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I IIIII
MPPE
N° DOCUMENTO:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
Procuradoria Geral de Justiça
6a Procuradoria de Justiça Cível
s 39
N° Auto:
3.35'-G/20'çg
CURSO NECESSÁRIO CÍVEL N° 003135 8
CORRENTE. 0 JUIZO DA COMARCA DE MACA RAN
ITA E:
COMPANHIA
PERNAMBUCANA-EAMENCOMPESA
ORRIDAS: COMPESA E A _JUSTIÇA PÚBLICA
kAT 12-:- JOSÉ ANTONIO MAGEDOIWALTA
PARECE
Recorre de oficio, por força do duplo grau de jurisdição, o
Juízo da Comarca de Macaparana da decisão de fls. 115/129, por ele
proferida nos autos da Ação Civil Pública n° 5127/95, movida pelo
Ministério - Público de Pernambuco, através do representante legal com
exercício em Macaparana, contra a Companhia Pernambucana de
Saneamento - COMPESA, pela qual julgou procedente a ação, para
"CONDENAR A COMPANHÍA PERNAMBUCANA DE
SANEAMENTO - COMPESA na obrigação de fazer, consistente em
adequar o fornecimento d'água às determinações no relatório da
FUSAM-DEVISA fornecendo à população de Macaparana - PE., um
líquido límpido, potável e sem bactérias sob pena de multa diária que
estabeleço no valor de 5000 UFEP'S a ser recolhida ao Fundo de gue
trata o art. 13 c/c o art. 12 § 2°, da Lei n° 7.347/85, assim como, a
INTERDIÇÃO DO ABASTECIMENTO, EM CASO DE
DESCUMPRIMENTO, MANTENDO, "in totum", o inteiro conteúdo
da liminar anteriormente concedida, tornando-a definitiva".
Inconformada, recorreu voluntariamente a COMPESA (v.
fls. 138/14, alegando, resumidamente, não ser lícito ao Magistrado
conhecer diretamente do pedido, quando foi requerida produção de prova
em audiência, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
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Embora preclusa a matéria, determinou o Magistrado, após
a sentença, audiência de conciliação (v. fls. 151), com o que concordou o
Ministério Público, requerendo realização de perícia para comprovação do
cumprimento da sentença (v. fls. 152/152v.).
Realizada a audiência (v. fls. 159/159v.), foi determinada a
realização da perícia, no prazo de 45 dias.
Em 18.03.96, o escrivão certificou que decorreu o prazo,
sem cumprimento das determinações legais (v. fls. 160).
A perícia foi anexada em 27 de março de 1996 (v. fls.
161/170).
Às fls. 173/173 v , manifesta-se o Ministério Público, no
sentido de que o laudo pericial materializa o total descumprimento por
parte da COMPESA, da ordem judicial proferida liminarmente e
assegurada definitivamente na sentença, em que foi exigido à ré o
tratamento da água do Município e até o presente não efetuado. Informa
que o laudo pericial se aniquila pelo laudo apresentado pela Secretaria de
Saúde do Estado.
Em resposta à manifestação do `parquet', a COMPESA,
às fls. 177/179, diz ter realizado a perícia, com coletas em sete lugares
diferentes, sendo que apenas duas informaram não atender a água as
especificações estabelecidas nas legislação vigente. E que as providências
para regularização desses dois pontos já estão em andamento, requerendo
a improcedência da ação, em face dos resultados apresentados.
9. O recurso é tempestivo, conforme constatou o próprio
Magistrado, que o recebeu nos efeitos legais, sendo suspensivo tão
somente na parte da decisão que determinou a interdição de todo o
abastecimento d'água de Macaparana (v. fls. 192/193), por entender que,
após a sentença, cumpriu e acabou o seu oficio jurisdicional e tudo o que
fez foi por excesso de zelo.
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Às fls. 194/194 v., o Ministério Público requereu a
execução provisória e às fls. 196/201, contra-arrazoou o recurso de
apelação, demonstrando que a ação civil pública foi ajuizada com base em
provas contundentes e que, convencido o Magistrado, poderia, corno o fez,
antecipar o julgamento da lide. Demonstrou também que a Secretaria de
Saúde do Estado confirmou a má qualidade da água e a relação do fato
com o aumento de diarréias infecciosas no Município, sendo obrigação do
prestador de serviço público, fazê-lo de forma eficiente, adequada e
ininterrupta, pugnando pela manutenção da sentença.
Atendido o pedido do `parquet' de execução provisória
(v. fls. 203).
12. O preparo foi efetuado a tempo. Há, contudo,
irregularidades a serem arguidas. Como bem disse o próprio Magistrado
(v. fls. 192), estabelece o art. 463, inciso I, do CPC que, ao publicar a
sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o oficio jurisdicional, só
podendo alterá-la para lhe corrigir, de oficio ou a requerimento da parte,
inexatidões materiais, ou para lhe retificar erros de cálculo. Ora, no caso
sob reexame necessário, não ocorreram inexatidões materiais nem existem
erros de cálculo a serem retificados, portanto, não poderia jamais o
Magistrado ter determinado, como o fez, audiência de conciliação, após a
sentença publicada. E o que é mais grave, determinar em audiência fosse
realizada perícia, conforme solicitada pela ora apelante. Todos os atos
posteriores à sentença, portanto, são nulos e devem ser tidos como
inexistentes.
Registre-se o que dizem a respeito, os mestres e juristas
Nelson e Rosa Nery:
"Atividade do juiz depois da sentença. Cabe ao juiz, após a
prolação da sentença, apenas verificar os pressupostos de
admissibilidade do eventual recurso contra a mesma
interposto, deixando ao tribunal ad quem a matéria restante,
inclusive quanto a documentos juntados pela parte (RJTJSP
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122/328, rel. Des. Ney Almada), a respeito dos quais é
impossível juízo de oportunidade, sem que se cumpra o
concomitante exame, já agora inacessível ao Mga
dor de
primeiro grau, do próprio mérito do recurso" (1° TACivSP,
MS 522151, rel.Santini Teodoro, j. 15.12.1992) (Código de
Processo Civil Comentado, 2' ed. RT, 1996, pág. 833)
(grifou-se)
O art. 125, inciso IV, por outro lado, invocado pelo ilustre
Magistrado, para legitimar a sua decisão de determinar audiência e perícia,
após a sentença já publicada, apenas lhe dá competência para tentar a
qualquer tempo, conciliar as partes. Só que aqui, não houve conciliação,
tampouco transação, mas produção de provas, após a publicação da
sentença, matéria preclusa e inadmissível nesta fase do processo.
Aliás, não é outra a interpretação dos mestres e juristas
Nelson e Rosa Nery, quando lecionam que a tentativa de conciliação pelo
juiz é obrigatória, podendo e devendo ocorrer a qualquer tempo durante o
curso do processo, podendo ser exercida pelo juiz mais de uma vez,
quantas forem necessárias. E concluem, dizendo: "Não há termo final
para a tentativa de conciliação pelo juiz, pois mesmo depois de proferida
a sentença, sendo vedado ao magistrado alterá-la (CPC 463), as partes
podem chegar à composição amigável de natureza até diversa da que
fora estabelecida na sentença. O término da demanda judicial é sempre
interessante e deve ser buscado sempre que possível" (obra cit., pág.
549).
Logo, todos os atos posteriores à sentença devem ser tidos
como inexistentes, não podendo ser conhecidos por esse Egrégio Tribunal
de Justiça. Contudo, não é motivo para anulação da sentença, porque
posteriores a ela e atos sem qualquer valor para o processo, portanto, em
nada alteram o teor da sentença prolatada, só que apenas ela,
exclusivamente ela, deve ser objeto de reexame. Acrescente-se, aliás, que
o próprio Magistrado reconhece o seu erro, ter acabado a sua jurisdição,
com a sentença e penitenciando-se, rejeita os pedidos posteriores das,
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partes. Logo, ele próprio voltou atrás, desconsiderando os atos posteriores
à sentença (v. fls. 193).
Quanto à alegada impossibilidade de o Magistrado decidir
diretamente a questão, sem produção da prova requerida, não tem qualquer
fundamento a arguição, sendo claro o dispositivo legal do CPC (art. 330,
inciso I), quando afirma que sendo a questão de mérito de direito e de fato,
o juiz poderá conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, se não
houver necessidade de produzir prova em audiência. Só não seria lícito ao
Magistrado conhecer diretamente do pedido, se a presunção em favor do
autor fosse relativa. Mas não foi o caso. Ao contrário: a ação civil pública
baseou-se em farta e contundente produção de provas, trazida aos autos
com inquérito civil e laudo incontestável da Secretaria de Saúde do
Estado, afirmando que a água do Município estava imprópria ao consumo,
por conter coliformes fecais. Além do mais, trata-se de direito indisponível
e de fato incontroverso, não se justificando audiência, se os fatos estavam
provados em documentos, como já decidiu o STJ, 3 a Turma, Resp 1.344RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 4.12.89, tendo, portanto, amparo
legal, não se configurando afronta aos arts. 425 e 331, conforme decisão
do STJ, AG 45539, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 14.12.1993, DJU
8.2.1994, p. 1303.
No mérito, não merece qualquer reparo a decisão ora sob
reexame necessário, por seus judiciosos fundamentos. De fato, a perícia
realizada pela Secretaria de Saúde do Estado, através do Laboratório
Central - Departamento de Bromatologia e Química (v. fls. 26/37) é
conclusiva de que a água está contaminada, em desacordo com as
especificações legais, com a sugestão de aumento do número de diarréias
infecciosas no Município. Em sua contestação, a ora apelante limitou-se a
contestar o laudo pericial, mas em momento algum, demonstrou ser
inveridico ou estar fazendo alguma coisa para modificar a situação. E
mesmo em sua apelação, a preocupação é de ordem financeira e não com a
saúde e segurança da população de Macaparana. Em momento algum,
sente-se a preocupação da apelante em solucionar a questão da saúde
pública, provocada pela contaminação da água, mas tão somente contesta
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e revolta-se com a penalização.
De outra parte, mesmo sabendo-se que a nova perícia
realizada pela Secretaria da Saúde, por perito designado na audiência de
conciliação, após a sentença (v. fls. 162/170) não pode ser sequer
apreciada, por inexistente, se por absurdo fosse considerada, ela própria
detectou problemas com a água com as coletas 371 e 373, explicando
inclusive as razões por que estão ocorrendo e afirmando em sua conclusão
da absoluta necessidade de providências por parte da COMPESA,
inclusive de monitoramento permanente, confirmando a perícia que deu
ensejo à ação civil pública. Além do mais, a perícia trazida à colação pela
apelante, também processualmente inexistente, não podendo ser apreciada
por esse Egrégio Tribunal de Justiça, e aqui apenas referida pelo prazer da
argumentação, foi realizada pelo Laboratório Regional de Carpina e
embora informe pela potabilidade da água, observa-se que em todos os
locais onde foram realizadas as coletas, existem coliformes fecais, que, ao
juízo daquele laboratório estão dentro dos padrões bacteriológicos. O que
se registra, portanto, e como da maior gravidade, é que, em momento
algum, ficou demonstrado que a apelante procurou cumprir o que lhe foi
determinado pela Secretaria da Saúde e pela Justiça.
o
Absurdo o descaso da COMPESA com a saúde pública e
com a Justiça! O que se percebe todo o tempo é a total ausência de
preocupação da apelante em cumprir as ordens legais e judiciais,
procurando se eximir de responsabilidade, sem qualquer empenho real em
solucionar a questão, até porque só quem tem condições de avaliar se a
água de fato foi tratada e está em condições de uso é a Secretaria da Sáude
do Estado, que foi quem realizou o exame inicial e exigiu as providências.
Não fosse tudo isto suficiente, não se pode esquecer que em matéria de
Direito do Consumidor, a responsabilidade é objetiva, portanto, enquanto
não demonstrado de forma cabal e incontestável a solução dos problemas
encontrados com a água, a responsabilidade do infrator subsiste.
Como dito acima, a responsabilidade é objetiva, pela
legislação consumerista, Lei 8078/90, excetuando-se tão somente a
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responsabilidade dos profissionais liberais, não cabendo aqui qualquer
discussão em torno da culpa ou não do réu, exigindo tão somente a prova
da autoria, da materialidade do fato e a respectiva relação de causalidade,
como visto, todos devidamente comprovados. Além do mais, claro o
dispositivo legal:
"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra
forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer
serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos
essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou
parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as
pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os
danos causados, na forma prevista neste Código". (grifouse)
Significa dizer que qualquer serviço público deve ser prestado
de forma adequada, eficiente e segura, isto é, não podem portar vícios de
qualidade (insegurança ou inadequação) ou de quantidade. E quanto aos
serviços essenciais, devem ainda ser prestados com continuidade. Não
cumprindo as obrigações legais básicas, enumeradas no `caput' do art. 22,
o consumidor é legitimado para, em juízo, exigir que sejam "as pessoas
jurídicas prestadoras de serviços públicos compelidas a cumpri-las".
Assim, leciona o jurista Rodolfo de Camargo Mancuso:
"A responsabilidade do Estado, nas relações de consumo,
exsurge especialmente na prestação dos serviços à
população: transportes; atendimento médico-hospitalar;
fornecimento de água, gás, telefone e energia elétrica;
segurança pública; correios etc. É para casos que tais que
se endereça o art. 22 do CDC: "Os órgãos públicos, por si
ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a
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fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto
aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de
descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas
neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a
cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista
neste Código". Quer dizer: se por falha imputável à má
conservação de equipamentos uma usina nuclear deixa
"vazar" elemento radioativo e com isso interrompe o
fornecimento de energia por ela gerado, haverá, a um
tempo, dano ecológico e dano ao consumidor, ambos
imputáveis ao Estado; o mesmo ocorrerá se, por omissão ou
retardamento das providências a seu cargo, o Estado enseja
que uma paralisação dos transportes se alastre e perdure
por tempo indeterminado, impedindo a locomoção dos
cidadãos e, por consequência, inviabilizando a economia:
também aí responderá o Estado por seus atos ou omissões.
Como se vê, o CDC adotou, na responsabilidade civil do
Estado, a teoria do risco administrativo, assim explicitada
por José de Aguiar Dias: "Portanto, dado que um indivíduo
seja lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade
do bem comum, segue-se que os efeitos da lesão, ou os
encargos de sua reparação, devem ser igualmente repartidos
por toda a coletividade, isto é, satisfeitos pelo Estado a fim
de que, por este modo, se restabeleça o equilíbrio da justiça
comutativa: `quod omnes tangit, ab omnibus debet
supportari'. Ou, como diz Antonio Herman de V. e Benjamin,
o CDC estabelece "uma obrigação especial de adequação,
eficiência e segurança para os serviços públicos
independentemente da sua forma de prestação ou do sujeito
que os forneça"; e, corretamente, aduz, "cria-se para o
consumidor um direito à continuidade do serviço" (Manual
do Consumidor em Juízo, ed. Saraiva, 1994, págs. 61/62)
(grifos do autor e nosso)
Da mesma forma o caso presente: se a impotabilidade da água
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é decorrente da má conservação ou da falta de fiscalização por parte da
COMPESA, temos a um só tempo, dano ecológico e dano ao consumidor,
devendo o Estado, através da sua prestadora de serviço público à
população, responder pelos prejuízos daí decorrentes, tratando a água,
para se tornar adequada, eficiente e segura, evitando a interrupção do
fornecimento, que por ser serviço essencial, tem que ser contínuo e
informando à população de todos os riscos pelo consumo da água
imprópria, em função das bactérias nela encontradas. Isto que não fez a
apelante. Não consta nos autos nenhuma comprovação do tratamento da
água, tão pouco informou à população dos riscos de consumo, como lhe
determinou a liminar
E o Código do Consumidor estabelece a responsabilidade
objetiva, independentemente de culpa, na reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. O § 6°
do art. 37 da Constituição Federal, de outra parte, estabeleceu esta mesma
responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito público, pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
a.
"Uma inovação trazida pela atual Constituição - diz
MÁRIO AGUIAR MOURA - é a extensão do mesmo
critério às concessionárias ou permissionárias do serviço
público. Assim, no caso dos serviços concedidos de
transporte, fornecimento de água, eletricidade etc. as
empresas respondem perante terceiro segundo os critérios
da responsabilidade sem culpa nas mesmas condições do
que ocorre com a pessoa jurídica pública" (grifou-se)
Portanto, alegar como fez a apelante que é impossível um
fornecimento de água totalmente pura à população que se utiliza desse tipo
de fornecimento, é um assinte à coletividade e um descaso com a saúde
pública. E ainda que houvesse elementos estranhos influindo para a
impureza da água, ainda assim, a responsabilidade subsistiria. Isto porque
a única exceção prevista no Código de Defesa do Consumidor para a
responsabilidade objetiva, está prevista no art. 14, § 4°, que estabelece que
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a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante
a verificação de culpa. Em todos os demais casos, a responsabilidade é
objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa.
17. Com a entrada em vigor do Código do Consumidor, aos
fornecedores públicos ou privados, bem como a seus empregados ou
prepostos em relação aos produtos ou serviços, compete, entre outros
direitos básicos, a proteção da vida, saúde e segurança dos consumidores,
em função dos produtos colocados no mercado de consumo ou dos
serviços prestados, através da orientação do Estado e dos próprios
fornecedores às pessoas, em relação ao consumo, e de informações claras,
precisas, completas sobre os produtos ou serviços. É direito básico do
consumidor ainda, a qualidade nos serviços públicos prestados e o
direito à indenização pelos danos sofridos.
Assim, nas palavras do advogado e professor de Campinas,
São Paulo, José Antonio Zanon:
...a convivência em uma sociedade civil cada vez mais
esclarecida, que busca mecanismos capazes de assegurar o
ressarcimento do dano, o pressuposto da culpa provada
tornou-se inviável, unia vez que não interessa saber se o
empregador ou o empregado agiram culposarnente, mas
somente se deram causa à produção ou à colocação do
produto no mercado de consumo" (Direitos do Consumidor
e a Responsabilidade dos Fornecedores, Copola Ed., 1996,
pág. 32)
Ora, de outra parte, a saúde e a segurança da pessoa são duas
preocupações do Código de Defesa do Consumidor que podem ser
traduzidas pelo disposto no art. 8° do CDC, na frase: os produtos e
serviços colocados no mercado de consumo não devem acarretar riscos
à saúde ou à segurança dos consumidores. E, em qualquer hipótese,
devem os fornecedores dar as informações necessárias e adequadas a
seu respeito, inclusive, sobre os riscos que apresentem (art. 6°, inciso
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III do CDC). Portanto, corretíssima a decisão: provado de forma
inconteste a existência de coliformes fecais na água de Macaparana, a
sanção não poderia ser outra, além do tratamento adequado da água, a não
ser a divulgação imediata do fato, objetivando a proteção da saúde dos
consumidores daquela água. Não apenas a COMPESA não cumpriu a
determinação legal, como o Magistrado tão somente determinou o
cumprimento do disposto no § 1° do art. 10 do CDC, que impõe como
dever do fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente, à sua
introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade
que apresentem, comunicar o fato imediatamente às autoridades
competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
A questão é que a apelante estava todo o tempo preocupada
tão somente com a sua imagem pública e com os prejuízos financeiros
decorrentes do fato e não com o interesse público relevante, a saúde e
segurança da população do Município de Macaparana.
18. Ainda sobre a responsabilidade objetiva, não é demais
acrescentar algumas palavras de doutrinadores que se preocuparam mais
com a questão ambiental, até porque se aplica indubitavelmente à defesa
dos consumidores e porque água poluída é também questão ambiental, em
seu sentido mais amplo, exigindo-se, apenas, para a comprovação da
responsabilidade objetiva, a prova da autoria, da materialidade do fato e a
respectiva relação de causalidade, temos, como visto, todos devidamente
comprovados.
Sobre a responsabilidade objetiva, discorreu o jurista Édis
Milaré, em trabalho intitulado 'A Ação Civil Pública em Defesa do
Ambiente':
"Nos casos de dano ao meio ambiente, diversamente, a
regra é a responsabilidade objetiva, - ou, nas palavras do
próprio legislador, "independentemente de existência de
culpa", - sob a modalidade do risco integral, q não admite
quaisquer excludentes de responsabilidade.
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Com a Constituição de 1988, a responsabilidade civil
objetiva do poluidor foi constitucionalizada. Segundo esse
sistema, não se aprecia subjetivamente a conduta do
poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao
homem e seu ambiente.
Nesse caso, para que se possa pleitear a reparação do dano
basta que o autor demonstre o nexo causal entre a conduta
do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido. Três,
portanto, os pressupostos para que a responsabilidade
emerja: gl ação ou omissão do réu- bi evento danoso; 1
relação de causalidade.
A responsabilidade civil objetiva funda-se num princípio de
equidade, existente desde o Direito romano: aquele que
lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas
desvantagens dela resultantes. Assume o agente, destarte,
todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, em tese, à
prática inadmissível da socialização do prejuízo e
privatização do lucro. Não mais inibe o dever de reparar
eventuais danos causados a ausência de culpa ou a licitude
da atividade" (Ação Civil Pública, coordenado por Édis
Milaré, ed. RT, 1995, págs. 209/211) (grifou-se)
mais adiante, ao falar sobre a irrelevância da licitude da
atividade, acrescenta:
"Além da prescindibilidade da culpa, uma segunda
consequência da adoção da responsabilidade objetiva soba a
modalidade do risco integral consiste na irrelevância da
licitude da atividade. Ou seja, no Direito brasileiro, ao
contrário do que sucede em outros sistemas (o italiano,
p.ex.), a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é
típica, independe de ofensa a standard legal ou
regulamentar específico, já que não tem o Poder Público, em
nosso caso, "o direito de consentir na agressão à saúde da
população através do controle exercido pelos seus órgãos".
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Na ação civil pública ambiental não se discute,
necessariamente, a legalidade do ato. É a potencialidade de
dano que o ato possa trazer aos bens ambientais que servirá
de fundamento da sentença. As normas administrativas
existentes nada mais significam que um teto, "uma fronteira,
além da qual não é lícito passar. Mas não se exonera o
produtor de verificar por si mesmo se sua atividade é ou não
prejudicial" (obra cit., págs. 211/212) (grifou-se)
Tendo em vista que a apelante tenta responsabilizar ações da
natureza, mesmo não sendo o caso e provado nos autos a inteira e
exclusiva responsabilidade dela, apelante, vale a pena esclarecer que a
responsabilidade objetiva adotada pelo Direito brasileiro em defesa do
Direito do Consumidor, torna irrelevante também o caso fortuito, a força
maior e o fato de terceiro. É o mesmo jurista Édis Milaré quem discorre:
"Ora, verificado o acidente ecológico, seja por falha
humana ou técnica, seja por obra do acaso ou por força da
natureza, deve o empreendedor responder pelos danos
causados, podendo, quando possível, voltar-se contra o
verdadeiro causador, pelo direito de regresso, quando se
tratar de fato de terceiro.
É essa a interpretação que deve ser dada à Lei 6.938/81, que
delimita a Política Nacional do Meio Ambiente, onde o
legislador, claramente, disse menos do que queria dizer, ao
estabelecer a responsabilidade objetiva.
(.)
Se é certo que a poluição jamais chegará a nível zero,
também é certo que os custos sociais dela decorrentes devem
ser suportados por aquele que, diretamente, lucra com a
atividade e que está melhor posicionado para controlá-la: o
próprio poluidor.
Em outras palavras, com a teoria do risco integral ambiental
o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidarista,
contribui - nem sempre de maneira voluntária - com a
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reparação do dano ambiental, mesmo quando presente o
caso fortuito, a força maior ou o fato de terceiro. É o
poluidor assumindo todo o risco que sua atividade acarreta:
o simples fato de existir a atividade somado à existência do
nexo causal entre essa atividade e o dano produz o dever de
reparar" (grifou-se)
É essa também, a interpretação que deve ser dada à Lei n°
8.078/90.
19. A responsabilidade por danos ao meio ambiente e ao
consumidor, de outra parte, além de objetiva, é solidária. E nas palavras
do jurista Édis Milaré, nos termos da lei brasileira, responsável principal
é o "poluidor". Poluidor é a "pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora
de degradação ambiental".
São suas as lições que seguem:
"Embora quem quer que contribua para a degradação do
meio ambiente é civilmente responsável pelos danos daí
decorrentes, não há dúvida que a responsabilidade primeira
- mas não exclusiva - reside com o empreendedor. É ele o
titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente e é a
ele que aproveita, direta e indiretamente, a atividade lesiva.
Havendo mais de um empreendedor, pode a reparação ser
exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis,
segundo as regras da solidariedade. É que, como sustenta
Jorge Alex Nunes Athias, "uma das maiores dificuldades que
se pode ter em ações relativas ao meio ambiente é
exatamente determinar de quem partiu efetivamente a
emissão que provocou o dano ambiental, máxime quando
isso ocorre em grandes complexos industriais onde o
número de empresas em atividade é elevado. Não seria
razoável que, por não se poder estabelecer com precisão a
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qual deles cabe a responsabilização isolada, se permitisse
que o meio ambiente restasse indene". Ao que pagar pela
integralidade do dano caberá ação de regresso contra os
outros co-responsáveis, pela via da responsabilização
subjetiva, e onde se poderá discutir a parcela de
responsabilidade de cada um" (obra cit. págs. 213/214)
(grifou-se)
Não se pode esquecer que a preservação do meio ambiente e
da saúde da população é interesse público relevante, estabelecendo o art.
225, caput, da Constituição Federal, que "Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações", estabelecendo no § 3° que "as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
fisicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados". O mesmo ocorrendo com a
agressão à saúde do consumidor, preocupação constitucional, ao
estabelecer no art. 196 que "A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação, explicitando no art. 197 que cabe ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado".
Pela gravidade da questão, e por tudo que foi exposto acima,
torna-se necessário conscientizar não apenas os profissionais do Direito,
mas sobretudo as pessoas em geral, no sentido de serem empreendidos
todos os esforços e meios disponíveis na defesa da saúde da população.
Ao dano ocorrido e ao risco que representa a água poluída deve
corresponder uma reação efetiva, como no caso, mas não apenas do
Ministério Público e de algumas pessoas mais conscientes, mas
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principalmente dos órgãos públicos encarregados de proteger e
defender a coletividade.
Como bem disse o mestre dos mestres da Ação Civil Pública,
Hugo Nigro Mazzilli,
"É preciso, pois, conscientizar as pessoas, o Ministério
Público e o próprio Poder Judiciário de que existe uni dever
consistente na prática de ato positivo, seja para impedir o
dano ambiental, seja para reparar o dano ocorrido, seja
enfim para concorrer ativamente para a recomposição do
meio ambiente lesado. Não basta apenas omitir-se e deixar
que a natureza faça tudo: o homem leva alguns segundos
para atear o fogo que destrói uma floresta, mas a natureza
levará séculos para recompô-la... e assim mesmo só o faz
quando o homem o permite...
Já vimos sustentando que a luta contra a poluição e contra
todas as formas de agressão à natureza surge como um dos
grandes desafios da civilização. Daí o esforço generalizado
de inserir nas Constituições de todos os países o direito
fundamental do homem a uma condição satisfatória de vida,
em ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade
e bem-estar" (obra cit., págs. 104/105) (grifou-se)
20. Isto posto, e por tudo o mais que consta dos autos,
inclusive as contra-razões do Ministério Público de 1 a Instância, o parecer
desta Procuradoria de Justiça é pelo improvimento do recurso de oficio,
prejudicado o voluntário, mantida, em consequência, a decisão ora sob
reexame necessário, em todos os seus termos e por todos os seus
judiciosos fundamentos de fato e de direito.
04 d- maio de 1997
Rosana Grink rg
6a Procuradora de Justiça
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