TEMPO
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TEMPO:
ESSE VELHO
ESTRANHO CONHECIDO
André Ferrer P. Martins e João Zanetic
O tempo veste um traje diferente para cada
papel que desempenha em nosso pensamento.
John Wheeler
E
xiste um tempo único real, que flui do passado em direção ao futuro, e que rege de algum modo os fenômenos do Universo? Seria
o tempo, por outro lado, apenas uma criação da nossa consciência, uma estrutura que projetamos sobre os fenômenos a fim de interpretá-los? Ou seria ele uma relação entre coisas, concebido, medido e determinado a partir dos próprios fenômenos físicos? E mais: o
que é o agora? Havia tempo antes do Big Bang? Etc etc etc.
Qualquer pessoa não familiarizada com a história da Física muitas vezes
imagina que essa ciência tem nas suas bases conceitos definitivamente
elucidados. O tempo certamente seria um deles. Mas, como perceberemos pela leitura deste breve artigo, o conceito de tempo tem uma longa
história que parece muito longe de seu final.
COMO O TEMPO ENTRA NA HISTÓRIA? Embora a
idéia do fluir do tempo esteja conosco desde o começo dos tempos – seja lá o que isso significa – aqui nos interessa o início da sua conceituação
e medida. E isso deve ter ocorrido no período neolítico quando, devido à
necessidade de produzir mais alimentos, provocada pela concentração de
grupos humanos, surgem nas terras férteis encontradas às margens dos
grandes rios as civilizações da Mesopotâmia, Egito, Suméria, entre outras.
Ao lado das benesses oferecidas pelos rios, essas populações sofriam quando
ocorriam grandes inundações que tinham terríveis conseqüências. Os egípcios chegaram a construir os nilômetros, que marcavam a altura do rio, para
poder prever a ocorrência de inundações perigosas. Aos poucos essas populações foram aprendendo a associar o ciclo de fertilidade do solo, fundamental para a nascente agricultura, ao movimento cíclico dos corpos celestes. Dessa forma tornou-se possível medir os grandes intervalos de tempo
a partir da construção de calendários, o que possibilitava prever as épocas da
enchente, da semeadura e da colheita, nomes das primeiras estações do ano.
Assim, a repetição do dia e da noite, as fases da lua, o movimento do sol,
das estrelas, e das estrelas errantes ou planetas, forneceram para essas
diferentes civilizações diversos modos de efetuar a medida do passar do
tempo. Platão fez o seguinte comentário sobre esse desenvolvimento:
“Se nunca tivéssemos visto as estrelas, o sol e o céu, nenhuma das
palavras que pronunciamos sobre o Universo teria sido dita. Mas a visão
do dia e da noite, e dos meses, e as revoluções dos anos, criaram um
número e nos deram uma concepção do tempo, e o poder de indagar sobre a natureza do Universo.” (1).
Na antiguidade o tempo vai ser estudado, entre outros, pelos gregos do
século IV aC: Platão, que concebe o tempo contínuo produzido pela rotação dos corpos celestes, e Aristóteles, que pensa o tempo como um coadjuvante no estudo do movimento. E, na Idade Média, podemos destacar
Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274), que
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concebem que o tempo foi criado junto com o Universo. Já no início do
século XVII, no alvorecer da física clássica, encontramos Galileu (15641642) que, rompendo com a física aristotélica, incorpora definitivamente
o tempo como protagonista no estudo – agora matematizado – do movimento, abrindo o caminho para o espaço e o tempo newtonianos.
TEMPO
ABSOLUTO X TEMPO RELATIVO: ORIGENS MAIS RECENTES A bem conhecida metáfora do espaço e
do tempo compondo o palco onde se desenrolam os fenômenos físicos sintetiza com fidelidade o papel por eles desempenhado no teatro newtoniano
do mundo. Para Isaac Newton (1642-1727), espaço e tempo têm existência independente dos objetos e dos fenômenos físicos. Além disso, ele
diferencia nos Principia tempo absoluto de tempo relativo, sendo o último
uma medida do primeiro:
“I - O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e da sua
própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração; o tempo relativo, aparente e comum é
alguma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou não uniforme) que é obtida através do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano.” (2).
Assim, o tempo absoluto de Newton, que não tem relação com qualquer
coisa externa, é uma pura abstração. É interessante, também, notar como
a noção de um fluir uniforme permanece, até os nossos dias, bastante presente na visão comum sobre o tempo. Contemporâneo de Newton, Gottfried W. Leibniz (1646-1716) contrapôs-se a essa visão, defendendo que
o tempo não poderia ter existência independente das coisas materiais. O
tempo deveria ser algo relativo, e não absoluto, pois o concebemos a partir da ordem sucessiva das coisas. Em uma longa correspondência mantida durante os anos de 1715 e 1716 com Samuel Clarke, discípulo de Newton, Leibniz trata dessa e de outras questões referentes ao seu pensamento
filosófico e religioso:
“Quanto a mim, deixei assentado mais de uma vez que, a meu ver, o espaço
é algo puramente relativo, como o tempo; a saber, na ordem das coexistências, como o tempo na ordem das sucessões. De fato, o espaço assinala em
termos de possibilidade uma ordem das coisas que existem ao mesmo tempo, enquanto existem junto, sem entrar em seu modo de existir. E quando
se vêem muitas coisas junto, percebe-se essa ordem das coisas entre si.” (3).
Leibniz é considerado um precursor das críticas ao tempo absoluto da
mecânica, retomadas no século XIX por Ernst Mach (1838-1916), cuja
obra influenciou fortemente o pensamento de Einstein.
Mach publicou em 1883 um importante tratado sobre o desenvolvimento histórico da mecânica, no qual a possibilidade de um tempo absoluto é negada. Para o cientista alemão, a própria idéia de tempo é
uma abstração, à qual chegamos pela variação das coisas. Não podemos
afirmar, por exemplo, que o movimento de um pêndulo ocorre no
tempo. Percebemos esse movimento quando comparamos as sucessivas
posições do pêndulo com outros pontos (na Terra, por exemplo). Ainda que esses pontos não existissem, a comparação seria possível por
meio de nossos pensamentos e sensações, que seriam diferentes em cada momento. Para Mach, a nossa representação do tempo surge a partir de uma correspondência entre o conteúdo de nossa memória e o
conteúdo de nossa percepção.
Em sintonia com isso, um movimento só seria interpretado como uni41
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forme quando comparado a outro movimento, também uniforme:
“A questão de que um movimento seja uniforme em si não tem nenhum
sentido. Muito menos podemos falar de um “tempo absoluto” (independente de toda variação). Este tempo absoluto não pode ser medido por
nenhum movimento, não tem pois nenhum valor prático nem científico;
ninguém está autorizado a dizer que sabe algo dele; não é senão um
ocioso conceito metafísico.” (4).
Mach não endereçava suas críticas somente aos conceitos de espaço e tempo da mecânica de Newton, mas pretendia reformular toda a ciência da
mecânica a partir apenas de conceitos relacionais, ou seja, que não envolvessem quantidades absolutas.
lento do que no estado de repouso.” (5).
Dessa forma, a TRE problematizou nossa noção senso comum de presente. O que é o agora se o tempo é relativo? O que é passado e futuro
se eventos que já ocorreram num referencial ainda não foram detectados
em outro?
Por outro lado, o espaço-tempo é afetado pela presença da matéria. Para
incorporar a gravitação no contexto da Relatividade, Einstein apresenta
em 1916 sua Teoria da Relatividade Geral (TRG) que, entre outras coisas,
estabelece a equivalência entre movimentos acelerados e a presença de
campos gravitacionais. Nesse novo contexto, a estrutura do espaço-tempo é dada por sua métrica, sendo esta afetada pelo conteúdo material do
Universo, ou seja, já não se pode fazer uma distinção entre conteúdo e
O TEMPO NA TEORIA DA RELATIVIDADE Não foi continente (o que era válido tanto na mecânica clássica quanto na TRE).
no contexto de uma crítica a esses conceitos que surgiu o conceito de
A TRG prevê uma outra dilatação do tempo na presença de um campo
tempo relativo em 1905, com a Teoria da Relatividade Especial (TRE)
gravitacional. Relógios (ou processos atômicos) próximos à superfície da
de Albert Einstein (1879-1955). O problema original de Einstein era
Terra, por exemplo, andam mais lentamente do que outros situados a
compatibilizar o eletromagnetismo clássico, na formulação de Maxwellgrandes altitudes. Embora neste caso a diferença seja bastante pequena,
Lorentz, com o princípio da relatividade da mecânica, segundo o qual
experimentos para detectar tal variação já foram realizados com sucesso.
as leis da Física devem ser invariantes segundo uma transformação de
No entanto, as principais conseqüências e aplicações da TRG encontramcoordenadas entre sistemas inerciais de referência. Ao buscar uma
se no âmbito da cosmologia.
solução para esse problema, Einstein estabeleceu coOs diversos modelos cosmológicos surgidos com a TRG
mo postulado básico a constância da velocidade da
levam a teorias e especulações sobre a origem do tempo
luz no vácuo (c), conforme medida por qualquer sise a idade do Universo. Dentro do chamado modelo
ELÓGIOS
tema de referência inercial. Isso o levou a redefinir espadrão, que estabelece a existência de um Big Bang há
PRÓXIMOS À
paço e tempo para tornar essa premissa – e as equações
cerca de 15 (20? 10?) bilhões de anos, a partir do qual o
SUPERFÍCIE
de Maxwell – compatíveis com o princípio da relaUniverso conhecido iniciou uma expansão que perdura
DA ERRA
tividade. Surge a partir daí uma nova entidade: o esaté hoje, questiona-se se o próprio tempo nasceu na
ANDAM MAIS
paço-tempo. Nele, medidas de tempo ou espaço não
grande explosão.
LENTAMENTE
podem mais ser consideradas independentemente.
Outro aspecto bastante explorado, principalmente em
Consideremos, por exemplo, um determinado evento
artigos e livros de divulgação, é o fato da TRG não
DO QUE
com coordenadas espaço-temporais (x,y,z,t) relativas a
proibir as chamadas viagens no tempo, ou seja, deforOUTROS
um referencial inercial K. As coordenadas (x’,y’,z’,t’)
mações espaço-temporais que permitam a um viajante
desse mesmo evento, relativas a outro sistema de
(uma partícula subatômica, por exemplo) percorrer uma
referência inercial K’, que se desloca com velocidade constante V em retrajetória (do tipo-tempo) fechada. Essa possibilidade teórica remete-nos
lação ao primeiro sistema, não obedecerão mais as Transformações de
imediatamente a paradoxos que desafiam nossa interpretação, como a posGalileu da mecânica clássica, mas sim as Transformações de Lorentz (ver
sibilidade de alteração do passado.
box Mecânica clássica x relatividade). O intervalo de tempo entre dois
UM POUCO SOBRE IRREVERSIBILIDADE Se em noseventos, medido num dos sistemas de referência, deixa de ser absoluto. Isso dia-a-dia sabemos que o tempo não volta atrás, as teorias físicas pareso leva a uma relativização do conceito de simultaneidade, que passa a decem relutar a dar uma explicação consensual a esse respeito. A Mecânica
pender do sistema de referência do observador. Com essas novas idéias,
Clássica, a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica são teorias reEinstein introduz a dilatação do tempo:
versíveis temporalmente, ou seja, teorias cujas estruturas matemáticas
“Consideremos agora um relógio que marque segundos e que se encontra
não fazem distinção entre t e –t. Dito de outro modo, isso significa que
em repouso no ponto inicial (x’ = 0) de K’. Consideremos t’ = 0 e t’ = 1
se filmássemos um sistema puramente mecânico, por exemplo, como um
duas batidas consecutivas deste relógio. Para estas duas batidas, a [quarta
pêndulo que oscila sem atrito, e exibíssemos o filme de trás para frente,
equação] das transformações de Lorentz [fornece]:
seríamos incapazes de diferenciar as duas situações (ambas obedeceriam
às mesmas leis físicas). De modo semelhante, as equações de Maxwell
também não distinguem o passado do futuro, permitindo que ondas
Observado a partir de K, o relógio está em movimento com a velocidade
eletromagnéticas avancem ou retrocedam no tempo sem distinção. Um
V; em relação a este corpo de referência, entre duas de suas batidas
átomo que absorve um fóton pode ser visto como o inverso temporal de
transcorre não um segundo, mas sim
segundos, portanto um
um átomo que emite um fóton. Etc.
intervalo de tempo um pouco maior.
Também um dos princípios mais fundamentais da Física – o da conservação da energia – não diferencia um sentido preferencial para o
Como conseqüência do seu movimento, o relógio anda um pouco mais
R
T
...
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tempo. Se víssemos os pedaços de uma xícara, que se quebrou ao cair
da mesa, juntarem-se espontaneamente e reconstituírem-na, isso não
violaria em nada o princípio de conservação da energia. O que nos faz,
então, diferenciar o passado do futuro, e atribuir uma irreversibilidade
aos fenômenos físicos?
Historicamente, a irreversibilidade sempre esteve associada à 2ª Lei da
Termodinâmica e à idéia de entropia (grandeza vinculada ao número
de microestados de um sistema compatíveis com um determinado
macroestado, e cujo valor sempre cresce na direção do equilíbrio termodinâmico). Segundo uma tradição que se iniciou no século XIX
com Ludwig Boltzmann (1844-1906), considerado o fundador da
mecânica estatística, e continuou ao longo do século XX, principalmente nos trabalhos de Hans Reichenbach e Adolf Grünbaum, o aumento da entropia nos sistemas chamados quase-isolados, e a conseqüente irreversibilidade física, podem ser explicados por considerações
de natureza probabilística: haveria uma maior probabilidade de ocorrência de determinados estados microscópicos compatíveis com a
evolução futura do sistema no sentido da entropia crescente, em contraposição a uma probabilidade quase nula de ocorrência de outros estados, correspondentes a um conjunto de condições iniciais preciso,
que levasse à reversibilidade.
Mais modernamente, o estudo dos sistemas dissipativos e da termodinâmica, longe do equilíbrio, trouxe novas idéias para o centro desse debate. Os
defensores da irreversibilidade afirmam que as equações não-lineares que
regem tais sistemas introduzem uma flecha do tempo, e que há correlações (no nível microscópico) que permitiriam descrever de forma assimétrica (em relação ao tempo) os sistemas mais elementares tratados
pela mecânica estatística.
Seria a flecha do tempo resultado de algum processo mais elementar na
natureza? A Física de Partículas Elementares parece responder sim a essa
indagação. Ao menos é o que indica o estudo de um tipo de méson criado em colisões nucleares, chamado káon. O káon neutro (ou K0) transforma-se espontaneamente na sua antipartícula (antikáon ou K-0), e viceversa. Embora a transformação káon-antikáon seja simétrica à
transformação antikáon-káon, o káon permanece mais tempo como antikáon do que como káon. Essa assimetria sugere a existência de uma
flecha do tempo no mundo das partículas elementares, privilegiando um
dos processos de decaimento ao invés do outro. Os físicos nucleares afirmam que isso poderia, inclusive, explicar o predomínio no Universo da
matéria sobre a antimatéria.
Vejam a que ponto chegamos em nossa discussão! A questão do tempo na
física é tão fundamental e vasta que abrange praticamente todas as suas
subáreas, da Física de partículas à cosmologia. E, é claro, transcende a
própria Física, instigando filósofos, e alimentando o imaginário de poetas,
escritores e artistas em geral. É o sempre eterno mistério do tempo…
E O MUNDO QUÂNTICO?
Tempo e energia compõem uma das relações de incerteza de Heisenberg
(∆E∆t ≥ h/2), desigualdade para a qual há diversas interpretações, todas
de acordo com a idéia mais geral de que estas grandezas não podem ser,
simultaneamente, conhecidas com precisão arbitrária.
O indeterminismo quântico, expresso nessa relação, deixa sem resposta
questões do tipo: quanto tempo leva um elétron para ir de um nível de
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energia a outro? Quando ele salta? O princípio da incerteza não nos permite observar o átomo no momento exato de um decaimento, nem determinar sua duração. A teoria fornece a duração média de um estado excitado, mas não diz quando um átomo específico irá decair. E não
podemos esquecer que tudo o que pode ser dito no mundo quântico refere-se ao que pode ser medido, segundo arranjos experimentais determinados. Quando falamos do tempo, por exemplo, devemos ter em mente
relógios reais, também sujeitos à imprecisão quântica.
Embora o indeterminismo também se aplique ao tempo, cabe apontar que
ele é um parâmetro numérico no formalismo quântico, diferentemente de
outros observáveis (como posição, momento e energia), representados na
teoria por operadores.
Uma outra questão que envolve a noção temporal na mecânica quântica
diz respeito aos chamados “efeitos não-locais”, cuja origem histórica pode ser considerada a apresentação do paradoxo de Einstein, Podolsky e
Rosen (EPR) em 1935, clímax do famoso debate Einstein-Bohr sobre os
fundamentos da teoria quântica. No argumento teórico de EPR, dois sistemas quânticos que interagiram no passado encontram-se agora separados por uma grande distância. O paradoxo consistiria no fato de que a
modificação de um dos sistemas implica uma mudança instantânea (∆t =
0) do outro, o que significaria uma transmissão de informação a uma velocidade maior do que c, contradizendo a Teoria da Relatividade.
Entretanto, resultados experimentais recentes evidenciaram que o tipo
de correlação não-local parece ocorrer de fato. Arranjos experimentais
denominados “apagadores quânticos” lidam com efeitos não-locais absolutamente estranhos a nossa intuição comum, onde parece ser possível alterar o passado.
A MEDIDA DO TEMPO
O nosso padrão de medida do tempo, que desde a antiguidade tinha como referência o movimento de rotação da Terra (1 segundo = 1/86.400
de um dia), passou, com o advento dos relógios atômicos em meados do
século passado, a ser referenciado no mundo sub-microscópico regido pelas leis quânticas. Em 1967 o segundo foi redefinido como sendo igual a
9.192.631.770 períodos da radiação emitida ou absorvida na transição
entre dois níveis hiperfinos do átomo de Césio-133.
Num relógio atômico típico, utiliza-se um campo magnético apropriado
para selecionar, de um feixe de vapor de Césio, aqueles átomos capazes de
absorver microondas de uma dada freqüência fundamental v0. Após atravessar o campo de microondas, os átomos que sofreram a transição desejada são desviados por outro campo magnético em direção a um detector.
Um circuito de retro-alimentação é usado para maximizar o número de
átomos que chegam ao detector, regulando a freqüência de microondas cada vez que esse número diminui. Dessa forma, essa freqüência é mantida
ajustada, dentro da maior precisão possível, àquela freqüência v0. Acoplase a esse campo de microondas um dispositivo eletrônico (divisor de freqüências) que, essencialmente, faz a contagem dos pulsos, gerando pulsos
temporais. Dessa forma, por mais distante que isso possa parecer de uma
compreensão senso comum do que é um segundo, estabelece-se a relação
9.192.631.770 períodos da radiação = 1 segundo (uma série de experimentos realizados entre 1955 e 1958 relacionou a freqüência v0 com o segundo, conforme definido astronomicamente à época).
Em diversos laboratórios espalhados ao redor do mundo, relógios atômicos
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TEMPO
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formam (e controlam) uma escala de tempo chamada Tempo Atômico
Internacional (TAI). A coordenação de um tempo internacional, baseado
nessa escala, é de responsabilidade do Bureau Internacional de Pesos e
Medidas, sediado na França. Há ainda outras escalas de tempo, baseadas
no movimento de rotação da Terra, e que são mantidas coordenadas com
o TAI por meio de uma outra escala, denominada Tempo Universal
Coordenado (UTC).
• Não há Espaço e Tempo a priori
• Simultaneidade e ∆t são relativos
• Transformações de Lorentz dei-
xam as leis invariantes por uma mudança de coordenadas do sistema
xam as leis invariantes por uma mudança de coordenadas do sistema
O
TEMPO DENTRO
DA VIDA, ALÉM DA VIDA
DENTRO DO TEMPO
Luiz Menna-Barreto e Nelson Marques
C
ostumamos entender os processos vitais como eventos que se
desenrolam ao longo de um tempo, geralmente externo aos organismos, algo intangível mas cuja existência se faz evidente nas
transformações exibidas pelos seres vivos. Esse tempo exterior
pode ser percebido em diversas escalas de grandeza: desde um
tempo filogenético, cujas marcas são evidenciadas pela história das espécies e medido em milhares ou mesmo milhões de anos, até um tempo microscópico, da ordem de milésimos de segundo, no qual um átomo penetra em um célula através de um canal iônico. Não será esse
tempo exterior o tema desse ensaio, mas sim o que podemos chamar
de tempo interior, conceito em construção a partir de meados do século XX, quando se reconhece a existência de estruturas geradoras de
tempo no interior dos organismos, os chamados “relógios biológicos”.
O conceito de tempo interior ou endógeno está ancorado no corpo de
conhecimentos que é identificado hoje como Cronobiologia, o estudo
da dimensão temporal da matéria viva (1).
Apresentaremos inicialmente um breve retrospecto histórico da Cronobiologia para, em seguida, abordarmos seus principais marcos conceituais
e concluiremos com indicações sobre o que muda no cenário do conhecimento biológico quando assumimos o tempo interior como personagem relevante dos processos vitais.
MECÂNICA CLÁSSICA X RELATIVIDADE
• Espaço e Tempo absolutos
• Simultaneidade e ∆t são absolutos
• Transformações de Galileu dei-
R T I G O S
André Ferrer P. Martins é mestre em Ensino de Física, da FEUSP/IFUSP
João Zanetic é professor do IFUSP e doutor em Educação pela FEUSP
Notas e referências
1 Ferris,T. O despertar da via láctea. Campus: Rio de Janeiro,1990, , p. 3.
2 Newton, I. Principia: princípios matemáticos de filosofia natural - Vol.I (Trad.Trieste Ricci
et al.), São Paulo: Nova Stella / EDUSP, 1990, pp. 6-7.
3 Leibniz, G.W. Correspondência com Clarke - coleção “Os pensadores” (Trad. Carlos
Lopes de Mattos), São Paulo: Abril Cultural, 2ª edição, 1983, p. 177.
4 Mach, E. Desarrollo historico-critico de la mecanica (Trad. Jose Babini), Buenos Aires: Espasa - Calpe, 1949, p.190 – tradução nossa.
5 Einstein, A. A teoria da relatividade especial e geral (Trad. Carlos Almeida Pereira), Rio
de Janeiro: Contraponto, 1999, pp. 36-7.
Bibliografia consultada
Martins, A.F.P. O ensino do conceito de tempo: contribuições históricas e epistemológicas (Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, IFUSP/FEUSP, São Paulo, 1998).
Davies, P. O enigma do tempo (Trad. Ivo Korytowski), Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
Itano, W. M. E Ramsey, N. F. Scientific American 269, 46, 1993.
Na internet: www.nist.gov ; www.bipm.org ; www.inmetro.gov.br
Outros livros de interesse:
Coveney, P. E Highfield, R. A flecha do tempo (Trad. J. E. Smith Caldas), São Paulo: Siciliano, 1993.
Hawking, S.W. Breve história do tempo (Trad. Ribeiro da Fonseca), Lisboa: Gradiva, 4ª
edição, 1996.
Prigogine, I. E Stengers, I. Entre o tempo e a eternidade (Trad. Roberto L. Ferreira), São
Paulo: Cia das Letras, 1992.
Whitrow, G.J. O tempo na história: concepções do tempo da pré-história aos nossos dias
(Trad. Maria Luiza X. de A. Borges), Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
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HISTÓRIA As primeiras tentativas de ler os tempos próprios dos
organismos vivos datam do início do século XVIII, quando um membro da Academia de Ciências da França, o astrônomo Jean-Jacques
Dortous de Mairan (1678-1771) sugeriu e publicou um artigo sobre a
possível existência de um mecanismo marcador de tempo em uma
planta. Essa sugestão foi a tentativa de explicar porque os movimentos
espontâneos de abertura e fechamento das folhas de uma planta persistiam quando ela era isolada do ambiente e mantida por alguns dias
dentro de um baú em obscuridade constante. A persistência dessas oscilações, vista até essa época como reações reflexas dos organismos à
presença ou ausência de luz solar, vem sendo a partir de então testada
em uma infinidade de organismos. Esses experimentos, mais freqüentes a partir de meados do século passado, seguem genericamente o
mesmo protocolo: promove-se o isolamento temporal dos organismos
em estudo eliminando-se os ciclos normalmente presentes em seus ambientes. Essa eliminação consiste, por exemplo, em manter organismos
sob claridade constante (alternativamente, escuridão constante), geralmente em laboratórios que permitam o controle adequado do conjunto das condições ambientais, como temperatura, umidade, som, etc. O
resultado é claro: praticamente em todos os organismos testados as oscilações persistem durante o isolamento temporal.
A curiosidade despertada por essas demonstrações motivou o surgimento dos
primeiros grupos de pesquisa e sociedades dedicadas a esse tema, sobretudo
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