Participação Popular Na Gestão Da Segurança Pública: A Evolução De Sua
Implementação Na Bahia.
Autoria: Elga Lessa de Almeida
RESUMO
Nas últimas décadas, a crescente criminalidade fez com que em muitos países
fosse questionada a eficiência do modelo tradicional de polícia, pautada no militarismo
e na atitude meramente repressiva. A inserção de novos paradigmas na atividade
policial culminou com a implantação de diversos projetos, cujos objetivos centravam-se
na aproximação desse tipo de controle estatal junto à população. A essa idéia
acostumou-se denominar de Polícia Comunitária, que, basicamente, tinha por intenção a
diminuição da criminalidade por meio de ações preventivas e, sobretudo, a melhora da
imagem policial, notadamente conhecida por sua truculência. O entendimento de que o
elo com a comunidade, representado pelo Conselho Comunitário de Segurança,
resultasse em alguma diminuição da criminalidade sugere que no combate à violência é
essencial a participação popular na gestão da Segurança Pública. Mais do que um papel
meramente passivo, à sociedade civil cabe a participação ativa na elaboração de uma
nova agenda política.
Palavras-chave: Criminalidade; polícia; comunidade; conselho; Rio – Vermelho.
1.Introdução.
Nas últimas décadas, a crescente criminalidade fez com que em muitos países
fosse questionada a eficiência do modelo tradicional de polícia, pautada no militarismo
e na atitude meramente repressiva. A inserção de novos paradigmas na atividade
policial culminou com a implantação de diversos projetos, cujos objetivos centravam-se
na aproximação desse tipo de controle estatal junto à população. A essa idéia
acostumou-se denominar de Polícia Comunitária, que, basicamente, tinha por intenção a
diminuição da criminalidade por meio de ações preventivas e, sobretudo, a melhora da
imagem policial, notadamente conhecida por sua truculência.
No que pese já ser amplamente conhecida na esfera internacional, essa nova
concepção de polícia ganha força no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988,
momento histórico no qual o país rompe com o regime de restrições civis e passa a
adotar o modelo de garantismo dos direitos individuais, difusos e coletivos.
Nesse cenário, a atividade policial, que até então servia de barreira para o forte
controle social que dava sustentação ao regime militar, passa a entrar em conflito com
as suas posturas em face dos novos preceitos estabelecidos. Dessa maneira, a atividade
policial que resguardava a ordem social deveria, agora, resguardar os direitos
individuais e coletivos estabelecidos pela Carta Magna.
No Brasil, o desenvolvimento de projetos voltados para aproximação das
polícias junto à comunidade foi amplamente estimulado pelos órgãos federais, por meio
de incentivos orçamentários, cabendo a cada Estado o desenvolvimento de um projeto
próprio que aproximasse as polícias dos anseios da comunidade. Muitos desses projetos
incluíram em sua concepção a existência de Conselhos Comunitários de Segurança, cuja
função seria a de servir de interlocutora entre a comunidade e as polícias.
O entendimento de que o elo com a comunidade, representado pelo Conselho
Comunitário de Segurança, resultasse em alguma diminuição da criminalidade sugere
que no combate à violência é essencial a participação popular na gestão da Segurança
Pública. Mais do que um papel meramente passivo, à sociedade civil cabe a participação
ativa na elaboração de uma nova agenda política, cumprindo a elaboração de
prioridades, alocação de recursos, acompanhamento da execução de projetos,
fiscalização da prestação de contas, etc.
É certo, entretanto, que a implantação desses Conselhos não tem sido
acompanhada de uma avaliação consistente que permita a sistematização dessa
modalidade de prática social, bem como o mapeamento das principais dificuldades
encontradas na implantação e execução dos respectivos conselhos e, sobretudo, a
correção dos desvios e redefinições de papéis ao longo da prática.
Assim, entendendo a existência dos Conselhos Comunitários de Segurança como
fundamental para o sucesso da implantação de projetos de Polícia Comunitária, o
presente artigo analisa a evolução histórica dos projetos de policiamento comunitário e a
forma como tem sido implementado no Brasil.
2. O desenvolvimento da idéia de polícia comunitária.
O modelo profissional de policiamento, instaurado em meados do século XIX,
correspondeu às necessidades de instrumentos confiáveis de controle através do uso da
força, seja porque as comunidades perderam sua vitalidade, ou porque a autoridade de
um novo regime fora questionada (BAYLEY, 2002,p.23). Essa profissionalização,
necessária para um combate mais efetivo das atividades criminosas, caracterizou-se por
instaurar padrões mínimos para a atividade policial: recrutamento de acordo com
padrões específicos, remuneração suficiente para criar uma carreira, treinamento formal
e supervisão sistemática por oficiais superiores (BAYLEY,2002, p.60). Tratou-se de
impermeabilizar a atividade policial de influências externas, construindo-se uma
verdadeira teia hierárquica de difícil penetração por pessoas estranhas ao meio, o que
resultou na formalização excessiva, pouca flexibilidade e, principalmente,
distanciamento da comunidade.
A partir da segunda década do século XX, uma grande tendência de
democratização das instancias públicas, incluída a atividade policial, foi percebida,
não no sentido de abertura das instâncias policiais às influências políticas, mas uma
reforma estrutural que possibilitasse a consecução da missão policial – a proteção da
sociedade.
A necessidade emergente de reforma do policiamento permitiu que o conceito de
policiamento comunitário se espalhasse rapidamente por vários países, atraídos,
principalmente, pela possibilidade de diminuição de gastos públicos. A idéia de
policiamento comunitário, no que pese ser um termo geral que abrange uma mescla de
tendências políticas e sociais, foi fundada por um conjunto comum de princípios e
suposições que incluem: a) uma definição mais ampla de “trabalho da polícia”; b) um
reordenamento das prioridades da polícia, dando maior atenção ao crime “leve” e à
desordem; c) um enfoque na solução de problemas e prevenção, mais do que no
policiamento direcionado ao incidente; d) o reconhecimento de que a “comunidade”,
qualquer que seja sua definição, executa um papel crítico na solução dos problemas da
vizinhança; e e) o reconhecimento de que as organizações policiais devem ser
reestruturadas e reorganizadas para serem responsáveis pelas reivindicações deste novo
enfoque e para encorajar um novo tipo de comportamento policial (ROSENBAUM,
2002, p.31-32).
As polícias comunitárias foram implantadas, inicialmente, em cidades
canadenses e norte-americanas, notadamente durante a década de 80. Muitas dessas
implantações fundaram-se na idéia de desordem do bairro, entendida como o conjunto
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de problemas mais freqüentemente mencionado que os residentes do bairro enfrentam, e
na crença de que a desordem mina a habilidade da comunidade de exercer o controle
sobre o comportamento criminoso (ROSEMBAUM, 2002). Daí observa-se a utilização
de algumas teorias, dentre elas a Broken Windows Theory de Wilson e Kelling (1982),
que preconizava que uma incivilidade atrai outra, pois mostra que a comunidade não se
importa com o que acontece ao seu redor. Assim, uma janela quebrada por uma pedra
logo atrai outra pedra, mas se a janela é logo consertada, demonstra a preocupação das
pessoas pelo o que acontece ao redor. Um bairro que demonstra estar preocupado com
os pequenos desvios – lixo acumulado, pichações, jogos de azar, etc. – dá sinais de
vitalidade comunitária e de que não tolerará os grandes desvios, como a tráfico de
drogas ou atuação de gangues juvenis (ILANUD, 2002, p.12).
Deve-se levar em conta que no que tange à idéia de Polícia Comunitária
coexistem diversos fundamentos teóricos que obedecem muito mais a interesses de
política judiciária dos Estados adotantes do que necessariamente a existência de um
conceito sistematizado. Ora, isso se torna claramente visível quando se observa as
diferentes formas de execução de projetos de policiamento comunitário nas diversas
partes do Mundo. É como se cada um guardasse as suas singularidades de acordo com
que mais lhe convém. Assim, da inexistência de fundamentos teóricos claros resulta a
ampliação do entendimento do tema.
Nesse sentido, não se deve confundir a idéia de policiamento comunitário com o
projeto Tolerância Zero, implantado na cidade de Nova Iorque. Tal modelo de
policiamento baseava-se na teoria da Broken Windows Theory e com aporte jurídico
Direito Penal Máximo, preconizando a intolerância, com o uso extremado da força
policial aos mínimos delitos, como forma de evitar a ocorrência de atos criminosos mais
graves.
Nos Estados Unidos, as primeiras tentativas de abertura da atividade policial à
comunidade iniciaram-se na década de 60, quando a violência crescente e os
distúrbios civis levaram a Comissão Presidencial sobre Policiamento e Administração
da Justiça a recomendar um “policiamento em grupo”, como forma de diminuir a
distancia física e psicológica entre o policiamento e a comunidade (ROSENBAUM,
2002, p.29). Essa iniciativa sofreu sérias resistências, o que atrasou sobremaneira o
processo de descentralização das atividades; entretanto, cada vez mais o modelo
tradicional era posto em xeque, dada sua ineficiência para controlar a criminalidade
crescente.
Paralelamente ao crescimento da violência, aumentava a atenção da mídia para o
assunto e a pressão para meios mais eficazes de controle da atividade criminosa, o que
acabou por estimular a implantação de uma série de programas experimentais
objetivando a aproximação com a comunidade. Desses programas, teve grande destaque
e aceitação o policiamento a pé.
Hoje, nos Estados Unidos, a Lei Criminal de 1994 dá grande destaque ao
policiamento comunitário, prevendo verbas para a formação de novos oficiais para
atuação no projeto.
As circunstâncias que levaram à implantação do policiamento comunitário no
Canadá diferiram das existentes nos Estados Unidos. Não houve no Canadá a explosão
da violência urbana, parecendo seguir a polícia canadense as tendências observadas nos
Estados Unidos, ou mesmo, um retorno aos antigos programas como o de policiamento
a pé.
Por outro lado, não se observam bibliografias vindas do antigo continente sobre
a implantação dessa tendência na Europa. Possivelmente, a implantação de um modelo
profissional de polícia não foi seguida por um afastamento substancial da comunidade.
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3. Implantação à moda brasileira.
No Brasil, a consolidação das instituições policiais nos séculos XIX e XX
sempre foi permeada por vínculos de clientelismo, cooptação e pela subjugação da
parcela insatisfeita da população. Em muitos períodos da história brasileira fica clara a
existência desses fatores, mas contemporaneamente é no período do regime militar que
tais características marcam a necessidade urgente de mudança.
No período do regime militar (1964-1988) as instituições policiais são
abertamente utilizadas para manutenção da ditadura, implantando o medo entre a
população e tolhendo qualquer possibilidade de manifestação espontânea contra o
regime ou às instituições públicas. Na ânsia da manutenção do status quo, as
instituições policiais fazem uso extremado da força, por meio, principalmente, de
instrumentos de tortura, e incorporam para si o poder de decidir sobre a vida ou morte
de membros da sociedade, o que mais tarde ainda será observado através dos grupos de
extermínio. Observa-se, ainda, que essa “doma” significará também baixos índices de
criminalidade no período.
Todo esse domínio pelo medo exercido sobre a população culmina por
desacreditar a atividade policial e a criar sobre ela uma áurea de marginalidade. Ao final
do período de ditadura militar, apresenta-se uma grande rejeição às instituições policiais
e descrédito na sua atuação, chegando-se a comparar o policial com o criminoso.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, observa-se uma mudança
de rumo da sociedade brasileira. Ao contrário do período anterior, no regime
democrático, as liberdades individuais e coletivas são garantidas, fornecendo-se à
população instrumentos de participação e reivindicação nos processos de decisão e
administração dos bens públicos.
No que pese a manutenção da estrutura organizacional básica das polícias, a
imagem policial desgastada e o aumento da criminalidade associados à ineficiência dos
serviços policiais tornou insustentável a forma de atuação das Polícias, questionando-se,
inclusive, sobre sua legitimidade para tal. Nesse momento, surge fortemente a tendência
do Policiamento Comunitário no Brasil como forma de melhorar a imagem policial e
aproximar o serviço da comunidade, aumentando, portanto, a eficiência do prestação do
mesmo por meio de atividades preventivas.
Essa tendência ganha força na década de noventa e é estimulada, principalmente,
pela recém criada Secretaria Nacional de Segurança Pública ligada ao Ministério da
Justiça, que reformula a distribuição orçamentária de forma a estimular a implantação
de projetos ligados à idéia de Policiamento Comunitário. A adesão ao conceito de
Polícia Comunitária é representada pela publicação do Plano Nacional de Segurança
Pública, que, sobre o assunto, estabelece que não há política de segurança sem
participação popular, sendo necessária a instauração de um pacto com a sociedade
visando a construção da paz.
Em razão da competência estabelecida constitucionalmente, cada Estado é
responsável pela organização das polícias civil e militar (incluindo o corpo de
bombeiros), incumbindo-lhes, no caso da polícia civil, as funções de polícia judiciária e
a apuração de infrações penais, e, no caso da polícia militar, o policiamento ostensivo e
a preservação da ordem pública. Essa subordinação das polícias aos Estados, ao mesmo
tempo em que é salutar porque permite um maior respeito às particularidades locais,
dificulta a criação de um planejamento nacional para a implantação do projeto de
Polícia Comunitária e formas de avaliação e intervenção nos processos já instalados.
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Assim, é de se destacar o grande esforço empreendido no sentido de implantar novos
projetos nos Estados e criar métodos de avaliação nos já em execução.
Apesar da grande maioria dos Estados incorporarem o conceito de policiamento
comunitário a partir da década de noventa, tem-se que em muitos Municípios foram
implantados projetos pioneiros que remontam as décadas de setenta e oitenta. Um
exemplo disso é o iniciado no Município de Maringá, Estado do Paraná, cujo Conselho
de Segurança (CONSEG) foi instituído em 1974, com ativa participação na compra de
carros novos para a polícia, pagamento da reforma do batalhão e do treinamento de
policiais. Atualmente, o Estado do Paraná conta com cerca de 280 CONSEGs na
capital e região metropolitana (MACAULAY, 2005).
Seguindo essa tendência, o governo de Franco Montoro regulamentou a criação
desses Conselhos no Estado de São Paulo, em 1985 e 1986. Para o CONSEG ser
homologado pelo Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, é obrigatória a
participação, na qualidade de membros natos, do Delegado de Polícia Titular e do
Comandante da Polícia Militar da área onde funcione o Conselho, sendo que, além
deles, é permitida a participação de representantes dos poderes públicos, das entidades
associativas, dos clubes de serviço, da imprensa, de instituições religiosas ou de ensino,
organizações de indústria, comércio ou prestação de serviços, bem como outros líderes
comunitários que residem, trabalham ou estudam na área de circunscrição do respectivo
CONSEG. A Secretaria de Segurança Publica local divulga a existência de 784
Conselhos em todo Estado, estando a maioria localizados em Municípios interioranos.
Convém aqui registrar o sucesso empreendido pela implantação do projeto de
policiamento comunitário e do respectivo Conselho no bairro Jardim Ângela do
Município de São Paulo, considerado como o bairro mais violento do mundo antes da
referida implantação. Após o pedido de instalação de base comunitária pelo primeiro
Fórum de Defesa da Vida Contra a Violência, dirigido pelo padre da paróquia local, foi
instalada a primeira base policial militar em 1998, cuja atividade é apontada como
causadora da redução considerável da criminalidade na área, gozando os policiais do
respeito e da simpatia de toda a comunidade.
Na Bahia, a aplicação da idéia de policiamento comunitário remonta a década de
noventa, mais precisamente o ano de 1995. Mergulhado em altas taxas de analfabetismo
e desemprego, o Estado da Bahia vivia uma realidade crescente de criminalidade e uma
notória ineficiência do serviço policial na contenção da violência, do que surge o
policiamento comunitário como uma alternativa modernizadora da estrutura policial.
Ademais, convivia-se com altos índices de violência policial e desrespeito aos direitos
humanos.
Inserido em um contexto de mudanças estruturais, cujo conteúdo consistia em
uma reformulação da atividade operacional, da forma de gerenciamento, da hierarquia e
do currículo de formação, o Projeto Polícia Cidadã da Polícia Militar foi implantado
segundo o modelo pesquisa-ação, no qual o projeto não é planejado e construído
previamente, mas a concepção era realizada a partir das experiências realizadas em
unidades-piloto (FREDERICO, 1999, p.261).
São estabelecidos os seguintes objetivos específicos para o Projeto Polícia
Cidadã: melhorar o atendimento prestado à comunidade; elevar o grau de
comprometimento dos servidores militares com a sua clientela; fixar indicadores de
desempenho capazes de avaliar o nível de satisfação da comunidade; contribuir para o
fortalecimento da imagem institucional da PM em seu relacionamento com a sociedade;
e criar meios para a formação de uma cultura organizacional pró-qualidade, no seio dos
integrantes da Corporação (FREDERICO, 1999, p.260).
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Ressalta-se a nova forma de conceber a atividade policial, entendendo-a,
enquanto organização, como uma empresa e seu público, consumidores ou clientes
(OLIVEIRA, 2005). Surge aí a noção de cidadão-policial e cidadão-cliente.
A inserção desse cliente-cidadão deu-se mais fortemente através da criação dos
Conselhos Comunitários de Segurança, concebidos a partir da experiência realizada no
8ºBatalhão da Polícia Militar, cuja área de atuação era a Península Itapagipana. A partir
de então, foram fixadas as diretrizes que orientariam a criação dos outros Conselhos e,
inclusive, a elaboração de uma cartilha.
4. Participação popular na gestão da Segurança Pública.
Com a transição democrática e o advento da Constituição Federal de 1988,
novas formas de participação popular foram inseridas na realidade brasileira. A
efetivação de instrumentos legais como a audiência pública, plebiscitos, referendos,
ação popular, ação civil pública e a criação de conselhos compostos por representantes
de órgãos estatais e da sociedade civil criaram um ambiente propício para uma maior
interferência da sociedade na criação de políticas públicas. Aliás, nesse sentido, a
Declaração do Milênio das Nações Unidas, de 08 de setembro de 2000, reforça a
importância da participação popular na seção “Direitos Humanos, Democracia e Boa
Governança”, na qual os países signatários se comprometeram a “trabalhar
coletivamente para conseguir que os processos políticos sejam mais abrangentes, de
modo a permitir a participação efetiva de todos os cidadãos, em todos os países”.
No entanto, destacaremos, aqui, a criação dos conselhos como forma de
participação e controle das atividades estatais, mais precisamente na área de Segurança
Pública, com o objetivo fundamental de oportunizar a participação popular no que tange
a gestão e o controle das atividades desenvolvidas pelo Estado.
Segundo Macaulay (2005, p.149) os conselhos subdividem-se em três grupos:
conselhos gestores; conselhos ad hoc; e conselhos temáticos. Os primeiros seriam de
natureza permanente e competente para fiscalizar a aplicação de determinadas políticas
sociais, com competências definidas em lei para fixar prioridades, elaborar orçamentos
e fiscalizar a implementação de políticas; os segundos, seriam criados para tratar de
políticas governamentais específicas; e os últimos, estariam ligados a eixos temáticos e
não teriam previsão legal específica, podendo ser criados por iniciativa local. Observase, assim, que os Conselhos Comunitários de Segurança estão enquadrados entre os
conselhos temáticos, tendo em vista o tema trabalhado e não serem previstos em lei.
Assim, no campo da Segurança Pública, tem se evidenciado paulatinamente o
surgimento de conselhos temáticos ligados à gestão participativa da Segurança Pública,
nos quais os atores sociais, membros de determinada localidade, passam a atuar como
facilitadores do diálogo entre a comunidade local e as polícias. Esses conselhos, por
possuírem um caráter eminentemente local, são denominados pela literatura
especializada por Conselhos Comunitários de Segurança.
Ora, o sentido que se busca com o termo “comunitários” é uma analogia direta
ao termo “comunidade” que, segundo Camisassa (2005, p.57): “[...] el término
comunidad hace referencia a grupos primários, com fuertes vínculos afectivos, sentido
de pertenencia y relación cara a cara”. Ou seja, um dos objetivos desses conselhos é
traduzir para o imaginário da polícia as singularidades da comunidade que representa.
Na área de Segurança Pública é interessante nos reportamos ao que dispõe a
Constituição Federal de 1988, entendendo que a mesma é dever do Estado, mas também
direito e responsabilidade de todos. Nesse sentido, a criação de conselhos temáticos na
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área da Segurança Pública representa a aceitação da responsabilidade pela sociedade
civil para melhoria dos serviços policiais, diminuição da criminalidade; enfim, para uma
efetiva contribuição para o sonho de uma sociedade menos violenta e,
conseqüentemente, mais segura.
Por outro lado, além do papel específico na gestão da Segurança Pública, os
Conselhos Comunitários de Segurança fortalecem o fazer democrático nesse país, uma
vez que oportunizam o debate público das instituições nacionais. Nesse mesmo
entendimento, posicionou-se o Observatório da Cidadania em seu relatório editado em
2004:
Para edificar democracias socialmente comprometidas, o caminho apontado
é unânime: mais democracia. E isso se dá não apenas na instância eleitoral,
mas pelas vias de participação nos canais organizacionais, o que é uma
tarefa difícil. As atividades de organização política que fortalecem a
sociedade para cobrar de governantes os direitos de cidadania são privilégio
dos indivíduos que apresentam mais recursos simbólicos, capital de
autoconfiança, capacidade de buscar recursos e suporte para a organização.
Pode-se dizer, em síntese, que da participação da população por meio dos
Conselhos Comunitários de Segurança, nos assuntos relacionados à Segurança Pública,
resultam os seguintes benefícios para a atividade policial: em um primeiro momento, é a
comunidade que levantará os problemas relacionados à criminalidade e os que têm
impacto sobre ela; em um segundo momento, é a população que levará tais problemas
aos órgãos policiais, priorizando as soluções.
Ademais, não se pode esquecer de um papel potencial que poderá ser exercido
pelos Conselhos, o papel de mediador entre os membros da comunidade e da
comunidade versus polícias. Importante ressaltar que nem sempre as forças policiais e a
comunidade estarão em um mesmo patamar de entendimento e de igualdade, seja
porque as medidas reivindicadas pela comunidade não são legítimas ou legais ( e nesse
sentido é bom relembrar que as forças policiais são órgãos estatais), ou porque as
polícias estão atuando em desacordo com necessidades repassadas ou mesmo contra as
garantias constitucionais.
5. Conclusão.
Uma análise superficial do funcionamento dos conselhos comunitários de
segurança, na Bahia, poderá demonstrar facilmente que estes prescindem de
aperfeiçoamento. A manutenção do modelo tradicional de polícia por parte de alguns
agentes policiais, associada à dificuldade de cooptação de líderes comunitários que
gozem de legitimidade nas suas comunidades, terminam por dificultar a execução de
projetos de policiamento comunitário.
Por outro lado, não podemos deixar de valorizar as experiências em curso, sejam
por representar a mudança de paradigmas na seara policial, bem como significar o
embrionário processo de participação popular na gestão de Segurança Pública.
Outro fator bastante importante para o sucesso da implementação das polícias
comunitárias é o estabelecimento de uma relação paritária entre a comunidade e as
polícias, na qual o espaço de diálogo e negociação seja garantido para ambos os lados.
Assim, na busca de um Conselho Comunitário Ideal que atinja os melhores
resultados possíveis, a sua Gestão Social deve estar pautada nos seguintes pilares: a)
gozar de legitimidade com a comunidade envolvida b) formular diagnósticos precisos
no que tange aos principais problemas de segurança pública na comunidade c) manter
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um dialogo franco com a policia, de maneira que se discuta as melhores medidas para
atacar os pontos diagnosticados d) manter o papel de mediadora na relação Policia
versus Comunidade.
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