A DISCIPLINA E A AUTORIDADE: PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO
HOMEM PARA UM ESTADO BOM, BELO E JUSTO.
Vanessa Xavier Caldas i
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
RESUMO:
Este presente artigo vem refletir as questões de disciplina e autoridade como princípios da
formação do homem, considerando tais, pilares que a criança/ o homem deve seguir e também
reconhecer em seus caminhos. Utilizo-me dos conceitos de Kant (1999), que disserta, que sem
a educação, atrelada a disciplina e a autoridade, o homem não será um verdadeiro homem
posto para o bem, isto é, virtuoso. Este processo da formação do homem é vinculado a uma
autoridade – o professor, o educador – e este deve ter o compromisso não somente com a
instituição, mas, sobretudo com a formação do homem. Percebe-se na atualidade que esses
valores estão sendo corrompidos através dos processos e construções sociais. Diante disso,
dialogo com Hannah Arendt (1996) sobre a autoridade em crise no mundo moderno.
Palavras chave: Disciplina; Autoridade; Limites; Moralidade; Formação do homem.
RESUMEN:
Este artículo es reflejar los problemas de la disciplina y la autoridad y los principios de
formación del hombre, teniendo como pilares, el niño / hombre a tomar, y también reconocer
en sus formas. Puedo utilizar los conceptos de Kant (1999), el sermón, de que sin educación,
vinculada a la disciplina y la autoridad, ningún hombre será un hombre de verdad, están para
el bien, que es, virtuoso. Este proceso de formación del hombre está ligada a la autoridad - el
maestro, el maestro - y esto debe ser comprometido no sólo a la institución, pero sobre todo
con la formación del hombre. Hoy puede ver que estos valores están siendo dañados por los
procesos y construcciones sociales. Ante esto, el diálogo con Hannah Arendt (1996) sobre la
crisis de autoridad en el mundo moderno.
Palabras clave: Disciplina, Autoridad, Límites, Moral, Formación del hombre.
A DISCIPLINA E A AUTORIDADE: PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO
HOMEM PARA UM ESTADO BOM, BELO E JUSTO.
“A vara e a repreensão 1 dão sabedoria; mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe.” (Provérbios 29:15) No caminhar de minha formação alguns pontos suscitaram questionamentos e
assim uma reflexão no que diz respeito ao processo de formação do homem desde a
tenra idade. Encetei a pensar, diante de algumas leituras, o que alguns pensadores
dissertaram sobre a educação e formação do homem.
A partir da leitura do livro, “Sobre a Pedagogia”, o filósofo alemão, Immanuel
Kant, disserta sobre sua pedagogia. Inspirada nessa leitura sobreveio questionamentos
quanto à educação, o que relacionarei à educação atual. Dentre esses questionamentos,
reflexão, um dos aspectos importantes que destacarei nesta pesquisa é a presente perda
de referências, de princípios morais, como: a disciplina e a autoridade quanto
elementos na formação do homem.
Kant em “Sobre a Pedagogia” destaca a importância do cuidado físico nos
primeiros dias de vida da criança. Destaca o aleitamento materno, o balançar o bebê, o
choro excessivo, a atividade e todo o cuidado físico, como um manual aos pais, aos
preceptores, ensinando-lhes como devem agir para que a criança, desde cedo, não se
acostume a ter todas as suas vontades atendidas. Pois, a vontade do homem é tão
tendenciosa que começa desde cedo: “Quando se deixou o homem seguir plenamente
a sua vontade durante toda a juventude e não se lhe resistiu em nada, ele conserva
uma certa selvageria por toda a vida” (KANT, 1999, p.14). O que parece ir do natural
ao vicioso. Natural porque o homem possui inúmeras vontades, porém deve saber
equilibrá-las, deve saber ponderar, ser prudente, não utilizá-las apenas em benefícios
próprios. Para que isso não ocorra, é necessária uma boa educação. Caso contrário, é
1
A palavra repreensão na Bíblia, não tem o mesmo significado com o qual relacionamos na
atualidade. Repreensão para o autor do livro de Provérbios significa o conjunto de disciplina: “A vara e
a repreensão”. A vara é a disciplina física e a repreensão a maneira de instruir, de exercer a autoridade
em sabedoria perante a criança.
viciosa, pois, o homem prende-se a suas vontades de forma desorientada, que com
isso, condena a si mesmo sua própria morte, deleitando-se em sua vontade como um
imprudente.
Juntamente com Provérbios 22:6 2 : “Instrua o homem [a criança] no caminho
em que se deve andar, e, ainda quando for velho não se desviará dele.”, proponho-me
a pensar e dialogar com o auxílio de alguns autores a cerca dos princípios da formação
do homem, tendo a disciplina e a autoridade como um ponto de partida para refletir
sobre a temática a partir das idéias de Kant nesta obra.
O fragmento do livro de provérbios sobre a criança relaciona-se facilmente
com a pedagogia de Kant no que se diz respeito à instrução, disciplina e autoridade.
Então busquei no autor uma explicação para este processo e me deparei com esses dois
conceitos em crise: a disciplina e a autoridade, (em uma analogia) pensando que não
pode haver um Estado se não há quem o governe, assim como não pode haver
disciplina se não há quem a instrua. Estes dois pilares – disciplina e autoridade – neste
artigo serão o centro do diálogo no que resulta um Estado justo como bem pensou
Platão.
Kant (1999), ainda nas primeiras páginas destaca a educação como o caminho
correto e imprescindível ao homem. Portanto, a educação deve ser iniciada desde a
primeira idade, sendo que nos anos inicias o homem não tendo capacidade de julgar
certas coisas, necessita de alguém que o instrua, que o eduque 3 . O discípulo deve ser
instruído em caminhos que não o levem a corromper-se, ou seja, em caminhos que não
sejam tortuosos, tendo, para isso necessariamente a disciplina.
O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação
entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a
disciplina e a instrução com a formação. Conseqüentemente o
homem é infante, educando e discípulo. (KANT, 1999, p.11)
2
O livro de Provérbios, derivado da Bíblia Sagrada, foi escrito por vários homens e reis da
época, aproximadamente no século X, a.C., tais como Salmão, Agur, Lemuel e outros. (Bíblia – Estudo
e ensino, 2007)
3
“A sujeição do educando pode ser positiva: enquanto deve fazer aquilo que lhe é mandado,
enquanto não pode ainda julgar por si mesmo, tendo apenas a capacidade de imitar. Negativa: enquanto
o educando deve fazer aquilo que os outros desejam, se quer que eles, por sua vez, façam algo que lhe
seja agradável.” (KANT, 1999, p.32, grifo meu); “[...] não se deve sobrar a vontade das crianças, mas
dirigi-la, de modo que elas saibam ceder aos obstáculos naturais. No início, a criança deve obedecer
cegamente.” (KANT, 1999, p. 73, grifo meu).
Para Kant (1999, p.17), que seria através da educação que a natureza humana
seria aperfeiçoada, chegando à moralidade e assim a uma “felicidade da espécie
humana”. Diante desses dizeres, estabeleço aqui, uma relação com o provérbio
descrito anteriormente. Desta forma, compreendo que é essencial para o homem a
disciplina, a educação.
Relaciono os dizeres de Kant (1999) no que diz respeito à formação do homem,
também com o pensamento de Platão, por colocarem em evidência a disciplina e a
autoridade. Platão em seu programa educacional exigia, para tanto, uma disciplina com
a finalidade de um homem corajoso, empregado de virtudes. Em Kant (1999) não
percebi algo que distanciasse a disciplina e autoridade de Platão, apenas autores em
séculos diferentes, mas tendo a disciplina e o reconhecimento da autoridade como um
dos pilares na formação, visando um homem moralizado.
Kant (1999) e Platão dialogaram quanto às disposições naturais
4
que há no
homem, e que na medida em que se educa, o discípulo trará não somente resposta para
aquele que o instrui em suas atividades, mas para si mesmo no processo de virtude,
pois essas disposições naturais nasceram com ele, isto é, lhe são inatas. Quanto às
disposições naturais: “A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a
pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à
humanidade.” (KANT, 1999, p.12). E ainda:
“Há muitos germes na humanidade e toca a nós desenvolver em
proporção adequada as disposições naturais e desenvolver a
humanidade a partir de seus germes e fazer com que o homem atinja
a sua destinação. Os animais cumprem o seu destino
espontaneamente e sem o saber. O homem, pelo contrário, é
obrigado a tentar conseguir o seu fim” (KANT, 1999, p. 18).
Neste processo, a educação tem o papel de formar moralmente o homem no
desenvolvimento das suas faculdades, com o ideal de racionalidade e justiça, como
também no processo de restrição dessa mesma liberdade (leis instituídas, saberes de
uma cultura), visando o homem virtuoso, sem vícios, praticante da verdade, através da
educação racional. (SILVA E PAGANI, 2007).
Assim, o paradoxo entre a Educação como livre desenvolvimento
das faculdades naturais e a Educação como um processo de restrição
4
Essas “disposições naturais” a que Kant (1999) se refere é a natureza latente no homem, sejam
seus vícios e suas virtudes.
dessa mesma liberdade parece se desfazer na obra de Platão, na
medida em que postula uma restrição imediata da liberdade, tendo
em vista o seu verdadeiro conceito de sumo Bem, a ser realizados
plenamente somente na cidade justa. (SILVA E PAGANI, 2007, p.
57).
Para uma cidade justa necessita-se de educação e Kant (1999) considera duas
coisas dificílimas: a arte de governar os homens e a de educá-los. O que para ele,
“educar é uma arte” (p.19). É de tão difícil tarefa que é a através da educação que o
homem poderia chegar à maturidade, ou seja, a moralidade (p.32). Não podemos
pensar que esta formação deva ser dada somente de forma mecânica, como algo
puramente técnico, mas uma educação que instrua, eduque, forme de tal maneira, que
de menino se torne homem. E o homem torna-se verdadeiramente homem se não for
um selvagem:
O homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela
educação. Ele é aquilo que a educação faz dele. Note-se que ele só
pode receber tal educação de outros homens, os quais a receberam
igualmente de outros [...] A origem da arte da educação, assim
como o seu progresso, é: ou mecânica, ordenada sem plano
conforme as circunstâncias, ou raciocinada. A arte da educação não
é mecânica senão em certas oportunidades, em que aprendemos por
experiência se uma coisa é prejudicial ou útil ao homem. Toda arte
deste tipo, a qual fosse puramente mecânica, conteria muitos erros e
lacunas, pois que não obedeceria a plano algum. A arte da educação
ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve
desenvolver a natureza humana de tal modo que esta possa atingir o
seu destino (KANT, 1999, p. 15 e 21).
Platão também acreditou que seria através da educação a possibilidade de haver
uma sociedade com homens justos, filósofos, capazes de governar e educar a
sociedade – a polis. Visando um Estado justo, criou seu programa, com o fim de
chegar a uma moralidade através de uma educação racional, cujo desenvolvimento da
virtude e da coragem, formaria um homem virtuoso.
Além da disciplina, da temperança e da coragem desenvolvidas até
esse momento, os conteúdos ensinados aos jovens exigiriam que
aspirassem ao raciocínio necessário ao conhecimento dos objetivos
abstratos e, conseqüentemente, almejassem a elaboração de
teoremas capazes de os aproximar cada vez mais dos princípios
racionais, das formas lógicas do pensar e, finalmente, das idéias
contempladas pelo pensamento reflexivo. (SILVA & PAGANI,
2007, p. 54)
É importante lembrar que a criança não tendo razão para julgar certas coisas,
deve obedecer cegamente ao preceptor, mesmo que não entenda. Esta simplesmente
faz por obediência e disciplina (KANT, 1999). A disciplina, portanto, é o princípio de
uma boa educação, que “transforma a animalidade em humanidade” (KANT, 1999,
p.11). A disciplina impede o homem de desviar-se do caminho, e ainda que se arrisque
a caminhar, por um momento em caminhos que não lhe é direito, e então, saberá onde
é o lugar por suas inclinações a virtude. O homem bem instruído não cairá em
selvageria 5 .
A disciplina é o que impede ao homem de desviar-se do seu destino,
de desviar-se da humanidade, através de suas inclinações animais.
Ela deve, por exemplo, contê-lo, de modo que não se lance ao
perigo como um animal feroz, ou estúpido. A disciplina, porém, é
puramente negativa 6 , porque é o tratamento através do qual de tira o
homem a sua selvageria; (KANT, 1999, p. 12)
A vontade do homem, frente a sua liberdade, instiga e suscita nele inúmeros
desejos quer para o bem, quer para o mal. Mas o que Kant (1999) nos apresenta é que
o homem pode ser escravo de sua liberdade caso queira viver desregrado, sem limites,
sem deveres.
Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins;
convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os
bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por
todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.
(KANT, 199, p.26)
Nossas tendências animalescas de independência 7 nos levam a um caminho de
estupidez, não tendo, nem aceitando qualquer tipo de instrução, sendo então, escravo
de sua liberdade. Por isso logo cedo as crianças devem conhecer e reconhecer a uma
autoridade num caminho de disciplina, sendo instruídas à obediência e não aos seus
caprichos (KANT, 1999, p. 13).
Quando se deixou o homem seguir plenamente a sua vontade
durante toda a juventude e não se lhe resistiu em nada, ele conserva
certa selvageria por toda a vida [...] O homem tem necessidade de
5
“Selvageria consiste na independência de qualquer lei” (KANT, 1999, p. 13)
“[...] sempre diz respeito à privação de alguma coisa, e indica necessariamente o que não se
deve fazer.” (OLIVEIRA, 2008, p. 4831)
7
“[...] segundo Hufnagel, Kant quer significar uma determinação de orientação ou um conjunto
dimensional de possibilidades, como as animalescas e as racional-humano-morais.” (Hufnagel, 1988, p.
47-48, apud, Dalbosco, 2004).
6
cuidados e de formação. A formação compreende a disciplina e a
instrução. (KANT, 1999, p.14)
Com efeito, a autoridade, oriunda do preceptor, do professor, é a “ponte”: o
caminho que levará o homem a se tornar, não somente pelos seus ensinamentos, mas
pelas suas disposições naturais e assim, um homem moralizado, isto é, apto de
virtudes. O preceptor deve ser uma “ponte” firme e ainda ter brechas que permitam o
discípulo a experimentar sua liberdade demasiadamente como sentir o cheiro suave de
uma vasta flora. Portanto, é de suma importância que o discípulo seja disciplinado,
contudo deve gozar de uma liberdade. Não deve se sentir “preso” ao preceptor, mas
saber que nele existe sabedoria para instruí-lo. Contudo, esta liberdade seria o
conhecer a si e tudo o que lhe rodeia, sem as interferências e julgamentos do preceptor.
Para isso, o preceptor deve ser um mestre, com a bagagem de uma boa educação, apto
de virtudes, pois caso contrário não poderá instruir homem algum no caminho da
verdade: a educação.
De que modo, porém, cultivar a liberdade? É preciso habituar o
educando a suportar que a sua liberdade seja submetida ao
constrangimento de outrem e que, ao mesmo tempo, dirija
corretamente a sua liberdade. Sem essa condição, não haverá nele
senão algo mecânico; e o homem, terminada a sua educação. Não
saberá usar sua liberdade. É necessário que ele sinta logo a
inevitável resistência da sociedade, para que aprenda a conhecer o
quanto é difícil bastar-se a si mesmo, tolerar as privações e adquirir
o que é necessário para tornar-se independente [...] É preciso dar
liberdade à criança desde a primeira infância e em todos os seus
movimentos (salvo quando pode fazer mal a si mesma, como, por
exemplo, se pega uma faca afiada), com a condição de não impedir
a liberdade dos outros a sua alegria alto demais, incomodando os
outros. (KANT, 1999, p. 33)
Sabendo a realidade do século presente totalmente avessa a estas questões,
assim, utilizo-me do pensamento de Arendt (1996) diante desse problema, na qual, diz
que a perda de autoridade não está somente na escola e sim na família.
O núcleo familiar passa a desestruturar-se, a partir do século XVII, mais
especificamente no século XVIII, quando as mulheres vão para as fábricas e também
há uma crescente exploração da mão-de-obra infantil nas altas produções. O homem,
pai de família trabalha, a sua esposa trabalha e seus filhos trabalham. O núcleo então,
concentrado na tarefa da mulher/mãe cuidar dos filhos com uma maior qualidade e
tempo, diminui de forma expressiva devido a Revolução Industrial, ou seja, o
progresso do capitalismo (ARIÈS, 1981 apud PINTO, 1997, p.34-35).
Na Idade Média e no início dos tempos modernos, os filhos eram,
evidentemente, cuidados e protegidos por seus pais, no seio de uma
organização familiar. Mas a existência de família não implicava um
sentimento de família que unisse emocionalmente seus membros em
núcleo isolados, o que iria se desenvolver latentemente a partir do
século XVII, em torno do sentimento de infância [...] A família
moderna, que se estabeleceu na burguesia a partir do século XVIII,
veio instalar a intimidade, a vida privada, o sentimento de união
entre o casal e entre pais e filhos. Sua consolidação aconteceu
graças à destruição das formas comunitárias tradicionais,
reorganizando-se em função das necessidades da ordem capitalista
(MIRANDA, 1985, p.126, grifo meu.)
Essas medidas de trabalho crescem até nossos dias e o núcleo familiar
desestrutura-se quando as referências – o pai e a mãe – já não estão tão próximas
devido às inúmeras necessidades sociais marcadas desde o século XVIII.
Os pais já não tem mais o “controle” da vida de seus filhos, não sabem o que
fizeram durante o dia e como fizeram, deixando-os diante de uma certa liberdade, o
que sem a autoridade principal na vida de uma criança, pode levá-la a independência
imatura e assim facilmente a rebeldia. Ou seja, a falta de tempo e presença dos pais no
seio familiar faz com que o tempo de disciplina e correção seja meras palavras de
negação a criança, como o castigo, por exemplo: “Já que você fez isso, não brincará na
rua hoje!”. As tarefas sociais excessivas que as famílias enfrentam é um dos fatores da
perda de autoridade. Não havendo disciplina para os erros as crianças são moldadas
pela escola, pela sociedade não podendo julgar os valores que nela estão pela pouca
idade.
De modo geral, na atualidade, uma das dificuldades que tanto pais quanto
professores tem, de modo geral, é a falta de limites. Esse crescente tem fragilizado a
disciplina e a autoridade.
Ao falar de autoridade, Hannah Arendt (1996) vê tal tema em crise na
atualidade. Isso, para a autora, ocorre por uma série de razões, tais como as perdas de
referências – o velho não servindo para o novo e nem o novo para o velho, isto é, há
uma perda da tradição, de costumes, de valores. “Há sólidas razões para isso. A crise
da autoridade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou
seja, com a crise de nossa atitude face ao âmbito do passado.” (ARENDT, 1996,
p.243).
Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela como
juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas
não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade
e da oportunidade por ela proporcionada a reflexão. (ARENDT,
1996, p.223)
Ao realizar esta conexão entre os autores (Arendt e Kant), podemos observar
alguns pontos para se pensar a formação do homem. A disciplina e a correção são,
prioritariamente, necessárias para que na adultez, o homem não sofra por ter buscado
exclusivamente suas vontades, mas que cheguem à moralidade. Assim, chegar-se-á a
uma sociedade justa, moralizada, posta para o bem, onde o homem tomará decisões
que não cabe somente a si, mas sim ao bem de todos, da própria polis (SILVA &
PAGANI, 2007).
O exercer a autoridade não pode depender das mudanças históricas e das
condições políticas (ARENDT, 1996, p. 240-241), pois, devemos ter em nós um
alicerce, cuja base é a disciplina baseada na autoridade. Ou seja, as crianças não
chegarão a lugar algum apenas por elas mesmas. A tradição, assim, é posta como
fundamental nessa questão.
A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato de que,
a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novo
conservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e de
atitude conservadora sem o qual a educação simplesmente não é
possível, se torna, em nossos dias, extraordinariamente difícil de
atingir. (ARENDT, 1996, p.243)
Como falar em autoridade na atualidade, onde já se perderam as referências,
sendo que os que perseveram para uma educação verdadeira não são e não tem espaço
na sociedade? Tem-se formado reprodutores de uma cultura “sem tradição”? É uma
questão pertinente diante da reflexão a cerca da formação.
Precisamos entender que a escola 8 não é um lugar recreativo 9 , muito menos
autoritário 10 , mas deveria ser o lugar onde se pensa a formação do homem moral,
onde, através da educação formaremos a sociedade virtuosa e não vulgar.
A escola tem sido o local de reprodução desses valores, onde não se tem “a boa
medida” para a formação, a educação. A escola tem sido a essência da perda de
tradição, e da reprodução da vulgarização dos valores. Não afirmo que a escola poderia
ser diferente, mas sei que a educação faria toda a diferença. E se na escola não temos
isso, o que estamos formando?
Isso significa, entretanto, que não apenas professores e educadores,
porém todos nós, na medida em que vivemos em um mundo junto à
nossas crianças e aos jovens, devemos ter em relação a eles uma
atitude radicalmente diversa da que guardamos um para o outro.
Cumpre divorciarmos decisivamente o âmbito da educação dos
demais, e acima de tudo do âmbito da vida pública e política, para
aplicar exclusivamente a ele um conceito de autoridade e uma
atitude face ao passado que lhe são apropriados mas não possuem
validade geral, não devendo reclamar uma aplicação generalizada
no mundo dos adultos. (ARENDT, 1996, p. 246)
Em Arendt (1996), a existência do amor às crianças, isto é a sociedade, gerando
tal preocupação devido a perda de tradições que seriam, se não as tivessem abafados
em algum espaço, pilares de uma outra sociedade, não sem erros, mas diferente do que
hoje é. E talvez esses escritos da autora fossem diferentes. Não os quero que sejam
diferentes, mas que vivendo neste presente século, nós, sejamos diferentes, e assim
preocupados defronte ao novo mundo. Por isso é necessário resgatar o velho, pois, este
faz parte do novo. Com efeito, a autoridade e a disciplina fazem parte do novo! É
necessário resgatar valores que não se perderam no tempo, ao contrário, foram
escondidos. Assim:
O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por
sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da
tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que
não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido
coeso pela tradição. (ARENDT, 1996, p.245-246)
8
Aqui relaciono o processo de formação com a instituição escola, mas sabendo, que não é
apenas neste meio que se dá a formação do homem, por a sociedade em suas múltiplas formas e culturas
educam e formam o homem.
9
Recreativo no sentindo de libertinagem, sabendo que a criança deve gozar da sua infância em
inúmeras formas de brincar.
10
Aquele que exerce o poder negativamente, isto é, egoisticamente.
As crianças não escolhem “gritar por socorro” quando se trata de viver esta
realidade. Caminham sem entender os motivos reais e por isso, educar e formar as
crianças excede ao sentimento afetivo. É um compromisso! Por este caminho, deve-se
ter como amiga - a ponte anteriormente descrita – a autoridade, que deve vir
juntamente com o cuidado, a sabedoria e a responsabilidade perante o Estado/
sociedade.
A educação é condição em que se decide amar o mundo e as crianças que nele
estão lhes dando os devidos cuidados e formação em nome do mundo transformado em
novo mundo. Contudo há uma esperança singular quanto a formação do homem
através da educação, seja na escola, seja no campo, seja brincando.
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal
gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e
a vinda dos novos jovens. A educação é, também, onde decidimos
se amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las de
nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco
arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa
nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com
antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.
(ARENDT, 1996, p. 247)
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Perspectiva – 3ª Edição, 1996
BÍBLIA SAGRADA. Provérbios 22:6. Editora: Almeida Revisada e Imprensa
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302004000400012.
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LANE, S.T.M., CODO, W. (orgs.). MIRANDA, M. G. de, O processo de
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PINTO, M. E SARMENTO, M.J. (orgs.). PINTO, M. A infância como construção
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Recortes do Pensamento Filosófico Antigo, Capítulo 1. In: Introdução à Filosofia da
Educação. São Paulo – Indianápolis: Ed. Avercamp, 2007.
i
Vanessa Xavier Caldas . Graduanda do curso de Pedagogia, na Universidade Federal de Santa Catarina
e integrante do Grupo de Pesquisa: Educação do Campo: Políticas e Práticas, nesta mesma universidade,
desde 2009. [email protected].
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Na atualidade, uma das dificuldades que tanto pais, quanto