Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0778/08
Data do Acordão:
29-10-2009
Tribunal:
1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:
PAIS BORGES
Descritores:
NOTIFICAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
ELEMENTOS ESSENCIAIS
Sumário:
I - A jurisprudência do STA, à luz do disposto no art.
268º, nº 3 da CRP, tem decidido reiteradamente que
constituem elementos essenciais da notificação do
acto administrativo a indicação do autor do acto e do
sentido e data da decisão (al. b) do nº 1 do art. 68º
do CPA), e que só a falta destes elementos torna a
notificação inoponível ao seu destinatário e
irrelevante para efeitos do início do prazo de
interposição do recurso contencioso.
II - O texto integral do acto não tem sido considerado
pela jurisprudência deste Supremo Tribunal como
elemento essencial da notificação, admitindo-se
como suficiente à consecução do escopo legal a
indicação do sentido da decisão.
III - Os elementos essenciais da notificação devem
constar do texto dessa mesma notificação. Mas não
podemos olvidar que o instituto cumpre uma função
instrumental de garantia dos administrados, qual
seja a de ser dada ao interessado toda a informação
relativa ao acto administrativo em causa, a fim de
que ele disponha dos elementos essenciais
conformadores da decisão administrativa,
necessários a um adequado exercício do direito de
impugnação.
Nº Convencional:
Nº do Documento:
Recorrente:
Recorrido 1:
Votação:
JSTA000P11044
SA1200910290778
A...
GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CM DO PORTO, EM
UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam,
em conferência, na Secção do
Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
Administrativo:
( Relatório )
I. “A…”, com sede na Rua de …, nº …, …, em
Lisboa, interpôs recurso de revista excepcional para
o STA, ao abrigo do art. 150º, nº 1 do CPTA, do
acórdão do TCA Norte, de 17.04.2008 (fls. 433 e
segs.), que, negando provimento ao recurso
jurisdicional por si interposto, confirmou a sentença
do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a
excepção peremptória da caducidade do direito de
acção, na acção administrativa comum por si
intentada contra “GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA
CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, E.M.”, em que pedia
a declaração de invalidade de duas deliberações
que, no âmbito de contrato de empreitada de obras
públicas, lhe aplicaram multas contratuais.
Na sua alegação formula as seguintes conclusões:
I. A fundamentação de direito do Douto Acórdão recorrido é
totalmente errada, porquanto;
II. As deliberações da Recorrida impugnadas nesta Acção
são as proferidas em 20.06.2003 e em 17.07.2003, as
quais não constam das comunicações de 23.06.2003 e
17.07.2003;
III. E, que só foram comunicadas/conhecidas da Recorrente
através das notificações efectuadas em 25.11.2003 no
âmbito das Respostas aos Recursos Contenciosos de
Anulação atrás identificados.
IV. Tudo isso porque na comunicação da Recorrida, datada
de 23.06.2003, não consta o texto integral da deliberação
do seu Conselho de Administração de 20.06.2006, que
decidiu aplicar as multas aqui em causa;
V. Naquela comunicação também não consta qualquer
referência à aludida deliberação, nem a indicação do seu
autor e nem a sua data.
VI. Dessa comunicação/notificação (23.06.2003) consta
que a deliberação que a determina é a DLB de 17.10.2002,
do Conselho de Administração, que é, sem margem para
dúvidas, a de intenção de aplicação das referidas multas,
sendo certo que esta não produz efeitos jurídicos externos
por não ser definitiva e executória.
VII. Deste modo, por manifesto erro da Recorrida, aquela
comunicação não cumpre nenhum dos requisitos
estabelecidos no artigo 68º do CPA, razão pela qual não foi
notificado à ora Recorrente o acto de aplicação de multas,
que produzisse os efeitos externos que atingissem a sua
esfera jurídica, e, assim, implicasse o início da contagem
do prazo estabelecido no artigo 255º do RJEOP, para o
exercício do direito de interposição da presente Acção.
VIII. Por outro lado, a comunicação da Recorrida, datada
de 17.07.2003, relativa à segunda multa ou acréscimo de
multa, também não contém o texto do seu Conselho de
Administração de 17.07.2003, e
IX. Para além do que, como agora se constata (Doc. n° 24
da P.I.), aquela deliberação não decidiu a aplicação da
referida multa contratual, tendo-se limitado a aprovar a
minuta de resposta à defesa da ora Recorrente,
desconhecendo-se se é a mesma que lhe foi comunicada.
X. Deste modo, nenhuma das referidas comunicações
cumpre os requisitos do citado artigo 68º do CPA, pelo que
as mesmas não desencadearam o início da contagem do
prazo estabelecido no artigo 255º do RJEOP.
XI. Porque o referido prazo não teve início aquando do seu
recebimento, não estão cumpridos os requisitos da
excepção peremptória da caducidade do direito de acção
que obstem ao conhecimento do pedido.
XII. A ora Recorrente só tomou conhecimento das
deliberações de aplicação das multas em 25 de Novembro
de 2003, na Resposta com documentos notificada ao seu
Mandatário no âmbito dos Recursos Contenciosos de
Anulação supra identificados, pelo que o prazo
estabelecido no artigo 255º do RJEOP só terminou em 28
de Maio de 2004.
XIII. Como a ora Recorrente requereu a Tentativa de
Conciliação prevista no artigo 260º do RJEOP em 29/04/04,
não se verifica a excepção peremptória da caducidade do
direito de interposição da acção e, por isso, não existia
nenhuma circunstância - excepção de caducidade - que
impossibilitasse o Tribunal "a quo" de tomar conhecimento
do pedido formulado nesta Acção.
XIV. Porque o Meritíssimo Julgador do Tribunal "a quo"
assim não entendeu e Doutamente decidiu confirmar a
Douta Sentença em crise, violou o disposto nos artigos 66°
e 68°, nº 1, alíneas a) e b) e artigo 123°, n° 1, al. g), todos
do CPA, no artigo 268°, n° 3, da CRP e no artigo 255° do
RJEOP, sendo, por isso, totalmente inválido o Douto
Acórdão recorrido, devendo, em consequência, ser
revogado com as legais consequências.
II. A recorrida apresentou a sua contra-alegação,
concluindo nos seguintes termos:
1. A RECORRENTE FOI NOTIFICADA DAS
DELIBERAÇÕES DA RECORRIDA QUE LHE APLICAVAM
AS MULTAS CONTRATUAIS,
2. DEPOIS DE PREVIAMENTE TER SIDO OUVIDA E TER
DEDUZIDO AS SUAS DEFESAS;
3. ATRAVÉS DE TAIS NOTIFICAÇÕES A RECORRENTE
TOMOU CONHECIMENTO CABAL E COMPLETO DO
CONTEÚDO E SENTIDO DE CADA UMA DAQUELAS
DECISÕES;
4. DE TAL FORMA, ALIÁS, QUE DELAS RECORREU
CONTENCIOSAMENTE, AÍ IDENTIFICANDO
PERFEITAMENTE AS DECISÕES, O SEU AUTOR E O
SEU SENTIDO, AFIRMANDO MAIS QUE SE TRATAVA
DE ACTOS FINAIS, DEFINITIVOS E COM EFICÁCIA
EXTERNA;
5. POR ISSO QUE NÃO FAÇA SENTIDO INVOCAR
AGORA QUE SÓ PASSOU A CONHECER OS ACTOS
IMPUGNADOS DEPOIS DE RECEBER AS RESPOSTAS
AOS RECURSOS DE ANULAÇÃO QUE INTERPÔS
DESSES ACTOS!
6. IMPROCEDEM, PORTANTO, AS CONCLUSÕES DAS
ALEGAÇÕES DA RECORRENTE, SENDO CERTO QUE O
DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO ESTÁ CORRECTA E
SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO E NÃO VIOLOU
QUALQUER DOS NORMATIVOS INDICADOS PELA
RECORRENTE, ANTES APLICOU CORRECTAMENTE O
DIREITO E FEZ JUSTIÇA.
III. Por acórdão de fls. 493 e segs., proferido pela
formação prevista no nº 4 do art. 150º do CPTA, foi
admitido o presente recurso de revista excepcional.
IV. O Exmo magistrado do Ministério Público neste
Supremo Tribunal emitiu nos autos o seguinte
parecer:
“I.
Vem o presente recurso de revista interposto do douto
acórdão do TCANorte que negou provimento ao recurso
interposto da douta sentença do TAFPorto, a qual, por
procedência da excepção peremptória da caducidade do
direito de acção, absolveu a Ré, ora recorrida, do pedido de
declaração de invalidade das deliberações "DLB 4.134/2003, de 20 de Junho de 2003 e DLB 4.5-39/2003, de
17 de Julho de 2003", que aplicaram à A, ora recorrente,
multas contratuais, no âmbito do contrato de empreitada de
obras públicas celebrado com a Ré.
A recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de
julgamento, com violação dos artºs 66º, 68º, nº 1, a) e b) e
123º, nº 1, g), todos do CPA; artº 268º, nº 3 da CRP e artº
255º do RJEOP, uma vez que tais deliberações só foram
comunicadas/conhecidas da recorrente através das
notificações efectuadas em 25/11/2003, no decurso dos
recursos contenciosos identificados na matéria de facto
assente sob a alínea P) - conclusões II, III e XIV.
II.
Relativamente à primeira deliberação, a recorrente
sustenta, em síntese, que a respectiva comunicação,
datada de 23/06/2003, é omissa quanto ao seu texto
integral e não contém qualquer referência à aludida
deliberação nem a indicação do seu autor e da sua data,
pelo que é uma notificação inoperante para efeito da
contagem do prazo estabelecido no artº 255º do RJEOP conclusões IV a VII.
Constitui firme jurisprudência deste STA que são elementos
essenciais da notificação do acto administrativo a indicação
do autor do acto bem como o sentido e a data da decisão,
pelo que só a falta de qualquer destes elementos toma a
notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para
efeitos contenciosos - Cfr, entre outros, os acórdãos do
Pleno, de 26/11/97, rec. 36927; de 19/3/99, rec. 42491 e de
23/1/03, rec. 48168, e da Secção, de 15/2/07, rec. 1096/06;
de 11/11/04, rec. 504/04 e de 10/7/02, rec. 274/02,
designadamente.
Do teor da notificação desta deliberação constata-se que embora não acompanhada do respectivo texto integral, o
qual, todavia, não constitui elemento essencial da
notificação - à recorrente foi transmitido o sentido da
decisão tomada e devidamente identificado o autor da
mesma deliberação, por ser inequívoca a referência ao
Conselho de Administração da GOP, E.M., enquanto órgão
que, "suportado em parecer técnico e da Fiscalização da
obra, ponderados os argumentos aduzidos pelo
empreiteiro, refuta os mesmos nos termos" nela
enunciados articuladamente e com esse fundamentos e na
sequência da deliberação de 17/10/2002, delibera aplicar à
recorrente as multas contratuais em causa, no montante de
€ 114.334,80, resultantes da violação do prazo contratual
da empreitada - cfr matéria de facto assente sob a alínea
J).
A menção do autor do acto e do sentido da deliberação
resulta assim inequívoca dos termos constantes da
comunicação de 23/6/2003, ao invés do que pretende a
recorrente.
Porém, a razão parece estar do seu lado quando invoca a
inoponibilidade dessa comunicação para efeito da
notificação da mesma deliberação e da sua consequente
relevância para início do prazo de caducidade estabelecido
no artº 255º do RJEOP, já que dela não consta qualquer
indicação da data da mesma deliberação, mostrando-se a
respectiva notificação omissa quanto a um dos seus
elementos essenciais.
Impõe-se pois concluir pela procedência do recurso nesta
parte e pelo alegado erro de julgamento, por indevida
interpretação e aplicação de lei, com ofensa do disposto no
artº 68º, nº 1, b) do CPA, do artº 268º, nº 3 da CRP e do
artº 255º do RJEOP.
III.
No que concerne à segunda comunicação, datada de
17/7/2003, a recorrente funda a inoponibilidade, para
efeitos contenciosos, da notificação da deliberação, da
mesma data, na omissão do respectivo texto e na alegada
inexistência nessa deliberação de qualquer decisão de
aplicação de multa contratual - cfr conclusões VIII e IX.
Porém, está apenas em apreciação no presente recurso a
verificação dos requisitos da excepção peremptória da
caducidade do direito de acção de declaração de invalidade
de tal deliberação, por referência ao aludido prazo e à data
da respectiva notificação como seu termo inicial.
Nesta perspectiva, o recurso terá aqui necessariamente de
improceder, por não obstar à devida notificação do acto a
omissão do texto integral da deliberação, como já acima se
referiu, e ser indiscutível que a comunicação se destinou a
notificar aquela deliberação de aplicação das multas
contratuais no montante de € 56.953,29 - cfr matéria de
facto assente sob a alínea N).
IV.
Em face do exposto, emitimos parecer no sentido de ser
concedido parcial provimento ao recurso, revogando-se a
decisão de procedência da excepção peremptória da
caducidade do direito de acção quanto à peticionada
declaração de invalidade da deliberação de 20/6/2003.”
(Fundamentação)
OS FACTOS
O acórdão recorrido considerou assentes, com
interesse para a decisão, os seguintes factos:
A) Por aviso publicado no DR, II Série, de 07/07/01, foi
aberto concurso público para a adjudicação da empreitada
denominada "Conjunto Habitacional da ... – Conclusão".
B) A Autora apresentou proposta no âmbito do concurso
aludido no ponto que antecede.
C) Em 26/10/01 a Ré notificou a Autora de que a
empreitada referida no ponto A) lhe fora adjudicada.
D) Em 07.11.01 entre a Autora e a Ré foi celebrado o
acordo escrito de fls. 39 a 51 dos autos, denominado
«Conjunto Habitacional da ... - Contrato de Empreitada».
E) A consignação dos trabalhos ocorreu no dia 08/11/2001
(cfr. doc. de fls. 52 dos autos).
F) O prazo global da empreitada terminava no dia
08/03/2002.
G) Por ofício de 18/10/2002 a Ré notificou a Autora da
intenção de aplicação de multa contratual no valor de €
114.334,80 (cfr. doc. de fls. 86 a 89 dos autos).
H) A Autora apresentou a sua defesa nos termos que
constam do documento de fls. 90 a 94.
I) Em reunião realizada em 20/06/2003 a Ré deliberou o
seguinte (cfr. doc. de fls. 102 dos autos):
"4.1. – Conjunto Habitacional da ... – ponto de situação de
multas: Na sequência de várias reuniões efectuadas com o
adjudicatário da empreitada mencionada em epígrafe, no
sentido de se chegar a um acordo relativamente ao ponto
de situação de multas, por violação dos prazos contratuais,
o mesmo não foi possível. Assim, o Conselho de
Administração, com base em parecer técnico (doc. 4.134/2003), deliberou o seguinte:
a) Manter a decisão de aplicação da multa no montante de
€ 114.334,80, bem como aprovar a minuta de resposta às
alegações de defesa do empreiteiro, relativas à mesma;
b) Aprovar e comunicar ao empreiteiro a aplicação do
diferencial das multas calculadas (€ 171.288,09 - €
114.334,80) no montante de € 56.953,29. (DLB 4.134/2003)"
J) Na sequência da deliberação a que se alude no ponto
que antecede, a Autora foi notificada, por ofício de
23/06/2003, que recebeu, da resposta da Ré à defesa
referida em H), da qual consta, designadamente que (cfr.
doc. de fls. 95 a 101 dos autos):
"Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles
fundamentos, serve a presente para, no seguimento da
deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM
DLB de 17-10-2002, comunicar a aplicação das multas
contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo
contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de
Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais
conferidas ao abrigo dos artigos 151° e 194º do Decreto-Lei
n° 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de
€114.334,80..."
K) Por ofício de 23/06/2003 a Ré notificou a Autora da
intenção de aplicação de multa contratual no valor de €
56.953,29 (cfr. doc. de fls. 105 a 110 dos autos).
L) A Autora apresentou a sua defesa, nos termos que
constam do documento de fls. 111 a 117 dos autos.
M) Em reunião realizada em 17/07/2003 a entidade
requerida deliberou o seguinte (cfr. doc. de fls. 126 dos
autos):
"4.4. – Conjunto Habitacional da ... (conclusão) – pedido de
aprovação de resposta às alegações da 2ª multa: O
Conselho de Administração, suportado em parecer técnico
(doc. 4.4-38/2003) aprovou a minuta de resposta a enviar
ao adjudicatário da empreitada identificada em epígrafe,
A..., atinente às alegações de defesa por este
apresentadas, no que concerne à aplicação de multas por
violação dos prazos contratuais (DLB 4.4-39/2003"
N) Na sequência do referido no ponto que antecede a
Autora foi notificada, por ofício de 17/07/2003, que recebeu,
da resposta da Ré, da qual consta, designadamente que
(cfr. doc. de fls. 118 a 129 dos autos):
"Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles
fundamentos, serve a presente para, no seguimento da
deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM
DLB de 17-07-2003, comunicar a aplicação das multas
contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo
contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de
Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais
conferidas ao abrigo dos artigos 151º e 194º do Decreto-Lei
n.º 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de €
56.953,29"
O) A Autora requereu junto do Conselho Superior de Obras
Públicas e Transportes, contra a entidade requerida, a
realização de tentativa de conciliação, nos termos dos
artigos 260º e ss. do Decreto-Lei n° 59/99, em 29/04/2004
(cfr. doc. de fls. 129 dos autos).
P) Correram termos no TAC do Porto os recursos
contenciosos nºs 891/03 e 910/03, através dos quais a
Autora peticionou a anulação das decisões da Ré de
17/10/2002 e de 17/07/2003, que lhe aplicaram as multas
contratuais nos montantes de, respectivamente, €
114.334,80 e € 56.953,29 (cfr. doc. de fls... insertos na P.
Cautelar).
O DIREITO
O presente recurso de revista, intentado por “A…” ao
abrigo do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, tem
por objecto o acórdão do TCA Norte, de fls. 433 e
segs., que, negando provimento ao recurso
jurisdicional por si interposto, confirmou a sentença
do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a
excepção peremptória da caducidade do direito de
acção, na acção administrativa comum por si
intentada contra “GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA
CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, E.M.”, em que pedia
a declaração de invalidade de duas deliberações
que, no âmbito de contrato de empreitada de obras
públicas, lhe aplicaram multas contratuais.
O acórdão de fls. 493 e segs. admitiu o presente
recurso de revista com os seguintes fundamentos:
«A recorrente pretende ver reapreciada por este
STA a decisão das instâncias que consideraram
caduco o direito de instaurar a acção administrativa
comum por ela intentada no Tribunal Administrativo
e Fiscal do Porto, por não ter sido requerida a
tentativa de conciliação junto do Conselho Superior
de Obras Públicas (a qual tem obrigatoriamente de
preceder a propositura da acção), no prazo
legalmente previsto.
Fundamental para a decisão das instâncias sobre a
verificação da caducidade foi o juízo sobre a
suficiência das notificações dos actos
administrativos (deliberações camarárias) que
aplicaram à Autora as multas contratuais que
pretendeu atacar na acção, juízo de que a mesma
discorda.
A resposta à/s questão/ões suscitada/s –
concernente, no essencial, à validade, para efeitos
processuais das notificações efectuadas, e se,
designadamente, é ou não essencial, em qualquer
caso, o envio do texto integral da acta da reunião
onde a deliberação administrativa foi tomada –
reveste melindre e complexidade bastantes para
justificar a admissão do recurso de revista, atenta,
nomeadamente, a necessidade de uma
interpretação harmónica dos textos legais
respeitantes a esta matéria.
Por outro lado, trata-se de uma questão processual
susceptível de se colocar com muita frequência e,
com repercussões de considerável grandeza, uma
vez que se relaciona com o próprio direito à tutela
judicial.
A decisão do presente recurso poderá, assim,
contribuir para uma maior clarificação na aplicação
do direito.»
A apreciação do presente recurso de revista,
naturalmente balizada pelo acervo conclusivo da
alegação do recorrente (art. 690º, nº 1 do CPCivil),
reconduz-se, assim, à questão sinalizada no
acórdão de admissão, cuja apreciação por este
Supremo Tribunal foi considerada como podendo
contribuir “para uma melhor aplicação do direito”,
face à “necessidade de uma interpretação
harmónica dos textos legais respeitantes a esta
matéria”, e de outras que com ela directamente se
conexionem.
E essa dita questão é, como ficou assinalado, a da
suficiência das notificações de dois actos
administrativos (deliberações de uma empresa
municipal de Gestão de Obras Públicas) que
aplicaram à Autora multas contratuais, para efeito de
determinação do início do prazo de propositura de
acção previsto no art. 255º do RJEOP (DL nº 59/99,
de 2 de Março) e consequente decisão da suscitada
caducidade do direito de acção para impugnação
dessas mesmas deliberações.
Por outras palavras, a questão que importa apreciar
é a de saber se as duas notificações em causa,
efectuadas, respectivamente, em 23.06.2003 e
17.07.2003, contêm ou não os elementos essenciais
da notificação do acto administrativo, previstos no
art. 68º, nº 1 do CPA, e se, desse modo, são
oponíveis à A., para efeito de contagem do prazo de
propositura da acção.
A recorrente alega que o acórdão sob revista, ao
confirmar a decisão de procedência da excepção de
caducidade do direito de acção, incorreu em erro de
julgamento, com violação dos arts. 68º, nº 1 e 123º,
nº 1 do CPA, 268º, nº 3 da CRP e 255º do RJEOP,
uma vez que: (i) das notificações que lhe foram
feitas a 23.06.2003 e 17.07.2003 não consta o texto
integral da respectiva deliberação, nem a indicação
do seu autor e da respectiva data, pelo que
nenhuma delas cumpre os requisitos do art. 68º, nº 1
do CPA, não podendo, assim, as mesmas
desencadear o início da contagem do prazo
estabelecido no art. 255º do RJEOP; (ii) a recorrente
só teve conhecimento do teor das referidas
deliberações a 25.11.2003, através das notificações
(das respostas) que lhe foram feitas no âmbito dos
recursos contenciosos que delas interpôs, referidos
na al. P) da matéria de facto, as quais eram
acompanhadas de cópia das actas do C.A. da
recorrida GEOP, EM.
Vejamos.
O acórdão sob revista considera que as notificações
feitas à recorrente contêm os elementos essenciais
da notificação, previstos no citado art. 68º, nº 1 do
CPA, afirmando expressamente:
“Ora, no caso dos autos, o teor das notificações que
aplicaram à recorrente as multas contratuais
serviram perfeitamente para que a mesma tivesse de
imediato optado por impugnar os respectivos actos
administrativos assim comunicados, o que significa
que, na altura, se considerou "bem notificada",
designadamente, quanto aos elementos essenciais à
cognoscibilidade do sentido das decisões
impugnadas e respectivos fundamentos, autoria e
datas em que foram proferidas, que lhe permitiram
deles discordar, de tal forma que até exerceu o
direito de audiência prévia.
(...)
Assim, considerando oponíveis as notificações
efectuadas em 23-06-2003 e 17-07-2003, o prazo
para a instauração da presente acção terminou em
05-01-2004 e 26-01-2004, respectivamente. Tendo
em conta que a realização de tentativa de
conciliação extrajudicial, a qual tem obrigatoriamente
de preceder a propositura da acção, ocorreu em
29/04/04, nesta data já estava caducado o direito da
recorrente de propor a presente acção, pelo que
aquela não operou qualquer interrupção da
caducidade."
A jurisprudência deste STA, à luz do disposto no art.
268º, nº 3 da CRP, tem decidido reiteradamente que
constituem elementos essenciais da notificação do
acto administrativo a indicação do autor do acto e
do sentido e data da decisão (al. b) do nº 1 do art.
68º do CPA), e que só a falta destes elementos torna
a notificação inoponível ao seu destinatário e
irrelevante para efeitos do início do prazo de
interposição do recurso contencioso (cfr. os Acs. de
15.02.2007 – Rec. 1.096/06, de 11.11.2004 – Rec.
504/04, de 23.012.2003 – Rec. 48.168-A (Pleno), de
30.04.03 – Rec. 46.556 (Pleno), e de 10.07.2002 –
Rec. 274/02).
São elementos não meramente informativos ou
adjuvantes (como é o caso da indicação aludida na
al. c) do preceito, cuja omissão não contende com a
aptidão do acto notificador para atingir o «notus
facere» (Cfr. Ac. de 23.03.2006 – Rec. 37/06), mas antes
elementos essenciais da notificação, cuja ausência a
torna substancialmente imprestável para os fins a
que a mesma se projecta.
A esta luz, importa então apreciar a situação sub
judice.
1. Relativamente à primeira deliberação (de
20.06.2003, notificada à A., ora recorrente, por ofício de
23.06.2003, junto a fls. 95), é manifesto que a
recorrente não tem razão no que concerne à
alegada omissão do texto integral do acto, bem
como da identificação do respectivo autor.
O texto integral do acto não tem, como atrás se
disse, sido considerado pela jurisprudência deste
Supremo Tribunal como elemento essencial da
notificação, admitindo-se como suficiente à
consecução do escopo legal a indicação do sentido
da decisão.
Ora, do teor da notificação constante do ofício de
23.06.2003 (fls. 95), maxime do seu excerto final
(transcrito na al. J da matéria de facto), constata-se que
à recorrente foi transmitido, com identificação clara
do procedimento administrativo, o sentido da
decisão tomada e a identificação do autor dessa
mesma decisão, por ser inequívoca a referência ali
contida ao Conselho de Administração da GOP,
E.M., enquanto órgão decisor "suportado em parecer
técnico e da Fiscalização da obra”, ao deliberar
“aplicar à recorrente as multas contratuais em causa,
no montante de € 114.334,80, resultantes da
violação do prazo contratual da empreitada”.
Da notificação constam, pois, sem sombra de
dúvida, a identificação do acto administrativo e do
seu autor, bem como o sentido da decisão.
E cremos que igualmente carece de razão quando
alega que a notificação em causa não contém a data
da deliberação notificada, omitindo assim um
elemento essencial da notificação, previsto no art.
68º, nº 1 do CPA.
Na verdade, o texto da notificação (ofício de fls. 95 a
100) começa por referir que “A A…, empreiteiro
adjudicatário da empreitada identificada em epígrafe,
notificada pela GOP, EM do auto de aplicação de
multas contratuais lavrado pela Fiscalização da obra,
deduziu tempestivamente a sua defesa, nos termos
do disposto no nº 5 do artigo 201.º do Decreto-lei n.º
59/99, de 2 de Março...”, acrescentando de seguida
que “O Conselho de Administração da GOP, EM,
suportado em parecer técnico e da Fiscalização da
obra, ponderados os argumentos aduzidos pelo
empreiteiro, refuta os mesmos nos termos
seguintes:...”.
E, após detalhada exposição das razões porque
desatende a defesa do empreiteiro, conclui o
referido ofício/notificação:
“Considerando, assim, o supra exposto e com
aqueles fundamentos, serve a presente para, no
seguimento da deliberação do Conselho de
Administração da GOP, EM DLB de 17-10-2002,
comunicar a aplicação das multas contratuais
seguintes, resultantes da violação do prazo
contratual de conclusão da empreitada fixado em 12
de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações
legais conferidas ao abrigo dos artigos 151°e 194º
do Decreto-Lei n° 59/99, de 2 de Março, que se
liquida no montante de €114.334,80...”. (sublinhados
nossos)
É evidente que o texto transcrito dá à interessada
perfeita conta de que, na sequência da deliberação
do C.A. da GOP, EM de 17.10.2002, que lhe
comunicou a intenção de aplicação da citada multa
contratual de 114.334,80 €, e da sequente defesa
por ele apresentada, lhe estava, por ofício de 23 de
Junho de 2003, a ser comunicada a rejeição da sua
defesa e a consequente decisão definitiva de
aplicação da referida multa contratual.
Contrariamente ao alegado pela recorrida, este
ofício não identifica, como objecto da notificação, a
deliberação de 17.10.2002, apenas referindo que a
decisão ora notificada (decisão definitiva de
aplicação da referida multa contratual) estava no
seguimento dessa deliberação anterior em que se
comunicava a intenção de aplicar aquela multa
contratual.
Este ofício/notificação não contém realmente a data
da deliberação que aplica definitivamente a multa
contratual (20.06.2003). Mas o ofício, cujo teor atrás
se deixou referido, tem a data de 23 de Junho de
2003, data que a interessada sempre teria em conta
como referência de prazo de impugnação, nos
termos do art. 255º do RJEOP, onde se dispõe que
as acções deverão ser propostas “no prazo de 132
dias contados desde a data da notificação ao
empreiteiro” da decisão que lhe denega algum
direito ou pretensão.
Dúvidas não há, pois, de que a interessada ficou
ciente de que a decisão de que estava a ser
notificada era a decisão definitiva sobre a aplicação
da multa, após rejeição da defesa por si
apresentada, sendo certo que o ofício/notificação,
devidamente datado, lhe transmitiu detalhadamente
o texto da deliberação e respectivos fundamentos
legais.
Os elementos essenciais da notificação devem
constar do texto dessa mesma notificação. Mas não
podemos olvidar que o instituto cumpre uma função
instrumental de garantia dos administrados, qual
seja a de ser dada ao interessado toda a informação
relativa ao acto administrativo em causa, a fim de
que ele disponha dos elementos essenciais
conformadores da decisão administrativa,
necessários a um adequado exercício do direito de
impugnação.
Ora, a circunstância de o ofício de notificação, que
lhe transmitia detalhadamente o sentido da decisão
notificada com plena identificação do processo
administrativo, conter ele próprio a respectiva data,
conferia à interessada toda a garantia de que a
mesma carecia para exercer adequadamente o
direito de impugnação, nos termos do art. 255º do
RJEOP, não podendo afirmar-se que ela tivesse
ficado limitada ou desprovida de qualquer elemento
necessário a tal actuação processual.
Tanto assim é – como se pondera no acórdão sob
revista –, que a recorrente demonstrou cabalmente,
em juízo, a suficiência da notificação que lhe foi
feita, tendo em conta que intentou no TAC do Porto,
na sequência dessas mesmas notificações, e,
obviamente, dentro do respectivo prazo legal, dois
recursos contenciosos para anulação das
deliberações em causa (RC nº 891/03 e RC nº
910/03 – cfr. al. P) da matéria de facto), neles
evidenciando o conhecimento das decisões
impugnadas, cuja anulação peticionou (cfr. al. P) da
matéria de facto).
2. Quanto à segunda deliberação (de 17.07.2003,
notificada à A., ora recorrente, por ofício da mesma data,
junto a fls. 118), é manifesto que a recorrente carece
inteiramente de razão, ao fundar a inoponibilidade
da respectiva notificação, para efeitos contenciosos,
na omissão do texto integral da deliberação e na
pretensa inexistência, nessa deliberação, de
qualquer decisão de aplicação de multa contratual.
No que à exigência do texto integral da decisão diz
respeito, dá-se por reproduzido o que atrás se
deixou dito, no sentido de que tal elemento não tem
sido considerado pela jurisprudência deste Supremo
Tribunal como elemento essencial da notificação,
admitindo-se como suficiente à consecução do
escopo legal a indicação do sentido da decisão.
Quanto à alegada inexistência de decisão de
condenação, cremos tratar-se de evidente distracção
da alegante, bastando atentar no texto da dita
deliberação, transcrita na al. N) da matéria de facto:
“Considerando, assim, o supra exposto e com
aqueles fundamentos, serve a presente para, no
seguimento da deliberação do Conselho de
Administração da GOP, EM DLB de 17-07-2003,
comunicar a aplicação das multas contratuais
seguintes, resultantes da violação do prazo
contratual de conclusão da empreitada fixado em 12
de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações
legais conferidas ao abrigo dos artigos 151º e 194º
do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que se
liquida no montante de € 56.953,29”. (sublinhado
nosso)
Nesta conformidade, e como bem decidiu o Tribunal
a quo, sendo oponíveis, para efeitos de impugnação
contenciosa, as notificações efectuadas em
23.06.2003 e 17.07.2003, o prazo previsto no art.
255º do RJEOP para a instauração da acção
administrativa comum a que os autos se reportam
estava já ultrapassado à data em que a recorrente
requereu a tentativa de conciliação extrajudicial
prevista no art. 260º do RJEOP, e que deve, nos
termos desta disposição legal, preceder a
propositura daquela acção.
Não merece pois qualquer censura a decisão
recorrida que confirmou a procedência da excepção
de caducidade do direito de acção, não tendo a
mesma violado qualquer das disposições invocadas
pela recorrente, pelo que improcedem na íntegra as
respectivas alegações.
( Decisão )
Com os fundamentos expostos, acordam em negar a
revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Outubro de 2009. – Luís Pais Borges
(relator) – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – José
Manuel da Silva Santos Botelho.
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