Valores: a base de uma liderança
S
V
E
O
AL R :
A BASE DE UMA LIDERANÇA
ÍNTEGRA E QUE INTEGRA
O líder precisa ter foco no resultado e no relacionamento,
ou seja, precisa contar com pessoas que queiram fazer o
trabalho, sintam-se parte da empresa e tenham um propósito.
s
abemos que um dos gran
des desafios de todos os
tempos é liderar pessoas
para que alcancem objetivos comuns, dentro de prazos
previstos e em condições específicas. Muito se tem falado e escrito
sobre o tema e a grande dificuldade
é que, atualmente, a necessidade
de rapidez nas ações exige ajustes
precisos entre líderes e liderados.
Não há tempo para discussões in-
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termináveis e nem é possível que
uma pessoa centralize todas as
decisões. Para isso, o líder precisa
ter foco no resultado e no relacionamento, ou seja, precisa contar
com pessoas que queiram fazer o
trabalho, sintam-se parte da empresa e tenham um propósito.
Assim, cada vez mais é necessário
que a gestão ocorra a partir de prin-
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cípios e valores que sejam comuns
entre líderes e liderados. No entanto,
percebo que nem sempre esses valores
são definidos, e, quando são, a forma
utilizada para sua implementação dificulta a compreensão e vivência. Observo que em muitas empresas acabam
sendo mais um dos modismos que não
passam de palavras escritas em um quadro, fixado em uma parede, por vezes
esquecido pelos próprios líderes. î
Fátima Motta
}Os fracos nunca
podem perdoar.~
s Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como
“Mahatma” (grande alma) Gandhi, liderou mais de 250 milhões de
hindus por seus direitos como cidadãos, através da não-violência.
janeiro / fevereiro de
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© Bettmann/CORBIS
Mahatma Gandhi
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O que se encontra são valores que
não têm significado e geram falta
de credibilidade e de confiança em
relação às reais intenções da liderança. Muitas vezes, isso acontece
porque os valores são definidos pela
matriz da empresa, fora do Brasil,
sem a participação da liderança
local, portanto, sem o real comprometimento das pessoas que, efetivamente, vão viver esses valores.
Outro motivo para isso é a definição
proforma desses valores feita pelos
profissionais da empresa, que desempenham, em um workshop ou
em uma reunião, um papel distante
do que realmente acreditam, posicionando-se de forma superficial,
apenas para manter uma imagem,
falando sobre valores que não praticam e que não estão predispostos
a vivenciar. A consequência dessas
posturas são valores sem força, sem
vida, sem aplicação.
Percebo, então, que há vários cuidados a serem tomados para que
a liderança, com base em valores,
seja realmente possível. Em primeiro
lugar, há a necessidade de se entender o significado e a importância da
existência e observação dos valores
por todos os profissionais que trabalham na empresa. Em segundo,
a forma utilizada para a definição
desses valores deve garantir sua
efetividade e aceitação por parte de
todos os profissionais. Em terceiro,
a postura dos líderes deve garantir a
que esses valores sejam vividos; portanto, precisam ser utilizados como
critérios de recrutamento, seleção e
avaliação de profissionais e também
como guias para qualquer tomada
de decisão ou de ações.
Passemos, então, a analisar cada um
desses três aspectos.
1
ENTENDENDO O
SIGNIFICADO E A
IMPORTÂNCIA DOS
VALORES
Valor é aquilo que consideramos importante, são as nossas verdades profundas.
Para o antropólogo Clyde Kluckhohn,
no livro Um Espelho para o Homem,
valor é “uma concepção do desejável
explícita e implícita, característica de
um indivíduo ou grupo, e que influencia a seleção dos modos, meios e fins
da ação”. Ou seja, são os valores que
orientam as nossas ações e existem,
consciente ou inconscientemente.
Da mesma forma, nas empresas os valores também estão presentes. A questão é que nem sempre são explícitos,
gerando margem para que cada profis-
VALOR é }uma concepção do desejável
explícita e implícita, característica de um
indivíduo ou grupo, e que influencia a
seleção dos modos, meios e fins da ação~.
Clyde Kluckhohn
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sional atue com base nos valores que
tiver ou que lhe for mais conveniente.
Sem definir valores, objetivos e metas
estratégicas podem ser alcançados
de diversas formas. Exemplificando,
o objetivo de aumentar o volume de
vendas pode ser realizado com a cooperação entre todos os vendedores se
cooperação for um dos valores da empresa ou com competição entre eles,
se o valor praticado for a competição.
Um problema com um fornecedor
pode ser resolvido com respeito ou
com agressividade, o desligamento de
um profissional pode ser feito com arrogância ou com humildade. E assim,
os mais diferentes posicionamentos
da liderança ocorrem a partir de valores declarados ou não, ou seja, toda
ação tem como base um conjunto de
valores, sejam conscientes ou não,
explícitos ou não.
Então, quando cada líder atua de
acordo com um diferente conjunto de
valores, os liderados também assim o
fazem, o que multiplica a possibilidade de conflitos e posicionamentos
que diferem entre si, dificultando a
sustentabildade da gestão. Na medida em que os valores praticados pela
liderança são os mesmos e estabelecem diretrizes compartilhadas por
todos os colaboradores haverá maior
coerência nas decisões e ações, menor necessidade de centralização e
uma melhora no ambiente, uma vez
que haverá clareza e uniformidade
nos posicionamentos.
No entanto, esse não é um processo
fácil de ser estabelecido, porque as
pessoas são diferentes, pensam e sentem de forma específica. Há empresas
onde convivem baby-boomers (os
nascidos entre 1945 e 1964), o pessoal
Fátima Motta
tabela 1 - gERAÇÕES
Geração
Baby Boomers
Principais ideais
Reconstruir o mundo
Geração
X
Lutar pela paz,
liberdade, anarquismo
Geração
Y
Globalização,
autogestão
l
O Trabalho é...
A principal razão da vida
O que paga as contas
Satisfação do
desejo de consumismo
l
l
Não é tudo na vida
l
Média de tempo
nas empresas
30 a 40 anos
10 a 15 anos
3 anos
l
Carreira
da geração X (nascidos entre 19651977) e da geração Y (nascidos a partir
de 1978). Sabemos que as diferenças
entre eles são significativas. O quadro
acima mostra algumas das diferenças
entre essas gerações: (ver tabela 1).
Então, além das diferentes gerações, há diferenças culturais,
de gênero e socioeconômicas,
residindo, aí, a grande dificuldade de conseguir que as pessoas
com visões diferentes do mundo
trabalhem juntas. No entanto, o
que pode uni-las são os valores
pelos quais direcionam suas vidas.
Como explica Stephen Covey, “ao
lidar com veteranos, ou baby-boomers, ou pessoal das gerações X e
Estabilidade,
lealdade
l
Autoconfiança,
independência
l
Y – que têm diferentes sistemas de
valores e veem a vida sob óticas
diversas -, só há uma coisa que os
pode unir: princípios atemporais,
universais, que possam ser a base
para a formulação de uma visão e
um sistema de valores comuns1.”
Assim, independentemente das diferenças existentes, os colaboradores precisam ser orientados quanto
à importância do alinhamento dos
valores, por facilitar e tornar mais
rápido qualquer processo, além de
favorecer maior vínculo e sentimento de pertencer a um lugar onde
se sabe o que é possível esperar e
obter. Para tanto, os valores devem
ser utilizados como um dos critérios
l
Realização
Ter vários trabalhos
simultâneos
l
de seleção, pois, muitas vezes, é
mais fácil qualificar tecnicamente
um profissional do que estimular a
mudança de valores já arraigados.
Por vezes, a admissão dos colaboradores é baseada em critérios de
conhecimento, formação escolar,
experiência empresarial anterior,
mas não se presta atenção aos valores e, frequentemente, as atitudes
e comportamentos derivados da
inadequação dos valores são os
causadores da ruptura de vínculos
entre o profissional e a empresa.
Certa vez fui chamada para auxiliar
a liderança de uma empresa, onde o
conflito fora instalado pela presença
de um diretor, cujos valores eram î
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Os valores são também um dos norteadores dos feedbacks e das avaliações.
Quando assim utilizados possibilitam
que haja um constante realinhamento
de expectativas, assim como uma
orientação clara do desempenho.
Esse aspecto nos leva a considerar a importância da definição clara dos valores,
a partir de um processo que envolva e
comprometa líderes e liderados.
Mas, então, qual o processo para a
identificação dos valores?
2
IDENTIFICANDO
OS VALORES
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O processo é feito de forma que a
liderança se posicione em relação
ao que é percebido como valores
comuns, discuta a coerência desses
valores com a missão e visão da empresa e se posicione perante a prontidão pessoal para vivenciá-los ou
não. Percebo que nem sempre esses
valores são compartilhados em um
primeiro momento por todos, mas
podem ser ressignificados, desde
s
Os valores de uma empresa são identificados coletivamente, a partir da
realidade vivida pela liderança e pelos
liderados, observada a partir da missão
e visão da empresa. Entendendo-se que
missão é a finalidade, o significado da
existência da empresa, e a visão, a forma como quer ser reconhecida no mercado, dentro de um período específico
de tempo. Os valores, nesse contexto,
caracterizam-se pela forma, por meio
da qual a missão e visão são vividas no
cotidiano da empresa. Coordeno com
frequência trabalhos onde a missão,
visão e valores são profundamente discutidos, inicialmente com a liderança e
depois com toda a empresa, de forma
bastante intensa, chegando-se a definir
os comportamentos que refletem cada
um dos valores e a forma como serão
disseminados pela empresa. Um cuidado que percebo ser importante é o
de não registrar o desejável e deixar de
lado o realizável. Ou seja, frases bonitas e sem sentido não servem para
nada. Uma coisa é o que se quer ser
e outra é o que é possível ser. Valores
complexos e sem sentido também
de nada servem. Simplicidade e
realidade devem pautar essa identificação de valores e a profundidade
da discussão não deve ficar presa às
palavras de efeito, mas sim, ao que
faz sentido aos profissionais que se
sentem conectados à missão a que a
empresa se propõe.
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que se entenda sua importância
para o alcance dos objetivos. Por
outro lado, alguns profissionais podem sentir que não estão na empresa certa, pela distância entre seus
valores pessoais e os da empresa e
prefiram fazer sua vida profissional
de outra forma, em outro lugar, o
que é salutar para a empresa e para
o colaborador, uma vez que é muito
difícil gerar resultados sustentáveis
havendo distorções nos valores.
Definidos os valores no nível da
liderança, são discutidos e compartilhados com os demais colaboradores, em um processo em que ajustes
e modificações poderão ser feitos,
acrescentando, eliminando, ou alterando valores. A partir daí define-se,
com toda a equipe, mecanismos e
ações para que os valores sejam observados, vivenciados e sustentados
no dia-a-dia. Essa fase do processo
é muito importante, porque é a que
garante que os valores não se percam. Qualquer ação definida deve
ter apoio e participação efetiva
da liderança, bem como suporte
para que sustentem os valores no
decorrer dos anos. Portanto, de
tempos em tempos, esses valores
precisam ser avaliados, discutidos
e repensados, bem como as ações
que os mantêm vivos.
Muitas vezes, isso acontece porque
os valores são definidos pela matriz da
empresa, fora do Brasil, sem a participação
da liderança local, portanto, sem o real
comprometimento das pessoas que, efetivamente, vão viver esses valores.
Divulgação
completamente diferentes dos da presidência e dos outros diretores. Assim,
ele causava problemas constantes em
todas as reuniões e começou a dividir
a empresa em feudos, uma vez que
sua gestão tinha como valor o conflito
e a presidência tinha como valores a
gentileza e a educação nos diversos
relacionamentos estabelecidos. No
final, após vários meses de problemas
consecutivos, a solução foi a demissão
desse profissional, o que foi muito
desgastante, pelo custo emocional de
todos os envolvidos.
Santiago Arce
s
Não adianta assumir um
valor como transparência,
por exemplo, e não deixar
claro os critérios utilizados
para a transferência e
promoção de pessoas, ou
definir um valor que
seja vivido com o
público externo
e não com o
público interno.
Fátima Motta
A boca da verdade
é uma espécie de
oráculo que
narra o caráter
verdadeiro de
quem a consulta.
3
O PAPEL DA
LIDERANÇA NA
SUSTENTAÇÃO
DOS VALORES
É para os líderes o primeiro olhar que
os colaboradores direcionam, com o
objetivo de validar a existência real de
um valor declarado. Sendo assim, cabe
à liderança viver cada valor de forma
bastante clara e precisa e se questionar
em relação à coerência existente entre
os valores declarados pela empresa e
os que pautam sua vida. Nem sempre
os valores do líder e da empresa são
exatamente iguais, mas o importante é
que haja consonância entre eles. Por
exemplo: um dos valores do líder pode
ser espiritualidade e a empresa não
tem esse valor declarado, mas vive o
respeito (com os colaboradores, fornecedores, ambiente, clientes etc.),
valor que está em consonância com
a espiritualidade.
Não adianta assumir um valor como
transparência, por exemplo, e não
deixar claro os critérios utilizados para
a transferência e promoção de pessoas,
ou definir um valor que seja vivido
com o público externo e não com o
público interno. Assim como de nada
vale relacionar a verdade como um
dos valores, se muitas informações são
deturpadas ou guardadas como forma
de poder. Sendo assim, cada valor
precisa ser vivido, principalmente pela
liderança, em cada ação e em cada
decisão tomada. Falar sobre os valores
em encontros formais ou informais
ajuda na sua assimilação, assim como
na compreensão das ações da liderança
e no reconhecimento dos padrões que
determinam as escolhas relativas às
mais variadas decisões.
Mais do que falar, cabe aos líderes agir
em conformidade com os valores. Se o
cuidado com o ambiente é um valor,
observado pela limpeza existente, por
exemplo, quando um líder se abaixa
para pegar um papel do chão, mostra
que não só o reconhece, mas o vive.
Quando há fofoca no departamento e
existe o valor do bom relacionamento,
o líder não pode ficar conivente com o
fato de pessoas falarem mal umas das
outras. Pelo contrário, se bom relacionamento é um valor, precisa chamar as
pessoas e atuar no seu papel de líder
para que esse problema termine. Assim,
em todos os feedbacks, orientações e
reorientações, avaliações, conversas
formais e informais, os valores devem
estar presentes, tanto na fala dos líderes,
como nas suas ações.
Então, observo que viver a partir de valores traz benefícios à empresa, ao líder e
aos profissionais, que passam, realmente,
a entender a importância de reconhecer
quais são as bases que lhes sustentam nas
diversas situações da vida.
Dessa forma, liderar torna-se um exercício até certo ponto mais fácil, porque,
independentemente das pessoas e suas
diferenças, os valores que pautam as
decisões e as ações são os mesmos e,
sendo claros e compartilhados, menor é
a necessidade de justificar a natureza do
que é feito e das decisões tomadas.
Cabe, então, finalizar este artigo, lembrando que gerir com base em valores
não é uma nova teoria, mas sim um
resgate da humanidade e da essência
de cada profissional, o que é um
desfio para cada ser que ainda se
ESPM
considera humano.
nota
1. COVEY, Stephen. O 8o Hábito.
Fátima Motta
Professora de Fator Humano, Gestão de
Pessoas, Liderança com foco em resultados, Times de Alta Performance, Líder
Coach, nos Programas de Pós-Graduação e MBA e nos cursos de férias. Sóciadiretora da F&M Consultores.
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