Intervenção do Presidente da Direcção da AIP-CCI,
Dr. José Eduardo Carvalho,
por ocasião das comemorações do 175º aniversário,
em 3 de Fevereiro de 2012
1.
A Associação Industrial Portuguesa comemora 175 anos. Mais do que
uma pertença dos associados, é um património do país.
Fundada em 28 de Janeiro de 1837, por 756 associados, no reinado de
D. Maria, recebeu do governo de Passos Manuel a devida autorização
de constituição. Vivia-se uma conjuntura caracterizada pela euforia das
ideias liberais e pelo despertar da importância da iniciativa privada.
Dos seus estatutos iniciais, realça-se a preocupação com o
desenvolvimento do país, a modernização industrial, e a qualificação
da mão-de-obra.
Foi dissolvida por João Franco em 1894, por escassos 3 anos, e
conseguiu não ser absorvida pela organização corporativa do estado
novo, garantindo assim uma dignificante independência face ao
mesmo. Conheceu depois do 25 de Abril, e com a gestão do
Comendador Rocha de Matos, um crescimento associativo e
patrimonial de grande significado.
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Passados 175 anos, procura-se manter a fidelidade aos princípios e às
suas iniciais preocupações programáticas. São esses princípios que
permitem parametrizar estratégias associativas adequadas à actual
conjuntura.
Reconhecemos que a fragmentação do associativismo empresarial
tem resultado da incapacidade e da ineficácia das associações em dar
uma resposta às expectativas e às necessidades das empresas. É
possível que tal fenómeno esteja também correlacionado com a crise
de representação orgânica existente na sociedade portuguesa. Mas a
verdadeira razão prende-se com a existência de um associativismo que
tem sentido graves limitações, dificuldades e insuficiências em
acrescentar valor aos associados.
O reforço da legitimidade e da liderança associativa não advém do
relacionamento estreito com o poder mas da capacidade para
formatar políticas que contribuem para o desenvolvimento do país.
E há que desfazer o equívoco da legitimidade dos dirigentes
associativos. Ela advém das empresas e dos empresários e não do
sufrágio universal. Não podemos continuar a mitigar o alcance das
propostas e medidas mais adequadas aos interesses das empresas e
do tecido empresarial com receio da opinião pública. Quem nos elege
são as empresas e não a população.
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2.
O primado da intervenção da AIP concentra-se na concepção de
projectos e acções que possam ultrapassar o deficit associativo que
apresentamos na melhoria da capacidade de gestão das empresas e
da sua competitividade.
A AIP vai ter de:
- Dinamizar no tecido empresarial os processos de fusões e aquisições.
- Criar fundos de capital de risco e participar na sua gestão.
- Elaborar e propor ao ME novos instrumentos de financiamento para
as empresas e dinamizar a procura de novos produtos financeiros e
de instrumentos de capitalização. Não podemos escamotear que o
capital social de 90% do tecido empresarial de PME’s não suporta a
permanência de 8 dias de um director-comercial na China.
- Reforçar a ligação das universidades e laboratórios de investigação
com as necessidades de inovação das PME’s, evitando que cerca de
1,7% de despesas de I&D no PIB, permaneçam na redoma do
conhecimento, não se transferindo para a economia e não se
transformando em inovação.
- Constituir consórcios ou ACE’s de empresas exportadoras, e projectos
de cooperação com grupos empresariais portugueses fortemente
internacionalizados, que facilitem o acesso a mercados externos fora
da Europa, como por exemplo os 19 países latino-americanos, cujas
exportações nacionais representam apenas 3,4 do total das
exportações e onde só existem em vigor 6 acordos de dupla
tributação.
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- Criar estruturas de suporte e apoio em Angola e Moçambique que
permitam a penetração comercial e apoio às competências de gestão
das empresas portuguesas nesses países.
- Colaborar com o governo na dinamização e gestão de programas que
incentivem a procura e consumo de produtos com forte incorporação
nacional.
- Conseguir estender a todo o país um vasto programa de formação
para empresários de PME’s na área de gestão de inovação.
Neste momento, honrar o património associativo e histórico da AIP
pressupõe por um lado:
- ter capacidades para executar este tipo de acções e tarefas.
- não esquecer a defesa dos valores da iniciativa privada e da
economia de mercado.
3.
Neste particular, a recente alienação de participações sociais de uma
SGPS portuguesa e o acordo de concertação social, vieram revelar os
preconceitos ideológicos sobre a empresa e a função social do
empresário, que ainda persistem em segmentos e estratos sociais
influentes na sociedade portuguesa.
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Uma operação que não afectou emprego, vendas e PIB em Portugal,
inserida numa estratégia de internacionalização, e num ambiente de
livre estabelecimento e de circulação de capitais, não provocou, como
seria de esperar, uma reflexão sobre:
- a nossa competitividade fiscal em relação a outros países;
- ou uma discussão sobre o modelo de tributação existente no país,
que taxa lucro, poupança e trabalho, em vez de incentivar a riqueza.
Não foram estas reflexões o objecto de discussão pública, mas sim o
insulto e o vilipêndio de alguém, um dos melhores entre nós, que teve
a coragem de expor ideias sobre a situação do país, com a legitimidade
que lhe advém de uma obra empresarial notável e de um contributo
inestimável para o estudo da sociedade e economia portuguesa.
Este exemplo, que não tem subjacente qualquer juízo de valor sobre o
sector da distribuição em Portugal, revela apenas que se julgava mais
consolidado na cultura e na sociedade portuguesa, a valorização do
papel da empresa e do empresário como entidades relevantes no
sistema económico e social.
4.
O outro exemplo, prende-se com o acordo de concertação social
recentemente celebrado, cujo sentido de responsabilidade dos
subscritores se saúda.
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De maneira alguma podemos aceitar que se julgue que as medidas
constantes do acordo traduzam um:
- Desequilíbrio profundo e acentuadíssimo na relação de forças no
mercado laboral.
- Retrocesso nos direitos sociais e laborais desajustados à actual
conjuntura económica.
- Regresso do livre arbítrio de um patronato esclerosado.
A relação salarial dominante estruturada pelas reformas do pós 25 de
Abril caracteriza-se:
- Estabilidade de emprego
- Remuneração e duração de trabalho convencional
- Protecção social
- Protecção à organização sindical
- Direito à greve
Ao longo dos anos apareceram factores que contribuíram para a
desestruturação desta relação: generalização de contratos a prazo;
exteriorização de emprego; novas formas de organização de tempo de
trabalho; relações de trabalho híbridas e não regulamentadas nas
PME’s; barreiras à entrada no mercado de jovens qualificados;
evolução tecnológica; obsolescência de categorias profissionais;
alteração dos padrões de competitividade das empresas. Mas o
enquadramento legal desta matriz manteve-se.
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Foi ela que tornou rígido o mercado laboral e que acentuou a
diferença de competitividade entre o sector transacionável e não
transacionável da nossa economia que se traduziu num custo para as
empresas e particulares, através de preços ou de impostos.
Admito que não seja fácil reconhecer a imperatividade da mudança,
mas a legislação laboral tinha de ser alterada e adequada à evolução
económica e social verificada. Não sei, todavia, se a situação do país
não exigirá ainda alterações constitucionais em matérias relacionadas
com o mercado laboral. Percebe-se que a política não possa ou não o
queira fazer. Mas infelizmente, mais tarde, a economia encarrega-se de
demonstrar o que deveria ter sido feito.
5.
Neste momento, o governo tem de fazer ao mesmo tempo:
- reduzir e controlar a despesa pública,
- reformar o estado,
- implementar medidas para o crescimento sem fazer crescer a
dívida.
É uma tarefa difícil que apela à nossa colaboração.
Todos concluímos, que se não conseguirmos um equilíbrio das nossas
contas externas, nenhum modelo de desenvolvimento terá sucesso
neste país. E sem conseguirmos conciliar o equilíbrio das contas
públicas e o crescimento, não teremos país económico. E sem
encontrarmos soluções que compatibilizem a desalavancagem do
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sistema financeiro e a sua solvabilidade, com as necessidades de
financiamento das empresas, não teremos tecido empresarial. O que
se está a passar neste momento, já ultrapassou os efeitos esperados
do ajustamento estrutural da nossa economia. As insolvências
entraram já num segmento empresarial que não se enquadra no
conceito da destruição criativa.
Reconhecemos a importância das variáveis exógenas na determinação
da nossa evolução económica: o comportamento da economia
europeia onde se concentra 78% das nossas exportações; a política
europeia; a alteração ou não do mandato do BCE; a evolução para um
governo económico europeu; uma certa mutualização da dívida
soberana; o reforço do mecanismo europeu de estabilidade, etc.
Há contudo, imperativos de grande actualidade e exigência interna:
a) A execução rigorosa do acordo de ajuda externa;
b) A resolução do financiamento ao sector privado, aliviando-o
das necessidades de financiamento do sector público;
c) A assumpção pontual dos compromissos do estado às
empresas;
d) A adopção de medidas que provoquem choques de
produtividade na economia portuguesa, como a desvalorização
fiscal através da redução da TSU que sempre nos pareceu
ajustado a uma economia com elevado desemprego e taxas de
câmbio reais sobreavaliadas, e que evitará possivelmente, algum
dia termos de reflectir sobre a rigidez dos salários nominais.
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Há dias, o Presidente da Assembleia-Geral da AIP, Dr. Ferraz da Costa,
defendeu um acordo a que chamou Acordo para o Euro, que deveria
ser subscrito pelos partidos do arco da governação com a colaboração
activa do Presidente da República. Acordo que consagrasse por um
largo período, as principais políticas económicas e financeiras do país,
baseado em orçamentos públicos equilibrados, tributação fiscal
dissuasora do consumo e incentivadora da poupança e investimento, e
uma legislação laboral competitiva com os países com os quais
concorremos na atracção de investimento produtivo.
É um acordo necessário mas difícil. Mas será bem mais difícil viver sem
ele.
José Eduardo Carvalho
Presidente da AIP-CCI
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