PARECER/CONSULTA TC-023/2006
PROCESSO
- TC-888/2006
INTERESSADO - PREFEITURA MUNICIPAL DE CASTELO
ASSUNTO
- CONSULTA
CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO
PÚBLICA - CIP (ARTIGO 149-A DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL) - RECURSOS ARRECADADOS DESTINAM-SE,
EXCLUSIVAMENTE, AO CUSTEIO DAS DESPESAS COM O
SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Processo TC-888/2006, em
que o Prefeito Municipal de Castelo, Sr. Cleone Gomes do Nascimento, formula
consulta a este Tribunal, nos seguintes termos:
"A arrecadação da ‘Contribuição para Custeio do Serviço de
Iluminação Pública – CIP’ custeia somente as despesas de
manutenção do serviço de Iluminação Pública? O saldo
remanescente, após o pagamento de todas essas despesas,
poderá ser utilizado para custeio de outras despesas do
Município?”
Considerando que é da competência deste Tribunal decidir sobre consulta que
lhe seja formulada na forma estabelecida pelo Regimento Interno, conforme
artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 32/93.
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RESOLVEM os Srs. Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito
Santo, em sessão realizada no dia oito de junho de dois mil e seis, por
unanimidade, acolhendo o voto do Relator, Conselheiro João Luiz Cotta Lovatti,
preliminarmente, conhecer da consulta, para, no mérito, respondê-la nos termos
da Instrução Técnica nº 94/2006 da 8ª Controladoria Técnica, firmada pela
Controladora de Recursos Públicos, Sra. Renata Pinto Coelho Vello, abaixo
transcrita:
Transpostas as fases preestabelecidas no art. 97, caput e §
2º, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC182/2002), tendo se manifestado a autoridade competente
pela admissibilidade da presente consulta, os autos vieram
encaminhados a esta 8ª Controladoria para análise e emissão
de INSTRUÇÃO TÉCNICA. Trata-se de consulta formulada
pelo Prefeito Municipal de Castelo, Sr. Cleone Gomes do
Nascimento. Indaga o Consulente o seguinte: “De acordo
com a Emenda Constitucional EC nº 39 de 19/12/2002, foi
incluído na Constituição Federal o art. 149-A, que instituiu a
Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública –
CIP. A partir deste período, a CIP está sendo classificada
dentro da categoria econômica ‘contribuição de melhoria’ e
não mais em ‘Receita Tributária’, como taxa de iluminação
pública. Diante desta classificação, houve várias dúvidas
quanto a sua correta utilização e possível vinculação.
Pergunta-se: A arrecadação da ‘Contribuição para Custeio do
Serviço de Iluminação Pública – CIP’ custeia somente as
despesas de manutenção do serviço de Iluminação Pública?
O saldo remanescente, após o pagamento de todas essas
despesas, poderá ser utilizado para custeio de outras
despesas do Município?” É o breve relatório. DO MÉRITO
Após inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal,
declarando a inconstitucionalidade da taxa de iluminação
pública, cobrada nas contas de energia elétrica em diversos
Municípios, foi inserido na Constituição Federal, o Artigo 149A, conforme redação da Emenda Constitucional nº 39/2002,
que assim dispõe, “in verbis”: “Artigo 149-A. Os Municípios e o
Distrito Federal poderão instituir constribuição, na forma das
respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação
pública, observado o disposto no Artigo 150, I e III. Parágrafo
Único. É facultada a cobrança de contribuição a que se refere
o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”. Acerca da
natureza jurídica do tributo criado pela Emenda
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Constitucional, devemos atentar para os conceitos das
espécies de tributos existentes, tendo em vista que, o “nomen
iuris” dispensado a um tributo por dispositivo constitucional,
pode não ter, necessariamente, relação direta com sua
natureza jurídica. Do ponto de vista do Código Tributário
Nacional, o que nos basta para fins do objeto desta consulta,
o tributo é o gênero do qual os impostos, taxas e
contribuições de melhorias são espécies. Sobre os conceitos
de cada uma das espécies de tributos, vejamos o que nos diz
o Professor Hugo de Brito Machado, em sua obra “Curso de
Direito Tributário”, conforme passamos a transcrever, “in
litteris”: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato
gerador uma situação independentemente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (CTN, art.
16). Diz-se, por isto, que o imposto é uma exação não
vinculada, isto é, independentemente de atividade estatal
específica. A expressão não vinculada, com que se qualifica o
imposto, nada tem a ver com a qualificação da atividade
administrativa vinculada, na definição legal de tributo. Quando
se diz que o imposto é uma exação não vinculada, o que se
está afirmando é que o fato gerador do imposto não se liga a
atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Quando
se fala de atividade administrativa vinculada, no art. 3º do
CTN, o que se quer dizer é que a atividade administrativa
tributária é sempre vinculada à lei, não se admitindo
discricionarismo da autoridade administrativa na cobrança de
tributos. Os impostos se distinguem entre si pelos respectivos
fatos geradores e com base nessa distinção, nos países de
organização federativa, como o nosso, são atribuídos às
diversas entidades entre as quais se divide o Poder Político.
Taxa. De acordo com o estabelecido no art. 77 do CTN, taxa
é o tributo que tem como fato gerador o exercício regular do
poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de
serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte.
Distingue-se, por isto, nitidamente, do imposto”. E mais a
frente o mesmo autor continua acerca das contribuições de
melhoria: “Contribuição de Melhoria. É o tributo cuja obrigação
tem com fato gerador a valorização de imóveis decorrente de
obra pública. Distingue-se do imposto porque depende de
atividade estatal específica, e da taxa porque a atividade
estatal de que depende é diversa. Enquanto a taxa está ligada
ao poder de polícia, ou a serviço público, a contribuição de
melhoria está ligada à realização de obra pública. Caracterizase, ainda, a contribuição de melhoria por ser o seu fato
gerador instantâneo e único”. Após definirmos as espécies de
tributos previstas no Código Tributário Nacional, cabe
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analisarmos a constitucionalidade de uma Emenda inserir no
texto constitucional uma contribuição para o custeio dos
serviços de iluminação pública. O questionamento é relevante,
tendo em vista que, para a caracterização de um tributo como
contribuição de melhoria não basta que esteja este atrelado a
uma finalidade específica, sendo necessário ainda, que se
trate de uma atividade estatal pertinente a uma determinada
categoria ou grupo social. Sobre o assunto, o Professor Hugo
de Brito Machado, mencionando Kioshi Harada, no texto
“Estudos
Doutrinários”,
disponível
em
“http://www.hugomachado.adv.br/conteúdo.asp”,
acessado
em 22 de março de 2006, assim se manifestou, “in verbis”:
“Como já neste estudo afirmamos, a contribuição identifica-se
como espécie de tributo porque: a) tem destinação
constitucional especificamente estabelecida para o custeio de
determinada atividade estatal especificamente referida a uma
categoria ou grupo de pessoas, que provoca a sua
necessidade ou dela obtém especial proveito; e b) tem como
contribuinte pessoa que compõe a categoria ou grupo de
pessoas que provoca a necessidade de agir estatal ou dele
obtém proveito. Assim, quando se diz que a contribuição há
de ter finalidade constitucionalmente estabelecida não se quer
dizer apenas que os recursos dela provenientes devem ser
destinados ao financiamento de uma atividade estatal
indicada na Constituição. Se fosse assim, poderíamos ter
todas
as
atividades
estatais
custeadas
mediante
contribuições. Deixariam de ser necessários os impostos e
assim estaria destruído o sistema constitucional tributário.
Resta saber se a iluminação pública pode ser considerada
uma atividade estatal pertinente a determinada categoria ou
grupo social, vale dizer, atividade que interesse ou propicie
vantagem a determinada categoria ou grupo social. Essa
questão, porém, pode ser respondida negativamente sem
qualquer dificuldade. A este propósito manifesta-se Kiyoshi
Harada: ‘No caso da iluminação pública, pergunta-se, onde a
particular vantagem propiciada aos contribuintes, se todos os
munícipes são beneficiários desse serviço público? Seria
legítimo considerar a população normal, como beneficiários
específicos, em confronto com o contingente de pessoas
cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os
mesmos benefícios? Para caracterização da contribuição
social ou taxa de serviços, não basta a destinação específica
do produto de arrecadação do tributo. É preciso que se defina
o beneficiário específico desse tributo, que passará a ser o
seu contribuinte. Se a comunidade inteira for beneficiária,
como no caso em estudo, estar-se-á diante de um imposto, e
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não de contribuição’. (Kiyoshi Harada, Contribuição pra o
Custeio de Iluminação Pública, em Repertório de
Jurisprudência IOB, nº 6/2003, 2ª quinzena de março de 2003,
Vol. I, pág. 217)”. A importância de se identificar a natureza
jurídica da Contribuição de Iluminação Pública está
diretamente relacionada à resposta da presente consulta, uma
vez que, caso se entenda tratar-se de imposto e não de
contribuição de melhoria, a destinação dos recursos
arrecadados para uma finalidade específica é inconstitucional,
pois fere o Princípio da Separação de Poderes, na medida em
que impede que o Poder Executivo formule proposta de
orçamento para as receitas e despesas públicas. Analisando
o tema com cuidado, verificamos que entre as espécies
tributárias mencionadas no Código Tributário Nacional:
impostos, taxas e contribuições de melhoria, o tributo
instituído pelo Artigo 149-A da Constituição Federal, mais se
aproxima de um imposto, eis que não há como identificar seus
destinatários específicos. Ocorre no entanto, que embora não
seja possível delinear pessoas ou grupo de pessoas como
destinatários do serviço, não podemos deixar de observar que
este tributo tem uma finalidade específica (a iluminação
pública), o que o difere dos demais impostos. E assim, nos
perguntamos: qual seria a destinação dos recursos
arrecadados pelas Contribuições de Iluminação Pública? Se
pensarmos que o tributo tem natureza jurídica de contribuição
de melhoria, podemos admitir que seus recursos fiquem
atrelados a uma finalidade específica. De outro lado, se o
entendermos como imposto, não seria admissível que seus
recursos tenham destino específico, eis que tal regra feriria o
Princípio da Separação de Poderes, sendo pois
inconstitucional. Sobre a matéria, posicionou-se Hugo de Brito
Machado, no texto “Estudos Doutrinários” indicado acima,
conforme passamos a transcrever, “in verbis”: “Não fiquemos,
porém, apenas na afirmação genérica de que a Emenda 39
abre caminho para a destruição do sistema tributário pela
degradação dos conceitos nos quais se apóia. A referida
emenda na verdade tende a abolir a separação de poderes e
as garantias do contribuinte. Realmente, admitir a
possibilidade de contribuições com finalidades indicadas na
própria Constituição, mesmo para o custeio dos serviços
estatais de interesse geral, para cujo custeio se destinam os
impostos é caminhar para a supressão do orçamento público
como instrumento de divisão e harmonia dos poderes do
Estado. Quando a Constituição veda a vinculação das
receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, ela o faz em
atenção à separação de poderes do Estado, tendo em vista
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que ao Poder Executivo cabe formular a proposta de
orçamento anual para as receitas e despesas públicas. Se
feita a vinculação na própria Constituição, estaria decretada a
supremacia do Poder Legislativo, titular do poder de reforma
da Constituição, e retirada do Poder Executivo a possibilidade
de elaborar o seu plano de governo, que a final é
consubstanciado no orçamento. Ressalte-se que a Emenda
Constitucional sequer se submete à sanção (ou veto) do
Presidente da República, e assim, se por Emendas fosse
possível definir as receitas, mediante a criação de
contribuições, e a respectiva aplicação de recursos, com a
vinculação constitucional das receitas destas ao custeio de
determinadas atividades, restaria amesquinhado a separação
dos poderes, concentrando-se no legislativo o poder de
governar mediante a definição das atividades nas quais o
Estado deveria atuar, pelo provimento dos recursos para esse
fim. Como a proposta orçamentária é atribuição privativa do
Poder Executivo, tem-se de concluir que a supressão dessa
prerrogativa, pela prévia vinculação das receitas públicas a
despesas específicas, configura afronta à vedação contida no
art. 60, § 4º, inciso III, da Constituição. ‘Atribuir a qualquer dos
Poderes atribuições que a Constituição só outorga a outro’,
ensina José Afonso da Silva, ‘importa tendência a abolir o
princípio da separação de poderes’(José Afonso da Silva,
Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª edição,
Malheiros, São Paulo, 1998, pág.69)”. A despeito das
controvérsias existentes sobre a natureza jurídica do tributo
criado pela Emenda nº 39/2002, o fato é que a contribuição de
iluminação pública guarda características específicas que o
impede de enquadrá-lo tanto como imposto, como
contribuição de melhoria, tendo natureza “sui generis”, pois
embora não beneficie um grupo determinado de pessoas, a
própria Constituição lhe atrela a uma finalidade específica, a
iluminação pública. Cabe ressaltar que, tal espécie tributária,
foi criada por Emenda, que não foi declarada inconstitucional,
estando pois em vigor, devendo ser atendida a previsão que o
vincula tão somente ao custeio do serviço de iluminação
pública. Neste mesmo sentido, entendeu o Egrégio Tribunal
de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do
processo nº 1.656-02.00/03-6, conforme conclusão que
passamos a transcrever, “in litteris”: “Do novo texto
constitucional, defluem algumas definições, dentre as quais
salientamos as seguintes: A contribuição para o custeio da
iluminação pública, mais conhecida como CIP, apresenta
cunho tributário, eis que encontra-se inserida no Título VI –
Da Tributação e do Orçamento, Capítulo I – Do Sistema
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Tributário Nacional, Seção I – Dos Princípios Gerais; A
contribuição destina-se, exclusivamente, ao custeio das
despesas com o serviço de iluminação pública, da alçada dos
Municípios e do Distrito Federal, incluindo-se naquelas
despesas, em especial, o consumo de energia elétrica (a ser
pago à respectiva concessionária), lâmpadas, luminárias,
fiação, serviços específicos, etc.; É obrigatória a edição de lei
municipal ou distrital, objetivando a instituição, cobrança e/ou
majoração da CIP (art. 150, inciso I)...” Conclusão Deste
modo, considerando o ordenamento pátrio aplicável ao
presente caso e a fundamentação exposta, opinamos nos
seguintes termos: a) A Contribuição de Iluminação Pública,
prevista no Artigo 149-A da Constituição Federal embora seja
uma espécie de tributo, tem natureza “sui generis”, não
podendo ser enquadrada em nenhuma das espécies
tributárias previstas anteriormente pela Constituição Federal;
b) De acordo com o que dispõe o próprio texto constitucional,
os recursos arrecadados em razão da contribuição de
iluminação pública destinam-se, exclusivamente, ao custeio
das despesas com o serviço de iluminação pública, incluindose nestas despesas o consumo de energia elétrica, lâmpadas,
luminárias, fiação e serviços específicos. Esse é o nosso
entendimento.
Presentes à sessão plenária da apreciação os Srs. Conselheiros Valci José
Ferreira de Souza, Presidente, João Luiz Cotta Lovatti, Relator, Mário Alves
Moreira, Umberto Messias de Souza, Dailson Laranja, Enivaldo Euzébio dos
Anjos e Elcy de Souza. Presente, ainda, o Dr. Ananias Ribeiro de Oliveira,
Procurador-Chefe do Ministério Público junto a este Tribunal.
Sala das Sessões, 08 de junho de 2006.
CONSELHEIRO VALCI JOSÉ FERREIRA DE SOUZA
Presidente
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CONSELHEIRO JOÃO LUIZ COTTA LOVATTI
Relator
CONSELHEIRO MÁRIO ALVES MOREIRA
CONSELHEIRO UMBERTO MESSIAS DE SOUZA
CONSELHEIRO DAILSON LARANJA
CONSELHEIRO ENIVALDO EUZÉBIO DOS ANJOS
CONSELHEIRO ELCY DE SOUZA
DR. ANANIAS RIBEIRO DE OLIVEIRA
Procurador-Chefe
Lido na sessão do dia:
FÁTIMA FERRARI CORTELETTI
Secretária Geral das Sessões
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