Jornal “O Público” 02-03-11
Os dilemas do PSD e do PS para as finanças públicas
O que quer e o que pode Ferro Rodrigues?
Saber o que quer o dr. Ferro Rodrigues em matéria de finanças é mais fácil, pois o seu
Governo apresentou em Bruxelas um Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC
2002) onde diz precisamente o que quer fazer. O problema é saber se o consegue fazer.
O modelo está definido: há que controlar o défice orçamental, não através de uma
expansão das receitas públicas, mas através do controlo da despesa primária. O
objectivo identificado: alcançar o equilíbrio em 2004, sem diminuir as despesas sociais
nem o investimento público. As medidas anunciadas: a “mãe de todas elas” é o controlo
da massa salarial na função pública através do congelamento da reestruturação de
carreiras e uma política de pessoal em que por quatro aposentados só há um admitido.
Isto permitirá limitar a quatro por cento o crescimento da despesa primária.
A agenda económica de Ferro está clara, mas o que pretende fazer é a quadratura do
círculo, o que, como se sabe, é impossível. Na impossibilidade de cumprir os vários
objectivos, um deles teria que ser sacrificado, e esse seria certamente o do equilíbrio das
contas públicas.
Existe em grande parte do PS, assim como na velha esquerda em geral (PCP) ou na
anunciada “nova” esquerda (Bloco) um certo desconhecimento do dilema de Ulisses.
Ulisses, navegando no seu barco e sabendo que seria atraído pelo canto das sereias, que
seriam mortíferas, pediu aos seus homens para o atarem ao mastro e lhe taparem os
ouvidos. Assim sobreviveu à passagem pelo local onde as sereias cantavam. A corda
com que se atou ao mastro chama-se Pacto de Estabilidade e Crescimento e foi
escolhida por vários Ulisses em diferentes barcos. Não está completamente apertada,
pois permite défices e excedentes a partir de um equilíbrio que deve ser alcançado
sobretudo quando, como se prevê para 2004, as economias estiverem a crescer.
Aquilo que não percebeu a velha esquerda é que a existência da corda não tem a ver
com a dimensão do mastro, ou seja, a dimensão do sector público. Não percebeu que é
possível ter uma corda apertada (com uma folga) e ao mesmo tempo prosseguir políticas
sociais. Mas para que isto seja possível é necessário executar reformas estruturais. O
que diz o PEC 2002 a este respeito? Acerca dos funcionários públicos, refere que o
problema da eventual carência de funcionários (uma admissão por cada quatro
aposentados) será resolvido pela mobilidade entre serviços. Sobre a educação, a quase
totalidade das medidas referidas levaria a um aumento (!) e não à diminuição da
despesa. Na saúde, aqui sim! Há um programa efectivo de racionalização e diminuição
da despesa. Será coincidência que o ministro provenha do Instituto Nacional de
Administração?
Outra medida que diz respeito ao controlo da despesa, que faria o efeito de um cordel,
mas nunca de uma corda, é a anunciada Lei de Estabilidade Orçamental. A ideia parece
interessante, pois trata-se de assegurar uma solidariedade dos vários subsectores do SPA
(administração central, regional e local e segurança social) nos objectivos de política
orçamental nacional (PEC 2002). Desconheço esse projecto, e por isso poderei estar a
ser injusto, mas confesso o meu cepticismo. Neste momento, o grande responsável pelo
défice público é o subsector Estado. Várias razões explicam este défice, sendo uma
delas a das elevadas transferências para os outros subsectores. E porquê?
Essencialmente por duas razões: temos uma má Lei de Finanças Regionais e não temos
um Código de avaliações do património, o que permitiria avaliar de forma justa o
património, eventualmente fazendo crescer as receitas em contribuição autárquica e,
deste modo, diminuir a dependência das autarquias em relação às subvenções do
Orçamento do Estado. Vale a pena lembrar que esta foi uma das reformas, esta sim
estrutural, que nem Cavaco nem Guterres tiverem a coragem política de fazer. Há
reformas que só se fazem com o PS e o PSD, e desejavelmente com outros partidos.
Ferro quer tudo, mas não pode. O equilíbrio das finanças públicas será sacrificado aos
outros objectivos das políticas sociais e de investimento. Pelo menos enquanto a velha
esquerda dominar o PS.
* professor do ISEG
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Publico 02_03_11_b