Nº 8 – 11 de Julho de 2015
No ano em que o TMJB comemora
dez anos, publicamos 15 textos
de artistas, dirigentes
e amigos ligados
ao percurso
deste teatro.
Quando o rio Tejo
separa dois continentes
10 anos TMJB
Amanhã, dos dois lados do rio Tejo, o público do Festival de Almada pode partir ao encontro
de espectáculos vindos de longe: O ginjal chega da Roménia e apresenta-se no Teatro da
Trindade; A dama do mar sobe ao Palco Grande da Escola D. António da Costa, levada à
cena por uma companhia brasileira.
F
azer teatro, de certa forma, é reinventar a vida.
Através das histórias
que contamos construímos
novos universos. Estas representações são sempre conjugação de fragmentos, que
não sendo vida emanam dela.
Para que este fenómeno seja
possível, primeiro será preciso ter um lugar específico. A
metamorfose que se opera em
cada espectáculo só é possível
(credível) se as condições (mecanismos) permitirem uma
qualquer simbiose entre actores e espectadores. A magia do
teatro começa nas potencialidades (possibilidades) do lugar do espectáculo e também
na paixão e empenhamento
de todos os que laboram, para
que o sonho breve de uma
noite de teatro seja possível.
Importante é assim a forma
do edifício teatro e a sua relação com a comunidade. Mas
também, não menos importantes, são os sistemas que se
estabelecem dentro dele, para
a complexa máquina teatral
poder funcionar. Directa ou
indirectamente, os espectáculos são também sempre o espelho desses mecanismos. Assim
o teatro não é uma fábrica
vulgar, antes um laboratório
de sonhos. E tudo isto, sendo
uma coisa do fantástico, é
também uma coisa muito difícil de conseguir, justamente
o que sempre encontrei trabalhando no Teatro Municipal
Joaquim Benite. Em Almada,
acima de tudo, a paixão pelo
teatro, o mesmo é dizer disponibilidade e intensidade.
* É arquitecto, cenógrafo, pintor e
professor. No TMJB, assinou a cenografia de seis espectáculos, encenados por Rogério de Carvalho.
F
elizmente, a hora a que
O ginjal e A dama do mar
se apresentam neste
Festival não coincide.
Por isso, querendo, será possível assistir amanhã a dois grandes clássicos da dramaturgia
universal: um do russo Anton
em flor, apesar das dívidas que
a atormentam e da argumentação infalível do novo-rico Lopakhin (que só pensa no quão
lucrativas seriam umas casas
de veraneio ao pé das ginjas).
A dama do mar exprime, por
seu turno, uma inquietação de
aproxima-as um traço curioso:
o destaque atribuído, num palco despojado, a um elemento do
cenário. No caso de O ginjal, este
corresponde à passarela que invade a plateia, contaminando a
zona reservada aos espectadores com a alvura do cenário. Os
Tchecov, outro do norueguês
Henrik Ibsen. Os dois autores,
contemporâneos, escolheram
debruçar-se, nestas peças, sobre o tema da mudança. Fizeram-no, no entanto, sob duas
perspectivas muito distintas. O
ginjal espelha a angústia daqueles que são “poetas em anos de
prosa”, como a matriarca que se
recusa a vender um pomar repleto de memórias e de árvores
âmbito mais pessoal. Trata da
ânsia de liberdade de Ellida,
uma mulher presa a convenções, a um casamento infeliz, e
deslumbrada com a possibilidade de viver uma paixão ao lado
de um misterioso estrangeiro.
No fim de contas, dá sempre
medo olhar para um abismo do
qual não se chega a ver o fundo.
Apesar da distância geográfica
que separa ambas as produções,
organizadores incitam, aliás, os
espectadores a vestirem também roupa de cor branca, para
que toda a sala partilhe da opção cromática eleita pela encenação. Já no cenário de A dama
do mar, impõe-se um aquário
de dimensões inauditas, dentro
do qual têm lugar várias cenas
protagonizadas por Tânia Pires,
a actriz que dá vida a uma protagonista fascinada pelo mar.
© Leo Aversa
Por José Manuel Castanheira*
Homenagem a Rogério de Carvalho
A
cerimónia dedicada à figura homenageada deste Festival de Almada
acontece amanhã, pelas 22h30,
no Palco Grande. Antes do início de A dama do mar, subirão
ao palco a actriz Teresa Gafeira, a professora universitária
Maria João Brilhante e o Presi-
dente da Câmara Municipal de
Almada Joaquim Judas, cujas
intervenções visam destacar o
contributo de Rogério de Carvalho para a cena teatral portuguesa e as características do
seu trabalho como encenador
e director de actores que escolheu estabelecer com a CTA
uma colaboração electiva. Não
deixe de conhecer também a
exposição que se lhe consagrou
neste Festival de Almada, uma
instalação da responsabilidade
do cenógrafo José Manuel Castanheira, patente no Átrio da
Escola D. António da Costa, até
ao próximo dia 18 de Julho.
‘O novíssimo teatro espanhol’
AGENDA
de amanhã
Sob o signo da liberdade
A
manhã, às 10h30, realizar-se-á na Casa da
Cerca o colóquio Política cultural e criação artística,
tendo como participantes os
encenadores António Pires,
David Ojeda, Roberto Bacci e
José Peixoto, a actriz e produtora Tânia Pires e a tradutora Maria Rotar. A conversa
será moderada por João Carneiro e substitui o Encontro
da Cerca inicialmente anunciado, desmarcado pela inesperada indisponibilidade de
alguns dos participantes.
e criação artística
Casa da Cerca
Teatro do vestido
12h00 Um museu vivo...
Teatro-Estúdio António Assunção
Teatro metastasio stabile...
16h00 O regresso a casa
Teatro Nacional D. Maria II
Teatro do BAirro
Neste ciclo, é possível assistir ainda a três espectáculos e a três leituras encenadas.
programa de reabilitação dos teatros, que impediu a concentração do exercício teatral em Madrid e Barcelona. No “novíssimo
teatro espanhol”, descobre-se, por
exemplo, a tendência para multiplicar as leituras. Sente-se o apego a um teatro da memória que,
não sendo histórico nem político,
lança um olhar muito pessoal sobre o passado. Privilegia-se a reflexão fragmentária e pessimista
sobre o caos quotidiano e, bem
assim, a preferência por modelos de concepção de espectáculos
que promovem o diálogo entre
todos os seus intervenientes. Os
criadores presentes procuraram,
no entanto, esbater um pouco as
17h00 Quatro santos
em três actos
fronteiras dos compartimentos
fixados pelo moderador. José
Ramón Fernández destacou, por
exemplo, o facto de pertencer à
primeira geração que “escreveu
sem censura prévia”, em estreita
conexão com a realidade cénica.
E Iván Morales sublinhou a dispersão dos seus referentes, o desejo de reaver, através do teatro,
“algo de colectivo que se perdeu”
e, finalmente, o papel de uma
outra ditadura, contra a qual há
ainda que lutar: a ditadura do
mercado. A liberdade parece, afinal, ora uma conquista recente,
ora uma conquista ameaçada,
que precisa de se reivindicar ou
defender.
Teatro do Bairro
Teatro Nacional Cluj-Napoca
18h00 O ginjal
Teatro da Trindade
Música na esplanada
20h30 Congo Stars Vibration
Escola D. António da Costa
Serviço educativo
21h15 Gesto como tradução
Átrio da Esc. D. António da Costa
Performance
22h15 e 23h55
Povera.Cena.Cenoura
Átrio da Esc. D. António da Costa
Talu Produções
22h30 A dama do mar
Escola D. António da Costa
Restaurante
da Esplanada
Uma verdadeira criação
A
ntónio Pires, encenador,
e João Carneiro, jornalista, conversaram ontem
na Esplanada sobre Quatro santos em três actos, uma das criações com estreia nesta edição
do Festival. Como introdução,
Carneiro referiu alguns traços
característicos do trabalho de
Pires, nomeadamente o facto de
partir com frequência de textos
literários que não são peças de
teatro. António Pires tinha já
trabalhado a partir de outros
textos de Gertrude Stein, tendo
levado à cena A List e Say it with
Flowers, tendo declarado que
o libreto de Quatro santos era,
apesar da sua complexidade, o
mais “narrativo” dos três. Destacou, nos textos da escritora
norte-americana, a importância
do “carácter sonoro das palavras e
Hoje
© Luana Santos
‘Política
cultural
e criação
artística’
© Rui Carlos Mateus
E
sta manhã, na Casa da
Cerca, seis criadores espanhóis estiveram à conversa com jornalistas e espectadores do Festival de Almada
sobre a actual situação do teatro
do seu país. A contextualização
que abriu o debate, feita por
José Gabriel Lopez Antuñano,
organizou-se em torno de duas
datas emblemáticas: o final da
ditadura de Franco e o início do
novo milénio. O moderador enumerou as correntes que então
coexistiam: o teatro comercial,
o trabalho marcadamente político levado a cabo dentro e fora
das companhias independentes,
o teatro colectivo e, finalmente,
o teatro literário, algo desligado
da prática teatral. Com a chegada do Partido Socialista ao poder, em 1982, foram introduzidas mudanças cujo efeito ainda
hoje se faz sentir. Foi o caso da
aposta nas Escolas Superiores de
Arte Dramática e no Centro Nacional de Novas Tendências e do
colóquio
10h30 Política cultural
-Salada de atum c/ grão
-Almôndegas c/ puré
Amanhã
-Panados de peixe c/ limão
e especiarias
-Feijoada à brasileira
o seu valor musical”, salientando
que, para os levar à cena, torna-se necessário trabalhar com os
actores de um modo diferente
de quando se trata de uma peça
convencional – é preciso um trabalho de verdadeira criação, não
mera interpretação. “Era preciso
ser mais artista do que actor”, explicou o encenador, que juntou
no elenco intérpretes com ligações ao teatro, à música e à dança, bem como um conjunto de
alunos finalistas da ACT.
Conhecer bem
outro Homem é
conhecer-se a si
próprio.
Hamlet, V, 2.
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Quando o rio Tejo separa dois continentes