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MALALA: DIREITO À VIDA, MÍNIMO ÉTICO FUNDAMENTAL E AS
MULHERES EM PAÍSES ISLÂMICOS
Gustavo Fabris - Aluno do curso de Direito no Centro Universitário Uniseb; Rafaele Borba
- Aluna do curso de Direito no Centro Universitário Uniseb; Pedro Zoppi - Aluno do curso
de Direito no Centro Universitário Uniseb.1
Resumo
O presente trabalho tem o afã de perscrutar as minudências do caso de Malala Yousafzai,
discutindo o relativismo cultural sobremaneira radicalizado proposto por Santos (2006),
trazendo, subsequentemente, casos similares e uma discussão da cultura islâmica,
contrapostos ao Mínimo Ético Irredutível2 propugnado por Piovesan. O artigo tem claro
intento de contrapor Direitos Humanos basilares, como a vida e a liberdade, ao relativismo
cultural defendido por pensadores como Boaventura de Sousa Santos.
Palavras-Chave:
Malala Yousafzai; Relativismo Cultural; Cultura Islâmica; Mínimo Ético Irredutível; Direitos
Humanos Fundamentais.
1. Introdução
O belo e bem documentado livro de Malala Yousafzai (2013) relata seu drama pessoal,
bem como o de milhares de mulheres muçulmanas de todas as idades, representadas pelo caso
icônico da jovem, que repercutiu mundialmente.
Desde mui tenra idade, a jovem paquistanesa teve consciência plena da importância da
educação em sua vida; e, vivendo em Swat, área então mais esclarecida do Paquistão, dava
grande valor ao direito que detinha de estudar, mantendo um blog anônimo em idioma Urdu
no site da BBC vinculado a seu país. Não obstante, milícias talibãs, chefiadas por Fazullah
(YOUSAFZAI, 2013, p.129) principiaram um movimento extremista para levar o padrão de
1
O presente artigo é resultado do Trabalho de Conclusão de Disciplina (TCD) desenvolvido pelos autores, sob
orientação do Prof. Dr. Rafel Costa Freiria.
2
http://www.conjur.com.br/2009-abr-05/entrevista-flavia-piovesan-procuradora-estado-sao-paulo Acesso:
29/04/2014.
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vida islâmico considerado correto à região que a jovem habitava, incluindo uso compulsório
de burcas, a abolição do trabalho por mulheres etc.
Foram dois anos de grande tensão, entre 2007 e 2009, vividos por todos os moradores não
assentes com retrocesso social, uma vez que a comunidade era budista antigamente, tornandose muçulmana subsequentemente e restringindo os mais básicos direitos das mulheres com a
tomada do poder pelo general Muhammad Zia (YOUSAFZAI, 2013, p.49). Situação agravada
em 2009, quando a jovem tem sua identidade revelada e principia a dar entrevistas mostrando
seu rosto e sua gana por direitos e garantias fundamentais.
Sua imagem ganha fama internacional desde referido momento e passa a ser um potencial
alvo de ataques extremistas. A família não acreditava que Malala sofresse reprimendas tão
contundentes quanto a que se deu, sendo mais plausível que seu pai as sofresse, temendo antes
pela vida de seu pai3. Em 2012, entretanto, Malala sofreu um atentado, tendo sido baleada no
crânio por fundamentalistas islâmicos, o que deixou o mundo perplexo e motivou a invasão
da região por tropas britânicas, que a resgataram. Desde seu resgate e recuperação, porém,
permanece exilada no Reino Unido.
Como se nota sem grande dificuldade, a luta de Malala é pelo direito humano fundamental
de segunda geração à Educação. Não obstante, ao longo de sua brava campanha, corusca o
direito fundamental de primeira geração à vida, fato que motivou a inserção de seu caso no
presente trabalho.
Referidos direitos de primeira dimensão principiam com as revoluções burguesas (a
Independência norte-americana e a Revolução Francesa), tendo como Leitmotiv a
“Liberdade”. Arvoradas no ideário liberal de pensadores como John Locke (insculpido no
magistral “Second Treatise of Government”), tais revoluções bradavam por direitos basilares
como vida, liberdade e propriedade privada, que seriam garantidos através de prestações
negativas estatais, tais como não usurpar a liberdade do cidadão, respeitar sua consciência,
sua liberdade de culto etc.
Já que limitadores do arbítrio estatal e, sendo os primeiros a auferir positivação, tais
direitos são chamados de primeira dimensão. Consoante a breve súmula do extensolivro da
3
http://www.bbc.com/news/magazine-24379018 Acesso: 29/04/2014.
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jovem, detecta-se um franco vilipêndio de tais direitos pelos talibãs liderados por Fazullah,
quando da tomada do poderna região de Swat, no Paquistão.
Eis que surge outro problema, este com grande densidade teórica e prática: nos países
muçulmanos mais aferrados à leitura fundamentalista de sua religião, tais como a Arábia
Saudita, o Kwait, o Iêmen, Afeganistão e partes do Paquistão, as mulheres são despidas de
seus direitos mais fulcrais, donde a questão acerca do relativismo cultural, tão em voga
hodiernamente: até que ponto a soberania de um Estado e sua cultura devem ser relativizados
e respeitados, ainda que afrontem Direitos Humanos Fundamentais? (SANTOS, 2006, p.436).
2. O posicionamento de Boaventura de Sousa Santos
Santos (2006, p.442), ao alvedrio da farta doutrina com pendor jusnaturalista esteada
primacialmente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirma
provocativamente que, em sua aplicação, os Direitos Humanos não são universais em sua
aplicação. Haveria quatro eixos, antes: o europeu, o interamericano, o asiático e o africano,
sendo que a reivindicação de ordem ética por Direitos Humanos poderia condicionar sua
validade, mas não forçosamente determiná-la4.
Segundo o autor (2006, p.443-444), todos os pressupostos éticos são de origem ocidental,
o que de per si colocaria em xeque a Universalidade almejada: realidade humana bastante
superior a tudo o que a rodeia; dignidade humana absoluta a ser protegida da comunidade e/ou
do Estado; autonomia e liberdades individuais etc. O grande desafio atual consistiria em lutar
contra um globalismo local e rumar para um cosmopolitanismo genuíno insurgente.
A originalidade de Boaventura é inconteste ao vislumbrar quatro premissas para dilapidar
a dicotomia Relativismo-Universalismo, que pensa ser sofística em seu nascedouro.
A primeira é exatamente a superação do retromencionado debate (2006, p.445-446); a
segunda, a visão particular de cada cultura sobre a dignidade humana, não necessariamente
isomórfica e coincidente com as demais; a terceira, a incompletude da noção de dignidade
³ O termo Direitos Humanos tem um amplíssimo campo semântico e é de difícil delimitação conceitual, aqui
trabalhada de maneira sui generis por Santos. A esse respeito fala Arndt (2002, p. 18): “Der Terminus
'Menschenrechte', der vermutlich zu Beginn des 18. Jahrhunderts entstand (...), ist begrifflich außerordentlich
vielfältig besetzt und daher nur schwer faßbar.”
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humana em todas as culturas; por fim, todas as culturas conteriam versões da dignidade
humana consoante com sua identidade histórico-cultural.
É lamentável a ruptura do autor com os ideais jusnaturalistas imbricados nas mais
modernas teorias tangentes aos Direitos Humanos Fundamentais. O autor vê a questão em
termos de hegemonia e contra-hegemonia, em vez de vislumbrar a condição humana em si,
como Arendt (2000) e sua belíssima perspectiva historicizante. Para Santos (2006, p.407), os
ur-direitos5, isto é, os direitos originários, são suprimidos pela hegemonia de um matiz
cultural, cujo imperialismo deveria ser abolido, já que ele próprio suprime a possibilidade de
existência dos ur-direitos. Indagamos, a nosso turno: apesar da bela construção epistêmica de
Boaventura de Sousa Santos, será esse o melhor tratamento a ser dado aos Direitos Humanos,
tendo em vista o caso de Malala Yousafzai?
É mister, para auferir satisfatória resposta, que mergulhemos na cultura islâmica para
que nos posicionemos a contento frente ao sociólogo lusitano.
3. O Islã
O islamismo religião instituída pelo profeta Maomé, tido pelos fiéis como o último
profeta de Deus é uma religião predominante na região da Arábia, seus seguidores intitulados
de mulçumanos constituem grandes civilizações que profetizam a religião de um só Deus,
Allah, e contemplam o livro sagrado Alcorão fonte de todo ensinamento moral, religioso, e
normativo de uma sociedade.
A essência e o ensinamento religioso são embasados em cinco pilares de atos basilares
e imprescindíveis de culto: a profissão de fé, a oração, a contribuição de purificação, o jejum
no mês do Ramadão, e a peregrinação, associados a aplicação da lei islâmica, parâmetro do
sistema econômico, politico, e social._
A religião mulçumana não institui graves condições de segregações a mulheres.
Entretanto as interpretações radicais do Alcorão suscitaram a opressão contra mulheres nos
paises que professam com rigor a lei islâmica – Chariá, tornando prática cultural a opressão ás
5
Neologismo pedante e injustificado. Por que não transformar a expressão toda em palavra alemã, isto é,
Urrechte? Data permissa venia, o autor força o tom da originalidade a qualquer custo.
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mulheres mulçumanas, que não advém da crença religiosa, mas das agregações de tradições
prejudicantes ás mulheres a cultura.
3.1. Lei Islâmica__
A lei islâmica denominada Chariá tem como fonte primaria de jurisprudência o
Alcorão, segunda a Suna, que são tradições, exemplos de ensinamentos islâmicos do
profeta Muhammad, a terceira é ijtihad - raciocínio individual e análogo
- dos juristas
mulçumanos, utilizados quando não há deliberação no Alcorão ou na Suna sobre determinada
circunstância, a quarta são o senso comum e costumes locais.
Para os muçulmanos a lei é uma decisão de Deus, o direito islâmico é de propriedade
religiosa. A essência jurídica advém de regras religiosas e morais, é interpretada e praticada
com rigor, autentificada do arbítrio dos sábios, e não pela vontade do indivíduo racional, o ser
humano não frui de autonomia e individualidade para exercer sua vontade. Persiste a
inalterabilidade da doutrina que não pode ser modificada por nenhuma autoridade, para se
aceitar certas regras só será possível se não contrariar a lei suprema da comunidade
muçulmana – Chariá.
3.2. Fundamenlismo e radicalismo_________________________________________
O direito muçulmano se constituiu por antigos juristas religiosos, sendo interpretado
de forma rígida, sem abertura ao fluxo de mudanças sociais e culturais. No século XIX, porém
como consequência da expansão colonial europeia, se buscou a evolução do direito Islâmico
para atender o fluxo das mudanças sociocultural, as principais mudanças pretendidas foram, a
implantação do sistema romano-germânica ou da common law, a codificação das matérias que
não houveram ocidentalização, e defesa por pluralismo jurídico na comunidade islâmica.
A ocidentalização não tem pretensão de degenerar o direito islâmico, o objetivo é
modernizar o direito buscar a pluralidade jurisdicional antiga coerente com a modernidade.
Em consequência à pluralidade, se fundaram grupos fundamentalistas, reformistas e
secularistas. Os reformistas optaram religião Islã, mas não a lei islâmica, instituindo os
sistemas common law ou o modelo sistema romano-germânico. Já os secularistas almejam a
modernização, legitimam que a organização estatal não pode ter como alicerce a religião,
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interpretam o islamismo como religião e não forma política. Os fundamentalistas
conservadores, rejeitam de forma radical e só admitem o direito muçulmano, ritos antigos e
costumes locais como legítimos, aplicam a lei islâmica, mesmo quando contrariam os direitos
humanos, são radicais da religião islâmica.
3.3. Movimento Talibã__
São três os países consentiram diplomacia ao movimento talibã: Paquistão, Arábia
Saudita e Emirados Árabes Unidos. Talibã um organização fundamentalista islâmica que se
expandiu no Paquistão decorrente do movimento político e militar contra a invasão soviética
do Afeganistão, se fundou profetizando a religião islâmica e a lei islâmica, propagando a
esperança de se findar o manente estado se guerra e dos abusos dos dominadores da guerra,
porém implementaram um rigoroso regime islâmico com ações rígidas e extremas para
recuperação dos principais aspectos do Islã (cultural, social, jurídico e económico).
Surpreenderam o mundo com algumas ações mais extremas, principalmente referente as
mulheres, além de promoveram a destruição dos Budas de Bamiyan (Patrimônio da
Humanidade), depois quase 1500 anos intactos, e banindo algumas atividades como: leitura
de livros, porte de câmeras sem licença, programas de televisão, cinema, rádio contrários aos
ideais mulçumanos, o uso de internet, musicas, e artes (pinturas, estátuas e esculturas de
outras religiões), e a conversão islâmicas a outras religiões.
3.4. Mulheres
O regime talibã não permite que as mulheres trabalhem, e são extremamente rígidas as
regras para a educação feminina. O atendimento em hospitais públicos não pode ser realizado
por médicos ou enfermeiros homens, impedindo mulheres em alguns casos, de atendimento
médico. Não era permitido mulheres sair de casa sem acompanhantes homens, mulheres
viúvas ou sem filhos o estado não ampara, não são consideradas pessoas pelo estado, devendo
promover seu próprio sustento.
A RAWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão) elencou 29
pontos, para que a população mundial possa ter uma ideia do sofrimento que é a vida dessas
mulheres:
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1. Total proibição do trabalho feminino fora de casa. Apenas algumas médicas e
enfermeiras estão autorizados a trabalhar nos hospitais de Cabul.
2. Total proibição de qualquer atividade feminina fora de casa se a mulher não
estiver acompanhada por um mahram (parente próximo do sexo masculino, como
pai, irmão ou marido).
3. São impedidas de fazer compras com comerciantes masculinos.
4. Não podem ser tratadas por médicos do sexo masculino.
5. Proibidas de estudar em escolas, universidades ou qualquer outra instituição
educacional (o Taliban converteu as escolas para meninas em seminários religiosos).
6. Obrigação do uso da burca, vestimenta que as cobre da cabeça aos pés.
7. As mulheres que não se vistam conforme as regras do Talibã ou que não estejam
acompanhadas por um mahram são açoitadas, espancadas ou ofendidas verbalmente.
8. Açoites públicos contra as mulheres que não escondem seus tornozelos.
9. Apedrejamento público contra as mulheres acusadas de ter relações sexuais fora
do casamento (muitas delas são apedrejadas até a morte).
10. Proibição do uso de cosméticos (muitas mulheres que pintaram as unhas tiveram
os dedos amputados).
11. Proibição de falar ou apertar as mãos de homens não-mahram .
12. Proibição de rir alto (nenhum estrangeiro pode ouvir a voz de uma mulher).
13. São proibidas de usar sapatos de salto alto, que podem produzir som ao caminhar
(um homem não pode ouvir os passos de uma mulher).
14. Proibidas de andar em táxi sem o mahram.
15. Proibidas de participar de programas de rádio, televisão ou de reuniões públicas
de qualquer espécie.
16. Proibidas de praticar esportes e de entrar em centros esportivos ou clubes.
17. Proibidas de andar de bicicleta ou motos.
18. Proibidas de usar roupas muitos coloridas. Para o Taliban, isso as tornam
sexualmente atrativas.
19. Proibidas de participar de encontros festivos com fins recreativos.
20. Proibidas de lavar as roupas em rios ou qualquer outro lugar público.
21. No país foram alterados todos os nomes de ruas e praças que tivessem a palavra
"mulher". Por exemplo, "Jardim das Mulheres" se chama agora "Jardim da
Primavera".
22. Proibidas de aparecer nas varandas de seus apartamentos ou casas.
23. Janelas de vidro são pintadas para que as mulheres não sejam vistas do lado de
fora de suas casas.
24. Os alfaiates são proibidos de costurar roupas femininas ou até tomar as suas
medidas.
25. Proibidas de usar banheiros públicos.
26. Mulheres e homens são proibidos de viajar no mesmo ônibus. Os ônibus são
divididos em "só para homens" ou "só para mulheres".
27. Proibidas de usar calças, mesmo debaixo da burca.
28. É proibido fotografar ou filmar mulheres.
29. É proibido publicar imagens de mulheres em revistas, jornais, livros ou cartazes
de qualquer ordem. 6
Em sua imposição radical a lei islâmica subalterna à mulher a tratamentos desumanos,
a mulher é descomedidamente banida e segregada. O caso de Malala Yousafzai não é um fato
isolado de barbárie dos direitos humanos praticado por mulçumanos radicais da religião
islâmica; Cristãos que se recusaram a professar a fé muçulmana ou pagar resgate foram
6
http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-34--8-20131105
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crucificados por jihadistas na Síria. Há também o apedrejamento previsto na lei islâmica, para
punir tanto mulheres quanto homens adúlteros e homossexuais.
A realidade é que a barbárie da dignidade humana é uma realidade intensa e muito
cruel nos países em que se tem o radicalismo da religião islâmica foram incorporados à
cultura dos países, considerada uma cultura primitiva e cruel.
O que se busca é que mínimo ético e garantias fundamentais dos diretos humanos
superem a cultura, e que a dignidade da pessoa humana, seja o bem mais importante.
4. A posição de Flávia Piovesan
Para a autora Flavia Piovesan, no tocante ao conceito estruturante dos Direitos
Humanos, “a condição humana é o requisito único e exclusivo para a titularidade desses
direitos, sendo a dignidade humana o fundamento dos direitos humanos.” (PIOVESAN, 2014,
p. 52).
Os Direitos Humanos são conquistas históricas que surgem, se aperfeiçoam e se
solidificam ao longo do tempo, passando a integrar os ordenamentos jurídicos das
Constiuições dos Estados que reconhecem a dignidade humana como um princípio
fundamental. Os Direitos Humanos constituem largo arcabouço de direitos inerentes à
condição humana. Baseado nesses pressupostos, e após análise da situação da mulher descrita
anteriormente, os Direitos Humanos não são respeitados nos países islâmicos. A afronta e
ofensa aos Direitos Humanos chamam a atenção do mundo. O caso específico da menina
Malala traduz o grito contido – e sintetizado – da figura da mulher naquele país. Itens
supracitados nesse trabalho no tocante ao tratamento da mulher traduzem uma posição
ideologica e filosofica atrasadas do ponto de vista racional.
A situação gritante nos remete a um país voltado para a prática religiosa radical e de
certa forma exegética do ponto de vista interpretativo e tradicional de suas leis, cujas leis
usadas são baseadas no costume e na lei divina presente na doutrina religiosa, com
exteriorização social baseada em uma historicidade que não condiz com a atual abrangência,
proteção e garantias dos Direitos Humanos.
Percebe-se que a sociedade ali presente não se desenvolveu sob o ponto de vista dos
Direitos Humanos. O mínimo ético essencial não é garantido em sua totalidade. A constante
imposição teológica como justificação dos atos normativos e da convivência social faz com
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que haja um engessamento da aplicação, eficácia e efetividade dos Direitos Humanos. A
condição humana da mulher, nesse sentido, não faz juz e não é coerente com o mínimo ético
essencial defendido na assertiva da autora Flavia Piovesan.
A condição humana da mulher não é respeitada. Naquela cultura, a mulher é
praticamente tratada como objeto, como se não tivesse sentimento, pensamento, reflexão e
crítica. A capacidade de impor sua vontade é reduzida ou extinta pelo regramento existente.
Ora, se a capacidade de imposição da vontade da mulher é mitigada, logo não há o que se
dizer em mínimo ético essencial. A dignidade humana da mulher é diminuída, às vezes
extinta. Em dado momento, se a mulher expressar seu pensamento ou cometer alguma
transgressão considerados como “injusto” contra o ordenamento vigente, poderá perder sua a
vida (biológica, social, biográfica), que é considerada como o Direito Humano primordial
defeso pela Comunidade Internacional e pelas Constituições em seus preceitos normativos
como Leis Constitucionais, Tratados, Convenções e Declarações de Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos de primeira, segunda e terceira geração não são garantias para a
mulher nesse tipo de sociedade. O ordenamento jurídico presente é baseado em uma
justificação divina, consuetudinária e de interpretação falha, contrária ao Direito
Jusnaturalista racional que é a preservação da vida biológica, psicológica, moral e social e da
dignidade da pessoa humana, direitos naturais inerentes à condição humana e faz com que a
capacidade de desenvolvimento da personalidade humana fique prejudicada, não havendo
alteração do status quo. Também é contrário ao Direito Juspositivista, tendo em vista que o
Estado não estipula em seu ordenamento jurídico as devidas garantias que visam assegurar
Direitos Humanos para proporcionar o mínimo ético essencial, requisito basilar à condição e
dignidade humanas.
Na tentativa de proporcionar coerência e de certa forma inserir uma possível
efetividade, serão analisadas as seguintes novas tendências dos principios de Direitos
Humanos: aspectos culturais e vedação do retrocesso. São conceitos modernos e
importantíssimos, visto que procuram abrager e justificar a eficácia e a efetividade dos
Direitos Humanos nas diferentes sociedades. Não se pode esquecer também do princípio da
universalidade.
Em uma breve descrição dos principios supracitados, o princípio da universalidade é a
característica que trata do aspecto universal de Direitos Humanos, onde todo ser humano,
independente de raça, cor, sociedade em que está inserido, religião, situação financeira,
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convicção ideológica, faz juz aos preceitos de Direitos Humanos. O princípio da vedação do
retrocesso é uma nova tendência; os Direitos Humanos são processos históricos, conquistas
que surgem, se aperfeiçoam e se solidificam ao longo do tempo. A vedação do retrocesso vai
garantir que modificações no ordenamento jurídico não venham a diminuir ou prejudicar os
preceitos de Direitos Humanos conquistados. O princípio dos aspectos culturais, que também
é uma nova tendência, define que, independente do ordenamento jurídico adotado por um
país, amoldado à sua cultura, tem que garantir o mínimo ético essencial, de maneira a efetivar
os Direitos Humanos de modo a garantir a proteção à dignidade da pessoa humana.
A solução, dado que aquele país é conservador e é regido por leis incoerentes com os
preceitos e princípios de Direitos Humanos, seria a tentativa de uma articulação política e
jurídica por parte da Comunidade Internacional, de modo a garantir a liberdade da convicção
religiosa e da tradição sem, contudo, ofender, prejudicar ou excluir qualquer tipo de Direito
Humano, atitudes urgentes tomadas primeiramente para o exercício e após uma busca
constante da eficácia e efetividade dos Direitos Humanos, visto que o ser humano deve ser
protegido nos ordenamentos jurídicos e a condição humana deve ser o princípio que
fundamenta o Estado jurídico e político.
5. Conclusão
Reflexão: o que a Comunidade Internacional poderia fazer para a tentativa de garantias
aos Direitos Humanos da mulher na cultura islâmica? Como já descrito, o atual Estado em a
mulher está inserida não permite em seu ordenamento jurídico e tradicional religioso que os
Direitos Humanos sejam exercidos em sua totalidade. Não há garantias para a proteção e
irradiação desses preceitos fundamentais, os direitos da mulher são cerceados, o que não
condiz com a proteção da dignidade e personalidade humanas.
Algumas alternativas poderiam ser executadas na tentativa de garantir o mínimo ético
essencial como: acordos diplomáticos no sentido da busca da garantia de Direitos Humanos,
convocação do Estado para a compreensão e ratificação de Direitos Humanos em Tratados e
Convenções Internacionais, a priori, e posteriormente inserção no ordenamento jurídico
tornando-os Direitos Humanos Fundamentais (o que seria uma conquista ao longo da história,
visto que há necessidade de mudança no ordenamento jurídico atual), o que proporcionaria
um contexto propício para a garantia desses direitos e, como última ratio, uma intervenção
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interna pela Comunidade Internacional no país para a obrigatoriedade de exercício e garantias
dos Direitos Humanos, o que evitaria um retrocesso ainda maior.
Referências
ARENDT, H. A Condição Humana. RJ: Ed. Forense Universitária, 2000.
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MAZZA, V. Malala a menina mais corajosa do mundo. RJ: Agir, 2013.
PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. SP: Saraiva, 2009.
SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto: Cortez,
2006.
YOUSAFZAI, M. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e
foi baleada pelo Talibã. SP: Companhia das Letras, 2013.
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