Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
Sobre o conceito de Estrutura: em que se pode reconhecer o
Estruturalismo?
d.o.i. 10.13115/2236-1499.2013v1n10p198
Adjair Alves 1
José Roberto de Melo 2
Resumo
O Estruturalismo tem se colocado no campo da Antropologia
como um modelo de inteligibilidade, para o qual a categoria de
tempo (sincronia/diacronia) tem sido trabalhada como relação
excludente. No presente texto, procuraremos discutir como o
conceito de Estrutura, na sua forma mais influente, foi forjado
como uma expressão metodológica, e que a relação
(sincronia/diacronia) traduz-se como falsa oposição. Inicialmente
buscaremos identificar os antecedentes teóricos do Estruturalismo
de Lévi-Strauss, seja no campo das Ciências Sociais, seja no
campo da Psicologia e da Lingüística. Para então, na segunda
parte do texto, atingir o principal objetivo proposto. Entendemos
tratar-se uma empresa arriscada, dada à complexidade da temática
em foco, mas procuraremos, dentro dos limites, sermos o mais
objetivo possível.
Palavras-chave: Estrutura. Estruturalismo. Lévi-Straus. Ciências
Sociais.
_____________
1
Doutor em Antropologia e professor adjunto da Universidade de
Pernambuco.
2
Mestrando em Antropologia pelo PPGA/UFPE.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
Abstract
The Structuralism has been placed itself in the Anthropology
field as a model of intelligibility, for which the category of time
(synchrony/diachrony) has been worked up as excluding relation.
In the present text, we will seek to discuss how the concept of
Structure, in its most influential form, was forged as a
methodological
expression,
and
that
the
relation
(synchrony/diachrony) translates as false opposition. Initially we
will pursue to identify the theoretical antecedents of LéviStrauss’s Structuralism, whether in the field of Social Sciences,
whether in the field of Psychology and Linguistics. To then, in
the second part of the text, achieve the main objective proposed.
We understand it is a risky undertaking, given the complexity of
the thematic in focus, but we will try, within the limits, be as
objective as possible.
Keywords: Structure.
Sciences.
_______________
Structuralism.
Lévi-Straus.
Social
A princípio, é preciso esclarecer que ocupar-se com
questões formais, estruturais, organicistas, não significa
necessariamente referir-se a uma postura estruturalista. Não basta
falarmos em estruturas, reconhecermos estruturas, operarmos
estruturalmente, para sermos estruturalistas. O uso do conceito de
estrutura, não é, necessariamente, indicativo da atitude
estruturalista. Muito menos podemos falar no estruturalismo,
como no singular. O termo estrutura, às vezes como numa espécie
de modismo, tem sido reivindicado, pelos mais diferentes
seguimentos da atividade científica: da História à Semiótica, das
Artes às Ciências Sociais, passando pela Filosofia e, sem exagero,
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
pode-se dizer que desde Platão é possível especular sobre este
conceito.
Que implicações no campo específico da Antropologia
teve o Estruturalismo? Podemos falar ainda de estudos
estruturalistas
em
Antropologia?
Estruturalismo
ou
Estruturalismos? Poderíamos dá evasão a toda uma série de
questões que traria a tona um quadro epistemológico dos modelos
estruturais e, ainda que respondêssemos a todos os
questionamentos não exauríamos tal campo de estudo, tamanho
suas implicações no campo próprio da teoria científica. No
presente texto, no entanto, vamos nos limitar ao Estruturalismo
em Antropologia, reconhecendo que o mesmo não estar aí
limitado.
1.
Antecedentes teóricos do Estruturalismo em Etnologia.
Inegavelmente, embora não tenha sido o único
estruturalista no campo da Antropologia, tampouco o primeiro,
Lévi-Strauss foi, no entanto, o mais influente de todos. Por outro
lado, embora não se possa negar a genialidade desse grande
cientista social, necessário se faz, também, reconhecer que ele
recebeu influências significativas, algumas das quais
reconhecidas por ele mesmo, de pesquisadores tais como: L.
Morgan, Tylor, Malinowski e Radcliffe-Brown, mas estar, no
entanto, na Escola Sociológica Francesa, sobretudo Durkheim e
Mauss, a influência reconhecida, como mais contundente,
sobretudo pela associação que realiza entre determinados campos
de saber que foram, por assim dizer, fundamental aos estudos
estruturalistas (LAYTON; 1997:89).
MAUSS (2003: 11), de quem Lévi-Strauss toma
emprestado a idéia de “inconsciente social” e a “regra do dom”,
concepções que lhes servirão como antecedentes do princípio de
reciprocidade, fundamento de “As estruturas elementares do
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parentesco”, é considerado, como o precursor do estruturalismo
em Etnologia. Particularmente, em seus estudos sobre a dádiva,
procurou destacar a importância das interações transformadoras.
Como assinala Lévi-Strauss em sua introdução à obra de Mauss.
Seja suficiente lembrar que a influência de
Mauss não se limitou aos etnógrafos, nenhum
dos quais poderia dizer ter escapado a ela,
mas se estendeu também aos lingüistas,
psicólogos, historiadores das religiões e
orientalistas, de modo que, no domínio das
ciências sociais e humanas, uma plêiade de
pesquisadores franceses lhe deve, de alguma
forma, a orientação. [...] No conjunto, a obra e
o pensamento de Mauss agiram antes por
intermédio de colegas e de discípulos em
contato regular ou ocasional com ele, do que
diretamente, na forma de palavras ou de
escritos.
Mas adiante, em outro trecho, 3 reconhecendo o
caráter de profundidade da obra de Mauss e sua capacidade de
transcender a observação empírica, reivindicação feita por LéviStrauss ao pontuar as exigências dos estudos estruturais em
atingir realidades mais profundas, afirma:
Pela primeira vez, o social cessa de pertencer
ao domínio da qualidade pura – anedota,
curiosidade, matéria de descrição moralizante
ou de comparação erudita – e torna-se um
sistema, entre cujas partes pode-se descobrir,
portanto,
conexões,
equivalências
e
solidariedades. São primeiramente os
produtos da atividade social (técnica,
econômica, ritual, estética ou religiosa) –
3
Id. p. 31.
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ferramentas,
produtos
manufaturados,
produtos alimentares, fórmulas mágicas,
ornamentos, cantos, danças e mitos – que se
tornam comparáveis entre si pelo caráter
comum que todos possuem de serem
transferíveis, segundo modalidades que
podem ser analisadas e classificadas e que,
mesmo quando parecem inseparáveis de
certos tipos de valores, são redutíveis a
formas mais fundamentais, estas gerais. Aliás,
eles não são apenas comparáveis, mas com
freqüência substituíveis, na medida em que
valores diferentes podem se substituir na
mesma operação. E, sobretudo, são as
próprias operações, por diversas que possam
se mostrar através dos acontecimentos da vida
social (nascimento, iniciação, casamento,
contrato, morte ou sucessão),e arbitrárias pelo
número e a distribuição dos indivíduos que
envolvem,
como
recipiendários,
intermediários ou doadores, que autorizam
sempre uma redução a um número menor de
operações, de grupo ou de pessoas, nos quais
não mais reaparecem, no fim de contas, senão
os termos fundamentais de um equilíbrio,
diversamente concebido e diferentemente
realizado segundo o tipo de sociedade em
questão.Os tipos tornam-se assim definíveis
por
esses
caracteres
intrínsecos,
e
comparáveis entre si, já que esses caracteres
não se situam mais numa ordem qualitativa,
mas no número e no arranjo de elementos que
são, eles próprios, constantes em todos os
tipos.
Evidentemente, Mauss não seria a única influência
recebida da Sociologia Francesa por Lévi-Strauss. Em, O que a
Etnologia deve a Durkheim, podemos perceber como este pode
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exercer sobre aquele uma impressão positiva. Neste artigo, LéviStrauss se refere ao privilegiamento dado por Durkheim a
etnografia como matéria essencial às induções produzidas pelas
Ciências Sociais. E aí, mostra como este cientista social faz uma
comparação entre a História e a Etnologia, revelando a oposição
existente entre estas atividades teóricas, no tocante a forma como
se apropriam dos dados.
LÉVI-STRAUSS (1987: 56), faz algumas considerações,
de forma emocionada, sobre a influência daquele pesquisador à
construção da etnologia, influência, evidentemente, sobre seu
pensamento. Diz ele:
Nada é mais emocionante e convincente do
que decifrar esta mensagem por meio da obra
de Radciffe-Bronw a quem – ao mesmo
tempo que a Boas, Malinowski e Mauss – a
etnologia deve, no final do primeiro quarto
deste século, a conquista de sua autonomia.
Ainda que inglês, e herdeiro, portanto, de uma
tradição intelectual com a qual se confunde
até mesmo a história da etnologia, é para a
França e Durkheim que o jovem RadcliffeBrown se dirige, quando empreende fazer da
etnologia, até então uma ciência histórica ou
filosófica,
uma
ciência
experimental
comparável às outras ciências naturais: esta
concepção, escreve ele em 1923, ‘não é de
modo algum nova. Durkheim e a grande
escola de l’Année Sociologique defenderamna desde 1958’...
Evidentemente, que os acontecimentos fatídicos
provocados pela guerra (1914 – 1918), que dizimou a primeira
geração formada por Durkheim, tiveram sua parte na não
concretização de um projeto assinalado pela sua presença,
sobretudo, por sua obra “Les Formes Élementaires de la Vie
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Religieuse”, que poderia levar alguns de seus pupilos a campo.
Lévi-Strauss (Id.) entende que embora Durkheim não tenha
praticado a observação direta, isto é, a etnografia, sua obra, no
entanto, exerceu uma grande influência, sobretudo, aos
etnógrafos australianos.
Dos pontos longínquos onde se encontrava de
serviço, a etnografia foi assim reconduzida ao
coração da cidadela científica. Todos aqueles
que, desde então, contribuíram para
conservar-lhe este lugar, reconheceram-se
sem rodeios, como Durkheimianos.
Os antecedentes teóricos do Estruturalismo LéviStraussiano não se limitaram, contudo, ao campo antroposociológico. Da Lingüística Estrutural advém, possivelmente, a
maior influência. Barrios (2005: 124) entende que esta influência
começa a ser forjada por volta de 1945, após anos de publicações
de trabalho de campo. Ela começa a se presentificar, sobretudo a
partir da publicação de “A análise estrutural em Lingüística e em
Antropologia”. Ainda segundo Barrios (Idem.), é a partir daí que
Lévi-Strauss passa a levar em consideração aspectos lingüísticos
na elaboração de suas teorias, “as quais giram ao redor de um
núcleo, digamos, filológico”. As Estruturas Elementares do
Parentesco, O Totemismo na Atualidade, O Pensamento
Selvagem, Mitológicas I, IV, A Oleira Ciumenta e a Via das
Máscaras, são as obras onde esta influência se faz notar mais
fortemente.
A empresa a que se detém Lévi-Strauss é identificar as
oposições, conexões, as leis que subjazem e regulam as
manifestações sociais. Estas, reconhecidas enquanto significantes,
isto é, possuem uma relação com o âmbito do signo humano. O
homem tomado como um animal simbólico. 4 Contudo, não se
pode reduzir o estruturalismo a Lévi-Strauss, de alguma forma os
4
CASSIRER, Ernesto. Antropologia filosófica. p. 48.
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pressupostos e indícios de entender a sociedade pelas suas
relações estruturais já estava subjacente em diferentes
abordagens. E por ele foi feita uma aplicação, com as influencias
mais diversas, que possibilitou aplicar princípios semiológicos
para entender as lógicas das diferentes culturas. Esta forte
mediação da herança Saussuriana, no pensamento de LéviStrauss, deve-se, sobretudo as influências dos trabalhos de
Trubetzkoy e Roman Jakobson, a quem conhece quando de sua
passagem pelos Estados Unidos (1941 a 1945), onde esteve
fugindo da guerra. Jakobson foi co-responsável nesta virada
lingüística e estruturalista da antropologia pós-guerra de LéviStrauss.
É a ideia de que os homens se comunicam por meio de
símbolos e signos, permeando o universo da etnologia. Como na
antropologia a realidade se configura como linguagem simbólica,
estas duas realidades (símbolo e signo) são aí tomadas como
instrumentos de mediação na comunicação humana. Esta
mudança no pensamento de Lévi-Strauss marca também o seu
distanciamento da herança sociológica francesa, sobretudo da
herança positivista e evolucionista Durkheimiana.
Outras influências se fizeram presentes no pensamento
de Lévi-Strauss tais como, o marxismo e a psicanálise, sobretudo
Freudiana.. O conhecimento de que são normas oculta, distintas
das aparentes, as que regem a vida social, parece ter sido uma das
maiores contribuições do marxismo ao estruturalismo LéviStraussiano. Sobre o fervor advindo das leituras de Marx, afirma:
“jamais se desmentiu e raras vezes dedico-me a enfrentar um
problema de sociologia ou de etnologia sem previamente
revigorar minha reflexão com algumas páginas do 18 de
Brumário de Luís Napoleão (sic) ou da Crítica da economia
política.” 5
É preciso que se diga que para Lévi-Strauss a história
organiza seus dados em relação com as expressões conscientes da
5
LÉVI-STRAUSS, Claude. (1996: 55).
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vida social, enquanto a etnologia, em relação com as condições
inconscientes. Isto nos mostra o quão longe se situa Lévi-strauss
do materialismo cultural, e o quanto mais próximo se encontra ele
do estruturalismo estático de Saussure, atestando assim, uma
incompatibilidade entre estrutura e história. Podemos também
assinalar aqui um emparelhamento do etnólogo com a teoria
freudiana e suas abordagens do inconsciente, tanto no indivíduo
como no social. Lévi-Strauss, como Freud, considerava as
manifestações mais irracionais, como as mais significativas e
susceptíveis de um estudo racional revelador de traços
significativos da vida cultural humana. Em “As estruturas
elementares do parentesco”, ele se utiliza dos estudos da
psicanálise para elucidar temas sociais tais como: regras do
parentesco, rituais, mitos, entre outros. O que pretende é
encontrar as estruturas inconscientes, lingüísticas e psíquicas,
daquelas instituições.
Evidentemente, que o estruturalismo de Lévi-Strauss,
não pode ser reduzido a esta ou aquela influência, o que
significaria um completo desconhecimento da genialidade deste
teórico e o empobrecimento de sua contribuição à construção do
estruturalismo em etnologia.
2.
A noção de Estrutura em Etnologia e a relação
diacronia/sincronia.
Como muito bem assinala LÉVI-STRAUSS (1989: 313):
“a noção de estrutura social evoca problemas demasiado vastos e
vagos para que se possa tratá-los nos limites de um artigo.”
Assim, a primeira constatação que se tem de estruturalismo é que
se trata de um modelo de inteligibilidade, uma grade cuja
finalidade ou função consiste em possibilitar a resolução de
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
diferentes níveis culturais em séries paralelas de homologias.
Falar do estruturalismo significa, portanto, referir-se a um modelo
de comunicação por onde se busca estabelecer um processo pelo
qual, homologias formais entre os diferentes contextos culturais
são identificadas. Como afirma ECO, (2003:251):
A função de um método estrutural consiste
justamente em permitir a resolução de
diferentes níveis culturais em séries paralelas
homólogas. Função, portanto, puramente
operacional, com vista a uma generalização
do discurso.
A estrutura, pelo que podemos entender é composta ou
se constitui dessa “comunicabilidade dos significantes”, o valor
dos signos está nesta comunicabilidade, na inter-relação. A título
de ilustração podemos dizer que ela representa a linha
demarcatória que se desenha com maior clareza a diferenciação
entre (madeira), (bosque), (floresta). A idéia extralingüística de
um aglomerado restrito de pequenas árvores, opostas à idéia de
um monte de lenha e de um aglomerado vasto de grandes árvores
não precede o sistema. Nasce da estrutura da língua, que confere
um valor de posição no sistema aos termos, qualificando-os
semanticamente pela diferença que manifestam em relação a
outros termos, comparando ao sistema de outras línguas.
Assim a estrutura constitui-se um modelo como sistema
de diferenças. A característica desse modelo é a sua
transponibilidade de fenômeno para fenômeno e de ordens de
fenômeno para ordens de fenômenos diferentes. O sentido é a
constituição de caminhos para a unificação do saber e uma
direção a fecundas relações entre as várias ciências humanas.
Segundo Bonomi (1974: 114 – 7), para Lévi-Strauss, os
temas da “normalidade” e do “exotismo”, presentes na
Antropologia têm como finalidade a tentativa de confinar ao
“irracional” e no estranho uma experiência diferente. Este foi o
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
caminho mais fácil encontrado pela etnologia tradicional como
forma de garantia da “objetividade científica”: “remeter o
pensamento dos chamados primitivos para a natureza, a
animalidade, ou reduzi-lo a um estádio embrionário do nosso”. A
tarefa da etnologia, para Lévi-Strauss, não é só revelar uma
experiência estranha à nossa, mas também, e principalmente,
“trazer à luz certas funções universais do sujeito humano”, assim
ela nos levará a mudar a imagem que tínhamos do “primitivo”,
mas também a nossa própria imagem.
A objetividade da investigação se efetiva no
distanciamento entre observador e observado, na medida em que
impede a sua identificação com o objeto e redução deste à
perspectiva daquele. Este distanciamento limita, mas também
possibilita a comunicação. Se a estranheza impossibilita a
comunicação, o objeto se fecha em sua opacidade, tornando-se
refratário à investigação. Em Lévi-Strauss, o conceito de
objetividade assume um valor problemático, pois não marca
somente uma ruptura, uma distância, mas também uma
reciprocidade, uma solidariedade entre observador e observado.
Para Lévi-Strauss (1989b: 75), a experiência concreta (etnografia)
constitui o ponto de partida, mas também o de chegada. “A
verdade é que o princípio de uma classificação nunca se postula,
somente a pesquisa etnográfica, ou seja, a experiência, pode
apreendê-lo a posteriori”.
O recurso ao modelo é, portanto essencial para a
compreensão da realidade etnográfica, mas com a condição de o
próprio modelo poder fundar-se nessa realidade e de possuir um
valor heurístico, não absoluto. O ponto de partida é, de fato, a
lingüística. O conceito de estrutura surge aí ofuscado pelo
conceito de sistema, onde a concepção de língua, sobretudo na
escola de praga (1929), como sistema impõe uma comparação
estrutural, indispensável também para a investigação diacrônica.
Comparação estrutural, para quem as relações recíprocas dentro
do sistema são consideradas mais essenciais que o conteúdo
fonológico.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
A idéia de um “modelo estrutural” como um sistema de
diferenças, é um sistema de correlações abstraíveis, que é
individualizado quando aplicado às várias realidades. Assim se
quer observar algumas combinações de correlações que se
encontram nas mais diversas culturas, enquanto outras não
existem em parte alguma. Um exemplo disso são os sistemas
fonológicos. Nesses modos, reduzida a esquema ou modelo, a
estrutura se presta a ser aplicada como grade interpretativa e
descritiva de fenômenos diferentes. Aí vale a conclusão
pronunciada por Lévi-Strauss (apud. ECO. Id. p 261):
Nenhuma ciência pode hoje considerar as
estruturas do seu campo como reduzidas a
uma disposição qualquer de partes quaisquer.
Só será estruturada a disposição que obedeça
a duas condições: é preciso que ela seja um
sistema regido por coesão interna; é preciso
que tal coesão, inacessível à observação de
um sistema isolado, se revele no estudo das
transformações, graças às quais encontramos
propriedades
similares
em
sistemas
aparentemente diferentes.
Em seu discurso proferido no Collège de France, por
ocasião de sua aula inaugural, Lévi-Strauss deixa claro que numa
sociedade primitiva, as várias técnicas, que tomadas isoladamente
podem aparecer como um dado bruto, situado no inventário geral
das sociedades, surge como equivalentes de uma série de escolhas
significativas: um machado pode, por exemplo, tornar-se signo;
porque toma o lugar, no contexto em que se insere, do utensílio
diferente que outra sociedade empregaria para o mesmo fim. O
significado é posicional e diferencial. À Antropologia cabe
descrever sistema de signos e fazê-lo segundo modelos
estruturais. As experiências são encontradas prontas, elas são
substituídas por modelos. Há um processo de manifestação das
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
experiências. A estrutura não pertence à ordem da observação
empírica. Ela se situa para além.
Diz Lévi-Strauss:
O princípio fundamental é que a noção de
estrutura social não se refere à realidade
empírica, mas aos modelos construídos em
conformidade com esta. Assim aparece a
diferença entre duas noções, tão vizinhas que
foram confundidas muitas vezes: a de
estrutura social e a de relações sociais. As
relações sociais são a matéria-prima
empregada para a construção dos modelos
que tornam manifesta a própria estrutura
social. Em nenhum caso esta poderia, pois,
ser reduzida ao conjunto das relações sociais,
observáveis numa sociedade dada. 6
Para Lévi-Strauss, trata-se de um problema
epistemológico. Segundo ele, para merecer o nome de estrutura,
os modelos devem satisfazer quatro condições: possuir um caráter
de sistema; pertencer a um grupo de transformações, cada uma
das quais correspondentes a um modelo da mesma família
constituindo um grupo de modelos; ter caráter previsível do modo
como reagirá em caso de modificações de um dos seus elementos;
e finalmente, que seja um modelo capaz de explicar todos os fatos
observados.
A questão que se coloca é que: se há uma transposição
de modelos de um sistema para outro, qual a garantia desta
operação? Ou seja, tem-se um sistema de regras que permite o
articular-se de uma língua (código lingüístico) e um sistema de
regras que permite o articular-se das trocas de parentesco como
modo de comunicação (código de parentesco). Então seriam
6
LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. Cit. p. 316.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
necessárias regras que prescrevam a equivalência estes sistemas,
para estabelecer sua equivalência. Isto é um meta-código.
E ainda: este meta-código é universal? Sendo; como
entender essa universalidade no sentido de que se trata de regras
úteis para explicar diferentes fenômenos? Segundo Lévi-Strauss,
essas estruturas são universais no sentido de que a tarefa do
antropólogo é exatamente a de elaborar transformações sempre
mais complexas para explicar com os mesmos modelos os mais
diferentes fenômenos, reduzindo a um modelo único a sociedade
primitiva e a sociedade contemporânea. Isto é, trata-se de uma
verdade de Razão e não de uma verdade de fato.
Temos aí uma outra questão: não estaríamos
transformando, neste caso, a Antropologia em uma Filosofia?
Como podemos perceber o modelo é uma operação que já se
encontra inscrita na arquitetura do espírito. É neste ponto que se
configuram a maioria das críticas dirigidas a Lévi-Strauss, de ter
construído um Kantismo sem sujeito transcendental. (BONOMI,
1974: 113 – 139).
Lévi-Strauss, ao contrário, fala de condições metahistórias e meta-societárias. As que apontam são raízes
arquetípicas de toda atividade estruturante. Ele procura distinguir
essas condições universais do inconsciente coletivo junguiano.
O problema etnológico é, portanto, em última
análise, um problema de comunicação; e essa
constatação deve bastar para separar
radicalmente a via seguida por Mauss,
identificando inconsciente e coletivo, da de
Jung, que se poderia ser tentado a definir do
mesmo modo. Pois não é a mesma coisa
definir inconsciente como uma categoria do
pensamento coletivo ou distingui-lo em
setores, conforme o caráter individual ou
coletivo do conteúdo que se lhe atribui. Nos
dois casos concebe-se o inconsciente como
um sistema simbólico; mas, para Jung, o
inconsciente não se reduz ao sistema: ele está
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
repleto de símbolos, e mesmo de coisas
simbolizadas que lhe formam uma espécie de
substrato. Ou esse substrato é inato: mas, sem
a hipótese teológica, é inconcebível que o
conteúdo da experiência a preceda; ou ele é
adquirido: ora, o problema da hereditariedade
de um inconsciente adquirido não seria menos
temível que dos caracteres biológicos
adquiridos. Na realidade, não se trata de
traduzir em símbolos um dado extrínseco,
mas de reduzir à sua natureza de sistema
simbólico coisas que só escapam a ele para se
incomunicabilizar. Como a linguagem, o
social é realidade autônoma (a mesma, aliás);
os símbolos são mais reais que aquilo que
simbolizam, o significante precede e
determina o significado. 7
Lévi-Strauss está convicto de que na raiz do estruturar-se
das relações sociais ou dos hábitos lingüísticos existe uma
atividade inconsciente universal, igual para todos os homens e
que permite ao estruturalista constituir sistemas descritivos
isomorfos. Tal atividade é vista como uma espécie de necessidade
basilar e determinante, ante a qual as teorizações que cada povo
dá de seus hábitos, surgem como uma espécie de ideologia,
manifestação de consciência perversa, atividade com a qual se
ocultam as razões que os impelem a agir de determinado modo.
O encontro entre subjetividades diferentes
não se dá apenas nas instituições elaboradas
inconscientemente, tendo em vista um fim
intersubjetivo, mas tem a sua gênese na
pertença delas a uma estrutura comum, e
universalmente
válida,
da
atividade
7
LÉVI-STRAUSS, Claude. (2003). Introdução à obra de Marcel Mauss. Op.
Cit. p. 29.
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inconsciente. Ora, segundo Lévi-Strauss, a
tarefa da etnologia é justamente delinear os
traços essenciais desta atividade, descobrindo
aquelas leis universais que ligam sujeito com
sujeito e sociedade com sociedade. E é
sempre através do inconsciente que se realiza
o paradoxo, peculiar à etnologia, de ser uma
ciência objetiva e subjetiva ao mesmo tempo,
pois as leis do inconsciente transcendem a
dimensão subjetiva, são por assim dizer
‘externas’ a ela e, ao mesmo tempo só podem
ser captadas no operar efetivo da
subjetividade. 8
Assim em relação ao “hau”, resposta dada pelos Maoris,
sobre o que os motiva a trocar presentes entre si, e que é
assinalada por MAUSS, diz Lévi-Strauss 9 ;
O hau não constitui a razão última da troca. É
a forma consciente sob a qual homens de uma
sociedade determinada, em que o problema
tinha uma importância particular, conceberam
uma necessidade inconsciente cuja razão está
alhures...
Mais adiante Lévi-Strauss sustenta que era necessário a
Mauss, depois de ter destacado a concepção indígena, “reduzi-la
por uma crítica objetiva que permitisse atingir a realidade
subjetiva.” Ainda segundo Lévi-Strauss, “esta tem muito menos
chance de se achar em elaborações conscientes do que em
estruturas mentais inconscientes que se pode atingir através das
instituições e, melhor ainda, na linguagem.”
Lévi-Strauss não é um empirista. Sua Antropologia
concentra-se no modo como elementos de um sistema se
8
9
BONOMI, Id. p. 120, 1.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. Cit. p. 34, 5.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
combinam, e não em seu valor intrínseco. Diferença e relação são
os conceitos essenciais aqui. A combinação desses elementos
dará margem a oposição e contradições que servem para dar ao
social seu dinamismo. É a influência Saussuriana se fazendo
presente. Em “As estruturas elementares do parentesco” (1982:
98) Lévi-Strauss revela um caso em que o “fato social total” se
faz presente na constituição da vida social. Diz Ele:
Frequentemente, observamos o cerimonial da
refeição nos restaurantes baratos do sul da
França, sobretudo nessas regiões onde, sendo
o vinho a indústria essencial, é envolvido por
uma espécie de respeito místico, que faz dele
o ‘rich food’ por excelência. Nos pequenos
estabelecimentos onde o vinho está incluído
no preço da comida, cada freguês encontra,
diante do prato, uma modesta garrafa de um
líquido na maioria das vezes indigno. [...] A
pequena garrafa pode conter apenas um copo,
que esse conteúdo será derramado não no
copo do detentor, mas no do vizinho. E este
executará logo a seguir um gesto
correspondente de reciprocidade. Que
aconteceu? As duas garrafas são idênticas em
volume e seu conteúdo de qualidade
semelhante. Cada qual dos participantes desta
cena reveladora afinal de contas não recebeu
nada mais do que se tivesse consumido sua
poção pessoal. Do ponto de vista econômico
ninguém ganhou nem perdeu. Mas é que na
troca há algo mais que coisas trocadas.
Este fato narrado nos revela aspectos fundamentais da
antropologia de Lévi-Strauss. Primeiramente, que para ele, o
princípio de que a vida social e cultural não pode ser explicada
unicamente por uma versão do funcionalismo, isto é, não é
explicável em termos da natureza intrínseca dos fenômenos em
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
questão. Nem tampouco pode ser explicada empiricamente por
fatos condenados a falarem por si mesmos. O Estruturalismo de
Lévi-Strauss concentra-se no modo como elementos de um
sistema se combinam, e não em seu valor intrínseco.
O estruturalismo constitui-se, de certo modo, um projeto
ambicioso na medida em que não limita suas interpretações da
vida social à sociedade específica, pelo contrário, fixa uma
perspectiva universalista. Para isto, Lévi-Strauss faz uso de
pesquisas de campo produzidas pelos mais diversos antropólogos
nas mais diferentes sociedades. Para ele está claro que toda
sociedade ou cultura exibe características que estão presentes, em
maior ou menor grau em outras sociedades ou culturas, não
havendo, portanto, uma hierarquia de sociedades, seja em termos
de progresso científico ou evolução cultural. Estruturas
simbólicas de parentesco, linguagem e troca de bens, são, nesta
perspectiva, elementos que compõem a chave para se
compreender a vida social.
O código de classificação de parentes em uma
determinada cultura tem se mostrado, ao menos para os estudos
etnológicos, como o meio mais efetivo no qual a organização
social se move e se constitui. Esta tem sido uma das razões pela
qual o Estruturalismo tem privilegiado este campo de estudo em
etnologia. Segundo BARRIOS (id. p. 127) a relação estabelecida
não só por Lévi-Strauss, mas por outros antes dele, entre
Sociologia e Lingüística, pode ser visto como uma das razões do
privilegiamento do campo do parentesco em etnologia, dada a sua
similitude com o campo da Lingüística.
O parentesco estar identificado com certos tipos de
relações pessoais e, mais concretamente, as relações que se dão
pelas uniões sexuais legítimas. O princípio da reciprocidade está
na sua base, como está presente, também, no sistema de troca
discutido no “Ensaio sobre a dádiva”. Sua realização se dá pela
regulamentação social, se convertendo, segundo Lévi-Strauss, a
natureza, da cultura.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
Em suas considerações sobre a obra de Mauss (Op. Cit.
p. 34 – 6), Lévi-Strauss admite ser a “troca”, como queria Mauss,
um equivalente do “fato social total”, no entanto, lamenta o fato
de Mauss não ter considerado o mesmo caminho quando trata do
“mana” na teoria da magia. Mauss compreendia o “mana” de
forma diferente. Embora tenha aceitado a “troca” como um
conceito construído pelo antropólogo, em relação ao “mana”, no
entanto, parece ter seguido Durkheim, assumindo o significado
atribuído as sociedades indígenas, no qual o “mana” possui um
conteúdo intrínseco ou sagrado.
Segundo Lévi-Strauss, a diversidade de conteúdos
assumida pelo “mana”, significa que ele tem de ser entendido
como vazio, de modo semelhante a um símbolo algébrico, capaz
de assumir qualquer outro significado.
A diferença deve-se menos às noções elas
próprias, tais como o espírito as elabora
inconscientemente em toda parte, do que ao
fato de que, em nossa sociedade, essas noções
têm um caráter fluido e espontâneo, enquanto
noutros lugares elas servem sistemas
refletidos e oficiais de interpretação, isto é,
um papel que nós mesmos reservamos à
ciência. Mas, sempre e em toda parte, noções
desse tipo intervêm, um pouco como símbolo
algébricos, para representar um valor
indeterminado de significação, em si mesmo
vazio de sentido e, portanto suscetível de
receber qualquer sentido, cuja única função é
preencher uma distância entre o significante e
o significado, ou, mais exatamente, assinalar
o fato de que em tal circunstância, em tal
ocasião, ou em tal de suas manifestações, uma
relação de inadequação se estabelece entre
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
significante e significado em prejuízo da
relação complementar anterior. 10
O “mana” é, portanto, um significante “flutuante” ou
puro, com um valor simbólico interno nulo. Ele existe em um
sentido geral – e isto, segundo Lévi-Strauss, é uma característica
de toda cultura – pois existe abundância de significantes em
relação ao significado, já que a linguagem deve ser pensada como
vindo a existir toda por completo – sendo ela um sistema de
diferenças e, fundamentalmente relacional –, ao passo que o
conhecimento, significado, tem existência progressiva.
A “estrutura” tem para Lévi-Strauss, primeiramente um
sentido implícito. Consiste de que a ênfase não é posta no
conteúdo (hipotético) do “mana”, mas no potencial que ele possui
para assumir significados vários. Sendo, portanto, um significante
vazio. Em segundo lugar, o “mana” é um terceiro elemento que
intervém na relação entre significante e o significado, dando à
linguagem seu dinamismo e continuidade. O significante
flutuante é uma característica estrutural de linguagem em geral,
um elemento que lhe introduz um aspecto assimétrico,
generativo: o aspecto de contingência, tempo, em termos
Saussuriano, o nível de parole.
Para Lévi-Strauss, “Estrutura” não é equivalente à
estrutura empírica de uma sociedade particular, como em
Radcliffe-Brown. “Estrutura” não é dada na realidade observável.
Na verdade, em Lévi-Strauss existe uma ambivalência entre o
tipo de estruturalismo que considera a estrutura um modelo
abstrato derivado de uma análise de fenômenos vistos como um
sistema estático de diferenças onde se privilegia a dimensão
sincrônica, e o conceito de estrutura sendo em essência composto
de três elementos, tendo um aspecto dinâmico. O terceiro
elemento neste tipo de estrutura seria sempre vazio, pronto para
assumir qualquer significado, elemento diacrônico, contingente, e
10
LÉVI-STRAUSS, C. Introdução à obra de Macel Mauss. Ob. Cit. p. 39.
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que vale pela perpetuação de fenômenos sociais e culturais. Na
verdade, embora Lévi-Strauss insista na dimensão sincrônica,
quando de sua explicação do sentido de “estrutural”, 11 na prática,
o que se pode perceber é que a estrutura apresenta-se em sua
obra, como ternária e dinâmica. 12 Segundo ECO (2003: 258 –
60), a assunção sincrônica próprias do emprego das grades
estruturais, não exclui a subseqüente investigação diacrônica,
capaz de explicar a evolução dos códigos.
Como é retomada por Lévi-Strauss a distinção
saussuriana entre estas duas dimensões da temporalidade?
Segundo BONOMI (Id. p. 126, 7), não há uma oposição entre
diacronia e sincronia, o que há é um mal-entendido “seja ao
atribuir-lhe um valor antinômico, quando ela tem antes de mais
nada uma função metodológica, seja não levando em conta o
enrijecimento que ela pode ter sofrido na redação do Cours
devida a Bally e Sachehaye”. Já foi dito que segundo LéviStrauss, a etnografia constitui o ponto de partida e chegada,
portanto, a etnologia não pode prescindir da etnografia, já que
aquela se propõe ser “ciência do concreto”. Ela, portanto, precisa
referir-se constantemente a uma realidade diretamente
experimentada, o que pressupõe o trabalho de campo. “De certo
modo ela inverte as relações tradicionais e insiste sobre a
necessidade de compreender o presente para proceder à
compreensão do passado”
Como assinala BONOMI (Id. p. 128), se a estrutura, em
Lévi-Strauss, não é uma realidade estática, mas, um feixe de
relações fundadas numa dimensão teleológica, a relação entre
diacronia e sincronia deixa de se constituir uma antinomia, e, a
uma incompatibilidade se substitui uma complementaridade. A
estrutura sincrônica, afirma:
11
Ver “A análise estrutural em lingüística e em antropologia.” In.
Antropologia estrutural I. p. 45 – 70.
12
Ver ainda, “A noção de estrutura em etnologia” In. Antropologia estrutural I
.p. 313.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
É ‘vulnerável’ em relação ao evento: opõe-lhe
uma resistência própria, mas, ao mesmo
tempo, dispõe-se a assimilá-lo graças a um
jogo de compensações e transformações que
tem a tarefa de tornar possível a
sobrevivência da própria estrutura, e, contudo,
no limite, pode conduzir a sua dissolução
numa outra estrutura..
Neste caso não é de conflito que se deve falar, mas de
“encontro, de interação dinâmica entre a ordem de estrutura e a
do evento”.
3.
Para além do estruturalismo
É sempre um risco classificar uma obra ou vincular um
determinado autor a uma escola de pensamento; a um sistema de
pensamento. Ainda que possa ser uma forma didática de
compreender certas formas de pensamento há, nesse ato, um
reducionismo. Não são poucos os pensadores que se negaram a
admitir tal enquadramento. O mesmo pode-se dizer quando se
entende a obra de Lévi-Strauss como dentro do modelo da escola
estruturalista. O reducionismo pode ocorrer, também, de maneira
inversa, quando se reduzem os modelos explicativos que se
fundamentam nas relações estruturais com o pensamento de um
determinado autor.
Uma escola não se reduz a um autor, embora um ou
outro possa se manifestar um representante engajado, no caso de
Lévi-Strauss, trata-se de um caso emblemático do Estruturalismo,
como reconhece Roberto Layton (1997). No entanto, a obra deste
autor não pode ser reduzida à este modelo explicativo. Sendo
contestada a validade deste modelo explicativo toda riqueza, em
detalhes, de argumentos podem ser negligenciado ou esquecido
em nome de uma suposta superação teórica.
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
No presente caso há evidencias de como os modelos
rígidos podem se tornar arbitrários. O que dizer da concepção
freudiana e marxista de explicar a sociedade; em si, essas teorias
já não eram estruturais? Por acaso o estruturalismo encerra-se na
influencia ou cessa com a morte de Lévi-Strauss? E a produção
de reflexões como as feitas por Michel Foucault não tem algo de
estruturalismo, ainda que o mesmo negue? Ao que parece, os
paradigmas e modelos se esgotam. Mas as influências perpassam
gerações e modelos. Assim como Lacan fez uma releitura de
Freud, coube a autores como Deleuze, Bauman e Guatarri
fazerem contestações e revisões acerca dos clássicos fundadores
do pensamento social. Estes últimos autores foram responsáveis
por evidenciarem a ineficiência das grandes metanarrativas em
explicar a realidade. E o próprio Foucault não está fora desse
contesto; da desconstrução das grandes narrativas.
Autores como Pierre Bourdieu constituem uma nova
forma de se relacionar com os clássicos, buscando, de outra
forma, constituir no campo da teoria social a formulação de novas
abordagens teórica metodológica que não deixa de lado as
influencias dos clássicos, mas Bourdieu leva em conta o que há
de comum entre as grandes narrativas, que formaram as teorias
sociais. Para ele é imprescindível perceber os princípios
contraditórios das teorias sociais e atualizar os clássicos, para que
os fatos sociais possam ser compreendidos em suas
multiplicidades.
Dessa forma é possível não apenas a superação dos
modelos explicativos, mas o acolhimento da substância teórica
desses modelos. Desconstruir o caráter reducionista de que
determinados autores estão agrupados em tal ou em tal escola,
impediria que as teorias fossem vistas como estacionada em
diferentes períodos históricos, ou reduzidas aos rótulos.
Compreender os modelos explicativos como pertencente a
determinadas escolas tem uma eficácia didática, que ajuda a
classificar e distinguir as construções teóricas, mas é preciso ir
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Sobre o Conceito de Estrutura... ALVES & MELO
além dessa redução quando se pretende captar as riquezas e
diversidades das teorias.
Tanto Foucault (1999), quando enfoca o caráter de
subjetivação que os sujeitos sofrem com o biopoder, quanto
Bourdieu (1996; 2003) quando formula a teoria do habitus
buscam explicar as relações sociais de maneira estrutural, ou
enfocando as estruturas estruturantes da sociedade para usar um
termo próprio a Bourdieu, o que demonstra claramente como a
noção de estrutura pode ser reformulada.
Se há variações e reformulações quanto às interpretações
estruturais das relações sociais, também há equívocos quanto às
reduções feitas acerca da obra de Lévi-Strauss. O aspecto
simbólico encontra-se presente em sua abordagem e os sujeitos,
enquanto indivíduos não são totalmente reduzidos às relações
estruturais, mas é possível levar em conta a subjetividade dos
indivíduos, bem como os processos históricos de cada sociedade.
Como fica claro em seus textos “O feiticeiro e sua magia” e “A
eficácia simbólica” (LÉVI-STRAUSS; 1987).
Nesses dois ensaios este autor reforça sua tese, de que as
formas lógicas de pensamento se traduzem em práticas rituais e
sociais. Assim, para ele, o social é formado e constituído pela
estrutura lógica do pensamento. O mais interessante é perceber o
aspecto simbólico em sua obra, pois assim como para Marcel
Mauss (2003) o social é fundado no simbólico, assim as trocas
simbólicas, que para Lévi-Strauss são generalizadas e
estruturadas na lógica do pensamento, é o que funda e institui o
social. Essas relações simbólicas são históricas e constituídas nas
intersubjetividades dos sujeitos, mas o que vai possibilitar a
compreensão ou explicação das relações sociais são os recortes
teóricos e a ênfase epistemológica que se pretende, já que o
homem é um ser total, conforme assinala Marcel Mauss (2003).
Referências Bibliográficas.
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