FALHAS DEVIDO À FALTA DE COMPATIBILIZAÇÃO DE PROJETOS – ESTUDO
DE CASOS EM OBRAS DE EDIFICAÇÕES
Gustavo Soares Dolabela¹
Jordane Geraldo Moreira Fernandes²
RESUMO
Há algum tempo atrás, o processo de construção civil era mais homogêneo, o
profissional que projetava era o mesmo que executava. Hoje a realidade é diferente:
devido ao detalhamento maior dos projetos, existe uma separação entre as áreas que
atuam no meio da construção civil. Depois que o projeto arquitetônico é apresentado,
os
projetos
complementares
são
elaborados
separadamente.
Não
existe
comunicação entre os projetistas. Também não há integração entre o projetista e o
profissional responsável pela execução da obra. Essa falta de comunicação tem
gerado muitas falhas na etapa construtiva, acarretando em atrasos, custos e baixa
qualidade do serviço. Desta forma, este artigo pretende mostrar as falhas decorrentes
da falta de compatibilização de projetos, evidenciando os custos adicionais, o atraso
no cronograma e a redução da qualidade do empreendimento em questão. Serão
analisados diversos casos mostrando a causa do erro e a solução tomada para
corrigi-lo.
Palavras-chave: Construção Civil. Integração de projetos. Obra. Qualidade. Custo.
Cronograma.
ABSTRACT
Some time ago, the process of construction was more homogeneous, the
professional who projected was the same as performing. Today, the reality is different:
due to more detailed projects, there is a division between areas that work in the
middle of construction. After the architectural design is presented, the additional
projects are developed apart. No communication between designers. There is also no
integration between the designer and the responsible for the execution. This lack of
communication has caused many failures in constructive stage, resulting in delays,
costs and low quality of service. So, this article aims to show the failures arising from
the lack of compatibility of projects, highlighting the additional costs, schedule delay
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and quality reduction of the undertaking in question. Several cases showing the cause
of the error and the solution taken to correct it will be analyzed.
Keywords: Civil Construction. Integration of projects. Work. Quality. Cost. Schedule.
1.
INTRODUÇÃO
Atualmente o setor da construção civil está bastante concorrido fazendo
com que as empresas busquem um diferencial no mercado. Algumas empresas,
visando a melhoria nos serviços prestados, vêm adotando um processo construtivo
mais eficaz.
Parte desse processo é a compatibilização de projetos, que tem como
principal função a integração dos mesmos, proporcionando melhor sincronização e
obtendo assim altos níveis no padrão de qualidade da obra. O objetivo é otimizar o
custo, tempo e qualidade do empreendimento. Além de facilitar possíveis
manutenções, também busca observar e corrigir falhas na raiz do problema como
interferências e inconsistências geométricas entre os ambientes da edificação. A
análise da compatibilização parte do arquitetônico e engloba os demais projetos
complementares.
Entretanto, a maioria das empresas que atuam na construção civil não
adota esse processo. O pensamento é em curto prazo e o resultado disso é um
retrabalho ou até mesmo uma manutenção futura, ou seja, o lucro esperado é
reduzido simplesmente por não adotar uma política que já dá provas de seu melhor
custo-benefício.
A consequência de aderir a uma política ultrapassada é o aumento nos
custos devido a retrabalhos gerando um atraso no cronograma previsto e, por
conseguinte, uma redução na qualidade dos serviços executados aumentando a
ocorrência de patologias.
Estudos apontam que a maioria das patologias se dá na fase de projeto
como nos mostra o gráfico abaixo:
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Gráfico 01 – Origem das patologias
Diante disso, fica claro que quanto maior o tempo gasto na elaboração e
compatibilização de projetos há menor incidência de patologias, acarretando no
aperfeiçoamento da qualidade e na diminuição do custo final do seu empreendimento.
Segundo Altair Santos (2013),
Compatibilizar projetos requer investimentos que podem representar de 1% a
1,5% do custo da obra, mas gera diminuição de despesas que varia de 5% a
10% desse mesmo custo. Além de reduzir o tempo gasto no canteiro de
obras, os ganhos são garantidos pela redução do desperdício e eliminação
do retrabalho. A previsibilidade também garante diminuição do desperdício de
material e conquista de tempo durante as obras.
Portanto, existe a necessidade de analisar as falhas que se desenvolvem
durante o processo de execução de uma obra devido à falta de compatibilização de
projetos. Os imprevistos que são gerados têm acarretado em prejuízos, diante desse
fato, desenvolve a ideia de evidenciar a realidade que ocorre nos canteiros de obras
com o objetivo de conscientizar a todos sobre a importância do planejamento bem
elaborado fazendo com que os resultados que a empresa almeja sejam satisfatórios.
2.
DESENVOLVIMENTO
O que acontece se executarmos os projetos sem analisarmos se estão
coerentes?
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Figura 01 - Televisão em frente à câmera.
Antes de se executar qualquer atividade, deve-se analisar se os projetos
em questão estão compatibilizados. Nesse caso (Figura 01), o ponto elétrico que foi
deixado para instalação da câmera de segurança ficou atrás do suporte fixo onde a
televisão foi instalada, ou seja, o projeto de CFTV não previa uma TV a frente, assim
como o projeto arquitetônico não previa uma câmera naquele local.
Diante dessa situação a única coisa a se dizer é: “Que burrice!!!”. Mas para
isso se tornar “burrice” não é difícil. Basta fazer o seu trabalho, ou seja, seguir o
projeto. No caso não houve erro de execução, nem de projeto, o que aconteceu foi
única e exclusivamente por falta de compatibilização dos projetos envolvidos.
Vergonhoso não?
Então, caso não haja investimento prévio em compatibilizar os projetos,
não basta apenas executar o serviço. Ao início de cada atividade deve-se analisar se
existe alguma interferência entre os projetos envolvidos e, durante sua execução,
deve haver maior fiscalização por parte do mestre de obras ou encarregado para que
situações como a descrita acima sejam evitadas.
2.1.
PROJETO ARQUITETÔNICO X PROJETO ESTRUTURAL
Durante o processo de execução é possível se deparar com várias
situações inesperadas. Os projetos arquitetônico e estrutural, por tratarem de
interesses e objetivos diferentes, podem apresentar interferências.
Abaixo, uma situação comum no dia a dia de uma obra: o simples
(estrutural) versus a estética (arquitetônico).
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Figura 02 - Detalhe projeto arquitetônico.
Figura 03 - Detalhe projeto estrutural.
O caso ilustrado anteriormente mostra uma divergência entre o projeto
arquitetônico e o estrutural.
De acordo com o projeto arquitetônico o pilar em questão teria que ser
executado de forma trapezoidal e consideravelmente mais robusto (Figura 02).
Por se tratar de pilar que é um componente estrutural da edificação, deve-se
seguir o projeto estrutural (Figura 03), com todas as recomendações do
projetista responsável.
Também de acordo com o projeto arquitetônico, o pilar teria um
revestimento de granito com fixação aerada (Figura 04), ou seja, a base para
fixação tem que ter resistência para suportar o peso da peça de granito.
Diante disso, a solução adotada foi de revestir todo o pilar de alvenaria
de modo que ficasse na forma trapezoidal, exatamente conforme o projeto
arquitetônico.
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Figura 04 – Esquema de fixação de fachada aerada.
Para poder fixar o granito, foi necessário fazer o enchimento da
alvenaria no local onde a peça foi fixada.
Figura 05 – Pilar revestido de tijolo cerâmico.
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Figura 06 – Pilar revestido de granito.
Do ponto de vista do prazo da obra, pode-se levar em consideração um
atraso de um a dois dias no cronograma previamente estabelecido para a elaboração
do empreendimento.
Em relação ao custo, diante da solução adotada, houve um acréscimo no
orçamento inicial gerando, assim, um custo adicional, tanto relativo à mão de obra,
quanto ao material.
A atividade em questão precisaria, no mínimo, de um pedreiro e de um
servente, além do acompanhamento do encarregado responsável. Levando em conta
que o serviço levou dois dias para ser concluído, e a hora trabalhada de cada
profissional envolvido na atividade, pode-se observar o custo extra aproximado
necessário à execução do serviço (Tabela 01).
MÃO DE OBRA
DIÁRIA
QUANTIDADE
TOTAL
Pedreiro
R$ 300,00
02
R$ 600,00
Encarregado
R$ 500,00
1/2
R$ 250,00
Mestre de obras
R$ 850,00
1/3
R$ 283,33
Engenheiro
R$ 1200,00
1/4
R$ 300,00
03 dias
R$ 1433,33
03 diasx 100%
R$ 8599,98
Total
Total x Multa
Atraso de obra
1433,33
Tabela 01: Custo extra do serviço
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No que diz respeito ao material, foi gasto aproximadamente 30m² de
alvenaria, além do concreto usado para preenchimento da base de fixação do granito
e o próprio granito, que é um material relativamente caro dentro da planilha
orçamentária.
Esse é apenas um exemplo de uma situação que aconteceu em uma obra.
Baseado nisso, pode-se mensurar quantas outras situações parecidas houve e
quantas outras soluções foram adotadas sem nenhum planejamento. Por isso, devese pensar no sincronismo entre a arquitetura e a estrutura, no equilíbrio entre a
segurança (estrutura) e a estética (arquitetura).
2.2.
PROJETO ARQUITETÔNICO X PROJETO HIDRÁULICO
Geralmente o responsável pela elaboração do projeto hidráulico utiliza
como base o projeto arquitetônico. Isto, porém, não é o suficiente para evitar as
falhas.
Vimos no caso anterior que é comum existir interferência entre a estrutura
e a arquitetura de uma edificação. Então, também é possível que ocorra conflitos
entre os demais projetos.
O caso que veremos a seguir ilustra uma situação típica da falta de
planejamento. Devido a uma adequação do projeto arquitetônico em relação ao
estrutural, surgiu um conflito entre o projeto estrutural e o hidráulico.
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Figura 07 – Furação em viga
Uma viga que antes não seria tão profunda no projeto arquitetônico foi
necessária diante dos cálculos obtidos pelo profissional responsável pela elaboração
do projeto estrutural. Então, a solução foi furar a viga para possibilitar a passagem da
rede de sprinklers, componentes do sistema de combate a incêndio.
Portanto, é possível observar que a falta de compatibilização gera uma
cadeia de falhas entre os projetos. O engenheiro responsável pela execução se
depara com várias situações que além de comprometerem o cronograma, reduzem a
qualidade do serviço.
No caso específico citado acima, a solução encontrada foi bastante
trabalhosa: furar uma viga de concreto, com diâmetro considerável para interferir na
estrutura do prédio, pois a tubulação de rede de sprinkler era a rede de distribuição,
ou seja, com diâmetro de 4” (quatro polegadas). Sendo assim se fez necessário a
consultoria com o calculista para que este serviço fosse executado, visto que o
engenheiro de produção (obra) não poderia se responsabilizar pela alteração nem
poderia ser negligente a respeito da segurança.
Quando o engenheiro responsável se depara com uma a viga em questão
o caso é analisado e encaminhado ao engenheiro calculista, que, se em pronto
atendimento, responde em um dia. No processo de execução, é gasto meio dia de um
pedreiro, encarregado, e servente, além do aluguel do martelete rompedor. Sendo
assim podemos constatar o atraso na execução do serviço de no mínimo quatro dias
e um gasto adicional que pode ser observado de forma aproximada na tabela abaixo.
MÃO DE OBRA
DIÁRIA
QUANTIDADE
TOTAL
Pedreiro
R$ 300,00
1
R$ 300,00
Mestre de obras
R$ 850,00
1/3
R$ 284,00
Encarregado
R$ 500,00
1/3
R$ 167,00
Engenheiro da obra
R$ 1200,00
1/4
R$ 300,00
R$ 500,00
1
R$ 500,00
Consultoria do
Calculista
Total
Total x Multa por
R$ 1551,00
R$ 1551
02 dias x 100 %
R$ 6204,00
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atraso de obra
Tabela 02: Custo extra do serviço
2.3.
PROJETO ELÉTRICO X PROJETO ESTRUTURAL.
Figura 08 – Furação de laje protendida.
Neste caso podemos verificar a furação da laje sendo feita e o profissional
se deparando com cabos de protensão (Figura 08). Esta se fez necessária pois nem
o projeto estrutural nem o arquitetônico previa um shaft para passagem da prumada
do barramento blindado energizado que alimenta os andares.
Assim como o caso 2.2, se fez necessário o auxílio do calculista e do
engenheiro responsável pelo projeto de protensão, a fim de deslocar os cabos e dar
passagem ao barramento. Sendo assim foi gerado um custo pela consultoria de
engenheiros responsáveis, execução e multa por atraso (Tabela 03)
MÃO DE OBRA
DIÁRIA
QUANTIDADE
TOTAL
Pedreiro
R$ 300,00
1
R$ 300,00
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Mestre de obras
R$ 850,00
1/3
R$ 284,00
Encarregado
R$ 500,00
1/3
R$ 167,00
Engenheiro da obra
R$ 1200,00
¼
R$ 300,00
R$ 500,00
1
R$ 500,00
1
R$ 2200,00
Consultoria do
calculista
R$ 1000,00
(consultoria
Consultoria do
engenheiro)
engenheiro
R$ 1200 (execução
especialista em
de reparos nos
protensão
cabos de
protensão)
Total
Total x Multa por
atraso de obra
R$ 5951,00
R$ 5951,00
04 dias x 100%
R$ 47600,00
Tabela 03: Custo extra do serviço
2.4.
CONCLUSÃO SOBRE OS CÁLCULOS DE RETRABALHO DEVIDO À
INCOMPATIBILIZAÇÃO DE PROJETOS:
Com o cálculo de apenas 3 (três) casos de incompatibilização de projetos é
possível observar que este tipo de retrabalho se torna oneroso, totalizando um valor
de aproximadamente R$ 62.411,00.
Tais retrabalhos poderiam ser evitados através de um planejamento que
consiste em verificar se há compatibilidade entre os projetos estrutural, arquitetônico
e de instalações, gerando, assim, economia.
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Quando comparamos o custo da análise prévia (aproximadamente R$ 2000,00
por caso) com o valor do retrabalho, observa-se uma economia de aproximadamente
R$ 56,411,00.
3.
CONCLUSÃO
Neste artigo foi possível ilustrar diversas falhas relacionadas a projetos não
compatibilizados. Um investimento maior se faz necessário na etapa de elaboração
dos mesmos, pois a raiz da maioria das falhas encontradas na fase de execução se
dá justamente nessa etapa.
Em todas as situações apresentadas no artigo, a decisão tomada acarretou em
prejuízo, atraso e redução da qualidade do serviço prestado.
Considerando que o mercado da construção civil leva muito a sério tais fatores,
não há dúvidas que o investimento em compatibilizar projetos seja uma excelente
opção.
Um empreendimento executado com os projetos totalmente compatibilizados
pode gerar uma economia de até 10% do custo total. O cronograma será menos
afetado e, em relação ao prazo, situações inesperadas serão evitadas. A qualidade
do serviço será máxima, ou seja, atenderá aos princípios básicos de segurança e
sustentabilidade, importantíssimos nos dias atuais.
Com isso, conclui-se que muitos erros podem ser evitados se existir um
planejamento correto, respeitando todas as etapas do empreendimento e investindo
onde há maior incidência de falhas: na fase de elaboração dos projetos.
REFERÊNCIAS
SANTOS, Altair. Compatibilizar projetos reduz custa da obra em até 10%. 20 de
março de 2013. Disponível em: <http://www.cimentoitambe.com.br/compatibilizar-projetosreduz-custo-da-obra-em-ate-10/>. Acesso em: 09 de junho de 2014.
COMUNIDADE DA CONSTRUÇÃO. Compatibilização. Disponível em: <http://www.comunid
adedaconstrucao.com.br/sistemas-construtivos/3/compatibilizacao/projeto/40/compatibilizaçã
o. HTML>. Acesso em: 09 de junho de 2014.
Revista Pensar Engenharia, v. 2, n. 1, jan. 2014
SUSTENTABILIDADE. Fachada aerada. Disponível em: <http://www.mazzinigomes.com.br/s
ustentabilidade/>. Acesso em: 12 de junho de 2014.
ÁVILA, Vinicius Martins. Compatibilização de Projetos na Construção Civil. Julho de 2011.
84p. Monografia (Curso de Especialização em Construção Civil) – Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, 2011.
SANTOS, White José dos; BRANCO, Luiz Antônio Melgaço Nunes. FILHO, Júlio Valter de
Abreu. Compatibilização de Projetos: Análise de algumas falhas em uma Edificação
Pública. In: CONGRESSO NACIONAL DE EXCELENCIA EM GESTÃO, 9., 2013. Niterói, RJ.
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