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O País
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Quinta - feira, 11 de Dezembro de 2014
Quinta - feira, 11 de Dezembro de 2014
Dorival Bettencourt
[email protected]
... Como já havia
mencionado,
não é necessário
inventarmos
conceitos novos mas
sim entender os
problemas a fundo
para visualizarmos
soluções, entender os
produtos disponíveis
para dominar a
sua aplicação e
criar estruturas que
combinem as forças
do sector público
e privado para a
implementação
de programas
optimizados e
coerentes
O que tem o crédito
agrícola a ver com
Einstein?
N
o meu último artigo, publicado neste jornal,
procurei avançar com o debate sobre as causas
da falta de acesso ao crédito agrícola com vista
a incluir um leque mais abrangente de questões
na discussão. Penso ser fundamental este nível
de debate para que possamos entender de forma
mais completa as raízes dos obstáculos que impedem os agricultores
moçambicanos de aceder ao crédito. Este entendimento por sua vez
possibilitará o desenvolvimento e a implementação de instrumentos
e programas eficazes, que atacam a raiz dos problemas e que são adequados à realidade moçambicana.
O grande físico Albert Einstein definiu a insanidade como “Fazer
sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, ou seja, temos
que procurar abordagens alternativas e inovadoras para os problemas que resistem a soluções convencionais. Felizmente já assistimos a
alguns avanços promissores na área da inovação financeira aplicada
à agricultura. Vale a pena esclarecer que quando falo de inovação,
estou a referir-me tanto a instrumentos e modelos novos como a usos
inovadores de produtos e modelos já estabelecidos (nestes casos a
inovação está na aplicação). Exemplos destes últimos incluem produtos de seguro agrícola como o Weather Index (geralmente baseado
no regime pluviométrico) e seguro de rendimento agrícola, ambos
baseados no conceito de seguros inventado na Babilonia no ano 2500
A.C.. Igualmente, a nova utilização de Green Bonds , obrigações para
financiar projectos “verdes”, e os DIBs, obrigações com retorno baseado em resultados de desenvolvimento, também são fundamentados
num instrumento inventado na Itália renascentista do seculo XIV.
Isto para dizer que não é forçoso inventar coisas novas, mas sim inventar formas diferentes para a sua aplicação: em escalas diferentes,
a mercados diferentes, incluir participantes diferentes, etc.
Uma área que carece também de um pensamento mais “fresco” é
a da articulação entre o sector público e privado no que diz respeito à questão do crédito agrícola. Moçambique, possuindo um sector
agrícola (e economia de modo geral) ainda em desenvolvimento,
apresenta naturalmente certas “falhas de mercado” (assimetria em
termos de acesso a mercados e informação, etc.) que o sector privado,
principalmente os bancos, não conseguem e, nem devem, resolver.
Aqui torna-se necessário encontrar formas de coordenação entre o
sector público (Governo, doadores, instituições multilaterais, etc.), a
sociedade civil (ONGs) e o sector privado (banca e empresas do agro-negócio). A lógica desta colaboração deve assentar na concepção de
programas que visam maximizar as sinergias desta aliança e alocar
responsabilidades baseadas em competências. Estas responsabilidades podem incluir a absorção de risco, a distribuição de serviços, a
monitoria, a recolha de informação, a provisão de bens públicos, entre outras. Cada elemento do sistema estará mais ou menos bem posicionado e equipado para assumir um ou outro papel. Neste espaço,
também temos registado alguns avanços (com resultados ainda pouco estabelecidos) como é o caso das garantias prestadas por doadores (por exemplo a garantia prestada pela DCA, Development Credit
Authority, da USAID através do Banco Terra e mais recentemente
através do Moza Banco) ou instrumentos de partilha de risco geralmente oferecidos pelas agências multilaterais, que reduzem as perdas
de incumprimento dos portfolios agrícolas, possibilitando assim aos
bancos expandir o crédito. É importante salientar, que muitas destas
iniciativas tiveram pouco êxito, tendo em alguns casos registado baixa utilização (devido ao custo e/ou a morosidade/complexidade do
processo), ou sofrido altas taxas de incumprimento que culminaram
na sua interrupção. Isto não significa que o conceito em si se possa
considerar errado, mas é algo que suscita o repensar da forma como
os seus instrumentos são aplicados à prática.
Um dos novos modelos que apresenta oportunidades promissoras
para Moçambique é o do financiamento de agricultores através da
cadeia de valor (ou cadeia de suprimentos). Este modelo tem duas
vertentes principais: o modelo baseado no comprador e o modelo
baseado no fornecedor de insumos. Esta abordagem ajuda a contornar algumas barreiras de acesso ao crédito. Em primeiro lugar, não
depende da elegibilidade de acesso ao crédito de um agricultor individual mas sim da força da cadeia de valor em que o agricultor está
inserido. Segundo, este modelo permite aliviar a questão da volatilidade de receitas que é típica da agricultura de pequena escala, uma
vez que o agricultor entra em contractos (formais ou informais) de
longa duração que estabelecem preços e volumes. Finalmente, o modelo permite mecanismos para recuperação de pagamentos, partilha
de riscos, monitoria e acesso à informação de forma mais eficiente
do que o modelo tradicional banco-agricultor. O modelo apresenta
também algumas desvantagens como a potencial complexidade de
gestão e estruturação e o facto de estar muitas vezes dependente de
um participante chave (um grande comprador ou fornecedor) torna
a sustentabilidade do programa dependente deste participante.
Uma das características fundamentais deste modelo é a criação de
um ecossistema em que os interesses dos participantes estão alinhados. Um grande comprador (agregador ou processador) tem interesse em desenvolver uma parceria de longo prazo com um agricultor
para assegurar a entrega do produto no momento certo, na qualidade certa e na quantidade certa. Isso faz com que ele tenha um incentivo a investir em extensão e que esteja disposto a participar de um
esquema que possibilite o acesso ao crédito para os agricultores (para
compra de sementes melhoradas, fertilizantes, herbicidas, etc.). No
entanto, este comprador prefere não “empatar” capital para o financiamento da operação dos agricultores (particularmente em Moçambique onde o custo de capital é tao elevado). Aqui o banco entra
como o provedor de capital e tem o interesse em participar devido ao
acesso a um novo portfolio de clientes (com risco e custo reduzido).
... temos que
procurar abordagens
alternativas e
inovadoras para
os problemas que
resistem a soluções
convencionais.
Os fornecedores de insumos também querem participar uma vez que
o acesso ao crédito para os agricultores traduz-se em vendas superiores, mais clientes e pagamentos mais céleres. Finalmente, o agricultor
encontra-se inserido num ecossistema que garante acesso a insumos
e extensão, acesso ao crédito e ao mercado. É esta abordagem holística que permite o sucesso do programa uma vez que com ele se cria
um ciclo virtuoso de maior produtividade e maior acesso ao crédito
que eventualmente leva a saltos qualitativos (por exemplo de agricultura semicomercial a agricultura comercial de pequena escala).
É importante referir que o financiamento através da cadeia de valor tende a ter maior êxito em situações em que a cadeia de valor
é bem estruturada, ou seja, tem participantes bem estabelecidos e
o tipo de cultura não sofre de um elevado risco de venda paralela
(“side-selling”). Este é o caso de culturas de rendimento como o tabaco e o algodão que tendem a ter um valor menor fora da cadeia
de valor principal (o algodão só tem valor para um número restrito
de compradores que tem a estrutura para transformá-la). Enquanto
culturas mais básicas como o milho, a soja e a mandioca representam
um maior risco por existir um mercado mais fragmentado e pelas
próprias características do produto (podem ser consumidas ou usadas para alimentar animais sem muito processamento). Algumas formas de mitigar este risco de “fuga à cadeia de valor”, incluem, entre
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outros, alguns mecanismos que consistem em oferecer prémios com
base em volumes, disponibilizar pagamentos adiantados no período
magro (pré-colheita) e estabelecer uma relação muito próxima com
os agricultores (directamente ou através de cooperativas e associações) para gerar um ambiente de confiança e colaboração (aqui os
laços comunitários são muitas vezes mais importantes que as relações
contratuais), e incentivos (compensatórios e/ou punitivos) com vista
à preservação da integridade do sistema. Estes modelos podem ser
ainda melhorados com a participação de agências multilaterais (redução de risco, linhas de crédito), doadores (programas de extensão
e de mobilização do sector privado) e o Governo (melhorias no ambiente de negócios, criação de infra-estruturas públicas).
Os desafios da agricultura Moçambicana exigem um pensamento
inovador e audaz. Como já havia mencionado, não é necessário inventarmos conceitos novos mas sim entender os problemas a fundo
para visualizarmos soluções, entender os produtos disponíveis para
dominar a sua aplicação e criar estruturas que combinem as forças
do sector público e privado para a implementação de programas optimizados e coerentes. Finalmente, o génio alemão acima citado também falava muito do poder da imaginação, portanto, aproveitemos
também este ingrediente que aliás abunda naturalmente no povo
Moçambicano.
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O que tem o crédito agrícola a ver com Einstein?