2 - Extra Classe • Jornadinha
Jornadinha • Extra Classe - 3
Jornadinha
É preciso se fazer ouvir
Fotos: Tânia Meinerz
D
aniel vem batalhando há
muito tempo pelo respeito
à diversidade. Descendente de índios, ele preside o Instituto
Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), entidade
que tem como objetivo proteger o
conhecimento ancestral de seu
povo, evitar a biopirataria e o uso
indevido de imagens. Munduruku,
nome do grupo ao qual Daniel pertence, quer dizer “formiga gigante”
em tupi. Mas a palavra que ele mais
exercita ultimamente é Mekukradjá,
que significa conhecimento, troca
de saberes.
Daniel é originário do Pará,
mas os cerca de 10 mil
mundurukus que compõem esse
grupo estão espalhados também
pelo Amazonas e pelo Mato Grosso. A sabedoria de Daniel foi herdada do avô, Apolinário (o nome
tradicional ele não revela porque
é proibido, sobretudo se a pessoa
já morreu). Foi graças à insistência do avô que o neto se assumiu
como índio mesmo. Até os nove
anos de idade, vivendo na cidade
e estudando numa escola salesiana,
era muito duro ter de enfrentar o
preconceito das outras crianças
que reproduziam a fala dos adultos de que todo índio é preguiçoso. “Eu não queria ser índio, e
negava tanto que achava que,
quando crescesse, ia ser outra coisa”, conta.
Um dia em que Daniel estava
muito triste, o avô o chamou e começou a ensinar pouco a pouco a
tradição dos mundurukus. Aos 12
anos, já convencido pelos
ensinamentos de Apolinário,
Daniel disse: “Vô, quero ser índio”.
Apolinário abriu um sorriso meio
sem dentes e respondeu: “Então
está na hora de eu ir embora”. Três
Daniel Munduruku, 41
anos, nasceu índio e hoje
gosta de ser índio, mas nem
sempre foi assim. Ele acha
que a realidade indígena
ainda é pouco compreendida.
Por isso, tem publicado livros
para mostrar a riqueza e a
sabedoria da cultura de seu
povo. Quer dar uma
oportunidade para as
pessoas compreenderem
melhor e se tornarem amigas
dos indígenas, percebendo
como é importante o Brasil
conviver com eles.
dias depois, o avô morreu. No leito
de morte, Daniel prometeu que levaria adiante a sabedoria passada
por ele. Aos 15 anos, tomou a decisão mais difícil da vida e decidiu
que era hora de sair da aldeia.
Entrou na faculdade, formou-se em
Filosofia e hoje é também
mestrando em Educação pela Universidade de São Paulo. Essa história foi registrada no livro Meu avô
Apolinário, publicado no ano 2000.
Foi assim que Daniel aprendeu
desde cedo que é preciso se fazer
ouvir e respeitar. Primeiro, do ponto de vista econômico, para evitar
que pessoas de fora das tribos se
apropriem do que a natureza oferece para patentear e assim cobrar
sobre o uso do que, na verdade, é
de todos. E, segundo, sob o ponto
de vista cultural. “Quando se fala
em diversidade, muitas vezes falam
dos negros, mas não dos indígenas,
Jornadinha
que parecem muito longe das cidades”.
Conforme foram sendo aprovadas leis para proteger os direitos dos
índios, eles começaram a não ser
apenas temas dos livros, mas a escrever sua própria história. Daniel
já publicou 20 obras – destas, 18 são
para crianças. A mais recente é A
origem dos filhos do sangue do céu,
que fala dos mitos numa linguagem
bem acessível.
Ele abre um sorriso para contar
que já apareceu em filmes no cinema. Em Hans Staden e em Desmundo
atuou como figurante. Mas foi em
Tainá 2 que se tornou mais conhecido, interpretando um pajé desastrado, que não fazia nada certo.
“Era um personagem que me permitia dialogar com as crianças”, diz,
orgulhoso.
As crianças, acredita, entendem bem os índios porque, assim
como eles, nem sempre são ouvidas,
nem têm a liberdade que gostariam de ter. “Elas vivem num mundo
fantástico, como o mundo da floresta em que os índios vivem”.
Pintura de festa é feita com urucum
Histórias coloradas
escritas por um gremista!
Vai ter livro novo do escritor Carlos Urbim, em outubro. Ele,
que é gremista, estará lançando Histórias Coloradas – versão mirim
pela editora Nova Prova, com ilustrações de Rodrigo Rosa. No
livro, conta a história do time a partir das experiências de colorados
como o escritor Luis Fernando Verissimo, o ator Zé Vitor Castiel,
o músico Sadi Homrich, do Nenhum de Nós, a miss Deise Nunes,
além de jogadores e sócios do time, quando eram crianças. A seguir, uma das histórias que serão publicadas.
Paulinho nasceu em Porto
Alegre, no dia 3 de janeiro de
1949. Dá para a gente dizer que
o padrinho dele no batismo vermelho foi outro Paulinho, lateraldireito do Inter naquela época.
É melhor explicar. Quando tinha
quatro anos, Paulinho esbanjava
inteligência, às vezes deixava a
família inteira de boca aberta.
Olhar esperto, o gurizinho
começou a se interessar pelas páginas dos
jornais que traziam
notícias e fotos
sobre os jogadores colorados. Os
adultos da casa,
todos torcedores do Internacional, mostravam as matérias
publicadas e destacavam o nome
do Paulinho, com a camisa número quatro. Não deu outra: primeiro P, depois A, em seguida U,
e assim todas as letras, L, I, N, H,
devagar até O. Logo, logo, sem
nunca ter ido à escola, o garoto
aprendeu a escrever o próprio
nome – o mesmo do ídolo lateral-direito. Não parou nisso. Foi
juntando as letras que indicavam
outros jogadores do time, alguns
com bastante O, como Bodinho
e Odorico. Nem dá para acredi-
tar: soletrou até o Y, pois um dos
melhores era o Larry. Quando o
pessoal da casa se deu conta,
Paulinho estava lendo e escrevendo. A paixão pelo futebol apressou a alfabetização do menino,
que se tornou craque em leitura
e redação.
Passaram-se os anos, o amor
pelo Inter cresceu sem controle,
mesmo que Paulinho
não conseguisse jogar como o idolatrado lateral-direito.
Mas se tornou
Paulo Costa Leite, com diploma de
Direito, chegou ao cargo
de ministro do Supremo Tribunal
de Justiça. E, bem feliz, gosta de
lembrar o batizado colorado e a
gana de aprender a ler: “Além dos
nomes, comecei também a conhecer os números que apareciam nas
camisetas dos atletas do meu time.
O quatro foi o primeiro que decorei, pois era o número usado pelo
Paulinho e o do uniforme que ganhei de presente da minha família. Mais tarde, o lateral-direito se
transferiu para o Vasco da Gama.
Mas foi ele quem criou meu elo
com o Internacional. Graças ao
Paulinho, meu coração é colorado”.
2 - Extra Classe • Jornadinha
Jornadinha
HIP-HOP
No ritmo da reflexão
P
ara fazer rap basta papel, caneta e talento para rimar palavras. Parece fácil, né?
Nem tanto. O MC Max B.O., de
São Paulo, diz que difícil é fazer
um rap com compromisso. “A gente propõe reflexão”, avisa. Max
B.O. conquistou o público da
Jornadinha e apresenta seu último show, hoje, às 11 horas, no Circo da Cultura. Na batida do DJ
Marco Antônio, ele canta a importância da auto-estima, de respeito, de autonomia.
Rap, para quem não sabe, é a
música do hip-hop, movimento
cultural das ruas do mundo inteiro que compreende também a
dança break, o grafite e os DJs. MC
é o mestre de cerimônias, aquele
que canta e apresenta o rap. O DJ
é quem toca a música.
O B.O. do nome do Max vem
de Boletim de Ocorrência, termo
usado nas delegacias para registrar
as ocorrências policiais – nome
ANO 10 - EDIÇÃO ESPECIAL - 26 DE AGOSTO DE 2005
J O R N A D I N H A
Um contador de
histórias chamado
Joaquim de Paula
DJ Marco dá a batida
também de outro grupo do rapper,
que já não existe mais. Por isso,
Max prefere dizer que seu B.O.
agora significa Brasileiro Original.
E o original desse rapper é que ele
mistura o estilo norte-americano
do hip-hop com o samba e os repentes brasileiros (música do nordeste que também improvisa em
cima de versos). E ele não pára:
ajudou a fundar a Academia Brasileira de Rimas e, sempre que
pode, junto com o DJ Marco participa de projetos sociais engajados
na luta contra a fome, o preconceito e a alienação.
Fotos: Tânia Meinerz
Max B.O.: pela auto-estima, respeito e autonomia
Se existe alguém que consegue prender a atenção de todo
mundo quando abre a boca é
Joaquim de Paula, 50 anos, um
dos contadores de histórias da
Jornadinha. Pudera. Ele vem se
aperfeiçoando nessa técnica desde 1980, quando cursava
Musicoterapia e montou seu primeiro grupo. Joaquim de Paula
tem oito livros publicados e escreve também para teatro.
Apresenta-se em praças, ruas,
bares, teatros, onde alguém estiver disposto a ouvi-lo. Traz junto a música e bonecos.
Aliás, foi carregando esses
bonecos das apresentações que
a filha dele, Ana Vilella de
Paula, de sete anos, começou
também a ser uma “contadora”.
Um dia, ela subiu no palco e
começou a falar de forma tão
graciosa, que conquistou seu
espaço. “Para ser um bom contador de histórias tem que entrar no espírito da história – o
jogo de palavras pode até ser
bonito, mas se não produzir
adrenalina, não funciona”, ensina Joaquim.
Palavras
improvisadas
Foto: Tânia Meinerz
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