não nos podemos esquecer dos
instrumentos normativos internacionais que as influenciaram, talvez tarde demais, particularmente a Convenção sobre os Direitos da Criança que vigora no direito interno português após a sua ratificação em 21
de Outubro de 1990, sendo indiscutível que a nossa ordem jurídica reconhece à criança o direito a uma
protecção, ajuda e assistência especiais, quer por parte do Estado, quer por parte da Comunidade, pois é
um ser cuja falta de maturidade física e intelectual não lhe permite defender-se perante a violação dos seus
direitos.
Trago-vos hoje uma visão global destas duas Leis, sabendo perfeitamente que não tenho tempo para
entrar em muitos detalhes técnicos sobre a sua real aplicação, assente que apenas temos cerca de um ano de
experiência vivida com elas nos nossos foros, o que não sendo muito, já nos dá, contudo, uma ideia da
forma como as leis estão a ser entendidas e implementadas...
O direito à protecção exige-se quando uma criança se encontra em perigo pois a sua situação está
desequilibrada e desajustada, pretendendo-se que o seu desenvolvimento físico, moral e psíquico ocorra de
forma harmoniosa, num ambiente familiar afectivo, educativo e responsável sem descontinuidades graves,
de modo a tornar-se um cidadão de corpo inteiro e capaz de atingir o objectivo de qualquer ser humano:
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a felicidade (e repare-se que na primeira destas leis já se considera que uma criança está em perigo quando não
recebe a afeição adequada à sua idade e situação pessoal...)
Face ao exposto pode-se concluir que o princípio convencional da observação do interesse superior da
criança em todas as decisões, quer dos tribunais, quer das autoridades administrativas, quer dos órgãos
legislativos portugueses, deve ser integralmente respeitado, precisamente por estarmos perante seres que,
embora completos e autónomos, são diferentes e mais frágeis.
No sistema jurídico português, o interesse da criança justifica sempre uma intervenção judiciária
quando a criança pratica actos que a lei penal considera crime, quando se encontra em perigo para a sua
formação, educação, segurança e saúde e, em caso de conflito familiar, quando o destino e as questões relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais necessitam de ser reguladas.
O tribunal, na concretização do interesse da criança, apoia-se em factos concretos e em razões de conformação e justificação racional que, na sua livre apreciação, fundamentam a decisão, fazendo uma apreciação global de todas as circunstâncias pertinentes a um consenso que determine uma solução justa e adequada a cada caso.
Os direitos da criança prevalecem sempre sobre os direitos dos pais, sendo a decisão sempre tomada
em favor daquela, conforme o seu interesse e não contra os pais.
Não obstante, a eficácia concreta das decisões judiciárias é limitada. Na verdade, apesar da consagração legal do respeito pelo princípio fundamental do interesse superior da criança, torna-se necessário criar
formas de actuação interdisciplinar e interinstitucional para assegurar uma maior rapidez na intervenção,
quer seja a não judiciária quer seja a judiciária, com vista a se poder alcançar uma decisão definitiva e
rápida dos órgãos competentes que, no interesse da criança, serão capazes de adoptar medidas adequadas a
garantir o seu são desenvolvimento físico, afectivo e emocional.
2. Já há quem fale de revolução neste ramo de Direito tão negligenciado e secundarizado pelos nossos próprios pares.
O regime jurídico condensado na Organização Tutelar de Menores (OTM) e previsto no Dec. Lei
n.° 314/78 de 27 de Outubro, sofreu profundas alterações resultantes da publicação de um conjunto de
diplomas legais que preconizam uma importante reforma do direito dos menores em Portugal.
Assim, a Lei n.° 133/99 de 28 de Agosto – 5ª Alteração à Organização Tutelar de Menores, a Lei n.° 147/
/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e a Lei n.° 166/99 de 14 de Setembro – Lei Tutelar Educativa inovam a intervenção não judiciária e judiciária junto de crianças e jovens em
perigo ou em situação de delinquência, adequando-a aos princípios convencionais e regras internacionais
de administração de justiça a menores, visando reconhecer aos mesmos as “garantias concedidas aos adultos
pelo direito constitucional, pelo direito processual penal e pelo próprio direito penal (...), mas que simultaneamente salvaguarde a herança positiva do modelo de «protecção»em especial a natureza educativa das
medidas aplicáveis e a profunda consideração dos «interesses da criança»”
Em 1995, numa perspectiva de construção de um novo modelo de intervenção não judiciária e judiciária, iniciou-se uma reforma legislativa que passou pela alteração do enquadramento institucional relativamente aos menores, reconhecendo aos jovens direitos universalmente consagrados e inscritos em diversos
instrumentos convencionais internacionais, permitindo clarificar as situações de perigo e as situações de
delinquência, bem como os tipos de intervenção para cada uma delas, privilegiando-se o princípio da
intervenção precoce e proporcional.
Assim, tendo em consideração uma linha evolutiva de desjudicialização das questões relacionadas com
a criança e a família bem como a necessidade de melhorar a eficácia da intervenção tutelar, impôs-se a alteração do enquadramento institucional relativamente àquelas através de uma profunda reforma legal, que
em nosso entender se impunha.
Ao tribunal é reservado o papel de limitação dos direitos. Com efeito, uma das críticas feita ao anterior sistema jurídico português era o de “não diferenciar suficientemente as formas de intervenção relativas
a menores agentes de infracções e a crianças carecidas de protecção e assistência, por serem vítimas de maus
tratos ou de situações de abandono”.
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No entanto, uma certa crítica dirigida aos tribunais no sentido de promover a colocação de crianças
vítimas de maus tratos, abandono ou negligência nos mesmos estabelecimentos em que se encontravam
crianças agentes de infracções, carecia, a meu ver, de fundamento sério. Na realidade, o que estava por
detrás dessa situação real era a inexistência de estabelecimentos de acolhimento públicos e de qualidade
próprios para as crianças em causa, bem como de uma rede de acolhimento familiar eficaz e regular.
A questão está em saber se, efectivamente, com esta reforma esta situação se está realmente a inverter...
Com efeito, a eficácia de um sistema de promoção de direitos da criança e da sua protecção só poderá
aferir-se em função das respostas que qualitativa e quantitativamente o Estado, enquanto Comunidade, for
capaz de dar e de pôr em prática. E, se é verdade que se verifica um desfasamento entre “a amplitude do
debate teórico sobre os direitos do homem (e acrescentamos, dos direitos da criança) e os limites dentro dos
quais se processa a efectiva protecção dos mesmos”, tal desfasamento só é ultrapassável se as forças políticas
assim o quiserem.
Sem respostas não existe reforma legislativa que resista à pressão cada vez maior das situações de
perigo em que se encontram as crianças e suas famílias na nossa sociedade, sendo certo que, algumas soluções a serem implementadas só produzirão efeito se houver vontade política e social em se alterar profundamente todo o sistema de acolhimento de crianças em risco, quer institucional quer familiar, sobretudo no
que se refere aos jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos. É nesta faixa etária que cada
vez menos se consegue intervir eficazmente quer em termos de prevenção primária – acolhimento –, quer
em termos de prevenção da violência – pré-delinquência e delinquência –, considerando a inexistência de
respostas sociais, curriculares e profissionais.
Fundamentalmente, o que a nova reforma da legislação sobre menores introduz é uma profunda alteração ao nível da intervenção estadual junto dos menores separando, claramente, a intervenção junto dos
menores em risco e de menores em estados de pré-delinquência – intervenção tutelar de protecção – e a
intervenção junto dos menores com comportamentos delinquentes – intervenção tutelar educativa.
3. O sistema de intervenção preconizado pela Lei da Protecção da Criança e Jovem em Perigo para
as situações deste tipo é uma intervenção essencialmente protectiva, assente na solidariedade social e
visando prevenir as situações de delinquência. A intervenção tutelar de protecção passará a ser da competência dos sistemas da segurança social, sendo que a convocação da acção dos tribunais se fará em completa
articulação com aqueles serviços.
Já a Lei Tutelar Educativa é pensada para crianças com comportamentos delinquentes maiores de 12
anos e menores de 16 anos de idade.
Relativamente a crianças menores de 12 anos que cometam crimes não haverá intervenção tutelar
educativa mas, apenas, intervenção protectiva. Tal significa que, dentro do espírito de desjudicialização das
questões relativas a crianças, a intervenção judiciária é reservada para aquelas crianças cujo comportamento
social se tornou insuportável por via da prática reiterada e compulsiva de infracções susceptíveis de serem
punidas como crimes.
Temos por assente que o Estado só tem legitimidade para intervir, em termos tutelares educativos,
substituindo-se aos titulares ou exercentes do poder paternal, quando o jovem vivencia uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica, havendo, assim, toda a premência, em educá-lo para o básico dever-ser jurídico, levando-o a obter alicerces de responsabilização, interiorização do mal feito e capacidade de auto-regeneração com base nos talentos e valências a explorar e
descobrir em cada um destes capitães de areia e rua.
As finalidades desta intervenção fundam-se na “responsabilização do menor” enquanto actor social e
são as próprias definidas na lei e de acordo com algumas das finalidades próprias do direito penal, sendo
ainda verdade que a intervenção processual, neste jaez, se fará muito de acordo com o modelo processual
penal mas com particularidades que urge apreender para que não se transforme o processo tutelar educativo no tão apelidado “processo penal dos pequeninos” – e aqui há que confrontar o teor do artigo 40.° do
C.Penal (quanto à finalidade das penas) com o teor do artigo 6.° da LTE, no qual aparece secundarizada a
necessidade da defesa da sociedade em relação ao acto praticado pelo jovem, razão pela qual há que dizer
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frontalmente que nem sempre estão a ser seguidas as finalidades próprias da LTE nas decisões tutelares
educativas, impregnadas que ainda estão por resquícios penalistas.
A lei prevê mecanismos de intervenção social através da interdisciplinariedade e interinstitucionalidade, a fim de se obterem soluções consensuais sobre as situações de perigo e de delinquência em análise,
sendo certo que a intervenção judicial se impõe sempre que não seja possível obter respostas consensuais.
Podemos afirmar que esta reforma marca uma viragem absoluta na Administração da Justiça para
Crianças e Jovens em Portugal porquanto, pela primeira vez, se altera a própria filosofia de intervenção não
judiciária e judiciária junto de crianças em perigo e em situação de delinquência.
No entanto, diga-se que a inexistência de uma rede social de protecção, acolhimento, educação e formação profissional impedem, muito mais, a concretização das medidas tutelares – educativas ou de protecção –, do que o funcionamento em concreto da jurisdição de menores.
Por outro lado, a ideia de separação dos menores em risco dos menores delinquentes traz alguns problemas de intervenção. Com efeito, toda a intervenção tutelar deve funcionar interdisciplinarmente, não
havendo áreas estanques quando se trabalha com crianças em risco ou com comportamentos delinquentes.
Um menor delinquente ou pré delinquente é uma criança em risco que comete um facto classificado jurídico-criminalmente como crime. A ideia de separá-lo das crianças em risco não pode ter como consequência a sua estigmatização, metendo-o em estabelecimentos correctivos ou de segurança.
A completa reconversão dos actuais estabelecimentos é uma medida que se impõe, considerando que,
embora a institucionalização não seja o recurso regra, por vezes, é o único que resta. Não obstante, entendemos que, em vez de uma visão correctiva da intervenção tutelar nesta área da delinquência, o princípio
informador da intervenção não poderá deixar de ser o de encontrar o caminho para a ressocialização do
menor com vista à sua completa integração na comunidade a que pertence.
E aí, com dados recentes, é de registar que em Abril deste ano, estão 271 jovens internados nos Centros Educativos deste País, dos 190 em regime semi-aberto, 50 em regime fechado – a meu ver, número
muito elevado – e 31 em regime aberto, sendo 250 do sexo masculino e 21 do sexo feminino.
Não esqueçamos que o direito, mesmo quando prevê adequadamente ou acolhe a solução correcta,
não substitui os cidadãos e a comunidade. Mantém estes sempre o papel determinante.
4. Falemos, primeiro, e em traços gerais, da Lei 147/99.
A participação interdisciplinar e interinstitucional concreta, resultante da experiência das anteriores
CPM, hoje Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (onde o MP já não tem assento oficial, mas apenas um papel fiscalizador que tem de ser exercido, quer tenhamos tempo ou não), e o particular envolvimento de outros técnicos das diversas valências intervenientes e participantes naquelas instituições – medicina, psicologia, educação, acção social, etc.-, vieram proporcionar aos Magistrados actuando nesta Área –
que cada vez devia ser mais especializada, sendo preferível que houvesse mais do que 18 Tribunais de Família e Menores neste País – um melhor conhecimento e uma maior compreensão das questões sociais e jurídicas do meio em que exerce as suas funções, bem como uma melhor apreciação crítica da decisão que ajudou a construir.
A LPCJP alterou substancialmente a estrutura das CPMs previstas pelo DL 189/91, considerando os
seguintes aspectos:
– o diploma em causa não continha uma definição clara das competências das CPMs pois não se distinguiam das outras instituições não judiciárias nem dos tribunais;
– o diploma pecava por ausência de princípios de articulação, de planificação e de princípios orientadores de intervenção processual;
– as CPMs tinham uma composição muito alargada que dificultava o seu funcionamento e a eficácia
das suas decisões;
– não estava assegurado o apoio técnico;
– não existia vinculação efectiva das entidades e serviços representados.
Defendo que o Ministério Público deve estar presente nas actuais CPCJ (que, segundo sei, muitas
delas estão a funcionar com alguma deficiência, sobretudo nos grandes centros urbanos) e participar nos
seus trabalhos como curador de menores, independente e autónomo do elenco dos membros constituintes
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da CPM, de forma a sujeitar imediatamente a apreciação judicial qualquer decisão que, em seu entender,
não satisfaça os interesses das crianças cuja situação de vida foi alvo de intervenção da CP – e aqui diga-se
que, após discussão generalizada no seio das CP e do próprio MP sobre o seu papel naquelas, em 10 de
Janeiro de 2001, foi assinado um Protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses com vista à operacionalização da participação dos Municípios nas CPCJ, no qual se prevê expressamente que o MP deve ser convidado a estar presente nas reuniões das referidas Comissões, considerando
as suas competências definidas no artigo 72.° já aqui referido (e é óbvio que qualquer convite pode ser
recusado, alegando sempre razões de serviço!)
Além da intervenção nas CP, o MP desempenha outro tipo de funções no âmbito da LPCJP.
Com efeito, nos termos dos art.°s 73.° e 76.° da LPCJP, o MP requer a abertura do processo judicial
de promoção dos direitos e de protecção quando:
– tem conhecimento das situações de crianças e jovens em perigo residentes nas áreas em que não
esteja instalada CP;
– recebidas as comunicações previstas no artigo 68.°, considere necessária a aplicação judicial de uma
medida de promoção e protecção;
– entenda que as medidas aplicadas pela CP são ilegais ou inadequadas para promoção dos direitos e
protecção da criança ou jovem em perigo.
De salientar que o MP pode sempre fazer acompanhar o requerimento para apreciação judicial com o
processo que para o efeito requisita à CP – art.° 73.° n.° 2, sendo certo que, tratando-se de caso em que
discordou da medida aplicada pela CP, tal requerimento é obrigatoriamente acompanhado do processo da
comissão – art.° 76.° n.° 2.
A iniciativa processual do processo judicial de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo é
exclusiva do MP, apenas com a excepção prevista no n.° 2 do artigo 105.°, sendo sempre ouvido no encerramento da instrução – art.° 110.°, na decisão negociada – art.° 112.°, e alega por escrito e oralmente na
fase do debate judicial – art.°s 114.° e 119.°.
Por outro lado, o MP tem legitimidade para recorrer de todas as decisões que definitiva ou provisoriamente apliquem, alterem ou façam cessar medidas de promoção e protecção – art.° 123.° da LPCJP.
Em nome do princípio da subsidiariedade (ou da sucessividade, como melhor deveria ser definido),
previsto na al. j) do art.° 4.° da LPCJP, a intervenção em situações de crianças e jovens em perigo é primordialmente levada a efeito, se estiverem perfectibilizados os requisitos dessa intervenção, pelas entidades com
competência em matéria de infância e juventude, sendo certo que são elas que estarão mais próximas da
sua realidade vivencial, podendo lançar mão de recursos mais imediatos e eficazes junto da comunidade
que é responsável pelo bem estar das suas crianças e que está na base da prevenção das situações de perigo
(no entanto, chegam-nos notícias alarmantes de informações de absentismo escolar de alunos que estão a
ser enviados directa e imediatamente, sem qualquer tipo de investigação prévia e de tentativa de intervenção por tais entidades, para os tribunais, o que poderá justificar, em casos pouco claros, que o MP – ou a
CP – reverta o expediente para a entidade referida, pedindo explicações sobre o que foi realmente feito
no interesse daquela criança a fim de a retirar de uma pretensa situação de perigo).
• São exemplos destas entidades com intervenção privilegiada em campos tão distintos como o da
educação, saúde, formação profissional, acolhimento, desporto e ocupação de tempos livres:
• Autarquias
• Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ex-Centros Regionais de Segurança Social – Dec. Lei
n.° 316-A/2000 de 7 de Dezembro)
• Instituições Particulares de Solidariedade Social
• Escolas
• Hospitais
• Entidades Policiais
• PAFAC, IAC, SOS Criança, etc.
No que se refere à intervenção das entidades policiais, no âmbito da Lei da Protecção, ela é muito
mais no sentido da prevenção do que no desempenho da sua função natural repressiva.
Nesta lei, a intervenção policial ocorre para comunicar às entidades com competência em matéria de
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infância e juventude e às Comissões de Protecção – art.°s 64.°, 7.° e 8.° – as situações de perigo (tal como
decorrem do art.° 3.°) que conheça no exercício das suas funções. De igual modo, a intervenção policial
pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha conhecimento de situações de perigo, conforme art.°
66.°.
A intervenção das entidades policiais tem um carácter decisivo nos procedimentos de urgência, ou
seja, quando, ocorrendo uma situação de perigo actual ou eminente, a pedido da Comissão de Protecção
ou de uma das entidades referidas no art.° 7.°, a criança ou jovem devam ser retirados da situação em que
se encontram – art.° 91.° n.°s 1 e 3.
A dúvida que esta norma nos coloca é a de saber se a polícia só pode intervir a pedido daquelas entidades. Com efeito, considerando as tarefas de prevenção e vigilância da polícia, designadamente, as de
manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas e de garantia da segurança das pessoas (nas quais
se incluem as crianças e jovens) – art.° 2.° n.° 2-b) e e) da LOFPSP –, e considerando o particular conhecimento do meio social onde desempenha a sua actividade, parece-nos evidente que a intervenção policial
pode e deve ser efectuada por sua iniciativa, efectuando-se logo que possível a necessária comunicação ao
MP – n.° 2 do art.° 91.°.
Saliente-se, ainda, um outro tipo de intervenção policial nas situações de perigo e que se encontra
prevista nos termos do art.° 92.° n.°2. Aí se prevê que o tribunal pode recorrer à entidade policial para assegurar o cumprimento das suas decisões e «permitir às pessoas a quem incumbe o cumprimento das suas decisões
a entrada, durante o dia, em qualquer casa». A expressa referência na letra da lei ao acompanhamento policial para entrada em casa «durante o dia» permite-nos concluir que o legislador quis restringir esse tipo de
actuação policial, salvaguardando o risco de colisão com alguns dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Não obstante, refira-se que a polícia é a entidade que mais próxima está dos cidadãos e em melhor
posição para os defender. Ora, tratando-se de crianças e jovens e tendo em consideração que o perigo pode
consubstanciar risco de vida ou da integridade física daqueles, parece-nos que, à semelhança do disposto no
art.° 174.° n.° 4 do CPP, para situações urgentes de perigo, a lei de protecção deveria conter tal tipo de ressalvas, acautelando-se rapidamente essas situações.
As medidas de promoção e protecção das crianças e jovens (e veja-se e constate-se que nesta lei se
deixa de falar em MENORES) previstas nos termos do art.° 35 da LPCJP foram pensadas tendo por referência o envolvimento da família, enquanto célula natural capaz de se reabilitar, e da comunidade que deve
encontrar nela próprias as sinergias necessárias à protecção das suas crianças e jovens, envolvendo-se, de
forma comprometida e integrada, na execução e eficácia das medidas.
O processo de promoção e protecção é um processo de jurisdição voluntária (artigos 100.° da LPCJP e
1409.° a 1411.° do C.P.Civil), ao qual são aplicáveis, subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase do
debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração sob a forma sumária.
Dele constam algumas particularidades que quero aqui assinalar:
§ O processo é de natureza urgente, correndo em férias urgentes, não estando sujeitos a distribuição,
sendo imediatamente averbados ao juiz de turno, havendo, no entanto, procedimentos de urgência –
estando mal definida, em termos ortográficos, a alínea c) do artigo 5.°, sendo certo que aí se quer falar de
perigo actual ou iminente e não eminente – expressamente previstos na lei (artigos 91.° e 92.°) que corresponderão ao nosso conhecido artigo 19.° da defunta OTM, tão usado entre nós, sendo certo que o n.° 1
do artigo 92.° da Lei permitirá o uso de outros mecanismos tão pouco utilizados, tais como o do artigo
1918.° do C.Civil;
§ Existe agora a clara definição das situações de perigo que pode exigir a intervenção não judiciária
ou judiciária, obviamente exemplificativa no elenco do artigo 3.°, n.° 2;
§ Proclama-se agora a apensação (ou até a existência de um só processo para vários menores) de processos de irmãos ou de crianças vivendo no mesmo agregado e submetidas à mesma situação de perigo,
dando-se agora letra de lei a uma prática jurisprudencial usual na vigência da defunta OTM;
§ Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto (e aqui releva a importância da
pessoa que tem a guarda de facto, não jurídica de uma criança) podem, em qualquer fase do processo,
constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou jovem – e
aqui uma palavra para a intervenção imprescindível do advogado nestes processos, bem como nos pro-
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cessos tutelares educativos, fruto de uma maior visibilidade da sua presença neste foro do Direito dos
Menores (foro habitualmente pouco visitado pelos advogados) e da luta incessante da própria Ordem dos Advogados pela declaração de inconstitucionalidade do já falecido artigo 41.° da OTM (que
estipulava que a intervenção do advogado só era admitida em fase de recurso), o que só aconteceu em
1996;
§ É obrigatória a nomeação de patrono (efectuada nos termos da lei do apoio judiciário) à criança ou
jovem em certas situações
§ A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a
requerer diligências e oferecer meios de prova.
§ Prevê-se a existência de um ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO, uma decisão negociada, um compromisso registado por escrito entre as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens ou os
Tribunais e os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto – e ainda da criança com mais de
12 anos – bem como do organismo encarregue da execução e fiscalização do plano (representado pessoalmente por um técnico que terá agora que dar a cara e a responsabilidade ao manifesto), pelo qual se estabelece um plano, contendo medidas de promoção de direitos e de protecção dos infantes, o qual pode e deve
também passar pela assunção de medidas criativas q. b. com vista à recuperação das famílias celulares ou
alargadas, quando tal recuperação parece possível e aconselhável – e aqui repare-se que, formalmente, o MP
não deve intervir na elaboração desse acordo (apenas fiscalizando o acordo, nos termos do artigo 113.°,
n.° 2), não devendo, assim, assinar tal acordo.
§ Sempre advoguei que o Juiz de Família e Menores e o Magistrado do Ministério Público, irmanados do mesmo credo e dos mesmos supremos objectivos (e não é de mais deixar aqui uma frase já batida na
qual se faz a elegia do interesse do menor, visto como um sistema e um TODO, lido por várias lentes, por várias
ciências sociais, por várias linguagens que, contudo, não devem olvidar essa unidade que é a criança e o jovem),
devem também ser autênticos mediadores familiares, tentando encontrar no consenso das vontades a resposta para os disfuncionalismos familiares trazidos às ribaltas dos seus, nossos gabinetes de trabalho, procurando exorcizar os ódios que lhes compete gerir, descortinar nas histórias de vida de um menino feito
jovem ou de um jovem nunca menino as razões para um comportamento criminógeno e anti-social, vislumbrar no seio das próprias famílias as respostas eficazes e bastantes para os problemas existenciais de
algum menor em risco, levando-as a aderir a projectos criativos de reintegração desse mesmo menor no
ambiente social em que se insere, quando a família não consegue, por si só, e pela sua própria dinâmica ou
ausência dela, soletrar soluções de auto ou hetero-integração para o comportamento de um dos seus membros que, numa altura mais recôndita e negra da sua curta vida, no lado errado da noite dos sentidos, foi
capaz de prevaricar, de se auto-lesar ou de lesar patrimónios ou integridades alheias!
§ A provisoriedade das medidas aplicadas não pode ultrapassar os seis meses (e as não provisórias não
podem ultrapassar os 12 ou os 18 meses, conforme os casos), devendo seguir-se, sempre que possível, a instauração de procedimentos tutelares cíveis que se rotulem de adequados à situação (artigos 69.°, 72.°, n.° 2
e 3 e 75.°, alínea b)) – tutela, regulação do exercício do poder paternal, uso directo da norma limitativa
do exercício do poder paternal previsto no artigo 1918.° do CC, confiança judicial com vista a futura
adopção –, cabendo aqui um papel imprescindível ao MP que terá que diagnosticar qual a figura tutelar
cível mais adequada à definição mais definitiva do estatuto jurídica da criança (recorde-se aqui que a
LPCJP é apenas um MEIO e não um FIM para a situação jurídica da criança em perigo).
§ A execução das medidas pode ser atribuída pelo Tribunal a entidades várias (artigos 125.° e 59.°
da Lei);
§ A regra inovadora, em termos de competência, territorial, plasmada no artigo 79.°, n.° 4 da LPCJP,
segundo a qual pode mudar a competência territorial do Tribunal após a mudança de residência do menor
por período superior a 3 meses levada a efeito depois da aplicação da medida – e aqui leia-se “residência”
em termos de centro de vida, não necessariamente local onde está situada a instituição acolhedora, e não
sendo definitivamente aquela instituição para onde a primeira decisão judicial envia a criança, mudando-a
de poiso.
§ O processo é constituído pelas fases:
• da instrução
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• do debate judicial (em que é novidade a intervenção do tribunal colectivo – anteriormente só
actuante em casos de internamento em CAEF de jovens delinquentes –, constituído pelo juiz que preside e
por 2 juízes sociais1)
• da decisão
• da execução da medida
5. Vejamos, agora, a Lei Tutelar Educativa onde os menores continuam assim a ser chamados.
O que o processo tutelar educativo importa do processo penal são as garantias, designadamente, a instituição, de forma inequívoca, do direito ao contraditório – art.° 45.°, o princípio do acesso ao direito através do direito a representação por advogado ou defensor – art.° 46.°, e o direito de o jovem a ser ouvido,
obrigatoriamente pelo Magistrado ou representante do MP– art.° 47.°.
A intervenção tutelar educativa só se justifica se o interesse da criança ou do jovem assim o determinar, tendo em vista o direito em “desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que,
para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula”. Esta intervenção
não visa a punição e só “deve produzir-se quando a necessidade de correcção da personalidade subsista no
momento da aplicação da medida. Quando tal não aconteça, a ausência de intervenção representará uma justificada prevalência do interesse da criança ou do jovem sobre a defesa dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade.”.
A intervenção tutelar educativa do Estado justifica-se quando “se tenha manifestado uma situação
desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica”, legitimando-se o Estado
para educar o menor para o direito mesmo contra a vontade de quem está investido do poder paternal.
Assim, são pressupostos da intervenção tutelar educativa:
• a existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais traduzido na prática de um facto considerado por lei como crime;
• a exigência ao jovem do dever de respeito pelas disposições jurídico penais essenciais à normalidade
da vida em comunidade, conformando a sua personalidade de forma socialmente responsável – necessidade
de ser educado para o direito.
• a idade mínima de 12 anos, fazendo coincidir o início da puberdade com o limiar da maturidade
requerida para a compreensão do sentido da intervenção tutelar educativa.
O processo tutelar educativo tem muitas afinidades com o processo penal – que não devem passar
disso –, dele importando, essencialmente, as garantias constitucionais em matéria de direitos fundamentais
e alguns institutos adaptados aos fins do processo tutelar educativo, como, por exemplo, a participação
processual do ofendido (muito embora se opine que o mesmo nunca poderá recorrer de uma decisão final
já que se considera que o mesmo não é “terceiro” prejudicado com a mesma, atentas as finalidades do processo tutelar educativo).
Tal como é referenciado na exposição de motivos da LTE, no processo tutelar educativo «a primeira
nota que ressalta... é a sua semelhança com o processo penal”.
Com efeito, não obstante algumas particularidades relacionadas com o facto de o sujeito processual
ser menor de 16 anos e, consequentemente, inimputável em termos penais, e quanto ao tempo de detenção
ou de aplicação da medida cautelar ou medida tutelar, o processo tutelar educativo importou do processo
penal alguns institutos próprios deste com o objectivo de aproximar aquele dos princípios constitucionais
em matéria de direitos, liberdades e garantias.
Assim, todas as formalidades relativas à identificação e detenção do menor – art.°s 50.° a 55.° –, obedecem aos mesmos princípios e condições previstas no processo penal.
Assim, quando não for possível identificar a criança ou jovem, a polícia deve contactar imediatamente
os pais, representante legal ou pessoa que detenha a sua guarda. De qualquer modo, quer tenha sido ou
não possível realizar a identificação, a criança ou jovem não pode permanecer na esquadra, para esse efeito,
por mais de três horas.
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1 E aqui diga-se que se não houver lista de juizes sociais, a LOFTJ prevê a intervenção singular do juiz do processo.
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No que respeita à detenção – art.°s 51.° a 54.°- a lei pressupõe dois tipos: a detenção em flagrante
delito, nos termos do n.° 1 al. a) do art. 51.°, e a detenção para actos concretos, conforme als. b) e c) da
mesma disposição legal. Este último tipo de detenção pressupõe sempre a existência de mandato judicial e
nunca poderá exceder o prazo de doze horas.
A detenção em flagrante delito só tem lugar se a criança ou jovem praticar crime punível com pena de
prisão – art.° 52.° n.° 1. Porém, a detenção só será de manter se o crime cometido for contra as pessoas e
punível com pena máxima de três anos de prisão ou se tiverem sido cometidos dois ou mais factos qualificados como crimes e a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, superior a três anos e cujo
procedimento criminal não dependa de queixa ou acusação particular – art. 52.° n. 2.
Significa isto que a polícia pode deter um jovem que cometa um facto qualificado pela lei como
crime, para identificação, conforme art.°s 52.° n.°s 1 e 3 e 50.° al. b).
As restrições desta norma não lhe conferem qualquer eficácia preventiva tendo em consideração que a
maior parte das situações de delinquência juvenil se prendem com delitos contra o património ou relacionados com o consumo de estupefacientes.
Assim, por exemplo:
– se um jovem de 16 anos tiver cometido um crime de furto qualificado (art.° 204 do CP), pode ser
detido em flagrante delito nos termos do art.° 52.° n.° 1 da LTE, mas a sua detenção não é de manter por
força do n.° 2 da mesma disposição legal, razão pela qual a entidade policial deverá, apenas, proceder à sua
identificação e libertá-lo, sem prejuízo da recolha de prova;
– se o mesmo jovem tiver cometido um crime de ofensa à integridade física qualificada (art.° 146.°
do CP) ou dois crimes de furto qualificado (art.° 204.° do CP) pode ser detido, e nessa situação se manter
até ser apresentado ao Juiz, no prazo máximo de 48 horas, para interrogatório ou para sujeição a medida
cautelar, conforme o disposto nos art.°s 52.° n.° 2 e 51.° n.° 1 al. a);
– se o jovem tiver cometido um crime de violação (art. 164.° n.° 1 do CP), pode ser detido nos termos do art.° 52.° n.° 1, não podendo tal detenção ser mantida porquanto o procedimento criminal
depende de queixa (art.° 178.° n.° 1 do CP, que excepciona a situação de suicídio ou morte da vítima),
razão pela qual a entidade policial deverá, apenas, proceder à sua identificação e libertá-lo, sem prejuízo da
recolha de prova;
– se o jovem tiver cometido um crime de roubo (art.° 210.° do CP) que é punido com pena máxima
não inferior a 8 anos, e já que estamos perante um crime complexo cuja prática ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, pode ser detido nos termos do art.° 52.° n.° 1. Porém, esta detenção poderá ser mantida
face à gravidade da infracção e ao disposto no art.° 52.° n.° 2 da LTE? Parece-nos que sim, já que ao crime
meio – crime contra as pessoas -, o crime normalmente consumido neste tipo legal, corresponde “pena
máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a três anos;
– se o jovem tiver cometido um crime de tráfico de estupefacientes (art.° 21.° do Dec. Lei n.° 15/93
de 22 de Janeiro), pode ser detido nos termos do art.° 52 n.° 1; no entanto, não se pode manter essa detenção, já que esta infracção não é um crime contra as pessoas (será antes um crime contra a ordem e tranquilidade públicas do tipo anti-socialidade perigosa, por referência ao crime p. e p. nos termos do art. 295.°
do CP – embriaguez e intoxicação -, este de índole bem mais pessoal e, mesmo assim não incluído nos crimes contra as pessoas), e não se verifica o pressuposto plasmado na segunda parte do art.° 52.° n.° 2.
Seja qual for a situação de detenção, esta deve ser comunicada no mais curto espaço de tempo e pelo
meio mais rápido aos pais, representante legal ou pessoa que detiver a guarda e ao MP ou à autoridade
judiciária que emitiu o mandato de detenção – art.°s 54.° e 50.° da LTE e 259.° do CPP.
Quando não for possível a apresentação imediata do jovem ao juiz, poderá ser confiado aos pais,
representante legal, pessoa que detiver a guarda ou instituição onde se encontre internado – art.° 54.° n.° 1.
Anote-se que, nos termos do n.° 2 deste preceito legal, quando não for possível assegurar a comparência do
jovem o menor é recolhido em centro educativo mais próximo ou em instalações próprias e adequadas de
entidade policial.
Por princípio, o jovem deve ser sempre recolhido em centro educativo e só em lugares onde não existam tais estruturas se admite a recolha do mesmo nas instalações policiais. Em tal situação, saliente-se que
os postos policiais devem estar preparados para essas situações, tendo em consideração os princípios inter-
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nacionais de administração de justiça a jovens que não são compatíveis com a detenção destes em condições idênticas às dos adultos.
Porém, a maior similitude com o processo penal é a que resulta da fase de inquérito – art.°s 72.° e
seguintes da LTE.
Na verdade, sendo certo que a intervenção tutelar educativa visa responsabilizar o jovem pela sua conduta, parece que tal responsabilização não pode ser nos moldes penais. E a utilização dos procedimentos
penais na estrita observância das regras processuais poderá determinar que se não alcancem os objectivos
visados pela intervenção tutelar educativa. Com efeito, só se o facto gerador de infracção criminal for provado é que há lugar à aplicação de medida tutelar – art.°s 78.° e 87.° da LTE.
A intervenção do MP obedece a pressupostos formais consubstanciados na existência do facto e na
necessidade de educação do jovem para o direito. Assim, o MP adquire a notícia nos termos preconizados
pelos art.°s 72.° e 73.° e determina a abertura do inquérito – art.° 74.°.
Note-se que a legitimidade do MP para a acção tutelar educativa é definida nos mesmos moldes da
legitimidade para a acção penal, designadamente quanto aos crimes de natureza particular ou cujo procedimento criminal dependa de queixa (e daí a nossa posição de que é possível a desistência de queixa em crimes
semi-públicos ou particulares, não obstante a necessidade de reeducar o menor para o direito – podendo, depois
de arquivado um inquérito, ser despoletado o competente processo de promoção e protecção, por força do artigo
43.° da LTE -, e a de que, não tendo sido apresentada a competente queixa em processos em que se dê notícia de
tais delitos não públicos, não poderá a LTE ser aplicada por falta de pressuposto processual).
Por outro lado, saliente-se, como nota relevante, o facto de a denúncia ou a transmissão da denúncia
feita por órgão de polícia criminal dever ser, sempre que possível, acompanhada de informação que retrate
a conduta anterior do jovem e a sua situação familiar, educativa e social – art.° 73.° n.° 2.
Esta inovação confere aos órgãos de polícia criminal uma crescente intervenção social, sendo certo
que, por via da sua acção preventiva e proximidade junto da população são as entidades que, por vezes,
estão em melhores condições de rápida e eficazmente fornecer à autoridade judiciária uma informação tão
completa quanto possível para fundamentar uma decisão provisória ou mesmo definitiva, constituindo um
meio de obtenção de prova.
Repare-se ainda que:
§ a prática de uma contravenção ou de uma contra-ordenação por um menor não leva à aplicação da
LTE, mas eventualmente da LPCJP;
§ Fica de fora desta LTE a situação de menor que sofra de anomalia psíquica que o impeça de compreender a intervenção tutelar educativa;
§ Seria ideal que todos os possíveis inquéritos tutelares educativos (ou seja, aqueles que estão dentro
dos pressupostos do artigo 84.°) terminassem na fase da suspensão do processo (esta sem qualquer controlo jurisdicional, o que a distingue da suspensão provisória do processo do C.P.Penal), através da apresentação de um plano de conduta pelo menor e nunca pelo MP que, contudo, apesar de o não escrever,
poderá e até deverá dar uma frutuosa ajuda na sua elaboração, aquando da realização da sessão conjunta de
prova, diligência que deverá ser, por regra, levada a efeito em sede de inquérito, só não se devendo realizar
quando for absolutamente inútil às finalidades do processo – cfr. artigo 81.° da LTE.
No que concerne às medidas tutelares educativas, urge dizer que a cada facto só pode ser aplicada
uma medida, com a excepção do n.° 2 do artigo 19.°, podendo um só processo conhecer de vários factos
praticados pelo mesmo menor (artigo 34.°), assim se aplicando ou uma só medida ou mais do que uma
medida (v.g. artigo 6.°, n.° 4) – tudo dependendo da concreta necessidade de educação do menor para o Direito
– no mesmo processo, constando do artigo 8.° os critérios de aplicação dessas diferentes medidas e do
artigo 133.° as regras de execução sucessiva de medidas tutelares (uma palavra de algum relevo para a regra
segundo a qual a execução da medida institucional prevalece sobre a não institucional, suspendendo-se
assim esta última durante o cumprimento da primeira, bem como para a regra segundo a qual qualquer
medida não se pode prolongar para além dos 21 anos do seu destinatário).
A execução das medidas tutelares, incluída a revisão prevista nos artigos 136.° e seguintes, compete ao
tribunal que as aplicou, correndo tal execução nos próprios autos, nos 18 Tribunais de Família e Menores
deste país ou nos de Comarca constituídos como tal (e daí a razão pela qual já é da competência de qual-
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quer tribunal – que não só os de Família e Menores – a aplicação de medidas de internamento em centro
educativo, o que equivale a dizer que urge ser modificado o Regulamento da LOFTJ por forma a ser adaptado o seu texto à letra da LTE).
Diga-se ainda que o tribunal deve fixar, na decisão, a entidade encarregada de acompanhar e assegurar
a execução da medida aplicada, podendo tal entidade ser um qualquer serviço público, instituição de solidariedade social, organização não governamental, associação, clube desportivo ou qualquer outra entidade
pública ou privada, ou até pessoa a título individual, considerados idóneos, de acordo com a fisionomia da
particular medida tida por mais adequada.
Registe-se que o tribunal pode associar à execução das medidas não institucionais os pais ou pessoas
significativas para o menor, cabendo-lhe delimitar o real campo de intervenção dessas pessoas, face aos serviços e entidades oficialmente encarregues de tal acompanhamento.
Os relatórios periódicos de tais entidades executivas devem ser enviados ao tribunal, ao abrigo do
artigo 131.°, tendo o menor e seus pais e representantes direito a consultarem tais informações, sempre que
para tal sejam autorizados por ordem judicial.
No artigo 39.° desta Lei, apela-se ainda à necessidade de o juiz realizar visitas periódicas aos centros
educativos e contactar com os menores internados, de forma a que a eficácia desta Justiça de Menores seja
por si mesmo avaliada, fazendo-a mais próxima dos verdadeiros sujeitos destas medidas, só assim também
se legitimando a intervenção judicial. Ora, quando se fala em Juiz, também se deverá ler “Magistrado do
Ministério Público”, assim se estipulando na letra da alínea f ) do artigo 40.° da Lei.
As medidas não institucionais são revistas no âmbito dos artigos 136.°, 137.° e 138.° e as institucionais no dos artigos 136.°, 137.° e 139.°.
Uma palavra para a obrigatoriedade de registo das decisões judiciais que apliquem, revejam ou que
declarem cessadas ou extintas as medidas tutelares educativas, a fazer na Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, hoje Direcção Geral da Administração da Justiça, em ficheiro central, cancelado logo que o jovem
complete 21 anos de idade – assim se compreende a revogação expressa por esta Lei dos artigos 23.° e 24.°
do DL 39/83 de 25 de Janeiro, tão poucos aplicados pelos nossos Tribunais, na prática vigente.
6. Uma última palavra para a necessidade de restringir os ímpetos sensacionalistas dos nossos media,
de forma a que o estigma social não atinja o menor alvo da notícia, de forma irremediável.
❖ Na Lei 166/99,
• O juiz, oficiosamente ou a requerimento, pode determinar que a comunicação social, sob cominação de desobediência, não proceda à narração ou à reprodução de certos actos ou peças do processo nem
divulgue a identidade do jovem (artigo 97.°, n.° 3)
• Os menores internados em centros educativos têm o direito a não ser fotografados ou filmados,
bem como a não prestar declarações ou a dar entrevistas, contra a sua vontade, a órgãos de informação
(artigo 176.°, n.° 1);
• Contudo, e independentemente do consentimento dos menores, são proibidas as entrevistas que
incidam sobre a factualidade que determinou a intervenção tutelar e a divulgação, por qualquer meio, de
imagens ou de registos fonográficos que permitam a identificação da sua pessoa e da sua situação de internamento, de forma a evitar “os efeitos altamente nocivos da estigmatização de que o menor pode ser ou vir
a ser alvo ao ser conhecida publicamente a sua situação actual ou passada, com prejuízo quer para a própria
evolução do seu projecto educativo pessoal, quer para a sua reinserção social” (artigo 176.°, n.° 3)1.
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1 Vide Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora,
2000, página 338.
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❖ Já na Lei 147/99,
• Os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças e jovens em perigo,
não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, com
a cominação de desobediência (artigo 90.°, n.° 1);
• Pode, no entanto, o juiz informar os órgãos e comunicação social sobre os factos, decisão e circunstâncias necessárias para a sua correcta compreensão (artigo 90.°, n.° 3).
Que estas novas tipificações criminais cheguem às redacções dos jornais e das televisões, ainda a
tempo de evitar que na praça pública se crucifiquem crianças e jovens, permitindo que num segundo de
espaço sideral se comprometa uma vida inteira...
7. A parte é TODO e o todo é PARTE, está contido nas partes: o indivíduo é um todo, parte de
uma família e de uma sociedade, sujeito activo e passivo dos processos que pululam pelos nossos Tribunais,
que, acima de tudo, querem ultrapassar as situações de perigo para aqueles menores que apenas pedem
uma chance de existência no futuro, que, acima de tudo, querem recuperar os outros menores em rota de
colisão voluntária ou involuntária com o mundo e que também pedem uma chance de ressocialização num
melhor Sol e numa maior Cidade.
Que os nossos Tribunais sejam capazes de estar atentos, de mobilizar sem dirigir, de apoiar os fracassos e incentivar os êxitos, de estar com os filhos e os pais de ninguém e respeitar a sua individualização, tornando-os frutos e troncos de alguém, usando a mesma terminologia de que o Professor Daniel Sampaio
lança mão para falar da importância da presença dos pais junto dos filhos. Usando a velha máxima dos
Alcoólicos Anónimos, “que eu possa ter capacidade para aceitar o que não se pode mudar, coragem para
mudar o que é preciso e sabedoria para reconhecer a diferença”.
A vida, todos sabemos é uma simples viagem: há os que se julgam o centro do mundo e que não se
dão conta, sequer, de que apenas embarcaram numa viagem.
Há outros que não têm vida para fazer mais do que, simplesmente, passar;
Há depois os génios e os lutadores de vida inteira de quem Bertold Brecht dizia serem, afinal, os
imprescindíveis;
Há finalmente os que, não tendo coragem e o desprendimento destes últimos, aceitam as regras do
jogo empenhando-se, porém, em contribuir para melhorar os pedaços de vidas com que se vão cruzando
pelo caminho.
Andam pelos tribunais todas estas qualidades de gente:
Há um punhado de génios e lutadores, seguramente enganados no caminho, que, mais cedo ou mais
tarde, rumarão a outras paragens;
Há também os que se julgam senhores do mundo, julgando poder dispor da sua vida e da dos outros;
Há os que não têm tempo (ou vontade) para fazer mais do que passar sem serem vistos;
E há os outros: os que vieram por genuína vocação. Estes, ou aprenderam a cercar e a fechar, e cercaram-se e fecharam-se, até que se vão embora deixando apenas um mundo mais estreito; ou aprendendo os
obstáculos, aprenderam também a arte de os superar, e quando, no final, se vão embora, vão tranquilos por
terem deixado alguns pequenos mundos, um bocadinho que seja, melhor!
8. Em qualquer aventura, o que importa é partir, não é chegar. Com a convicção na voz, na pena e
na disponibilidade.
Porque “cada vocação é uma forma de amar a vida e uma arma para lutar contra o miserável medo
de viver”.
Para, no fim de contas, e com uma boa aplicação das Leis 147/99 e 166/99, contribuirmos para
que todos os habitantes do globo se transformem em PAIS OU FILHOS DE ALGUÉM.
JUNHO de 2003
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O Novo Direito das Crianças e Jovens. um recomeço