38.
Porque é que o Wenceslau se chama Bacalhau?
Malta:
Tenho bem presente essa história das ponteiradas que o Seabra conta, só não me lembro bem do
"ruado", mas falta um pequeno promenor que ficou por contar, é que o "ruado" se preparava para pela
10ª ou 15ª vez reentrar na aula e notou, através dos vidros da porta da sala que como se lembram eram
fôscos, que o Bírgulas estava de ponteiro em riste à espera. Vai daí chamou o Fortuna dizendo que o
Bírgulas o estva a chamar. E pronto, as ponteiradas que eram para ele levou-as o velho Fortuna!
E ainda por falar no Bacalhau sabem porque é que lhe ficou essa alcunha? Já uma vez contei, será que
se lembram? Vem da velha Escola primária nº60 onde esse grande amigo se cruzou comigo pela 1ª vez.
Nessa altura ele andava numa burra BSA e a malta, ainda miuda na altura, logo começou a chamar-lhe o
Bacalhau Sem Azeite, e é mesmo, ficou eternamente o Bacalhau!!
Abração para todos
Ginga Malaia
Luis Manuel
39.
O Sadismo do professor
De repente, estimulado pelas histórias do Seabra, do Luís Manuel e do Bacalhau (que foi meu colega,
salvo erro no 5º B ), lembrei-me de um professor ( por favor, lembrem-me do nome ) que, para apanhar
a malta, tinha o costume de entrar na aula de rompante e, sem aviso prévio, gritar : CHAMADAS! Como
se recordam, este comportamento era traiçoeiro, porque os professores costumavam prevenir-nos, com
antecedência de que, no dia X, haveria chamadas. Queriam que a malta se preparasse. Ora, este sádico
a que me refiro, não dizia nada. Num dia qualquer, abria a porta e desfechava: CHAMADAS!
A malta decidiu reagir. A partir de certa altura, antes do "touro" entrar, abríamos as 3 janelas da sala do
5º B, que era no rés-do-chão, e ficávamos à espera da entrada do professor, COM UM PÉ SOBRE O
PARAPEITO DAS JANELAS. Imaginem a turma inteira, comprimidos uns contra os outros, com uma perna
levantada e apoiada no parapeito! Quando o professor entrava, das duas uma: ou não dizia nada e a
malta voltava para as carteiras, ou entrava com o seu grito de guerra - CHAMADAS! - e a malta saía toda
pela janela! Não ficava ninguém na aula para ser chamado.
Havia malta que caía de costas, no pátio, e levava com 2 gajos em cima. Tudo a rir à gargalhada. Só
visto! Estou a escrever isto e não páro de rir!
Claro que o professor aprendeu a lição e mudou de atitude. Passou a avisar. É verdade: os professores
também aprendiam.
Eduardo Homem
40.
Elogio do PAI PORTUGAL
No nosso tempo no Lubango, haviam matilhas de cães maus e ferozes em dois pontos estratégicos das
nossas vidas estudantis.
Não era por causa dos ladrões ou dos assaltantes, apenas "Por Causa da Nossa Causa". Isto é , para que
durante a noite não saíssemos do Internato ou entrássemos no Colégio das Madres.
O Internato tinha sete ou oito cães enormes, chefiados pelo "Zaire", um cão de pêlo cinzento, raias
negras, remoinho nas costas e cabeça enorme, - só de olhar assustava . Além disso mordia mesmo.. ( "O
Meu Zaire" , como dizia orgulhoso o director do Internato),
No Colégio das Madres houve uma pequena matilha de "Doberman", cães rápidos , nervosos e agressivos
tipo policia ou penitenciária para controlar e perseguir prisioneiros
Um cão gosta verdadeiramente do seu dono, seja ele pobre, rico, sadio, doente, bonito, feio, velho ou
novo e, haja ou não comida lá em casa, ele nunca o abandona . Por isso é um exemplo de amizade e
lealdade. Além disso como não fala não vai contar histórias nem ao seu melhor amigo. Por tudo isso é
considerado "O melhor amigo do homem".
Porém essa lealdade pura, verdadeira e sincera pode ser aliciada por alguém que possa divergir dos
interesses do verdadeiro dono.
Depois dos Maristas, das pensões intermediárias e de outras ainda por contar, levo-vos aonde fui parar
de novo . -Ao Internato. Mas agora sob os auspícios do "Pai Portugal". Um homem maduro, carácter
forte, firme, autoritário, carismático, vivo e animado.
Pai de vários Maconginos nossos colegas e amigos de várias épocas, um torcedor e dirigente dedicado da
1
Associação Académica da Huila , o Clube dos Maconginos.
Referi -me anteriormente ao famoso Rui Alexandrino (Lubango) que ao fazer claque pela Académica,
fazia mais barulho que 30 de nós todos juntos. O Pai Portugal, com a sua voz rouca por natureza, fazia
quase tanto barulho como o Rui. Podem assim imaginar do que eu estou a falar.
Por um lado eu aluno Interno (Adolescente rebelde e desajustado) e o Pai Portugal ( O Director absoluto
do Internato) , discordávamos profundamente. Um dia depois de muitas ele disse-me "É-me muito difícil
ter aqui uma pessoa como tu, se quiseres podes sair". Oportunidade que aceitei de imediato.
De dezenas de episódios vividos na "Democracia" do internato, tais como contra a vontade do director e
da minha, a malta me ter eleito para a "Hemapisa" (Conselho Disciplinar Estudantil) e, semanas depois
ser retirado pelo Director "Por Causa de servir a Nossa Causa". Sem referendo, sem nova votação ou
satisfação aos votantes.·
Ou uma outra vez em que a malta voltou duma Ceia e incomodada vomitou na camarata,
Os que vomitaram foram castigados. Eu não vomitei mas também fui.
"Não vomitastes porque tens mais prática que os outros; por isso ficas também de castigo".
Pelo outro lado, fora do ambiente altamente disciplinar do internato respeitávamo-nos mutuamente.
Riamos, comentavamos e lidávamos um com o outro cordialmente. Eramos amigos.
Depois da minha saída do internato o Pai Portugal propôs-me para a Direcção da Académica da Huila
(1962) o que aceitei. Ele chamava-me muitas vezes para fazer parte em diversos outros eventos.
Em 1963 um tal "Al Capone" (A malta do meu tempo sabe quem era) desejou tomar de assalto a
administração do Internato. Sabendo dos meus diferendos com o Director, propos-me a eu assinar um
documento contra o Pai Portugal a troco de facilidades nos exames.
Claro que não aceitei e sem denunciar o proponente informei o Pai Portugal.
Aproximado a sós, sentado num dos baloiços do internato, pensou que eu queria volltar e diz-me: Tu
queres falar comigo? "Os rapazes nunca atiram pedras às árvores que não dão fruto".
Depois de ouvir-me bem diz-me: Obrigado Seabra. Faz-me um grande favor e informa o Governador
acerca disto.
Depois de muitas insistências do Pai Portugal fui ao Palácio falar com o Governador. Revelei os factos
sem denunciar o proponente.
Em 1964 eu e 40 Maconginos de todos os estabelecimentos de ensino da Huila fomos mobilizados.
Quando eu voltava ao Lubango, ficava por vezes hospedado no internato, nas novas circunstâncias e com
as botas descomunais daquele modelo que muitos de nós tivemos de usar, e sentava-me no refeitório à
mesa dele.
Ele dizia bem alto à Malta reunida:
Este é o Seabra Marques Pires um "Bom rapaz ". Andou aqui no Internato e como vêem "Os
Bons Filhos à Casa Paterna Voltam".
(CASA PATERNA - ABSOLUTAMENTE VERDADE)
A malta ( Alguns ainda meus contemporâneos) aplaudia de pé.
Verdadeiramente emocionante.
Fui um "Rocambole". Fui o principal suspeito em quase tudo. Fui castigado N vezes por tabela por coisas
que nunca fiz, mas nunca fui apanhado.
Agora, 50 anos depois refiro-me ainda ao Portugal como “Pai.”
Nunca ninguém (nem mesmo eu) poderia dizer que o Pai Portugal não é um dos nossos.
Um Homem com H grande e sem ressentimentos.
Voltando ao melhor amigo do Homem, nem a malta nem o Pai Portugal sabiam que eu passava tempo
nos eucaliptos a falar com os cães. No processo tornei-me amigo "do Meu Zaire", o meu salvo-conduto
para sair à noite sem ser apanhado. Assim a sua lealdade foi aliciada por alguém com interesses
divergentes aos do dono.
Uma noite uns 8 de nós saíram clandestinamente para uma Ceia. Na volta não conseguiram entrar, um
apanhou mesmo uma mordidela no fundo das costas.
O Zaire e seus asseclas estavam a cumprir a sua missão.
A malta aglomerou-se ao lado do ginásio do liceu, precisamente em frente da janela do meu quarto. Os
cães mantinham-nos à distancia e com o barulho acordei.
Desci. A malta não podía acreditar, "o meu Zaire o Terrivel" satisfeito de me ver, colocou-me as patas
nos ombros. De seguida levei os cães todos comigo para os eucaliptos, enquanto a malta entrava o mais
silenciosamente possível..
A minha camaradagem benemérita dessa noite quebrou lamentávelmente o segredo de eu dominar a
2
matilha e sair à noite.
E dai em diante o meu sossego foi-se.
Quando alguém queria sair à noite ou eu tinha que ir com eles ou de ficar acordado à espera até ouvir
pedrinhas baterem na minha janela.
Quanto aos "Doberman" do Colégio das Madres não tive nunca a oportunidade de os aliciar. O sistema ai
era rápido e simples mas funcionava. Davam-se uns cigarritos e uns tintos ao guarda e já estava.
Entravamos ou saiamos como nos apetecia.
UM ABRAÇO GRANDE E FORTE PARA TODOS.
ATACAM-ME AS SAUDADES PROFUNDAS, VOSSAS E DA NOSSA JUVENTUDE GRITANTE.
E PAI PORTUGAL ..ONDE QUER QUE TE ENCONTRES OBRIGADO. ENVIO-TE A MINHA
ADMIRAÇÃO E RESPEITO, ÉS UM DOS NOSSOS. E CONTINUAS A VIVER NAS MINHAS
RECORDAÇÕES
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
41.
O assalto ao banquete dedicado à Tuna Académica de Coimbra
As referências do Seabra ao "Pai" Portugal obrigam-me a revelar aqui um episódio de que muito me
penalizo. Não agi bem e disso peço desculpas sinceras ao Professor Portugal ausente em parte incerta.
Aconteceu, por volta de 1962, que o meu pai foi destacado, por um mês, para várias zonas do interior de
Angola, a fim de dar aulas de portugalidade ( não se riam ) e resolveu levar a minha mãe com ele.
Resultado: as minhas irmãs foram internas para as madres e eu e os meus irmãos fomos parar ao
Internato e aos cuidados do Professor Portugal. Isto aconteceu numa altura de férias (Março, suponho)
pelo que o Internato estava deserto. Além de nós os três, tinham lá ficado outros 3 ou 4 internos, no
máximo.
Poucos dias depois de termos chegado, soubemos que a Tuna Académica de Coimbra dava um recital no
Odeon, a que se seguiria uma grande ceia no Internato. Claro que ficámos à espera de ser convidados
para a Ceia. Mas o dia chegou e nem uma palavra. Nós e os nossos companheiros de reclusão fomos
pura e simplesmente ignorados. Aquilo não me pareceu correcto. Tudo a banquetear-se à grande
(governador, bispo e centenas de individualidades) e nós os sete a dormir na camarata. Assim, idealizei
uma vingança: assaltar a ceia, enquanto o Prof Portugal estava no recital do Odeon. Combinei o plano
com os outros e, cerca das 10 horas da noite, entrámos silenciosamente no salão onde as mesas já
estavam postas. Imaginem: sete gajos a sairem do salão, cada um deles com uma travessa na mão.
Limpámos uma mesa inteira. Trouxas de ovos, tortas disto e daquilo, lagostas, bolos grandes, bolinhos...
Foi uma boa meia hora a transportar pratos cheios de iguarias, do salão para a camarata.Claro que só
comemos a vigésima parte do que roubámos. Ficámos com pilhas de pratos na camarata e sem saber o
que fazer-lhes. A solução foi atirá-los pela janela. Foi um desperdício! Pratos vazios e travessas cheias a
estilhaçaram-se lá em baixo. Barrigas cheias e vingança apaziguada, deitámo-nos nas nossas camas e,
em breve, dormíamos como justos.
De repente, acordo sobressaltado com alguém a abanar-me. Era o Prof. Portugal, que tinha regressado
da récita com as centenas de convidados e autoridades do Distrito e, como anfitrião, fazia as honras da
casa. Ainda hoje penso no choque que deve ter tido, quando entrou no salão e viu uma das 4 mesas
completamente vazia. Só a toalha lá ficou. Claro que ele percebeu imediatamente quem tinha sido o
autor e foi direito à camarata (no 2º andar) e à minha cama, talvez por ser eu o mais velho.
- "Quem fez aquilo à ceia?" - perguntou-me furioso.
-"Qual ceia?" - perguntei eu em resposta.
De facto, não nos tendo sido dito nada sobre a ceia, a minha pergunta era justificada. Respondeu-me
que no dia seguinte teríamos uma conversa e, para já, ficávamos proibidos de sair do Internato.
Voltei a adormecer. No dia seguinte, depois do pequeno almoço, fui chamado ao gabinete do Prof.
Portugal. Fui submetido a um interrogatório pormenorizado que visava apanhar-me em falso. Respondi
sempre como se apenas tivesse sabido que havia uma ceia no momento em que ele me acordou.
Quis saber o que tinha sido feito dos pratos e travessas. Nesse momento ainda não tinham encontrado
os cacos. Concluiu dizendo que, enquanto o responsável não se acusasse, as saídas estariam proibidas.
Voltei para a camarata e comecei a fazer a minha mala. Informei o meu irmão mais novo - o Vasco - de
que me ia embora nesse mesmo momento e que ele, se quisesse, que viesse comigo. Assim foi. Saímos
3
os dois do Internato, sem qualquer aviso ao Prof Portugal, e fomos para o Hotel Metrópole, onde
vivíamos.
Os meus pais regressaram duas semanas depois. Mesmo antes de chegarem, o prof Portugal já os tinha
avisado do que se passara. Por isso, depois de pousar as malas, o meu pai arriou-me uma das maiores
sovas da minha vida de filho.
Claro que me arrependo do que fiz e peço ao Prof Portugal que me perdoe, lá onde ele está.
Eduardo Homem
42.
A primeira visão dos peitos de mulher
O Lubango de que mais gosto é o mais antigo. Na verdade, vivi 3 fases distintas nesta cidade lendária. A
primeira, entre 1956 e 1961, aquela de que mais gosto. A segunda, nos anos de 1962 e 1963. Incluo as
grandes férias de Abril a Outubro de 1964 e de Abril a Outubro de 1965, na segunda fase. A terceira
comprende os anos de 1970, 71 e metade de 1972.
A primeira fase, de Abril de 1956 a Janeiro de 1961, foi a que mais me marcou e a que recordo com mais
saudade. Aqui aconteceu quase tudo o que define uma vida. A primeira paixão. A primeira porrada. A
primeira bebedeira. A primeira coboiada. A primeira frustração. A primeira amizade. Mas o que sobretudo
tornou estas experiências inesquecíveis foi o cenário onde elas ocorreram: o Lubango. Como é que posso
fazer sentir o que senti? Começo por contar a história da primeira vez que vi um peito de mulher. Foi na
tarde do dia em que cheguei ao Lubango e aconteceu em Vila Arriaga. Vínhamos de comboio, desde
Moçâmedes, depois de uma viagem no paquete Pátria, que nos trouxe do Funchal até Luanda. De
Luanda para Moçâmedes, viajámos no Quanza - um navio de madeira, do tempo do Corto Maltese. Era
Abril de 1956 e o comboio chegou a Vila Arriaga, pelas 6 da tarde. Eu tinha 11 anos. Mal o comboio
parou, pus-me à janela a observar fascinado as quitandeiras, que acorriam ao comboio com os seus
cestos cheios de coisas que eu nunca tinha visto: mirangolos, goiabas, colares de missangas e até
camaleões. Uma delas, mesmo em frenta da minha janela, vestia uma blusa curta que lhe deixava o
umbigo a descoberto. Os meus olhos logo se desviaram dos mirangolos e ficaram presos na dança dos
seus enormes seios debaixo da camisa. Então, um homem rude, na janela a seguir à minha, debruçou-se
e gritou-lhe: "Ei, rapariga! Compro-te as goiabas, se levantares a camisa!" Ela segurou o cesto contra a
anca e, com a outra mão, puxou a camisa para cima, expondo parte do peito. Um peito africano, jovem,
firme e redondo, que ainda hoje me serve de padrão da beleza do corpo feminino. A crueza da cena, mas
também a sua naturalidade (ia a dizer, inocência) por parte da rapariga, impressionaram vivamente a
minha sensibilidade marcada por noções de pecado, em tudo o que se relacionava com o corpo feminino.
Pecado? Encanto! Beleza! Liberdade!
Mesmo antes de chegar ao Lubango, África já estava a lavar-me.
Eduardo Homem
43
Saudades de Angola e de África – essa Doença…
Grande Eduardo- Meu Kota
Como tu, tenho pensado muitas das vezes que estou só e em que as saudades me atacam sobretudo à
tardinha (Como se de Malária se tratasse), são um exclusivo cá do rapaz ou dos poucos como tu.
Quanto à descrição em como te sentes em relação a África e ao nosso passado angolano, há muitos de
nós (do nosso tempo ou não), que sentem exactamente o mesmo ou pior do que tu ou do que eu, isto é
sofrem exactamente da mesma "Doença" mas não exteriorizam.
Profissionalmente tenho tido de voar extensivamente de terra em terra, mas sempre que posso faço os
mesmos percursos de carro, apenas para voltar a passar nos sítios em que passei e voltar a sentir e
reviver aquilo que sentia e vivia na realidade de outros tempos.
Acabo de fazer Luanda , Huambo, Lubango Onjiva, Lubango, Benguela, Lobito, Luanda em prospecção .
Fui de carro apenas para sentir mais uma vez o cheiro a terra molhada, as grandes chuvadas, observar
os horizontes montanhosos e verdes dos planaltos, passar na lama vermelha das estradas, observar o
salalé esvoaçante depois da chuva e, os pôr do sol longos e dourados como os de Benguela e como mais
longinquamente no extremo Leste de Angola. E para olhar uma vez mais as pessoas típicas desses
lugares onde passo, e voltar a viver as noites do mato com os muitos milhões de estrelas e por vezes
com milhares de pirilampos, enquanto vou ouvindo os ruídos longos, isolados e repetitivos da noite vasta,
4
por vezes com luar brilhante, ruidos causados pelas centenas de grilos, cigarras, rãs e sapos que como
então ainda por aqui existem.
Levo quando me visita de férias o meu filho mais novo (16 anos) a quem mostrei já vários outros países
africanos. Ele adora Angola e aventuras tipo 4X4. Conheceu apenas recentemente o Lubango e gostou.
Tirou cerca de 2000 fotos e ficou impressionadissimo com o Passe da Leba.
Desta última vez decidiu ficar com a "Girl Friend" e meu amigo tal como no nosso tempo prioridades são
prioridades, e assim levei o meu amigo Rui, um "Macongino Novo"ou "Macongino Assimilado" e muito
orgulhoso disso, o qual graças à sua vontade e aos dons evangelizadores do Magnanimo Cardeal Dom
Adrega se converteu à nossa causa numa das nossas Ceias do Lubango e deixou de ser um bárbaro.·
Mas antes disso ele já estava " infectado" com o vírus típico daqueles que como nós crescemos e
vivemos em Angola e que no Lubango beberam a água do "Fluvis Mapundis", ou em Luanda água do
Bengo.
Quanto à beleza nativa à qual te referes devo dizer que com o influxo de pessoas do mato para a cidade
durante a guerra, muitas circunstâncias mudaram assim como alguns velhos costumes. Por exemplo não
consegui voltar a ver nenhuma Mumuhuila "Vestida" a preceito. Em vez disso vejo jovens bastante
atractivas, vestidas muito modernamente com roupas justas e telefone celular que se declaram
"Mumuhuilas" mas que nem sequer sabem nem se lembram do uso ou do cheiro de "Gunde", um antigo
produto de beleza nativa dos "Kafecos" dos nossos tempos. Nem sequer falam Hambundo tão bem como
o Funka.
Mas por outro lado ao viajarmos pelo Humbe noto que por ali as donzelas ainda se vestem com as
roupas que Deus lhes deu.
Estão e continuam em tudo exactamente como nos nossos tempos.
O meu amigo Rui (De origem portuguesa) não estava habituado a estas certas coisas, e mais pela tarde
queixou-se de que lhe doia o pescoço.
Provavelmente também a vista.
MANO ACREDITA QUE NÃO ESTÁS SOZINHO.
AGORA QUE TE FIZ FICAR AINDA MAIS DOENTE, ACONSELHO-TE O ÚNICO REMÉDIO PARA
ESTAS COISAS. VEM VISITAR-ME. E SÓ ASSIM PODERÁS APAZIGUAR ESSES MALES QUE TE
AFLIGEM.
VAI UM GRANDE ABRAÇO PARA TI E OUTRO DO MESMO TAMANHO PARA TODOS OS
NOSSOS, INCLUINDO OS DA "MAIORIA SILENCIOSA" E PARA TODA A MALTA DESTE FIO
'PROCURANDO ANTIGOS COLEGAS" E " ENCONTRANDO VELHOS COMPANHEIROS".
BEM HAJAM TODOS
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
44.
Kaluanda não se lava na água fria do Lubango! A representação do duche!
Como todos podem imaginar no internato dos Maristas não se podía sair à noite excepto aos sábados e
se não se estivesse de castigo. Naturalmente que apenas com hora marcada, fixa e precisa para o
regresso.
Por causa de possíveis gracinhas éramos observados e controlados com contagens + discretas às
refeições na forma de lugares vazios, durante a noite ao irmos para a cama na forma de camas vagas e
outra do mesmo modo quase de manhã muito antes do sol nascer e antes de sermos acordados para a
higiene e chuveiro matinais. O Sol do Lubango não brilharia antes de cumpridas as obrigações matinais
formais.
Ao fundo das camaratas haviam lavatórios, mictórios, retretes e chuveiros colectivos. Por sinal não havia
nunca água quente, para o chuveiro diário obrigatório fosse Verão ou Cacimbo, fizesse chuva ou fizesse
sol, a água estaria como sempre bem fria muitas vezes abaixo de zero.
Lembro-me do "Pipocas", alérgico à água fría, do qual uma vez descalçadas as meias com tanto "sarro"
podiam ficar por si próprias em pé. Era um "Kalwanda" friorento que nunca tivera água abaixo dos 17º C,
Fechava-se no cubículo do chuveiro e lá de dentro emitia sons típicos de quem estivesse de facto a tomar
5
banho de água muito fria (AAAAHH ¡!! IIIIHH ¡!! AAAHHH!!!) quando na realidade estava encostado num
canto muito a seco. Molharia levemente a cabeça e os pés e sairia enrolado numa toalha a dizer "Xiça
que está fria como ó caraças". Os exageros teatrais sonoros das chuveiradas fictícias fizeram com que
alguém espreitasse por cima do chuveiro e uma vez topado dai em diante obrigado a tomar chuveiro de
porta aberta, com um mais velho de "stick de hockey" em punho a obrigá-lo a ficar directamente debaixo
do fluxo.
À noite entre a camarata e as facilidades higiénicas ficava sempre um Marista de pé a vigiar-nos que por
razões de segurança dormia também numa das muitas camas no mesmo dormitorio. Já na escuridão da
camarata quando se emitissem ruídos ou a cama abanasse, haveria da sua parte focos repentinos de
lanterna (tipo irmão Espanta) até que todos estivéssemos teoréticamente a dormir.
Antes de irmos para a cama, já de pijama ou de robe, íamos lavar os dentes e o que fosse necessário.
Quem tivesse chinelos ia de chinelos, quem não tivesse ia de sapatos. Como podem imaginar embora
naquela altura não parecesse tão caricato, até havia quem fosse ao banheiro de botas. Daquelas botas
altas, grossas de couro crú, com cardas e protectores de metal tais como as do "Zé Búfalo" um
Macongino famoso, de olhos azuis todo muito tipo "Bife" que jogava futebol com botas dessas.
Um "Arrazador de Canelas inveterado", que varria quem lhe passasse à frente e daí a alcunha de "Zé
Búfalo". Diziamos então "Onde o Zé Búfalo passa não cresce mais a relva".
Cinema no Odeon: A técnica de fazer entrar seis com apenas um bilhete…
Naturalmente que de vez em quando havia na cidade no cinema Odeon dos Almeidas um filme bom. Era
uma tentação ludibriarem-se as grandes dificuldades e controles para se sair do internato e ir à noite ver
uma fita.
Mas são as dificuldades e as necessidades que fazem os homens fortes e audaciosos e acabámos por
montar um esquema. Uns 6 de nós, dos mais unidos e cheios de espírito de equipa, deixavamos a cama
armada com roupa como se lá estivéssemos de facto a dormir e um por um de robe vestido e bem
fechado como que naturalmente iríamos para a casa de banho, de sapatos e com as calças arregaçadas
por baixo do robe para não se ver que na realidade estávamos completamente vestidos.
Levávamos na mão um rolo de papel higiénico por dar um ar convincente de necessidade premente,
absoluta e inadiável. De seguida descíamos um por um silenciosamente pela janela e na escuridão da
noite íamos ao cinema.
O esquema estava bem montado, até tinhamos organizadas boleias regulares de ida ao cinema e de
volta ao internato. Perdíamos apenas os documentários.
À porta do cinema um de nós devidamente subsidiado pelas magras receitas dos 5 restantes, comprava
um único bilhete. Esse era o único a entrar legalmente. Uma vez dentro do cinema esse abria uma das
janelas dos corredores laterais e ficava a observar da porta.
Os outros de cá de fora entravam um por um por essa mesma janela e com toda a naturalidade
sentavam-se nos lugares bem da frente (normalmente vagos) e então descontraidamente e com
naturalidade víamos todos a fita. Tudo correu muito bem por muito tempo. Víamos fitas sempre que um
novo filme era apresentado e no dia seguinte contávamos as cenas do filme e da nossa ousadia e
façanha à malta admirada.
Mas como tudo o que é bom não dura para sempre, tantas vezes foi o cântaro à fonte que se quebrou.
Um dia fomos mais cedo e já dentro do cinema sentamo-nos todos nas cadeiras ainda vagas, na rotina
de sempre. Porém dessa vez o filme era do "Eddie Constantine" em "O Incógnito". De modo algum uma
obra prima, mas muitíssimo do agrado do público pelas Mulheres bonitas, carros rápidos e muita porrada,
e por isso nessa noite a lotação esgotou. Depois de termos sido corridos sucessivamente de um lugar
para o outro talvez umas 10 vezes sucessivas à medida que os expectadores chegavam e a sala enchia
completamente, já não haviam mais lugares vagos para mudarmos.
Fomos descobertos e dos 6 borlistas, 5 ficaram de pé a correr de um lado por outro, perseguidos pelos
arrumadores que queriam ver os bilhetes mas que não tinham desporto obrigatório tipo internato, nem
jogavam ao "toca e foge" nos intervalos do liceu. Correrias tiveram lugar com fintas e esquivas
habilidosas e espectacularers para iludir a perseguição, com grande gáudio da assistência que rindo e
aplaudindo sabia exactamente o que se estava a passar.
Como flechas desapareceram rapidamente pela rua acima 2 pela porta e 3 pela janela.
Eu o sexto fui um sortudo. Naquela noite fui o "Meco" do bilhete subsidiado. E do meu lugar ria e fazia
parte da claque.
E assim caros amigos tudo tem o seu preço. O Internato foi notificado mas como não houveram provas
nem nomes, ninguém levou com fio eléctrico dobrado, nem ficou aos fins de semana de castigo.
6
FICOU-SE A SABER QUE HAVIA QUEM FUGISSE À NOITE e houve ameaças de expulsão se alguém fosse
apanhado a fazer qualquer gracinha do género.
E desse dia em diante não houveram saídas à noite nem se viu mais cinema de borla .
Mas como tudo o que é bom não dura para sempre, as coisas más também não e no ano lectivo seguinte
o esquema estava de novo em operação.
Devido à experiência adquirida, entravamos agora no Odean mais tarde e não irmos às estreias dos
filmes mais populares mas às sessões seguintes para termos a certeza de havia lugares vagos.
Nenhum homem de amanhã se tornará verdadeiramente sério, ajuizado, ordeiro e respeitador com plena
consciência e conhecimento de causa, se não foi desordeiro. Pelo menos uma vez na sua vida.
O cinema Odeon no Lubango é presentemente uma sala de culto religioso. Ninguém da malta ousaria
fugir agora à noite para ir ao Odeon. Além disso nenhum de nós seria capaz de correr e fintar com a
mesma agilidade e rapidez que naqueles tempos e os utentes teriiam memso muito gosto em que
entrassemos - seriamos logo apanhados!
Em contrapartida teremos que continuar a propagar o contrário do que o Padre Geraldes não poderia
dizer Façam o que eu digo, não façam o que eu faço
Para quem não saiba o padre Geraldes foi um personagem caricato muito conhecido na Sé da Huila
porque durante os sermões e procissões dava directamente instruções alheias ao serviço em voz alta aos
fieis, colegas e freiras, como um primeiro sargento instrutorusando Português Vernáculo tipo dos Autos
de Gil Vicente. O que não significa tratar-se de uma má pessoa.
E por hoje creio que chega. Se tiverem paciência e perseverança relatar-vos-ei numa outra altura e
oportunidade a exteriorização dos ataques de saudades cá do rapaz e os ditos e feitos do nosso grande
Padre Geraldes.
VAI UM ABRAÇO GRANDE E SAUDOSO PARA TODOS.
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
45.
Outra técnica borlista, a do Eduardo Homem…
É inevitável. As histórias do Seabra trazem-me recordações de outras histórias passadas comigo.
Também fui borlista no Odeon. Houve uma época em que todas as noites entrava à borla. Como o Odeon
era, nesses tempos, o único cinema da cidade, quase todos os dias havia um novo filme. A minha
estratégia era mais suave do que a da malta do Internato. Ficava no jardim da Fonte Luminosa, até ao
1º intervalo. Quando o gong tocava para anunciar o fim do intervalo, encaminhava-me para o cinema, de
modo a entrar com os últimos. À entrada, tinha uma perspectiva geral da sala, já com as luzes a
apagarem-se, e via onde estavam os lugares vagos. Mas nunca me sentava sózinho no meio de uma
zona vaga. Daria demasiado nas vistas. Escolhia um lugar ao lado de uma poltrona ocupada.
Este procedimento permitiu-me ir todas as noites ao cinema, à borla, durante meses. Uma noite, fui
caçado. Estava já a descontrair, quando o Cunha meteu a cabeça por detrás da minha e me pediu o
bilhete. Levei a mão ao bolso e disse-lhe que não o encontrava. Mandou-me levantar e ir com ele. Levoume ao escritório do Almeida. Este, num tom severo, avisou-me de que, da próxima vez, me entregaria à
Polícia.
Nos meses seguintes, só fui ao cinema com bilhete. Mas... um dia, chegou ao Lubango uma Revista do
Parque Mayer, com um naipe de coristas irresistíveis. Os bilhetes eram caros, mesmo os dos lugares mais
atrás. Tomei uma decisão. O melhor lugar para ver bem as coristas era...o fosso da orquestra! E aí seria
muito dificil o Cunha topar-me. Problema: como chegar lá? Solução: 2 horas antes do espectáculo,
cheguei ao Odeon. Átrio deserto, luzes meio apagadas. Abri a porta que dava para a sala e entrei, com o
ar mais natural do mundo. No palco, uns tipos davam marteladas no cenário. A sala estava às escuras.
Segui pela coxia, direito às casas de banho e tranquei-me numa delas. Estive mais de uma hora sózinho.
A pouco e pouco, comecei a ouvir movimento. Uma ou outra pessoa entrava na casa de banho. Eu
puxava o autoclismo, para dar a entender que estava a despachar-me. A dada altura, entra alguém para
a casa de banho ao lado da minha e, pelos sons, percebi que estava na retrete. O mais dificil para mim
foi que o meu vizinho ia fazendo comentários em voz alta ao estado dos seus intestinos. As lágrimas
escorriam-me pela cara abaixo. Mas não me ri. Quando entrou outra pessoa, puxei o meu autoclismo. Os
comentários cessaram.
7
E chegou o início do espectáculo. Saí da casa de banho e encaminhei-me para o corredor lateral, que
dava acesso aos bastidores. Enfiei pela porta do fundo, desci umas escadas e eis-me no fosso da
orquestra, mesmo em frente aos camarins. Cruzei-me com uma corista em topless. Foi um espectáculo e
tanto! Ninguém me perguntou nada. Percebi logo porquê: alguns convidados dos membros da revista
também estavam ali a assistir ao espectáculo. Aos dois espectáculos: o do palco e o dos bastidores, bem
melhor que o do palco.
Quanto ao Cunha, nem o mais pequeno sinal. É óbvio que não lhe passou pela cabeça que houvesse
borlistas no fosso da orquestra.
Eduardo Homem
46.
"A História é uma sucessão de sucessos que se sucedem sem cessar",
como lá repetia o nosso grande Heliodoro Frescata, um professor de História, muito ilustre em Luanda e
no Lubango e o professor mais entusiástico nos seus comentarios e narrações vibrantes e inesqueciveis
que até hoje conheci nos meus tempos de estudante .
Contou - me o meu pai, um Macongino da geração original do tempo do Rei Dom César da Silveira I, que
no cinema do velho Almeida, cinema esse onde também fui quando garotinho e que era na mesma rua
que o actual Odeon mas na esquina seguinte à famigerada escola 60, na direcção Cacula / Senhora do
Monte, ambos no mesmo lado da rua,. Que ele (meu pai) e uns outros 3 Maconginos também viam como
nòs cinema "à pato".
Isto é , sem pagar.
Nessa outra instância eles entravam também por uma janela... mas saiam para trás do palco, e sentados
no chão por trás do écran viam os filmes "ao avesso" ou seja através da transparencia do pano.
( A única diferença deste angulo de visão era que no filme quase todo o mundo virava canhoto)
E tal e qual como nas gerações posteriores, tudo acabou quando num filme de capa e espada o velho
"Errol Flyn" (que saudades) ou provávelmente o seu pai ou mesmo o seu avô, depois de um duelo
renhido de espachim, enfiou a espada duma assentada no ventre dum vilão...
E um dos patos completamente esquecido de como entrara e onde e como estava no cinema, com um
berro alto e abrupto de excitação quebrou o silenco : "Boa estocada". "Toma lá para aprenderes
meu Sacana"·
A familia Almeida dona do Cinema novo, e o velho Almeida (Pai ou Avô) dono do cinema velho ou em
certa altura de ambos, tiveram pelos vistos sucesivamente sucesso sem cessar em apanhar "Patos
Maconginos" irreverentes (COMO NÓS).
Pelos vistos assim foi por várias gerações.
Os Almeidas diferentemente mas tal como nòs com as nossas irreverências e ousadias, viveram connosco
muitos sucessos que se sucederam sem cessar, e assim todos fizemos história.
História, ou "histórias" pelo menos como estas que vos vou contando.
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
47.
FAZENDO JUS AO FIO "PROCURANDO ANTIGOS COLEGAS"
A PEDIDO DE ALGUNS DOS NOSSOS QUE TAMBÉM QUEREM MATAR SAUDADES MAS QUE
PROTESTARAM POR SE JULGAREM ESQUECIDOS (O QUE NÃO CORRESPONDE À VERDADE).
PARA MATAR OU PARA FAZER AINDA MAIS SAUDADES
ABAIXO OS ALUNOS DO LNDC PRIMEIRO ANO 1958/59
1-ANO TURMA A 1958/59
1. Ana da Conceição Abreu Amaro
8
2. Ana Maria Martins da Silva Mateiro
3. Fernanda Manuela Prim Ferreira de Faria
4. Georgina da Purificação Coelho
5. Gloria da Piedade Carvalho Russo
6. Idalina Soares de Oliveira
7. Isabel Maria Monteiro dos Santos
8. Joaquina da Conceição Matos Cunha
9. Luizette Maria de Freitas Freitas Teixeira
10. Manuela Maria de Fátima Leite Figueira
11. Maria Amelia de Couto Vieira Neves
12. Maria do Céu Pereira Tito Fontes
13. Maria Clara Garcês Camacho
14. Maria Elisa Sampaio
15. Maria Emilia Araujo Silva
16. Maria Emilia Soares Mendes
17. Maria Eugénia de Louro Antunes
18. Maria Fernanda dos Santos Saraiva
19. Maria Ivone de Sousa Moreira Saraiva
20. Maria Jose Gil Dias
21. Maria de Lourdes Silvario Silva
22. Maria de Lourdes Neves Taborda de Morais
23. Maria Luisa da Silva Magalhaes
24. Maria Margarida de Carvalho A. Fontes
25. Maria da Piedade de Brito e A. R. Martins
26. Maria Rosa Prim de faria
27. Maria da Saudade Mexia D. Pinheiro
28. Maria Teresa Correa de S. Monteiro
29. Maria Teresa Gomes Tavares
30. Maria Teresa Mendonça Ferreira
31. Maria Teresa Quental Miranda
32. Mariete Maria Bento Silvério da Silva
33. Raquel Maria de Moura Morgado
34. Rosa Maria Real Miranda
35. Maria de Lourdes Videira Tomás
36. Maria Antónia Branco
1-ANO TURMA B 1958/59
1. António Joséde Oliveira Marques de Miranda
2. Amilcar Moisés Ferreira Sequeira
3. António Álvaro de Melo Crisdtina Agante
4. António Jose Fernandes Heitor
5. António Luis Alves Ferronha
6. António Luis Martinho Ventura
7. António Manuel Gomes Ferreira
8. Arlindo Abel Alves Ribeiro
9. Armando Pinheiro Gomes
10. Artur Jorge Madruga Fernandes
11. Carlos Alberto Rodrigues Espinha
12. Carlos Manuel da Cunha
13. Carlos Olavo de Azevedo Camacho
14. Eduardo Alberto Moura Trindade
15. Eurico José da Silva Conceição
16. Francisco Miguel Alves Henriques
17. Gil Duarte Paulo
18. João Carlos Carneiro Ferreira
19. Joao Eduardo Morgado Alberto
20. João dos Santos Freitas
9
21. Joaquim António Vale de Oliveira
22. Jorge Manuel Ferreira Dias Pablo
23. Jorge Manuel Gavaia
24. Jorge Manuel Simões Nunes Telo
25. Josê Augusto Alves
26. Josê Carlos de Sousa Maia
27. José Manuel Gomes Tavares
28. José Walter Gouveia de Sousa
29. Júlio Ribeiro
30. Luis Alberto Bonet Monteiro
31. Luis de Almeida Lino
32. Manuel Clermand Martins Caldeira
33. Mario Manuel da Cunha Galvão
34. José Renato de Sousa e Costa
35. Rui Alberto Martins Roque
36. Arístides Manuel de Alpoim de S. Mendes
37. José Pedro Ferreira Velhinho
38. João Raul Gomes Bettencourt Coelho
39. José Carlos Lima Tavares de Sousa.
1-ANO TURMA C 1958/59
1. António Alfredo Máximo Morgado
2. António Cabral Lisboa Santiago
3. António Deodato Dinis Soares
4. António José Rodrigues de Freitas
5. Carlos Abreu Dias
6. Filipe José Moura e Silva
7. Firmino Humjberto Alves dos Santos
8. Gaspar Gomes ribeiro
9. Guilherme Manuel Barros d Almeida
10. Helder Flávio Gomes Morais
11. Helder Renato Correia Monteiro
12. Horacio Walter Gois Mendonça
13. João Manuel Fernandes Pereira
14. João Manuel Mendonça gois
15. José Antonio Beatriz Aparicio
16. José Antonio da Silva Ferreira
17. José Luis Santiago Goncalves
18. Júlio de Castro Valente Junior
19. Luis Oscar Gomes de Morais
20. Malaquias Celestino
21. Manuel das Dores Estevão Faria
22. Manuel Luis Pereira
23. Manuel de Oliveira Costa
24. Mário Guedes da Silva
25. Mário da Silva Ervedosas
26. Nelson Garcês Rodrigues
27. Norberto Gomes Duarte
28. Olegario Marcelo Velosa
29. Paulo Aníbal Lopes Nunes
30. Paulo José Nogueira Ferreira
31. Rogério Freitas Coimbra
32. Romualdo Arménio Gomes de Morais
33. Rui Augusto de Carvaho
34. Rui Manuel Ribeiro Couto
35. Virgilio Alberto de Abreu C.da Costa
10
36. Amandio Nelson de freitas
37. Fernando Tavares Costa
38. Ferando Manuel Branco
AO RELER OS NOMES DESTA MALTA, NÃO POSSO EVITAR UMA TORRENTE DE RECORDAÇÕES E
SAUDADES.
ONDE QUER QUE SE ENCONTREM NO UNIVERSO, AQUÍ DE LONGE... MAS MUITO PRÓXIMO DO BERÇO
DO NOSSO REINO, ENVIO-VOS UM GRANDE E SINCERO ABRAÇO.
SEM DÚVIDA QUE SER-SE MACONGINO É UMA MANEIRA DIFERENTE DE SE
ESTAR NA VIDA
GINGA MALAIA!!!
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
48.
A Corrida dos Zigotos
Trazes-me à memória mais uma vez os tempos das maravilhosas farras do sétimo e de outras no ginásio
do nosso liceu das quais eu fui sempre o "Pato Mor Profissional",
Tempos em que em vez de se dançar à distancia tipo camaleão desengonçado se dançava de facto bem
juntinho à nossa dama. (Tempos em que os fatos de banho "lastex" eram o"best Seller" das lojas do
Lubango).
Tempos em que na farra a malta ficava precisamente em linha atrás do "risco"como se fosse o ponto de
partida e de arranque para uma corrida importante que todos queriam ganhar.
Todos (ou quase) à espera dos primeiros acordes das violas (Violas e musicas tipo Shadows - que
saudades meu irmão) para ir buscar a desejada ou eleita antes dos rivais chegarem primeiro e ganharem
a competição.
A ansiedade era tal que por vezes a um simples acorde da orquestra, tipo simulacro ou simples
afinamento de instrumento, muitos corriam antecipadamente directamente para a eleita, perfazendo
ainda alguns bons metros antes da música realmente começar, e por isso tinham de voltar para trás...
Era mesmo de rebentar a rir.
Alguns mais rápidos, mais expertos e competitivos, faziam reservas antecipadas nas danças anteriores ou
por sinais discretos á distancia antes da música começar, bebiam a sua Cuca calmamente e caminhavam
depois lentamente e seguros em direcção oposta aos chicos expertos agora de regresso... E assim os
patos armados em gansos dengosos de corrida, chegavam lá apanhavam uma granda tampa e voltavam
ao ponto de partida como "patinhos feios".
No meu humor crú e mordaz daqueles tempos, de que muita gente se queixava (mesmo muito) e me
granjearam alguns inimigos e umas poucas sessões de porrada, eu chamava ao acontecimento " A
Corrida dos Zigotos".
Um grande abraço
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
49.
A primeira visita ao Lubango de 3 mulheres da vida
Não posso deixar de contar esta história, mais do que felliniana, que ilustra, na sua crueza, muito do
imaginário desses tempos e alguma inocência que contribuía para o encanto em que vivíamos.
Um dia, correu entre os homens da terra, o boato de que três mulheres da vida, brancas, tinham
chegado ao Lubango, vindas de Luanda. Nunca tal se tinha visto! É muito interessante notar que, salvo
raras excepções, (quem se lembra da Vicencia?) não considerávamos as raparigas negras "mulheres da
vida". De facto, não era por profissão que as mulheres negras concediam os seus favores. Na minha
opinião, esta visão das coisas diz muito ácerca do modo como vivíamos naquela terra e naquele tempo.
Profissionais do amor eram as brancas que disso faziam modo de vida.
Pois um dia chegaram ao Lubango três dessas profissionais. Vieram a uma cidade onde não havia boites,
muito menos cabarés, onde só havia um cinema, etc. A meio da tarde desse dia, todos os individuos do
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sexo masculino acima dos 12 anos já sabiam do acontecimento e uma mal disfarçada excitação percorria
a cidade. Onde é que as senhoras seriam apresentadas aos cavalheiros? Teria de ser num lugar discreto
e bem longe da cidade. Alguém decidiu que o lugar indicado seria os Barracões. Nem mais nem menos
que o lugar onde a cidade teve início! O acampamento dos primeiros colonos!
Organizaram-se à socapa excursões aos Barracões, para essa noite, depois do jantar. Ninguém sabe
como, mas tudo isto foi feito em segredo, em combinações boca/ouvido, para que não chegasse ao
conhecimento de esposas, irmãs, mães e namoradas.
O Odeon deve ter tido o maior prejuízo da sua história. Eu também fui, já não sei com quem e, quando
cheguei aos Barracões, deparei com uma cena inacreditável: centenas de homens, mais e menos jovens,
faziam fila diante de um dos barracões, como se aguardassem para apresentar cumprimentos ao
Presidente da República. Os conhecidos cumprimentavam-se, os amigos trocavam pilhérias. À vez, iam
entrando por uma porta, demoravam-se algum tempo lá dentro, e saíam por outra, para dar lugar aos
outros. Quando chegou a minha vez, entrei e vi, sentadas no centro do barracão, debaixo de um
petromax pendurado do tecto, três pobres, gastas e feias mulheres que olhavam para os homens com
evidente perplexidade e alguma ironia. A cerimónia durava apenas escassos segundos. Parámos em
frente delas, ficámos ali a olhar, e elas para nós, e saímos pela porta dos fundos.
Ficámos a conhecer como eram três profissionais do sexo. Já podíamos regressar à cidade.
Creio que este episódio não teria sido possível em mais nenhum lugar da terra. Na sua aparente crueza,
revela a inocência que nos caracterizava nesses tempos.
Inocência que, bem no fundo, e apesar dos anos que passaram, ainda não perdemos.
Inocência de quem não conhece o mal e é desordeiro e rebelde, porque se recusa a deixar de ser
criança.
Macongino é isso.
GINGA MALAIA!
Eduardo Homem
50.
A fuga estratégica do conquistador de baile…
Na capital da amizade e da camaradagem (Lubango) havia naqueles tempos dois grandes amigos, o tio
do nosso colega Sanona dos Mártires e o meu tio Fernando Seabra (Marreta). Pessoas muito conhecidas
nos meios "Chicoronhos" de então, era frequente verem-nos cada um na sua moto cruzando felizes o ar
fresco das noites de ar límpido e puro do Lubango. Tudo coisas que ainda hoje me trazem tantas
saudades.
Todos os sábados iam juntos para todos os lados, sobretudo a quase todas as farras lá do burgo.
Eu como miudo muito mais novo (16) alinhava sempre que podia (e me deixavam) seguindo no rasto
destes dois amigos adultos, veteranos da vida que por terem muitos outros amigos e por o tio do Sanona
ser exímio no toque do acordeão, nenhum deles precisava de convite ou de pagar entrada ou pelas
bebidas em todas as festas por serem sempre muito bem-vindos.
Eu admirava-os e desejava um dia vir a ser como eles.
Entre as muitas farras nos mais diversos locais nas quais com eles tive o prazer de alinhar, houve uma
bem diferente das outras e por isso ainda me lembro suficientemente bem para vos contar.
Foi na encosta da serra, a mesma serra onde muitos anos depois lhe colocaram em cima o Cristo Rei. Era
por trás do novo (actual) caminho-de-ferro a caminho do Lubango para o Rio Capitão.
Nessa noite foi o tio do Sanona na sua mota com o seu acordeão enorme pendurado às costas e o meu
tio na moto dele comigo sentado atrás.
A moto do meu tio era uma "NSU Fox" azul clara, da qual ele tinha muito orgulho dizendo convicto ser a
moto melhor e mais bonita de todo o Lubango.
Eu concordava e compartilhava desse orgulho familiar desejando sempre mesmo muito que um dia ele
me deixasse conduzir aquela máquina, pelo menos só por um bocadinho (o que até esse mesmo dia
nunca acontecera, e depois desse dia naturalmente que também não).
Chegados à tal farra (creio ter sido na casa de um dos Brunidos) que no momento da nossa chegada
parecia moritíssima, quase tão taciturna como um funeral, o tio do Sanona pediu uma mesa e (muito
12
aplaudido) subiu-lhe para cima e lançou os seus acordes mágicos, sapateando de quando em vez ao som
do seu próprio ritmo.
Automaticamente como se por milagre a vida e a alegria jorraram por todos os lados naquele ambiente e
todos os presentes animados começaram a dançar.
Não sendo tão popular, nem tão adulto nem tão habilidoso mas confiante como os meus dois amigos,
olhei à volta desejoso de tomar parte, mas fiquei quieto a observar bem para me ambientar.
Depois de umas tantas músicas tocadas, comigo ainda de copo na mão a observar os presentes, noto
sentada nos bancos da sala uma mocinha um tanto mais velha que eu, bonita, vestida imaculadamente
de branco, cabelo negro caido pelos ombros, olhos castanhos escuros mirões e enormes, uma flor no
cabelo e um sorriso certinho e encantador.
E como em certas circunstancias ninguém consegue controlar conscientemente as sua hormonas , nem a
vontade nem a imaginação ... arranco em linha recta quase em vôo em direcção ao objectivo e convido-a
para dançar.
Ela aceita e eu entusiasmado com a minha sorte repeti o convite sucessivamente e dançamos juntos até
o tio do Sanona (agora sem casaco, e todo suado) parar para varrer uma Cuca.
Ai um senhor que desde há muito me observava, botas mexicanas, camisa meio aberta, barba por fazer
e hálito a tinto barato, todo ele estilo cowboy e visivelmente aborrecido pelo meu entusiasmo e sucesso,
aproxima-se de mim e pergunta-me: "Então soube-lhe bem?"
Respondo-lhe eu retaliativo e de mau grado armado em pato de corrida; "O que é que você tem a ver
com isso?"
Diz-me o cowboy; "Tenho sim, ela é a minha mulher!"
Digo eu: "Devia ter posto um letreiro na testa".
Notei que meti bem a pata na poça, mas convencido que não tinha sido nada importante volto a agarrar
o copo e fico de novo de lado a observar a farra sem dançar.
Em poucos minutos o cowboy angariou o maior numero possível de amigos presentes e noto agora que
todos ou quase todos os cowboys olham fixamente para mim e ao mesmo tempo. Torna-se fácil perceber
o que vai suceder a seguir.
O tio do Sanona de cima da mesa pisca -me o olho e faz -me um gesto com a cabeça que não
compreendo.
O meu tio experiente em farras que acabam em arruaça, passa por mim e avisa-me entre lábios que se
estão a preparar para me " darem o arroz", passa-me a chave da moto e em surdina diz-me : não corras
nem mostres medo mas "cava" . Não fales nem discutas com ninguém, não pares nem olhes para trás.
Meto-me na casa de banho, fecho a porta à chave por dentro e salto pela janela de trás sem ser visto.
Monto na moto sem acender a luz e desço aquele bocado de serra às escuras pelo caminho mais
pedregoso, estampando-me aparatosamente por vezes sucessivas mas sempre em fuga sem olhar para
trás.
Disse-me depois o meu tio que os cowboys estiveram todos à espera que eu saísse da casa de banho,
quando notaram o meu subterfúgio fintão ficaram bravos e furiosos de varapau em punho bateram por
algum tempo a mata dos arredores da casa à minha procura.
Quanto à moto, o orgulho máximo do meu tio e razão para grandes desejos e sonhos da minha parte, foi
aquele dia a primeira e última vez que a conduzi. Com os tombos sucessivos na escuridão ficou muito
danificada e com as rodas em oito. Mas que fazer se não pagar pelo preço da nossa sobrevivência?
Quanto à bela dama e aos cowboys frustrados estou muito grato de que nunca mais os vi ou encontrei
desse dia em diante, não fosse eu ter outro ataque de hormonas, ficar com a inteligência toldada e com
as ventas amassadas ou seja, do mesmo modo em que ficou a moto do meu tio.
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
51.
Grande Nóbrega.
Estás a agravar as minhas saudades.
A Caça... que grande prazer e tantas saudades.
Tenho muito respeito por Pacaças (Cicerus Nanus), chamadas noutros dos muito poucos países africanos
onde esses animais precariamente ainda subsistem, "Red Buffalo" ou "Water Buffalo". São animais
possantes e de carne saborosa.
Pior que uma pacaça ferida só o Búfalo Negro (Kafer Kafer), animal ainda mais possante e mais volátil.
13
Quando em fúria, com uma marrada bem assente pode fazer um jeep virar. E tal como as pacaças um
tiro de 308 (7,62mm) dado directo entre as "lombingas" (cornos) não entra...
Sem me querer embrenhar em histórias de caça ( O que sinceramente adoro) das quaIis sinto seres
também simpatizante vou narrar um pouco dessa outra parte importante das minhas saudades.
Embora não seja animista, durante os meus longos anos fora de Angola o "Espírito da Floresta" visitoume quase todos os dias.
Era sobretudo à tardinha, ao por do sol quando paramos os afazeres ( A tal terapia ocupacional) e as
saudades recrudescem.
Percorri assim mentalmente muitas vezes e sem cessar, a pé ou de carro na perseguição desse espírito lá
de muito muito longe, as matas do Norte, Sul e Leste de Angola.
De acordo com um certo animismo angolano, "Samuenge" é o "Espírito da Floresta". É figurativamente
representado por um homem com os pés ao contrário. O porquê desta particularidade dos pés é que
quando caminhamos pela floresta dias e dias a fio (Como tu fizestes) a paisagem mantém-se à nossa
frente constante por muitas vezes como se fosse a mesma.
Na crença "Samuengista" isso é visto exactamente como se fosse um ser caminhante mas com a face
sempre voltada para tràs, ou seja voltada para nós à medida que pela mata progredimos.
Há uma outra história contada por graça nos nossos tempos dum "besugo" com pretensões a economista
que calçava sapatos n. 41 mas que comprou sapatos n. 45 por serem maiores e ao mesmo prêço. Na sua
esperteza o besugo (que não estudou na Huila) "comprou pelo mesmo preço muito mais sapato".
A minha versão difere. Aos 19 anos embora fosse ainda estudante tirei uma licença de caçador semi
profissional. Na minha realidade simples por custar pouco mais que uma licença normal de amador. Não
é que eu quisesse fazer vida ou negócio como tal , nem que eu fosse excatamente como o referido
besugo.
A esperteza desta minha versão não foi comprar mais licença pelo mesmo preço, mas primeiro dar
campo e direito a legalmente poder abater mais cabras no caso de ser apanhado pelos fiscais o que de
vez em quando acontecia.
E segundo como era típico da idade e do estilo de então, um cartão de semi profissional dava mesmo
muita ficha. Dava uma "Banga do Caraças".
Caçava naqueles tempos durante as minhas férias no Norte, no Sul e no Leste conforme a oportunidade,
usando muitas vezes o guía de caça de um familiar. Guia esse que me surpreendeu mesmo muito como
pessoa e como caçador, pela sua ciência e métodos gentilicos no ambiente da mata.
Era um "Mukankala", gente referida fora de Angola como "Bushman". Um membro de uma etnia
caçadora que no passado povoou completamente a África Austral mas que por fenómeno semelhante aos
dos indios americanos desde há muito está em franca extinção.·
O seu nome pessoal era ininteligível para mim e apelido não tinha, mas a alcunha que lhe foi dada por
um meu outro colaborador local (um homem de 60 anos a quem quando chamávamos dizíamos: "Ho
Rapaz") era "Cangato".
Nome muito bem aplicado pela maneira felina como o Cangato se deslocava, sobretudo nas próximidades
de caça. E assim o Cangato, para sempre e para mim Cangato ficou.
Uma das coisas que me intrigavam muito era ele ir de pé no Jeep, com a boca aberta e dar-me direcções
ou para a esquerda ou direita com gestos antes de localizarmos uma manada.
Perguntei ao meu pai (Caçador adulto e muito mais sério e experiente que eu) o porquê do cenário da
boca aberta. Foi-me explicado que o gosto tem muito a ver com o olfacto, sobretudo se tivermos
associados o cheiro de caça com o da comida e com o instinto de sobrivência.
Era assim que o Cangato "cheirava" a caça à distância para mim.
Uma outra vez caminhavamos sobre pedras grandes tipo granito, nas quais não havia nem areia nem
capim. Mas o Cangato olha para o chão e diz-me: Acabam de passar aqui três leões.
Rio-me alto e com gosto, as pedras do solo estavam quase límpidas de qualquer outra coisa que pudesse
mostrar a existência dum rasto ou uma contagem de animais Mas chegados pouco depois das pedras à
areia branca, de facto haviam pegadas de 3 leões e cheiro forte de urina tipo gato.
Como miudo orgulhoso que "até tinha licença de caça semi profissional "embora ainda estivesse de boca
aberta não tive coragem nem desejo para pedir desculpa.
Diz-me o Cangato no seu português rudimentar e com a sua calma felina habitual: é um macho e duas
femeas. Ainda incrédulo das habilidades dum homem que cheirava e seguia a caça a grande distância,
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via e contava leões onde ninguém mais os poderia ver, e até lhes distinguia o sexo sem os animais
estarem presentes, rio inocentemente e digo bem alto: Cangato, como podes distinguir o sexo dos leões
se eles nem sequer estão à vista, não me digas que foi pelo cheiro da urina...
Diz o Cangato na sua calma de "secúlo" mais velho, caçador autêntico e exímio, sabedor e experiente:
Minino, este leão aqui tem pata muito grande, é macho, grande e velho.
Calo-me e reconheço que tenho mesmo muito a aprender. Possivelmente o Cangato pensava que eu era
uma besta. Se fosse um europeu já me tinha insultado.
E desejando voltar à base com um verdadeiro troféu que fizesse jus à minha "licença de caça semi
profissional" digo de rompante com entusiasmo fervente: Cangato vamos aos leões!
Mas a resposta firme e determinada, sem ser de modo violento nem insubordinado, rebentou e demoliu
duma assentada todo o meu orgulho e peneiras de adoslecente.
Menino, Leão não é para garoto!!!!
Desculpem os que nos leiem se também ficaram decepcionados. Mas por certo o vosso orgulho não ficou
de modo algum tão arrasado e demolido como o meu.
Talvez vocês estivessem à espera que eu tivesse de farronca e de bravado um leão abatido no meu
palmarés. Mas até hoje nunca abati nenhum, porque aprendi que "Leão não é mesmo para garoto",
mesmo na sociedade de então em que éramos todos "Mininos", até bem depois dos 40, desde que
vivessemos na casa dos nossos pais.
O tempo passou. O Cangato vive ainda hoje apenas nas minhas recordações e curiosamente noto agora
que o tal "Espirito da Floresta" que me visitou durante 35 anos tinha precisamente a cara dele. A cara do
meu pequeno grande homem Cangato de apelido Samuenge.
Não consigo ainda hoje distinguir entre espirito e saudade, dos seus olhos tipo china, face de pomos
salientes , pele ligeiramente mais amarelada que a dum africano comum, tudo a fazer-me suspeitar
fortemente que aquela etnia veio provavelmente do oriente muitos e muitos milhares de anos antes da
actual população da África Austral se estabelecer nesta parte do continente.
Nos tempos em que esta parte da África tinha mesmo muitos Mukankalas, matas enormes por vezes com
arvores muito grossas em que era povoada por uma fauna vastissima e muito numerosa.
CANGATO SAMUENGE ONDE QUER QUE TE ENCONTRES NO UNIVERSO EXPRESSO A MINHA
SINCERA ADMIRAÇÃO POR TI. SINTO QUE UM DIA VOLTAREMOS A CAÇAR JUNTOS.
DEIXO-VOS AQUI MAIS SAUDADES DAQUELES TEMPOS MARAVILHOSOS QUE TODOS
TIVEMOS E QUE VOU DIVIDINDO POR CONTINUAREM A SER OS NOSSOS TEMPOS.
BEM HAJAS FRANCISCO NOBREGA- BEM HAJAM TODOS OS NOSSOS E TODOS OS OUTROS
QUE COMO NÓS VIVERAM TÃO BELOS MOMENTOS POR ESTAS PARAGENS
UM GRANDE ABRAÇO- GINGA MALAIA
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
52.
Não irei para parte incerta…
Quando eu morrer não digam que me ausentei para parte incerta porque sei exactamente para onde
vou.
Nem chorem sobre a minha campa porque não estarei lá.
Porque sempre aceitei e aceitarei o meu destino exactamente como a terra aceita a chuva.
15
E sempre estarei no vento fresco do planalto que ondula o capim alto das chanas ou anharas e das
matas por onde passei, nos rios e mulolas que cruzei e nas montanhas e vales que atravessei atrás da
caça e dos meus amigos e companheiros verdadeiros, alguns que nesse outro lado sei que esperam por
mim, sob as estrelas numerosas e brilhantes do hemisfério Sul, ou do luar brilhante do ar límpido e
fresco dos planaltos onde reviverei outra vez todas as nossas recordações.
E quando se lembrarem de mim, não chorem mas riam de contentes de todos os momentos que
vivemos, de todas as histórias e recordações que vivi e vos contei e que na altura certa deixarei
convosco.·
GINGA MALAIA
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
53.
O CEMITÉRIO JUNTO À ANTIGA ESTAÇÃO DE CAMINHO DE FERRO DO
LUBANGO
Entre as nossas partidas praxistas, à noite a malta do internato obrigava algumas das "bestas" (caloiros)
a irem ao cemitériozinho junto à antiga estação dos caminhos de ferro e às 24 horas em ponto mandavaas entrar.
Dentro de um dos jazigos abandonados já tinha mos antecipadamente um colega com um lençol branco
sobre a cabeça que ao ouvir um de nós no silêncio da noite imitar um môcho, assinalando o momento
certo para a consumação, saia abruptamente do esconderijo emitindo uma gargalhada bestial.
Enquanto o resto da malta escondida na escuridão atrás dumas pedras à frente do cemitério apreciava as
"bestas" em grande velocidade baterem o recorde dos 800 m barreiras de volta ao internato.
Um dia apareceu um daqueles caloiros gordinhos, que nunca fez exercício ou participou em nada , nem
correu muito na vida e, tomado por um "banana", foi sujeito a este teste "tenebroso".
Mas surpreendentemente em vez de dar às de vila diogo, ou de ficar no sitio a fazer "pu-pu" nas cuecas
grandes e largas, saltou agressivamente e de imediato para o "fantasma" e deu-lhe o arraial de porrada
mais rápido, mais agressivo e histérico da vida dele e dos nossos tempos.
Sorte estarmos lá todos para acudir.
Tinhamos ido ver uma prova de corrida acabámos por ver uma de " luta livre- tipo Kubanga vale tudo".
Ninguém deve substimar ninguém porque as consequências podem ser totalmente imprevisíveis.·
Valentes são os covardes que avançam.
(Os outros se avançam... é porque são malucos)
Este gordinho ficou memorável, desse dia em diante muito mais respeitado... e até imortalizado nas
nossas histórias e recordações daqueles tempos Maconginos.
.
UM ABRAÇO FORTE E GRANDE PARA TODOS.
BEM HAJAM
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
54.
O Julgamento das Bestas
Fernando Cobanco esta é para ti !!!
Lembro-me das praxes Maconginas da minha época em que ambiente era duro e selvagem.
Este relato pode ser chocante mas a praxe era parte integrante da nossa formação e pela mentalidade
ser "Quem não pensa como eu que se mate ou que se lixe" até hoje ninguém conseguiu mudar isso.
Os nossos ritos de iniciação eram testes duros de rudeza medieval - Na sua dureza "Coisa só para
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Homens".
Mas havia malta fixe e com graça que desempenhava os papeis dum tribunal imaginário como se da
verdade se tratasse. Para dar uma ideia desse espírito era como hoje se encontra em boa quantidade no
Cardeal do Reino (Adrega) e no Bispo de Angola (Edgar) que podem ser vistos nas nossas ceias.
"Bestas" eram os estudantes recém chegados que votavamos ao ostracismo até ao dia do julgamento.
Quem desse confiança a Bestas antes do julgamento era rapado.
Besta apanhada na rua depois das 18h 00m sofria o mesmo tratamento...
Nunca rapámos raparigas porque nunca consideraram os novos "Adónis" antes do dia do julgamento.
Com tal disciplina nunca ninguém falou cá fora de julgamentos à porta fechada, ou ousou fazer uma
narração pública como esta.
O julgamento era passo obrigatório a todas as bestas que chegassem ao LNDC pela primeira vez.
Excepto os demasiado novos, esses não aguentariam e apanhavam apenas carecas e palmadas nas
mesmas.
A sala do tribunal era geralmente na cave do liceu. Janelas cobertas com cartão. A dar aparência mais
tenebrosa quatro caveiras humanas (Encontradas num fosso num morro de pedras junto à serra, restos
de luta fratricida desconhecida) cada uma com uma vela acesa no topo, a única luz existente na sala.
O mobiliário era simples, uma mesa comprida para os magistrados, outra para o veterinário (com clister,
porrinho, escopo, tesoura, facas... o que lhe passasse pela cabeça), bancos longos corridos para a
assistência e o banco dos réus, um penico alto metálico cheio de líquido tingido de amarelo à guiza de
urina verdadeira.
Nas placas que cobriam as janelas estavam escritos a giz NON HABIT HABEAS CORPUS, DURA LEX
SED LEX - DURA PRAXIS SED PRAXIS , às vezes siglas e slogans esquerdistas, mas nunca nos
mandaram prender pela disciplina e confidencialidade serem absolutas.
Com capas negras por trás da mesa havia normalmente o Juiz, o Presidente da Academia , o Advogado
de Acusação, o Advogado de Defesa, o Médico Veterinário e o Padre. Haviam 4 Carrascos Embuçados em
capuzes negros tipo algoz, cada um com uma bola de basket dentro dum saco para no caso de não
cumprimento bater na besta ou na assistência se se risse dos procedimentos. Raramente haviam "cães
de fila" (Não - veteranos sentados no chão sem poder rir nem falar porque cão não senta em banco não
fala nem ri)
A assistência era constituída por veteranos que respondiam ao Juiz em coro certinho tal como júri
ensaiado.
JUIZ: Assistência. Culpado ou Inocente?
ASSISTÊNCIA: Culpaaaadoooo!!!!
JUIZ: Vida ou morte?
ASSISTÊNCIA: Mooorteee!!!
E por último havia a famigerada "BESTA".
De todos os presentes (Em teoria) NINGUÉM RIA porque os carrascos a mando do Juiz distribuiam
porrada da grossa.
Mas na realidade era dificil não rir.
Se hoje um de nós ouvir "Puuurraaada nássistênciaaaaa", recorda-se exactamente do que aqui descrevo
e não pode evitar um sorriso.
A besta de olhos vendados, cabaz de verga com cornos de boi enfiado na cabeça, um sino enorme de
vaca ao pescoço, aguardava a sua entrada na sala.
De lá de dentro ouvia-se o rufar de tambores por uns minutos e depois o silêncio. Então dizia o
JUIZ: - In nominem solennissima praxis a Audientia Aberta est. "Entrááábestaaaaa!!!"
(de gatas , escoltada por carrascos a besta era guiada para debaixo duma mesa)
JUIZ: Levante-se a besta. (Naturalmente que a besta batia com os cornos -do boi- no fundo da mesa)
JUIZ: Como é que se chama?
BESTA: Tirolindo Ambrósio da Silba.
JUIZ: O seu nome é Besta, aqui não se mente! Puuurradaa na Bestaa!!!
JUIZ: Como é que se chama?
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BESTA: Besta.
JUIZ: A besta não é burro é mula. É manhosa e aprende depressa.
ADVOGADO DE ACUSAÇÃO: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz a besta teve a ousadia de vir a tribunal disfarçada de
pessoa . Trás roupa, sapatos e zurra a imitar a voz humana.
JUIZ: Besta dispa-se e porte-se como um animal. (apenas com a roupa que o Criador lhe deu, a besta
vira pai adão )
ADVOGADO DE ACUSAÇÃO Meritíssimo Sr. Dr. Juiz vejo ali pendurado um insulto vil ao tribunal. Um
apêndice obsceno protuberante . A proliferação de animais impuros é proibida, solicito castração
imediata.
(O Veterinário de bata branca, afia ruidosamente como carniceiro um facalhão enorme contra outra faca)
JUIZ: Dr. Veterinário proceda à castragem da Besta.
ADVOGADO DE DEFESA: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz, rogo que seja pelo método do tijolo e de olhos
vendados para não sofrer. (O veterinário finge-se frustrado por não usar o facalhão, como que de mau
grado trás uma cadeira , um pano, um fio de nylon e um tijolo. Escondida no bolso tem uma tesoura)
VETERINÁRIO: Besta, suba para esta cadeira e agarre este tijolo á altura do peito.
(O Veterinário amarra o nylon dum lado ao tijolo e do outro ao "apêndice protuberante" e venda-lhe os
olhos. O padre tosse ruidosamente para não se ouvir a tesoura a cortar o nylon.)
JUIZ: Besta quando eu contar até três largue o tijolo! 1;2;3...
(A besta visivelmente aflita, hesita, não larga o tijolo. Ao terceiro comando e toques de carrasco larga o
tijolo e reflexivamente agarra rapidamente o total do seu instrumento. Nada sucede - A assistência ri.)
JUIZ: "Puurrrraaaada náássistênciaaa ".
(Os carrascos adoravam muito mais dar porrada na assistência do que na besta- era fartar vilanagem)
JUIZ: Ordem ou mando evacuar o tribunal.
PADRE: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz. A Besta tem de ser erradicada de pecado e confessada antes da
extrema-unção e de ser executada.
JUIZ: Sr. Padre confesse a besta. ( A besta nua ajoelha-se, o padre finje ouvir atentamente, interrompe a
confissão muitas vezes com comentários jocosos e finalmente grita)
PADRE: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz a besta confessa que gosta de "chouriço humano"!!!
ADVOGADO DE ACUSAÇÃO: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz besta canibal é inadmissível, solicito que se sele a
besta.
JUIZ
r. Veterinário sele a besta. (O veterinário com pretenso sadismo trás um "Porrinho" - arma
gentilíca tipo cacete- e actua como quem quer varar a besta)
ADVOGADO DE DEFESA: Meritíssimo Sr. Dr. Juiz o uso do porrinho no julgamento anterior levou a Besta
ao hospital, sugiro o método do lacre.
JUIZ; Selem a besta . (O veterinário finge sadismo frustrado, arruma o porrinho, saca uma vela de cera,
manda a besta colocar o assento para o ar, e sela-lhe o olho cego com gotas de cera quente como se de
lacre se tratasse.)
Descrevo aqui apenas um pequena parte dum julgamento para dar ideia a quem nunca assistiu.
Os julgamentos eram longos e nunca iguais, haviam uma vastidão de cenas em geral mas algumas eram
comuns. Havia quase sempre uma castragem, uma selagem, um baptismo e se a besta não colaborasse
muita porrada.
A parte final mudava completamente o cenário.
No fim a personalidade da besta estava reduzida a zero. Desejou por vezes apanhar lá fora um por um a
começar pelo Juiz e a acabar no cão de fila. Mas o JUIZ diz alto e solenemente: " In Nominem
Solenissima Praxis de Audientia Interrupta est". Magistrados e assistência levantam-se.
JUIZ: Tirolindo da Silba. Tenho a honra e o prazer de te dizer que o que se passou aqui foi muito duro, e
te fez sentir odioso e humilhado, deu-te vontade de chorar ou de fugir.
Este julgamento é como um parto, demora, é doloroso mas no fim dá origem a um Novo Homem.
Agora tudo acabou. Deixaste de ser Besta. tudo vai ser diferente, porque foste forte, não fugiste,
passastes no nosso teste e mostraste-nos que de facto és um Homem.
Tirolindo da Silba agora és um Homem e dos nossos.
A partir deste momento sempre que precisares chama e já sabes que estamos todos lá.
QUEREMOS ABRAÇAR-TE
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O juiz e o Presidente da Academia abraçavam a besta ao som de dois ruidosos Ginga Malaia...
O poder emocional era fortissimo e contagioso.
Todos vinham calorosamente abraçar a besta e diziam benvindo Tirolindo... enquanto as lágrimas
rolavam ao novo Macongino.
NUNCA VI JULGAMENTO EM QUE A BESTA NO FINAL NÃO CHORASSE COMOVIDA E
QUE DEPOIS DISSO NÃO FICASSE VERDADEIRAMENTE UM DOS NOSSOS.
PARA MIM ASSIM FOI... E MUITO FORTEMENTE.
(Face à realidade podem chamar-me por isso besta selvagem se quiserem.)
Acabada a emoção era passada a sentença.
"N" garrafões de 5 Lt para a "Ceia dos Calouros" (dependendo do salário do pai). Discurso em Público
(tema estapafúrdio, tal como a influência das barbatanas de bacalhau nos rodapés das paredes). Ir pedir
namoro em público a uma colega nossa indicada pelo Juiz.
Se ela aceiitasse, o número de garrafões reduziria.
Mas elas eram bem das nossas e raramente aceitavam.
Se aceitassem a ex-besta carregava-lhes os livros todos de casa para o Liceu e de volta por 3 meses...
Melhor apanhar um NÃO em público.
DURA PRAXIS SED PRAXIS
(A praxe é dura mas é praxe)
__________________
Joaquim Seabra Marques Pires
55.
De boleia pela Angola profunda…
Estudando no Lubango mas indo de férias muitas vezes a Luanda por ser o sitio onde se encontravam a
viver os meus pais, era frequente eu usar qualquer meio de transporte que estivesse ou houvesse à
disposição. Havia mais como eu, na mesma situação.
Podia ser boleia de camião até ao Lobito e depois de barco até Luanda, ou de comboio até ao Namibe e
depois de barco para Luanda e algumas vezes ( raras ) de boleia num avião de carga "Nord Atlas " com
um amigo que era pilloto e me arranjava lugar sentado na carga , por vezes com alguns dos nossos que
comigo também tinham tido o a sorte e o privilégio dessa boleia rápida, directa e gratuita.
Outras vezes usávamos os Dakota DC3 da DTA porque nessa companhia os filhos de funcionários
públicos tinham 50% de desconto e eu estava como muitos outros nessa categoria.
Íamos sempre o mais barato possível. Quando viajavamos de camião geralmente íamos na carga e
quando viajávamos de barco íamos sempre em "3ª suplementar" , isto é uma classe abaixo da chamada
Classe Turística. Nesses casos punham uma ou duas camas suplementares no porão junto à carga e ai
dormia a malta durante a noite no tempo que os paquetes levavam entre Namibe e Lobito e depois entre
Lobito e Luanda, uma noite e parte de um dia entre cada porto. Posso assim armar aos cágados e
farroncar que viajei em todos os paquetes do nosso tempo. Os célebres paquetes das extintas
Companhias Nacional e Colonial de Navegação.
O número de palavras ou de letras que a Sanzalangola nos dá ou permite para que nestas mensagens
vos contar todas as dezenas de saudosas aventuras e histórias que tivemos nestes percursos é diminuto,
mas vou referir-me a umas poucas delas.
O Velho Jardim, pai dos nossos contemporâneos do mesmo nome dos quais ao todo conheci uns 4, era
na altura camionista. Não precisava de apresentação. O seu ar tisnado e a marca Jardim tal como aos
filhos estava-lhe bem estampada no rosto. Como iniciador dessa classe especial este até tinha o direito à
patente.·
Não tinha o sorriso fácil do Jardim mais velho, nem o mesmo sentido de humor do já citado futebolista
"Herói da Humpata", nem a o modo gentil da filha mais nova, que era uma bela e prendada rapariga.
Ele viajava por vezes de noite mas as boleias dele eram "perigosas".
Não, ele guiava mesmo muito bem, o perigo era na verdade que para evitar contágio se um de nós
adormecesse mesmo que apenas por um pouquinho ele parava no meio do mato e mandava-nos
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descer... e nalguns sítios além de grilos e mosquitos... havia mesmo leões.
Para não sermos "atirados aos leões" pediamos sempre antecipadamente para ir na carga, o que
naqueles tempos se houvesse lugar na cabine era coisa totalmente rude e descabida.
Esses eram tempos em que no Sul de Angola nunca se negava uma boleia a ninguém, e todos paravam
mesmo apenas para pedir desculpa que o carro estaria cheio...
Uma vez estava eu em Luanda, com o Hugo das Mulas, o Zé Maria Martins e o João Capado ( O nome
era verdadeiro, nada a ver com o significado) e decidimos voltar para o Lubango. Estávamos
"quebrados". (O brasileirismo é apenas porque a palavra comum que descreve esse facto tal como o
nome do João pode dar uma ídeia completamente errada da situação).
Decidimos voltar para o Lubango em boleia de "palhabote" de cabotagem, uns barquinhos de madeira
com 24 metros, com vela e com motor. Mas pelo preço a pagar (Esc 40.00) era quase de graça. As
únicas desvantagens eram dormir-se no convés, ter de se levar farnel não refrigerado para a longa
viagem que demorava de Luanda ao Lobito mais de 2 dias e 2 noites.
O principio da aventura foi romântico, sair da Baía de Luanda e passarmos a ilha do Mussulo quase ao
pôr do sol ... mas mais adiante no mar largo, começou uma "calema" (Monção Angolana) com ondas
grandes, ou para chicoronhos mesmo enormes.
Tal como quando viajo de avião em paz comigo próprio, durante a viagem bati umas sornas valentes
incluindo quando os outros 3 ajudaram a tripulação a acomodar a carga por causa da tempestade e das
ondas que por vezes subiam ao convés.
Eles protestaram muito pela minha aparente indiferença e descontração, mas eu era mesmo assim,
mesmo quando o motor do barco avariou e eles entraram em pânico.
Havia demasiado vento para se usar a vela ficando o barco parado sobre as ondas bem cavadas e altas à
deriva... ("O Seabra é um sorna do caraças"),
Quando estava acordado e eles dormiam eu bebia o meu leite condensado para debelar a fome e
obsevava demoradamente o timoneiro, um cabo verdeano alto velho e seco, concentrado a manter
constantemente na escuridão sem estrelas a direcção do barco contra uma bússola enorme porque estes
barquinhos não tinham luxos de piloto automático nem radar. Foi ele quem resolveu a avaria.
E desse modo em vez dos 2 dias previstos demoramos mais de 3.
Quando chegamos ao Lobito era bem de noite.
Fartos dos balanços de barco decidimos colocar pé em terra firme.
Notamos que até ao meio do dia seguinte ainda fazíamos em terra firme os movimentos compensadores
dos balanços a que tinhamos estado sujeitos por dias a fio no mar alto e que agora já tinham passado.
Saímos pela alta noite pela cidade deserta cambaleando, parecendo marinheiros bêbados. Cansados da
aventura marítima deitamos-nos nos degraus dos correios para dormir.
Era em 1961 na altura em que a policia patrulhava tudo de dia e de noite.
E assim parou por ali um Land Rover Station de 5 portas com 3 policias dentro e, com os nossos
protestos fomos todos revistados e presos.
Os 4 VIP Maconginos sentados no banco do meio, o Ximba condutor e outro à frente com uma
espingarda Mauser virada para trás e o terceiro no ultimo banco com uma pistola metralhadora FBP
virada para a frente .
As tais FBP eram conhecidas por dispararem inesperadamente sózinhas quando destravadas e agiitadas...
mas por sorte ali o asfalto tinha boa qualidade.
Vocês sabem como eu gosto muito de Ximbas, mas fiquei caladinho como um rato.
Sorte que como era de noite não havia ninguém a ver, ou a quem no dia seguinte tivéssemos que
justificar que não tinha-mos roubado nada a ninguém.
Depois de termos ido à esquadra e sermos questionados desconfiadamente, eles foram connosco ao
porto verificar a veracidade da nossa história e voltamos assim forçosamente para o convés do palhabote
por mais uma noite.
De manhã decidimos tomar o CFB do Lobito para Benguela, mas na estação os Ximbas voltaram e sem
apresentarem motivo identificaram-nos outra vez e prenderam o João Capado.
(Ah! Eu sabia que havia qualquer coisa suspeita a vosso respeito... disse o Ximba com mais "bissapa"...)·
Soubemos mais tarde não ter nada a ver com politicas. O João tinha drama familiar e a sua casa em
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desavença. Veio connosco apenas com autorização da Mãe e o pai despeitado apresentara queixa.
Já em Benguela encontramos o Joca de Quliengues e um outro dos nossos que não sei se seria o Luís
Manuel., mas era elemento bem dos nossos e de semelhante afecto.
Foi uma verdadeira festa. Vocês de certeza que ainda se lembram da alegria intensa que tinhamos em
re-encontrar malta da nossa quando voltávamos de férias ou nos viamos em qualquer outro lugar
distante do berço do reino.
E naturalmente que contámos ruidosamente no meio de gargalhadas e gestos as aventuras dos últimos
dias e ouvimos de volta em troca outras tantas.
SE OS XIMBAS AINDA ALI ESTIVESSEM OU RIAM CONNOSCO OU ÍAMOS TODOS PRESOS
OUTRA VEZ
Agora a caminho do Lubango mas em boleia de camião , íamos os 5 atrás deitados sobre sacos de sal
grosso. Ai não havia calemas nem militares ou policiais a mandarem canhoneiras avançar para o
Bailundo, mas o São Pedro (Não o nosso colega, mas o outro de lá de cima que senta com o "Século
Nene") deu mais uma vez um ar da sua graça e desta vez mandou chuva torrencial.
A chuva era muita e caiu por algumas horas, parecíamos todos bacalhau salgado.
Já no Lubango demoraram muitas lavagens sucessivas para tirar o sabor intenso a sal das nossas roupas.
Nunca mais viajamos de palha bote, mas o barquinho deixou sabor a aventura e deu origem a histórias
de saudade dos nossos tempos para agora vos contar.
UMA VERDADEIRA PENA QUE JÁ NÃO SEJA À VOLTA DO BAMBU
MAS AO MENOS CONTO ESTAS COISAS AQUI NESTE OUTRO BAMBU - O FIO DA TINITA - O
FIO DA SAUDADE .
UM GRANDE ABRAÇO PARA TODOS .
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Joaquim Seabra Marques Pires
56.
MALTA AMIGA!
É como diz o Seabra, de vez enquando "pio"!
Mas estou convosco, creiam-me!
Ao ler o relato dos nossos saudosos julgamentos académicos, lembrei-me de um grande colega que de
"besta" passou a um grande dos nossos, meu irmão, meu amigo do peito, meu colega de turma...
infelizmente já desaparecido!
Recordo-o muitas vezes cumprindo umas das penas a que o nosso Tribunal o condenou, empoleirado em
cima do marco do correio na esquina do Artur Fernandes num Domingo de Picadeiro, fazendo
publicidade, imaginem, a "PIANOS COM TECLAS GASTAS"!
Grande Macongino, grande chicoronho de coração, grande Angolano, deixou-nos há poucos anos!
Onde estiveres, JORGE HENRIQUE DE MELO DIAS FLORA, recebe a minha singela homenagem e o meu
muito obrigado por teres sido um dos nossos!
EH MALTA...PARA O NOSSO JORGE FLORA...
ÉÉÉÉFFFFÉRRRIÁÁÁ!
GINGA MALAIA!
Luis Manuel
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2ª série - Reino de Maconge