NOLLI, Elisa Cristina; ARMADA, Charles Alexandre Souza. A guerra civil em Ruanda e a atuação da ONU.
Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1,
p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
A GUERRA CIVIL EM RUANDA E A ATUAÇÃO DA ONU
Elisa Cristina Nolli 1
Charles Alexandre Souza Armada 2
RESUMO
A Organização das Nações Unidas é uma organização internacional criada com o
intuito de garantir a paz e a segurança mundial, direitos e assistência humanitária,
assim como deter guerras entre Estados. No ano de 1994, Ruanda é abalada por
um genocídio que vai de abril a julho do mesmo ano. Foi um episódio mortal entre
dois grupos étnicos que obteve um saldo oficial de 1.074.017 mortos que
constituíam 13% da população total do país. A ONU não aprovou o envio de forças
militares ao país por motivos internos e manteve uma posição omissa em relação ao
salvamento das vítimas. A decisão foi arduamente criticada pelos demais Estados
africanos e por agências humanitárias. A partir de uma recuperação dos
antecedentes da guerra civil em Ruanda, que determinaram o genocídio no ano de
1994, o presente estudo pretende analisar a atuação da ONU no episódio e,
também, o posicionamento apresentado por esse organismo internacional pósgenocídio. Depreendeu-se da pesquisa efetuada que a inércia do organismo
internacional pode ter contribuído para a dimensão da tragédia verificada. O método
utilizado para a pesquisa foi o método indutivo e o estudo foi operacionalizado
através de técnicas do referente, categorias básicas e fichamento.
Palavras-chave: Genocídio. Organização das Nações Unidas. Guerra Civil.
Ruanda.
INTRODUÇÃO
A República de Ruanda era uma colônia da Bélgica, a qual não negava
esforços para manter um domínio direto e duro. Ela fazia uso da Igreja Católica, a
qual manipulava a mente dos tutsis de classe alta, para que eles reprimissem a
população menos favorecida financeiramente, a qual era, em sua maioria, hutus. A
cobrança de impostos exacerbada, assim como o trabalho escravo, foi, ao longo dos
tempos, criando diferenças socioeconômicas, assim como, sentimentos de raiva e
rancor nos menos beneficiados.
1
2
Graduanda do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí.
Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí e em Direito Ambiental e
Sustentabilidade pela Universidade de Alicante, Espanha. Especialista em Direito Publico pela
Fundação Regional de Blumenau-FURB. Professor dos cursos de Direito, Administração de
Empresas e Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI. Endereço
eletrônico: [email protected]
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p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Como uma tentativa de mudar este cenário, os hutus mais extremistas
partem para um massacre em massa, contra os tutsis e os hutus mais moderados. O
genocídio em si, tem início quando o avião do então presidente é atingido e o
mesmo morre com a explosão de um míssil.
O genocídio em Ruanda vai de abril a julho de 1994 e trouxe como
consequência um saldo oficial de 1.074.017 mortos que constituíam 13% da
população total do país.3
O objetivo do presente artigo é analisar as causas do genocídio ocorrido em
Ruanda e a atuação da Organização das Nações Unidas no episódio. Inicialmente, o
presente estudo discorrerá sobre os antecedentes da guerra civil. Em seguida, será
analisada a atuação do organismo internacional e a guerra civil. Finalmente, o
presente estudo pretende examinar o posicionamento da ONU pós-genocídio em
Ruanda.
1.
Os Antecedentes da Guerra Civil em Ruanda
Ruanda é um país localizado no continente africano, na região dos Grandes
Lagos da África, fazendo fronteira com países como a República Democrática do
Congo, Uganda e a Tanzânia. Possui uma área total de aproximadamente 26.338
km², uma população de 10,9 milhões de pessoas e seu PIB (Produto Interno Bruto) é
de US$5,6 bilhões. 4
As diferenças étnicas e privilégios de alguns grupos específicos neste país
são provenientes desde a época de sua colonização, realizada pela Bélgica, a qual
fez com que o grupo Tutsi, cidadãos com a pele negra um tanto mais clara, maior
estatura, mais magros e narizes mais finos, tornar-se o grupo mais forte político,
econômico e militarmente. Estes eram considerados superiores ao grupo Hutu, os
quais eram rebaixados por terem a pele mais negra e serem mais baixos, sendo
assim considerados subalternos aos demais.
No momento em que o povo belga chega à região para a colonização em
1916, foram concedidas carteiras de identidade classificando cada indivíduo de
acordo com a sua determinada etnia. Como os Tutsis detinham de certos privilégios,
3
ZOCCHI, Paulo. Almanaque Abril 2012. 2.ed. São Paulo: Editora Abril, 2012. p.579.
4
ZOCCHI, Paulo. Almanaque Abril 2012. p.578.
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estes puderam desfrutar de melhores oportunidades de empregos e de uma melhor
educação da que foi ofertada aos Hutus.
Deste modo, naturalmente, começa a nascer um sentimento de raiva no
grupo menos favorecido, que em 1959 indigna-se com a atual situação presenciada.
As combinações de ressentimentos com o episódio vivido acabam culminando em
uma série de revoltas, as quais matam mais de 20 mil Tutsis e faz que com que uma
diáspora suceda para países vizinhos, como Uganda, Tanzânia e Burundi.
Após a independência nacional ocorrida em 01 de julho de 1962, o povo
Hutu tomou a frente do poder, e foi quando várias medidas de repressão contra os
Tutsis foram tomadas. Decorrendo vários anos de instabilidade política, em 1990
uma sucessão de problemas econômicos e climáticos surge e faz com que a Frente
Patriótica Ruandesa (RPF), grupo político liderado por Tutsis refugiados em outros
países, lance ataques militares contra o governo Hutu, o qual estava no poder
naquela época.
Esses ataques permearam por três anos, até que, no dia 05 de abril de
1993, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a resolução 872,
denominada de ‘Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda’ (MIANUR),
com o intuito principal de certificar que o fim das disputas seria realizado através da
assinatura do Acordo de Arusha. Este acordo criado pelos Estados Unidos
juntamente com a França e a Organização da Unidade Africana pretendia cessar
com a guerra civil que ocorria em Ruanda no momento.
Foram enviados mais de dois mil homens para Ruanda, supervisionados
pelo general do exército canadense Roméo Dallaire, com o objetivo de assegurar o
fim dos combates em Ruanda. No entanto, esse era um país onde a paz era
desconhecida no momento. Ruanda tornou-se o terceiro país com maior índice de
importação de armas5, e isso com certeza era preocupante.
Dallaire ordenou que alguns soldados belgas escoltassem a primeira-ministra
Agathe Uwilingiyimana, todavia, a Interahamwe, conhecida como sendo a milícia
armada dos Hutus, matou-a juntamente com seu marido e os soldados belgas. Com
5
SCAGLIONE, Daniele. Ruanda: Memórias de um Genocídio. Mundo e Missão. São Paulo, 2004.
ed.
set.
p.
12-14.
Disponível
em:
<http://www.pime.org.br/mundoemissao/atualidadesafricamemorias.htm>. Acesso em: 12 nov,
2012.
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esse feito, a Bélgica, que possuía os soldados mais bem preparados, decidiu que
iniciaria a retirada do seu exército dos solos ruandeses.
O General Dallaire que comandava as tropas da ONU, vendo toda essa
situação, e tendo sido avisado por um informante que um genocídio estava sendo
preparado, decide então pedir insistentemente para que mais tropas sejam enviadas
ao país para auxiliarem nos confrontos entre a população, todavia, os pedidos foram
negados. O general canadense não estava autorizado a intervir no conflito, no
entanto, ele deveria evitar ao máximo um conflito armado.
O Conselho de Segurança da ONU e o então presidente dos Estados Unidos
da América, Bill Clinton, deram por explicação que não enviariam mais tropas em
virtude de um acontecimento de três meses antes na Somália, onde dezoito
soldados americanos foram mortos. “Não queremos outro Mogadíscio, por isso,
mantenha-se firme”.6, frase dita a Dallaire determinando que ele continuasse
mantendo o peace keeping, ou seja, que mantivesse a paz sem a interferência de
armas.
2.
O Genocídio em Ruanda e a atuação da ONU
O marco que é considerado o início do genocídio ocorre em 06 de abril de
1994, quando o avião em que viajava o então presidente de Ruanda, Juvénal
Habyarimana, juntamente com o presidente do Burundi, é atacado e os dois chefes
de Estado morrem. Foi um acidente previamente premeditado por agentes
desconhecidos, que, no entanto, acredita-se que tenha sido executado por civis
hutus. 7
O que ocorria neste país pobre estava tomando um âmbito sem limites.
Tutsis e Hutus estavam sendo mortos através de facões importados anteriormente
da China, com os quais agrediam violentamente seus inimigos. Os Hutus que
participaram do massacre possuíam sessões diárias de ingestão de álcool e faziam
uso de drogas para cometerem tais atos brutais. 8
6
BARKER, Gregory. Ghosts of Rwanda. 2004. Documentário
<http://freedocumentaries.org/film.php?id=190>. Acesso em: 15 nov. 2012.
7
PAULA, Luiz Augusto Módolo de. Genocídio e o tribunal penal internacional para Ruanda.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-26032012-114115/pt-br.php>.
Acesso em: 18 dez. 2012.
8
PAULA, Luiz Augusto Módolo de. Genocídio e o tribunal penal internacional para Ruanda.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-26032012-114115/pt-br.php>.
Acesso em: 18 dez. 2012.
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disponível
em:
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Em uma rotina que teve a durabilidade de praticamente cem dias, os Hutus
saíam de suas casas às 9h30min em busca de seus vizinhos, os quais eram
considerados adversários perigosos, e vasculhavam dentro de casas e pântanos.
Eles retornavam à suas residências perto das 16h, após passarem o dia inteiro
decapitando Tutsis e Hutus moderados. Posteriormente a um árduo e longo dia de
labor, eles saíam para beber cerveja e se divertir com os demais Hutus extremistas.
Costumavam afirmar que: “Matar era menos cansativo do que plantar”. 9
Os líderes Hutus pregavam abertamente a matança dos Tutsis e faziam dos
meios de comunicação, como o rádio, ferramentas para instigarem o medo e
comentarem o que iria ocorrer com os Tutsis e Hutus simpatizantes, que eram
chamados de baratas, árvores altas e ervas daninhas.
Quando, em suas ‘caçadas’, o grupo extremista não encontrava ninguém em
sua residência, esta era completamente destruída. A explicação que davam para
cometer tal ato era de que os Tutsis deveriam ser completamente apagados da face
da Terra.
Foi mais de um milhão de cidadãos mortos durante estes cem dias de
tragédia nacional. Devido à grande quantidade de mortes, não era possível enterrar
todos os corpos, portanto, estes ficavam jogados dentro de valas, escolas
abandonadas e até mesmo em igrejas.
A comunidade internacional falhou com Ruanda, pois sabia o que estava
ocorrendo. Eles tinham a completa noção de que um genocídio estava sendo
preparado, que a milícia estava treinando para matar e que armas estavam sendo
feitas e encomendadas de outros países apenas com o intuito de exterminar um
determinado grupo devido a uma disputa antiga.
Relatórios diários eram enviados para as Nações Unidas e para o Governo
francês com as informações sobre o avanço da situação política que estava
ocorrendo em Ruanda, e mesmo sabendo de tudo, nada foi realizado para deter tal
acontecimento. 10
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi, literalmente, um organismo
inútil nesse massacre. Ela detinha de meios para compreender o que acontecia e
9
HATZFELD, Jean. Uma temporada de facões: Relatos do genocídio em Ruanda. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
10
BARKER, Gregory. Ghosts of Rwanda. 2004. Documentário
<http://freedocumentaries.org/film.php?id=190>. Acesso em: 15 nov. 2012.
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disponível
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sabia como interferir, no entanto, não o fez. Poderia ter prevenido os massacres já
que o general Dellaire havia pedido o envio de mais tropas para o local. No entanto,
não o fez.
Segundo Paul Rusesabagina
11
, um Tutsi que foi considerado um herói do
genocídio por ter abrigado e salvo mais de 1.200 vidas em um hotel no qual
trabalhava como gerente, afirma em uma entrevista para a revista “Aventuras na
História” 12que:
O pior erro que a ONU cometeu foi nos manter confiantes de que
eles estavam lá, que iriam nos ajudar e que impediriam os
assassinatos em massa. Por conta disso, muitas pessoas que saíram
do país com medo do massacre acabaram voltando. Mas, quando 10
soldados belgas foram mortos no primeiro dia do genocídio, retiraram
as tropas de paz de lá. Com isso, milhares de pessoas que se
amontoaram em igrejas e escolas sob a proteção da ONU foram
abandonadas à própria sorte. Aliás, nesses casos, a ONU até
facilitou o trabalho dos assassinos, concentrando milhares de vítimas
no mesmo local.
O genocídio tem o seu término datado em julho de 1994 quando os Tutsis
invadem e dominam a capital de Ruanda, Kigali. Desde então eles têm mantido o
poder político em suas mãos e governado o país através do presidente Paul
Kagame, um general Tutsi que em 1994 ajudou a tomar o poder dos Hutus na
guerra civil, considerada o evento mais trágico do século 20.
3.
O Posicionamento da ONU pós-Genocídio
O genocídio ocorrido em Ruanda foi um dos piores acontecimentos na
história da humanidade. Após o término desse massacre horrendo, a ONU, depois
de praticamente nada ter feito, instala em Arusha, na Tanzânia, um Tribunal Penal
Internacional para Ruanda (TPIR). Esse tribunal foi criado com o intuito de julgar
todo e qualquer responsável pelo genocídio, assim como demais atos graves de
violação dos direitos internacionais humanitários cometidos no território ruandês e
também em Estados vizinhos, entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1994.
11
A história de Paul Rusesabagina ficou mundialmente conhecida após ter sido retratada no filme
Hotel Ruanda em 2004.
12
PACHECO, Sílvia; REZENDE, Rodrigo. Paul Rusesabagina: Um herói na história de Ruanda. Guia
do
Estudante.
Disponível
em:
<http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/paulrusesabagina-heroi-ruanda-435635.shtml>. Acesso em: 30 out, 2012.
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p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Segundo pesquisas, até novembro de 2011, o TPIR já havia indiciado 95
pessoas, dentre elas 59 foram condenadas, 17 aguardam apelação, 10 foram
absolvidas e 9 dos planejadores do genocídio ainda encontram-se foragidos13.
É curioso saber que em junho do ano passado, a ex-ministra da Família e
Desenvolvimento da Mulher, Pauline Nyiramusuhuko, quem por cargo deveria ser
completamente contra a violação dos direitos humanos, foi sentenciada à prisão
perpétua por crimes contra a humanidade, conspiração por cometer genocídios e
outros delitos.14
Apesar de a ONU ter criado o TPIR para julgar os culpados pelo genocídio e
por crimes humanitários, muitos países e organizações criticaram a sua atuação
nesse massacre. Quando da criação da ONU, seu principal foco era manter a paz e
segurança mundial, garantir direitos e assistência humanitária e também deter
guerras entre Estados, porém, parece que a filosofia que norteou sua criação foi
esquecida durante o acontecimento em questão.
Em um discurso na capital Kigali, no ano de 2009, o presidente Paul
Kagame15 acusa a ONU de ter grande responsabilidade pelo genocídio. Ele afirmou
que: “Eles os abandonaram para serem mortos. Não seriam eles os culpados? Acho
que foi também covardia. Eles se foram sem disparar um único tiro”.
Várias prisões guardam nos dias de hoje as pessoas que participaram
ativamente do genocídio. As pessoas que foram compelidas e obrigadas a
participarem da matança tiveram a oportunidade de se redimirem perante os
conselhos de verdade e reconciliação.
Com este intuito, foi criado um tribunal básico da comunidade chamado de
‘gacaca’, por meio do qual as pessoas que estavam em Ruanda durante o
genocídio, mesmo as que não participaram efetivamente dele, pudessem
testemunhar o que viram e quem viram durante esta guerra civil.
13
ZOCCHI, Paulo. Almanaque Abril 2012. 2.ed. São Paulo: Editora Abril, 2012. p.579.
14
ZOCCHI, Paulo. Almanaque Abril 2012. p.579
15
Presidente de Ruanda acusa ONU de covardia no genocídio. BBC Brasil. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090407_ruanda_rc.shtml>. Acesso em: 30 out,
2012.
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Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1,
p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Esses tribunais também foram usados para a reconciliação dos ruandeses,
porque entendeu-se que quando as pessoas que foram vítimas e as pessoas que
vitimaram se encontrassem, discutiriam o caminho à frente. 16
Juntamente com a criação do tribunal básico, a publicação de um dicionário
com os nomes dos desaparecidos foi realizada, assim como a exumação dos
cadáveres enterrados em fossas coletivas e a construção de memoriais, como foi o
caso do Memorial de Kigali.17
Jean Hatzfeld
18
, em seu livro, descreve uma entrevista com uma
sobrevivente do genocídio, a qual assegura que testemunhar sobre o ocorrido não
levará a nada, tendo em vista que os ouvintes não acreditarão em uma só palavra.
O povo de Ruanda teme um novo ataque, um novo genocídio, caso o
governo, a ONU e demais países e órgãos internacionais pacificadores não tomem
alguma decisão sobre a violência que ainda continua rondando os ruandeses.
Segundo Paul Rusesabagina: 19
Se o governo não mudar suas políticas, se nada for feito para
que haja justiça em Ruanda e se os líderes do genocídio não
forem punidos, outro massacre acontecerá. Como eu disse, a
matança nunca parou. Nós dizemos em Ruanda que a música
ainda é a mesma, só mudaram os dançarinos.
Ademais do medo existente sobre um próximo genocídio, os sobreviventes
ainda têm receio de exporem-se em público. Ataques e mortes ocorreram no ano de
2003 àqueles que retrataram o que viram e sabiam sobre o ocorrido.20
Após o retorno do general canadense Romeo Dallaire ao Canadá, ele
aposentou-se das Forças Armadas por motivos médicos, tendo apresentado um
quadro crônico de stress pós-traumático. Ele se acusou pelas tantas falhas ocorridas
no período do genocídio, e acabou entrando em depressão.
16
Genocídio
em
Ruanda.
Globo
News.
Disponível
em:
<http://www.youtube.com/watch?v=qcdRZrmjMvM&feature=relmfu>. Acesso em: 12 out, 2012.
17
SILVA. Márcio Seligmann. Narrar o trauma – A Questão dos Testemunhos de Catástrofes
Históricas. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v20n1/05.pdf>. Acesso em: 05 nov, 2012.
18
HATZFELD, Jean. Uma temporada de facões: Relatos do genocídio em Ruanda. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
19
PACHECO, Sílvia; REZENDE, Rodrigo. Paul Rusesabagina: Um herói na história de Ruanda. Guia
do Estudante.2007. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/paulrusesabagina-heroi-ruanda-435635.shtml>. Acesso em: 30 out, 2012.
20
COQUIO, Catherine. Rwanda: Le réel et les récits. Paris: Belin, 2004.
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p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
O general ainda escreveu um livro intitulado “Shake Hands with the Devil”21
em que afirma que o único modo do ódio entre a população ser erradicado seria o
trabalho contra a pobreza, e a defesa dos direitos humanos, permitindo com que o
país possa deixar para trás o século XX, o século dos genocídios, e adentrar
definitivamente no século da Humanidade, o século XXI.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em conta toda a tragédia ocorrida e todos os problemas
psicológicos posteriores nas pessoas, é preciso que não apenas a ONU, mas o
mundo como um todo comece a dar mais atenção aos países que passam por
problemas internos graves. Estes problemas podem levar o país a uma tragédia com
danos irreparáveis. É preciso que as pessoas entendam que diferenças vão existir,
mas que acima de tudo respeitem-nas, tanto a cor, quanto raça, religião e opinião.
Que os eventos ocorridos em Ruanda sirvam de exemplo para a
comunidade internacional. A inércia da ONU contribuiu de modo contundente para o
desfecho trágico naquele país, fazendo com que o ocorrido se alastrasse cada vez
mais pelo Estado em questão.
Uma das vastas propostas que podem ser utilizadas para a melhoria da
convivência entre a sociedade seria a educação. Tornar-se-ia interessante se cada
governo reunisse suas forças e lutasse em prol da educação das crianças,
ensinando-as os problemas que ocorreram no passado e as ferramentas adequadas
para evitá-los no futuro. Desse modo, preconceitos seriam que quase inexistentes,
evitando assim, uma matança avassaladora como ocorreu em Ruanda.
REFÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
BARKER, Gregory. Ghosts of Rwanda. 2004. Documentário disponível em:
<http://freedocumentaries.org/film.php?id=190>. Acesso em: 15 nov. 2012.
COQUIO, Catherine. Rwanda: Le réel et les récits. Paris: Belin, 2004.
DALLAIRE, Romeo; BEARDSLEY, Brent. Shake Hands with the Devil: the failure of
humanity in Rwanda. Canada: Editora Arrow, 2004.
21
DALLAIRE, Romeo; BEARDSLEY, Brent. Shake Hands with the Devil: the failure of humanity in
Rwanda. Canada: Editora Arrow, 2004.
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NOLLI, Elisa Cristina; ARMADA, Charles Alexandre Souza. A guerra civil em Ruanda e a atuação da ONU.
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p. 699-708, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Entenda os fatos que levaram ao genocídio em Ruanda. O Estado de São Paulo.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,entenda-os-fatosque-levaram-ao-genocidio-em-ruanda,296107,0.htm> Acesso em: 16 out, 2012.
HATZFELD, Jean. Uma temporada de facões: Relatos do genocídio em Ruanda.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
PACHECO, Sílvia; REZENDE, Rodrigo. Paul Rusesabagina: Um herói na história de
Ruanda. Guia do Estudante. Disponível em:
<http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/paul-rusesabagina-heroiruanda-435635.shtml>. Acesso em: 30 out, 2012.
PAULA, Luiz Augusto Módolo de. Genocídio e o tribunal penal internacional para
Ruanda. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde26032012-114115/pt-br.php>. Acesso em: 18 dez. 2012
Presidente de Ruanda acusa ONU de covardia no genocídio. BBC Brasil.
Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090407_ruanda_rc.shtml>.
Acesso em: 30 out, 2012.
SCAGLIONE, Daniele. Ruanda: Memórias de um Genocídio. Mundo e Missão. São
Paulo, 2004. Edição do mês de Setembro.p. 12-14. Disponível em:
<http://www.pime.org.br/mundoemissao/atualidadesafricamemorias.htm>. Acesso
em: 26 jun, 2012.
SILVA. Márcio Seligmann. Narrar o trauma – A Questão dos Testemunhos de
Catástrofes Históricas. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v20n1/05.pdf>.
Acesso em: 05 nov, 2012.
SOUZA, Mércia Cardoso de; MENDES, Gabriela Flávia Ribeiro; FILHO, José
Maurício Vieira. Genocídio em Ruanda: uma análise da intervenção humanitária à
luz do Direito Internacional. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8186>.
Acesso em: 27 jun, 2012.
ZOCCHI, Paulo. Almanaque Abril 2012, editora Abril, ano 2012.
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