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Pº RP 233/2009 SJC-CT -Documento particular autenticado – distinção entre
assinatura do termo, de um lado, e rubrica das respectivas folhas, do outro.
Relevância da omissão de um ou outro dos requisitos consoante a validade da
autenticação se encontre ou não condicionada ao sucesso do depósito electrónico
do documento.
DELIBERAÇÃO
Relatório
1. No dia 0…/08/2009, a advogada Helena…, que ora recorre, cuidou de
requisitar online a favor de Arlindo …o registo de aquisição do prédio descrito na
ficha n.º 2031 da freguesia de …, concelho de…, fornecendo para o efeito o código
de acesso ao documento particular de partilha parcial que ela própria se
encarregara de autenticar e electronicamente depositar em 28/07/2009.
A conservatória da …, à qual o pedido acabaria distribuído sob a ap. 5…
daquela data, após infrutífera tentativa de sanação das deficiências encontradas no
processo de que tanto julgou merecedoras, viria no entanto a recusá-lo.
O problema, segundo se explicitou no pertinente despacho denegatório,
radica na circunstância de as folhas de que se compõe o termo de autenticação não
se encontrarem rubricadas nem pela advogada que o exarou nem pelos sujeitos
intervenientes no documento particular a que o termo vai anexo, sendo porém
certo que, no seu encerramento, o referido termo se mostra por uma e outros
assinado. Ora a omissão daquelas rubricas, defende-se, constitui uma violação do
requisito previsto na al. n) do art. 46.º do CN, que o n.º 1 do art. 151.º do mesmo
diploma manda aplicar à feitura do termo de autenticação. Na verdade, a exigência
legal de que do documento conste a assinatura dos declarantes e demais
intervenientes tem o alcance de demandar que das múltiplas folhas de que
materialmente se componha também conste a rubrica dos mesmos sujeitos (“deve
caber no conceito de assinatura o rubricar das folhas”, escreveu-se). Por
conseguinte, faltando deles as rubricas, faltam deles as assinaturas, o que faz com
que o documento deixe de poder valer como título bastante para a prova legal do
facto registando. 1
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Da consulta electrónica dos documentos depositados, a que procedemos, vê-se: a) que as
folhas que no documento se referem ao negócio de partilha propriamente dito (e que tecnicamente se
desdobrou em duas partes, uma contendo as declarações de vontade e uma outra, que se denominou de
documento complementar, contendo a descrição dos bens partilhados, em moldes decalcados dos que se
acham previstos no art. 64.º do CN) foram rubricadas por todos os outorgantes; b) que as folhas que no
documento são ocupadas pelo termo de autenticação não foram rubricadas nem pelos outorgantes nem
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Citam-se, em apoio do entendimento exposto, além das já referidas normas
do CN, os arts. 69.º/1, b) e 16.º/b), do CRP, e 875.º, do CC.
2. A reacção veio na forma do presente recurso. 2
A recorrente contesta que no conceito de assinatura seja legítimo incluir a
rubrica das folhas que compõem o documento, visto que a única disposição legal
onde tal requisito aparece imposto é no art. 52.º do CN, que rege para os
instrumentos lavrados fora dos livros, coisa que o termo de autenticação não é.
Por outro lado, aduz-se, a validade da autenticação dos documentos
particulares referidos no n.º 1 do art. 24.º do DL n.º 116/2008, de 4-7, está
dependente do depósito electrónico de tais documentos, assim como de quantos os
instruam, segundo o prescrito no n.º 2 daquele mesmo artigo. No caso, “o termo
de autenticação foi depositado electronicamente, pela entidade autenticadora, no
dia da autenticação, pelo que a sua validade não pode ser questionada”, reiterandose ademais que o mesmo se encontra assinado pelas partes e pela entidade
autenticadora,
pelo
que,
achando-se
cumpridos
todos
os
requisitos
legais
aplicáveis, o recurso terá que proceder, com a consequente feitura do registo
peticionado.
3. Argumentos que todavia não surtiram junto da recorrida, que no
despacho previsto no art. 142.º/A do CRP defendeu a plena validade da motivação
da recusa.
*****
pela advogada que lavrou o termo; c) que em seguida às declarações de vontade correspondentes ao
negócio de partilha, e bem assim na última folha do respectivo “documento complementar”, constam as
assinaturas de todos os outorgantes; d) que a assinatura de todos os outorgantes, e também a da
advogada que o lavrou, figuram no encerramento do termo; e) que em todas as folhas do documento
particular autenticado foi aposto o carimbo profissional da advogada que procedeu à autenticação e ao
depósito.
2
A apresentante foi notificada da recusa através do envio de mensagem de correio electrónico,
que, de acordo com o “print” junto aos autos, terá seguido no dia 31/08/2009, data esta que, em
cumprimento do disposto no art. 71.º/3, do CRP, se mencionou na ficha informática como tendo sido a
da realização da diligência. Importa muito claramente dizer que o meio usado para comunicar a
qualificação minguante não se acha legalmente previsto, nem sequer para quando o pedido se haja
apresentado online, e que em caso algum pode dispensar a realização da notificação por via postal. Cfr.,
para maior desenvolvimento, o parecer proferido no processo RP 101/2009 SJC-CT, maxime págs. 5 e 6.
3
Expostas as posições em confronto e não se suscitando questões prévias ou
prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito, sobre ele cumpre tomar
posição.
O que se faz adoptando a seguinte
Deliberação
1. Relativamente ao termo de autenticação regulamentado nos arts. 151.º e
152.º
do
Código
do
Notariado,
constituem
requisitos
perfeitamente
diferenciados o de que o acto contenha a assinatura de todos os
intervenientes, por um lado, e o de que os mesmos intervenientes aponham
a respectiva rubrica nas várias folhas de que o termo porventura se
componha, por outro, assim como diferenciadas são as consequências da
omissão de um ou de outro. 3
3
Dizem-se autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes
perante notário (CN, art. 35.º/3 e CC, art. 363.º/3), com o que tais documentos adquirem a qualificada
força probatória dos documentos autênticos (CCivil, arts. 376.º e 377.º).
A elaboração do termo de autenticação, que se faz no próprio documento apresentado ou em
folha anexa (CN, art. 36.º/3), obedece a determinados requisitos, que os arts. 151.º e 152.º do CN
cuidam de especificar.
Entre esses requisitos, por remissão do n.º 1 do art. 151.º para a al n) do n.º 1 do art. 46.º do
CN, avulta o de que o termo contenha “as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que
possam e saibam e assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário,
que será a última do instrumento”.
Requisito este que para nós não pode ser confundido com aqueloutro de que as diversas folhas
de que o documento se componha, ou de que passe a compor-se – pelo eventual adicionamento das
folhas onde o termo venha a ficar exarado –, sejam por todos os intervenientes rubricadas, e que, ao
menos expressamente, aliás se não prevê senão para os instrumentos fora das notas (CN, art. 52.º),
categoria em que manifestamente não cabe incluir o termo de autenticação. Por certo que a rubrica não
deixa de ser uma forma de assinatura, que caracteristicamente se distingue, por via de regra, pela sua
extensão abreviada – uma assinatura rápida ou expedita, por assim dizer. Sem embargo, parece-nos
substancialmente diferente a função que desempenham, num determinado documento com intervenção
notarial, a assinatura exigida “em seguida ao contexto” do acto, de uma banda, e a rubrica das folhas
que não contenham aquela assinatura, de outra.
Com efeito, se, no que toca à assinatura propriamente dita, posta no final do conteúdo do
documento, não sofre dúvida de que a sua primordial função é a de comprovar a intervenção do
signatário no acto, que dessa maneira o assume como “seu”, na veste em que tenha intervindo, na
pluralidade dos efeitos e das responsabilidades que produza, parece-nos que a exigência da aposição da
rubrica responde a um outro tipo de considerações, que essencialmente se ligam ao interesse na
preservação da integridade do documento. Não é com certeza por acidente que só para os instrumentos
fora das notas disponha a lei por forma expressa que tenha de se proceder à rubrica das folhas. Isso
4
2. O documento particular autenticado a que se reportam os arts. 22.º e 24.º
do DL n.º 116/2008, de 4-7, corresponde a uma especial via de titulação
respeitante a negócios sobre imóveis, que só parcialmente repete os
requisitos do “comum” documento particular autenticado a que se referem
os arts. 363.º/3, do CC, e 35.º/3, do CN, e que a ele não pode, por
conseguinte, assimilar-se. 4
tem a ver com a sua natureza avulsa: o “normal” destino desses documentos não é o de ficarem à
guarda de arquivo público, sendo em princípio devolvidos aos interessados. A rubrica do conjunto das
folhas consubstancia pois um elementar (mas também muito precário) mecanismo de segurança
destinado a defender a integridade do instrumento contra quaisquer formas, deliberadas ou não, de
adulteração, perigo a que, em razão da sua natural “mobilidade”, se mostra especialmente vulnerável.
Sendo este, como nos parece ser, o significado e valor do requisito rubrica, os efeitos da sua
falta não podem equiparar-se aos da falta da assinatura pela qual se exprime a adesão do seu autor ao
conteúdo do documento, que é essa só que a al. n) do n.º 1 do art. 46.º do CN tem em vista.
Quanto à falta desta, a consequência está prevista no art. 70.º/1, als. d) , e) e f), do CN: o acto
notarial será nulo por vício de forma.
Quanto à falta das rubricas, o documento autenticado que delas careça – que não já das
assinaturas, no lugar próprio –, sendo embora formalmente “imperfeito” (para quem, como nós, entenda
que se lhe deve aplicar o regime do art. 52.º do CN, precisamente por causa da mesma natureza avulsa
que os caracteriza, e que amplamente justifica que menores não hajam de ser as cautelas), não cremos
que por isso se possa dizer nulo. O que aquela omissão pode determinar, isso sim, é a privação do valor
probatório dado pelo art. 377.º CC, daí resultando, na perspectiva que particularmente mais nos
interessa, a eventual inabilidade do documento para servir de base ao registo que com ele se tenha em
mira (originando, no limite, a recusa prevista na al. b) do n.º 1 do art. 69.º, do CRP). Em linha porém
com a função estritamente “protectora” que ao requisito especificamente apontámos, quer-nos parecer
que somente a falta da rubrica que houvesse de ser feita pelo punho do notário é que pode provocar
aquela perda de valor probatório. Radica com efeito na rubrica do autor da autenticação, desde que
acompanhada do indispensável selo (CN, art. 205.º), a garantia bastante (posto que em circunstância
alguma pode ser uma garantia absoluta) de que o documento, depois de sair autenticado do cartório,
não é objecto de adulteração – ou seja, que o autenticado documento que para determinado efeito se
apresente é o mesmo, na forma e no conteúdo, que, não obstante se haver descuidado a recolha das
rubricas dos demais intervenientes, efectivamente se autenticou.
Claro que tudo quanto fica dito a propósito do documento particular cuja autenticação seja
cometida a notário valerá do mesmo modo, com as adaptações necessárias, para a autenticação que os
interessados optem por deferir a alguma das entidades a que para o efeito o art. 38.º do DL n.º 76A/2006, de 29-3, atribui competência.
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Nos pareceres emitidos nos processos CP 81/2009 e RP 67/2009 já o Conselho
exaurientemente se ocupou da análise do regime do documento particular autenticado que o art. 22.º do
DL n.º 116/2008 veio consagrar como forma suficiente de titulação da generalidade dos negócios sobre
imóveis para os quais anteriormente a solenidade da escritura pública se não dispensava (e a que
passou a ser alternativa), aí ficando cabalmente demonstrado que, por contraposição ao “tradicional”
documento particular autenticado, se está em presença de um quid diferente, que constituiria grave
5
3. Decorre da diferente natureza dos dois referidos tipos de documento
particular autenticado – e designadamente da circunstância de, num caso, a
autenticação representar a intervenção terminal da entidade autenticadora,
e de, no outro, ela constituir uma intervenção intermédia num processo de
titulação faseado que culmina no depósito electrónico a cargo da mesma
entidade – que divergente também haja de ser, num e noutro caso, a
importância a conceder ao requisito da aposição da rubrica por parte dos
sujeitos intervenientes, podendo desse requisito em princípio prescindir-se,
por supérfluo do ponto de vista da defesa da inalterabilidade do documento,
quando este se destine a depósito electrónico. 5
equívoco reconduzir, sem mais, à categoria preexistente.
Avulta desde logo, vincando o contraste, a muito maior intensidade da intervenção que se põe a
cargo da entidade autenticadora, como ressalta da delicada tarefa que sobre si impende de assegurar
que o documento particular satisfaça “os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos
sobre imóveis” (art. 24.º/1, do DL n.º 116/2008).
Mas onde o especial envolvimento do autenticador notoriamente se manifesta é no requisito de
que o documento particular, juntamente com os documentos que o instruam e que devam ficar
arquivados por não constarem de arquivo público, se submeta a depósito electrónico, depósito que,
crucialmente, a lei erige em condição de validade da autenticação (art. 24.º/2, do DL n.º 116/2008). A
confirmação do conteúdo do documento particular perante a entidade competente – confirmação que,
vale lembrar, tem que ser simultaneamente feita por todos os declarantes, sempre que a autenticação
constitua requisito de validade formal do negócio jurídico – é pois só uma fase intermédia no processo
de gestação do título, que como tal só nasce para o mundo jurídico por via e ao cabo da sucessiva e bem
sucedida operação de depósito, momento último este, o de depósito, em que os declarantes já não têm
participação de nenhuma espécie e que exclusivamente se confia ao cuidado da entidade autenticadora.
Ora, uma vez feito o depósito na plataforma electrónica disponibilizada na Internet no sítio com
o endereço www.predialonline.mj.pt, a cuja regulamentação provêem os arts. 4.º a 17.º da Portaria n.º
1535/2008, de 30-12, o documento particular autenticado passa a residir num verdadeiro arquivo
público conservado em suporte informático, e é este documento electrónico em sentido estrito (art. 2.º/,
al. a, do DL n.º 290-D/99, de 2-8; sobre o tema dos documentos electrónicos, cfr. o parecer emitido no
processo RP 159/2007, bem como a doutrina nele citada), obtido por digitalização do original em
suporte de papel (que à entidade autenticadora igualmente cumpre arquivar – cfr. art. 8.º da citada
Portaria), que a bem dizer consubstancia o título para registo.
Quer dizer, ao passo que o “tradicional” documento particular autenticado é um espécime
avulso, apto a circular física e literalmente “de mão em mão”, exposto por isso à superveniência de uma
qualquer vicissitude que lhe afecte a integridade e, por arrastamento, a idoneidade probatória que em
princípio legalmente se lhe reconhece, este outro documento particular autenticado, mercê do
arquivamento público centralizado na forma de documento electrónico, adquire reforçada protecção da
inviolabilidade do seu conteúdo, estando à partida asseguradas as condições tecnológicas de controlo e
detecção de qualquer evento anómalo que a ameace.
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Sendo pois o documento particular autenticado electronicamente depositado coisa muito
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Termos em que se propõe o provimento do recurso.
Deliberação aprovada em sessão do Conselho Técnico de 28 de Janeiro de
2010.
António Manuel Fernandes Lopes, relator.
Esta deliberação foi homologada pelo Exmo.
Senhor Presidente em
01.02.2010.
diferente daquele documento particular autenticado que logo pela feitura do termo de autenticação se
esgota no seu ciclo formativo, e considerada a tendencial invulnerabilidade de um e a indefectível
vulnerabilidade do outro, não deverá assim causar surpresa que diferente também possa ser a
relevância que na “perfeição” da autenticação – cujo momento é intermédio ou terminal, consoante o
tipo de documento particular autenticado de que se trate – a falta da rubrica das folhas no original em
papel possa assumir. É que se a autenticação cuja validade depende do sucessivo depósito electrónico
não deixa de ser uma autenticação em sentido próprio, que deve satisfazer os requisitos dos arts. 150.º
e 151.º – incluindo portanto o de que assinem todos os que têm que assinar –, a integridade do
documento que a receba já não está sujeita àquele sério risco de dano que é próprio dos documentos
avulsos, e que defendemos estar na raiz da discutida exigência. Pelo que, a esta luz, não se nos afigura
temerário votar à irrelevância, do ponto de vista da validade da autenticação – e, portanto, da
suficiência registral do título –, o incumprimento do requisito verificado nos documentos particulares
autenticados submetidos a depósito electrónico. O que não significa, note-se bem, sufragar a tese de
que essa falta não constitua efectiva preterição do correcto modo de fazer, nem tão-pouco que seja
indiferente rubricar ou não rubricar. Pelo menos no que respeita às folhas que contenham as declarações
de vontade dos outorgantes, o autenticador, cuidando de que todos as rubriquem, sempre se previne
contra uma futura eventual alegação, por parte de algum desses outorgantes, de que, entre a
autenticação e o depósito, abusivamente tenha procedido à modificação do conteúdo negocial.
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Pº RP 233/2009 SJC-CT - Instituto dos Registos e Notariado