Nota de Imprensa
A Amnistia Internacional, o Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra e o Observatório Permanente sobre a Produção, o Comércio e a Proliferação de Armas
Ligeiras da Comissão Nacional Justiça e Paz assinalam o fim da Semana de Acção Global contra a
Violência Armada relembrando a necessidade de regulação internacional.
“Preferia ter inventado uma máquina que as pessoas pudessem usar e que podia ajudar os
agricultores com o seu trabalho – por exemplo, um cortador de relva.”
Mikhail Kalashnikov
Actualmente, existem, no mundo, cerca de 640 milhões de armas ligeiras, segundo dados do
Small Arms Survey. Por ano, produzem-se oito milhões de armas, a par com 10-14 biliões de
unidades de munições. Entre as armas existentes, apenas 37,8% pertencem às Forças Armadas
e 2,8% a forças policiais. A grande maioria (59,2%) encontra-se nas mãos da população civil. É
também a população civil a principal vítima da violência armada, estimando-se que anualmente
morram entre 200 mil e 270 mil pessoas vítimas de armas de fogo, em países que vivem em paz
formal – cerca do dobro das mortes resultantes de situações de guerra. No entanto, o comércio
internacional de armas de fogo ainda não está sujeito a qualquer tipo de regulação internacional.
À semelhança de anos anteriores, na semana de 2 a 8 de Junho, activistas de vários países
uniram esforços com o objectivo de sensibilizar a opinião pública para os custos humanos da
proliferação e uso indevido de armas ligeiras e chamar a atenção para a necessidade de leis
eficazes sobre o uso e porte de armas de fogo, bem como de regulações do comércio
internacional de armas mais robustas, assinalando desta forma a Semana de Acção Global
Contra a Violência armada, coordenada pela Rede de Acção Internacional Contra as Armas
Ligeiras (IANSA). Durante a semana que passou, organizações da sociedade civil, governos e
agências especializadas das Nações Unidas de mais de setenta países organizaram eventos,
campanhas de sensibilização e informação sobre a problemática global da violência armada,
apelando especialmente aos membros do Parlamento, numa posição privilegiada para influenciar
políticas públicas, para que apoiassem um Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas
(TCA) robusto e eficaz, que pusesse fim ao comércio desregulado de armas e impedisse os
fluxos irresponsáveis de armas para cenários de potenciais violações de direitos humanos.
No próximo mês de Julho realizar-se-á, em Nova Iorque, a III Reunião Bienal de Estados da
ONU sobre a Prevenção do Comércio Ilícito de Armas ligeiras e Armamento Leve, que terá como
objectivo a revisão da implementação do Programa de Acção para Prevenir, Combater e Eliminar
o Comércio Ilícito de Armas pequenas e de Armamento Leve em todos os seus aspectos (PoA,
2001).
O problema da proliferação e uso indevido de armas de fogo em Portugal tem sido objecto de
alguma preocupação, nos últimos anos. Prova disso foi a aprovação da Lei sobre o uso e porte
de armas e munições (lei nº 5/ 2006, de 23 de Fevereiro). No entanto, vários desafios
permanecem. Estatísticas fiáveis sobre armas de fogo em Portugal escasseiam, como se
comprova pelas referências feitas no debate parlamentar sobre a Proposta de Lei das Armas e
Munições em 2006 – situando a existência de armas ligeiras ilegais entre o mesmo número das
legais (cerca de 700.000) e o seu dobro, ao mesmo tempo que se registam valores muito
elevados de apreensões de armas de fogo ilegais (uma média de sete por dia). Além disso, é
necessário um conhecimento mais rigoroso e sistemático sobre a posse e disseminação de
armas nas mãos de civis, em Portugal (número e perfis dos detentores), em particular sobre os
factores que influenciam e/ou conduzem à procura de armas, bem como um maior e mais
participado debate público em torno desta questão. Os debates existentes são quase
exclusivamente dinamizados pelas poucas organizações que trabalham sobre violência armada
em Portugal, como a Amnistia Internacional e o Observatório Permanente sobre a Produção, o
Comércio e a Proliferação de Armas Ligeiras da Comissão Nacional Justiça e Paz
(OPPCPAL/CNJP). Todos estes elementos são necessários para o desenho de políticas eficazes
de controlo de armas e de combate ao comércio ilegal. A somar a isto, e apesar de ter assinado,
em Setembro de 2002, o Protocolo Contra a Produção Ilícita e o Tráfico de Armas de Fogo,
Partes e Componentes e Munições, Portugal ainda não ratificou o documento. Torna-se urgente
a sua ratificação, bem como o apoio ao TCA. No âmbito da U.E., é igualmente urgente apoiar a
transformação do actual Código de Conduta sobre as Exportações de armas da União Europeia
em Posição Comum, conferindo-lhe maior força jurídica.
As três organizações signatárias, reconhecendo a grandeza dos desafios que o problema das
armas ligeiras coloca a Portugal, têm assumido (e continuarão a assumir) as suas
responsabilidades na visibilidade pública desta realidade.
A Amnistia Internacional, a Oxfam e a IANSA, lançaram em 2003 a campanha mundial “Controlar
as Armas” que tem por objectivo principal a adopção do Tratado Internacional de Comércio de
Armas e a sensibilização das diversas camadas da sociedade para este tema. Entre outras
iniciativas, está em curso uma acção que visa sensibilizar os deputados de todo o mundo para
que apoiem a implementação do TCA, aprovado na Assembleia-Geral das Nações Unidas em
Outubro de 2006. Mais de 1000 deputados em todo o mundo já aderiram a este apelo, 13 dos
quais são portugueses. Com o objectivo de aumentar este número, a AI Portugal enviou, em
Março deste ano, “armas de brinquedo” aos líderes parlamentares, apelando à sua adesão a
esta iniciativa, assim como à divulgação junto dos membros da cada bancada. Estas “armas”
resultaram de uma iniciativa em que a Organização desafiou os mais pequenos a trocarem as
suas armas de brinquedo por outros brinquedos mais didácticos. Mais de 100 crianças em 4
pontos do país – Castelo Branco, Lisboa, S. Martinho do Porto e Tomar, aderiram à iniciativa e
“entregaram as suas armas”.
O Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
(NEP/CES) encontra-se, actualmente, a desenvolver o projecto de investigação “Mulheres e
violências armadas. Estratégias de guerra contra mulheres em contextos de não guerra”, que
pretende analisar e comparar estratégias usadas geralmente em contextos de guerra e outras
práticas violentas – especialmente violência armada e violência doméstica – perpetradas contra
mulheres e meninas em três cidades latino-americanas (Rio de Janeiro, São Salvador e
Medellín). O NEP/CES está ainda a iniciar uma investigação sobre violência e armas ligeiras em
Portugal, com o objectivo de mapear a oferta legal e ilegal de armas de fogo, identificar os seus
utilizadores e/ou portadores e as suas motivações (segundo critérios de sexo, idade e classe
social), investigar os impactos diferenciados da violência armada e analisar as respostas e
estratégias de prevenção e combate à violência armada, protagonizadas pelo Estado e pela
sociedade civil.
O OPPCPAL/CNJP iniciou as suas actividades em 2004 com uma breve investigação
caracterizando a ligação da proliferação das armas ligeiras à violência urbana e aos casos de
crime organizado em Portugal e no mundo, da qual resultou a organização de uma Audição
Pública – entre Novembro de 2005 e Maio de 2006 - que viria a examinar diversas facetas do
fenómeno da proliferação das armas em Portugal e no Mundo. Actualmente, tem investido na
sensibilização das camadas jovens dos territórios problemáticos para a não violência como modo
de resolver os conflitos, prescindindo do uso das armas, bem como na defesa de um quadro
jurídico nacional e internacional mais completo e firme que contribua para pôr fim ao comércio
ilícito de armas ligeiras. Em Portugal, o Observatório tem defendido que as armas recuperadas,
apreendidas ou tornadas redundantes por substituição, quer pelas forças de segurança, quer
pelas forças armadas, sejam, por princípio, destruídas, retirando-as, assim, dos circuitos
comerciais, legítimos ou ilegítimos.
Núcleo de Estudos para
a Paz (NEP)
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Pode ler o comunicado aqui.