Eu não tive culpa
Resolvi enfim falar, dizer o que todos sempre souberam, mas nunca tiveram
coragem de me perguntar para terem certeza ouvindo de mim mesmo, hoje também
resolvi acabar, acabar com essa dor, essa coisa ruim que me consome, que me faz
sofrer e que faz sofrer todos que estão a minha volta, nunca quis magoar ninguém,
Deus sabe que não, e por isso sofro, sofri e não mais sofrerei.
Hoje tenho quarenta e um anos, não sou mais criança, adolescente ou
jovem, hoje sou uma pessoa madura, segura do que quero de minha vida, apesar de
sempre ter abdicado de meus sentimentos em razão da felicidade dos demais.
Não sou uma má pessoa, não tenho culpa de ser como sou não escolhi ser
assim, mas hoje tudo chegará ao fim, sofrer mais? Ver meus pais, minha família
sentirem vergonha do que nunca tiveram coragem de dizer, do que nem eu tive
coragem de assumir?
Aos oito anos de idade me olhei no espelho e quis ter seios, quis ter longos
cabelos, quis usar batons, quis ser menina como minhas irmãs, aos oito anos de idade
me vi perdido num mundo que só eu sabia que existia.
Quando saía para escola, minhas irmãs se arrumavam, amarravam os
cabelos, passavam batom, pintava os olhos e eu desejava tanto aquilo para mim, o
tempo foi passando, quis usar as roupas das bonecas, quis ser linda (lindo), quis tanto
ter uma vida de menina.
Cresci e nunca apresentei uma namorada, nunca fiquei com uma menina,
nunca fui para as baladas como todo jovem de minha idade, meus pais chegaram a
acreditar que eu usava drogas, achavam que eu tinha algum problema psicológico ou
coisas do tipo, fiz durante muito tempo análise, mas sempre fui uma pessoa muito
inteligente, frequentava a igreja e buscava cura não sei de que, já que não estava
doente, participava de tudo na igreja, sempre fui bastante querido por lá, até...
...até o João aparecer, eu não precisava disso em minha vida, vivia muito
bem com minhas limitações emocionais, vivia muito bem apenas na desconfiança e
nunca na certeza, eu era de alguma forma feliz, até... Até o João aparecer por lá.
Ele mudou completamente minha vida, ele me olhava de um jeito especial e
quando percebi... lá estava apaixonado por um homem, como um homem? Eu sou
homem, e isso me fazia tanto sofrer, o evitava, corria sempre quando ele chegava e na
verdade nunca tivemos nada, mas a vinda do João me fez sofrer, as pessoas
começaram perceber, pois o João deixava transparecer, por isso, somente por isso, me
Simone Bezerra Souza, Pedagoga, Especialista em Gestão Coordenação e Orientação Escolar –
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afastei da única coisa que me deixava feliz, por causa do João não quis mais ir a igreja,
para não o encontrar, para não ter que olhar, para não ainda mais sofrer, deixei de lado
a minha fé.
Foi aí que minha vida se transformou, conheci a Manuela, amiga de minha
irmã, mulher madura e bem resolvida, Manuela logo se fez amiga e arrancou de mim
confissões que jamais tive coragem de repetir nem frente ao espelho, nossa primeira
conversa chorei muito, pedi o colo que jamais minha mãe me deu, fui sincero e
transparente com a Manuela, conversamos horas, horas a fio.
Hoje enfim resolvi acabar com toda essa dor, quero pedir perdão aos meus
pais, minhas irmãs, meus poucos amigos e a mim mesmo, queria poder mudar o que
sinto, quem sou, mas não posso.
Tudo acaba aqui, não cometi o pecado de me envolver com ninguém do
mesmo sexo que eu se é que isso é pecado, nunca procurei saber se era ou não
pecado ser homossexual, não quero entender essa opção, assim como não quero
julgar quem seja, quero apenas acabar com essa dor que domina meu peito que faz
minha família sofrer, quero apenas que chegue ao fim essa angústia que tira minhas
noites de sono, sei que não poderei ser feliz com esse amor que sinto por João, sei que
não viverei esse amor, não apenas em virtude dessa sociedade preconceituosa e
machista, não apenas porque sinto vergonha, não tenho amigos homossexuais, nunca
senti por nenhum de meus amigos isso que sinto pelo João, mas não quero, não posso
e isso está acabando com minhas forças, cheguei ao meu limite em virtude desse
sentimento.
Chega, não quero mais, estou aprisionado nesse mundo onde não consigo
me libertar, quero e preciso ser livre, preciso ser livre, e essa liberdade não vou
encontrar aqui.
Não estou dizendo que o que vou fazer é o certo, não é, por isso peço
perdão a Deus, apesar de saber que não terei perdão, peço que ele me entenda,
apesar de que ninguém entenderá, não aconselho ninguém, mas é o que me resta.
Estou desesperado, não quero que minha família sofra, sinta vergonha de
mim do que estou sentindo pelo João, e esse sentimento está ficando descontrolado e
por isso, somente por isso, não quero mais viver e não tenho outra saída.
Perdoem-me, me entendam, mas não sirvo mais para essa vida. Adeus!
Simone Bezerra Souza, 25 de maio de 2015.
Simone Bezerra Souza, Pedagoga, Especialista em Gestão Coordenação e Orientação Escolar –
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Eu não tive culpa Resolvi enfim falar, dizer o que todos sempre