CONSIDERAÇÕES PARA RECURSO – PROF. MICHEL KNOLSEISEN
QUESTÃO 04
1.
Na questão n˚. 4, o enunciado narrava uma situação em que uma mulher,
movida por ciúme, causa dano em um veículo em péssimo estado de conservação
e em dívida com o Estado (o enunciado diz que não foram pagos 3 exercícios
referentes ao IPVA). Além disso, a causadora do dano profere diversos
xingamentos ao proprietário do veículo. Diante dos fatos, o proprietário do
veículo procura o seu escritório para que seja tomada a medida judicial adequada.
Você, na qualidade de advogado contrato, oferece queixa-crime dentro do prazo
decadencial. No entanto, o magistrado competente para o julgamento rejeita a
queixa-crime, sob o argumento de que o prazo decadencial já havia transcorrido.
Feita a narrativa, os seguintes questionamentos são feitos: a) o recurso cabível da
decisão que rejeitou a queixa-crime; b) o prazo para a interposição do recurso; c)
para quem deve ser endereçado o recurso; d) e, por fim, a tese a ser defendida.
2.
O padrão de resposta considerou: a) que o recurso cabível é o de apelação,
nos termos do artigo 82 da Lei 9.099/95, uma vez que a querelada cometeu os
delitos de dano simples (art. 163, caput, do Código Penal) c/c o delito de injúria
(140, caput, do Código Penal), os quais, somados, não ultrapassam a pena
máxima de 2 anos (limite máximo de competência do Juizado Especial); b) o
prazo para a interposição do recurso é de 10 dias, conforme dispõe o artigo 82,
§1˚, da Lei 9.0900/95; c) o recurso deve ser interposto a Turma Recursal, nos
termos do artigo 82 da Lei 9.099/95; d) finalmente, a tese a ser defendida era a de
que o prazo decadencial para o oferecimento da queixa-crime era de 6 meses a
contar da data do fato, conforme interpretação dos artigos 38 e 10 do Código de
Processo Penal. O magistrado, portanto, se equivocou na contagem do prazo.
3.
Porém, a banca examinadora deve, também, considerar como correta a
resposta do candidato que falou que o recurso cabível é o Recurso em Sentido
Estrito, nos termos do artigo 581, inciso I, do Código de Processo Penal.
4.
Isto porque, em primeiro lugar, é possível considerar que o dano causado
pela agressora é qualificado pelo motivo egoístico, incidindo, portanto, no caso
em apreço, a pena prevista no artigo 163, parágrafo único, inciso IV, do Código
Penal.
Ao discorrer sobre o motivo egoístico, Edgard Magalhães Noronha ensina:
“Motivo egoístico, no dispositivo em apreço, é o originado do egoísmo
anti-social que prova crime. É o egoísmo exacerbado, que, na satisfação
dos interesses individuais, lesa, ofende e extingue os interesses dos
semelhantes. É o exagerado amor ao bem próprio. É o egocentrismo, em
que o eu é o centro de todo o interesse, é a finalidade de toda ação do
indivíduo, que, para satisfazê-lo, calca aos pés os interesses e direitos do
próximo.
Ele é o gênero, pois dentro dele cabem várias espécies de motivos. Assim,
o ódio, a vingança, a inveja, a vaidade etc. são manifestações de egoísmo
anti-social.” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. São
Paulo: Saraiva. 2003. p. 320).
Em resumo, com base nas lições doutrinárias acima transcritas, o motivo
egoístico é aquele motivo que representa uma manifestação de egoísmo antisocial, em que o agente, por colocar seus interesses individuais acima e em
completo desrespeito aos direitos de terceiros, lesa os bens alheios.
Daí se conclui que, no caso narrado na questão n˚. 4 da prova da 2a fase do
Exame de Ordem 2.2011, a querelada agiu impulsionada sob motivo egoístico,
na medida em que o seu ciúme é, sem sombra de dúvida, uma manifestação de
egoísmo anti-social da agente. Em outras palavras, o dano narrado na questão em
comento é qualificado, pois a agente danificou o veículo do querelante tão
somente para satisfazer seus interesses pessoais em detrimento dos interesses
alheios, isto é, o dano foi visto como uma maneira que a agente encontrou para
aplacar seu sentimento de ciúme.
5.
Por outro lado, o argumento utilizado pela banca examinadora de que “não
houve prejuízo considerável a João, já que o carro danificado estava em mal
estado de conservação”, para, assim, afastar definitivamente a incidência do
artigo 163, parágrafo único, inciso IV, do Código Penal, é equivocado.
Para sustentar esta posição, novamente destaca-se o magistério de Edgard
Magalhães Noronha:
“O prejuízo a que se alude é o econômico, e, conseqüentemente, tem de
ser avaliado em relação à economia da vítima, do sujeito passivo do
crime. Assim, portanto, não basta que o prejuízo, em si, tenha vulto. É
mister tê-lo em relação às posses, aos bens da vítima. Quem destrói a
máquina de valor de alguns milhares de reais pertencentes a um
industrial, dono de dezenas de fábricas, não lhe causa prejuízo
considerável; mas quem destrói a mesa de jantar de modesto operário,
que percebe salário mínimo, produz-lhe prejuízo de vulto.”(NORONHA,
Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2003. p.
321).
Como se vê, o prejuízo, para ser capaz de qualificar o delito de dano, deve
ser auferido de acordo com o significado que o bem danificado tem dentro do
conjunto de bens pertencentes à vítima.
No caso da questão em análise, os elementos trazidos pelo enunciado
autorizavam a conclusão de que o prejuízo causado era considerável para a
vítima. Afinal, narrou-se que o veículo da vítima possuía um veículo que não
estava em bom estado de conservação e que se encontrava com 3 exercícios de
IPVA inadimplentes.
Neste contexto, parece impossível negar que o veículo danificado tinha
grande importância dentro da esfera patrimonial da vítima. Ora, não há nenhum
argumento plausível capaz de refutar o fato de que o veículo em mal estado de
conservação e devendo 3 exercícios de IPVA demonstram que o ofendido não
tinha boas condições financeiras, de modo que o carro, por pior estado que
estivesse, tinha grande relevância no patrimônio da vítima.
6.
Conclui-se, assim, que o enunciado traz elementos suficientes a embasar
também como resposta correta a prática do dano qualificado pelo motivo
egoístico. Afinal, de um lado, o ciúme é um motivo egoístico; de outro lado, o
bem tinha grande relevância na esfera patrimonial da vítima, de modo que o
prejuízo causado é considerável pela vítima.
Por conseqüência, a banca examinadora deve considerar como correta
como recurso que deve ser interposto o Recurso em Sentido Estrito, nos termos
do artigo 581, inciso I, do CPP. Isto porque, considerando a pena máxima do
delito de dano qualificado (3 anos), somada à pena máxima do crime de injúria
simples (6 meses), tem-se que o limite máximo de dois anos que determina a
competência do Juizado Especial para julgamento do caso narrado foi
ultrapassado. A competência para julgamento, portanto, é da justiça comum.
E como se trata de um caso de competência da justiça comum, o recurso
cabível é o Recurso em Sentido Estrito, nos termos do artigo 581, inciso I, do
CPP. O prazo para a interposição é de 5 dias (art. 586 do CPP). A interposição do
recurso deve ser endereçada ao magistrado monocrático que rejeitou a queixacrime, enquanto que as razões devem ser endereçadas para o Tribunal de Justiça.
Os argumentos que norteiam o recurso permanecem os mesmo: erro do
magistrado em relação à contagem do prazo decadencial para oferecimento da
queixa-crime.
PEÇA E DEMAIS QUESTÕES
1.
Em relação à peça e às demais questões, não há pontos do gabarito que
devem ser revistos ou argumentos que devem ser incluídos nos espelhos de
prova.
2.
Isto, no entanto, não significa que não cabe recurso. Ao contrário, o
candidato deve verificar a ocorrência de erros materiais na correção da prova.
Erros materiais são erros que ocorrem quando o candidato apresenta a resposta
exigida pela banca e indica os artigos de lei que fundamentam a resposta, mas,
contudo, não recebe a pontuação devida pela resposta.
3.
O candidato que verificar a ocorrência de erros materiais, deve apontar, no
recurso, as linhas em que a resposta está de acordo com o que foi consignado no
espelho de prova, de modo a demonstrar que a resposta considerada correta pela
banca foi apresentada, contudo, não pontuada. Além disso, destaque-se que o
recurso é de cada item do gabarito. O candidato deve apresentar o recurso
específico para cada item.
4.
O candidato recorrente deve prestar atenção nas especificações para a
interposição do recurso (limitação de caracteres por item do gabarito, prazo e
interposição do recurso exclusivamente pela via eletrônica).
5.
O texto do recurso deve ser conciso e direto. Afinal, há limitação de
caracteres para cada item do gabarito.
6.
O candidato deve formular seu recurso com antecedência e revisar o texto
antes de protocolizá-lo. Além disso, para evitar o “congestionamento do site”
recomenda-se que o candidato protocolize o recurso com antecedência, ou seja,
não deixa para a “última hora” para apresentar o recurso.
7.
Segue abaixo um modelo de recurso para os casos de erros materiais
cometidos pela banca corretora. Lembro que se trata de um modelo utilizado em
um recurso referente a um exame passado. Portanto, não se aplica ao atual
exame. É importante ressaltar, também, que, em relação aos erros materiais, o
recurso é bem pessoal, pois cada candidato tem sua própria peculiaridade. De
qualquer forma, espero que o modelo passado abaixo seja de grande valia aos
alunos, já que dá um norte de como proceder em relação aos erros materiais
cometidos pela banca.
Peça
O corretor cometeu vários equívocos. Nas linhas 41/54, a candidata desenvolveu
a tese de incompetência da justiça estadual para julgamento da ação penal,
trazendo o fundamento constitucional que sustentaria esta tese e os elementos
fáticos demonstrativos da incompetência argüida. Deste modo, tendo em vista
que a recorrente não teve nenhuma nota atribuída por este quesito, a pontuação
deve ser revista, de modo a se atribuir pela tese desenvolvida, no mínimo, a nota
parcial. Nas linhas 57/71, a recorrente trouxe os elementos probatórios
indicadores da não ocorrência do crime previsto no artigo 239, parágrafo
único, da Lei 8.069/90. Considerou-se como tese correta a atipicidade da
conduta pela ausência de dolo. Contudo, com o devido respeito, de acordo com o
que foi exposto, é notória a falta de prova da configuração do tipo objetivo.
Logo, se ausente o tipo objetivo, torna-se desnecessário fazer qualquer espécie de
análise do tipo subjetivo. Portanto, a candidata merece atribuição, no mínimo, de
nota parcial neste quesito. Nas linhas 73/84, a recorrente desenvolveu a tese de
ausência de justa causa. Note-se que a tese foi desenvolvida fazendo ligação
com os aspectos fáticos trazidos pelo enunciado que indicariam a falta de lastro
probatório mínimo capaz de sustentar a acusação penal em juízo. Neste
contexto, deve haver reforma da pontuação no sentido de se atribuir à recorrente,
no mínimo, a nota parcial prevista no quesito.
Questão 3
A recorrente deve ter sua nota revista, porque expressamente consignou em sua
resposta que “não foi o disparo da arma que contribui para o evento
morte”(linhas 12/17) e citou o artigo 13, caput, do Código Penal. Como se vê,
ainda que parcialmente, a recorrente apresentou resposta de acordo com o
gabarito oficial. Por conseqüência, não se justifica a atribuição de nota zero pela
resposta apresentada. A reforma é medida que se impõe.
Questão 4
No gabarito comentado, exigia-se que o candidato, em sua resposta, trouxesse o
disposto no artigo 20, §3º, do Código Penal. Nas linhas 1/3, a recorrente tratou
do erro sobre a pessoa, previsto no artigo 20, §3º, do CP. Além disso, nas linhas
8/10 a candidata consignou expressamente que nesta espécie de erro, não são
consideradas as características das vítimas, mas sim da pessoa que, com a
conduta, se pretendia atingir. A nota, portanto, deve ser reformada, de modo a ser
atribuída, no mínimo, a nota parcial prevista pela questão.
Questão 5
Na parte concernente ao fundamento jurídico apresentado, percebe-se que a
candidata, nas linhas 4/15, apresentou a motivação concernente ao exigido no
gabarito. Afinal, se a recorrente sustentou na resposta que o magistrado terá que
observar a inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime contida na
Lei 8.072/1990, ficou claro que está contido na resposta que não se aplica à
progressão de regime narrada no enunciado os dispositivos contidos na Lei
11.464/2007. Assim, diante de tudo o que foi exposto, a nota pela questão deve
ser reformada, de modo a ser atribuída à recorrente a pontuação integral.
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