1
A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO PODER JUDICIÁRIO
* Marlene Ap. Lourenço Leite n°17
** Prof.ª Rita de Cássia Diogo
1
A raiz da desigualdade não está na matéria (sua distribuição ou não...) A raiz da miséria
está na desigualdade de percepção, de sabedoria, de ação; no que fazer, e como fazer, por
si e pelo todo. A prosperidade e o sucesso vêm da mente rica! E isso não se reparte, se
multiplica!
Edolesia
Resumo: O presente artigo pretende demonstrar o que é o Poder Judiciário e como se desenvolve o Serviço Social
nesse espaço ocupacional, mais especificamente, dentro do Setor Técnico que atende a Vara da Infância e Juventude,
salientando a importância do comprometimento desses profissionais com o Projeto Ético Político do Assistente Social,
visando a ampliação ao acesso dos Direitos das crianças e adolescentes que se apresentam como demanda no
cotidiano profissional. Nesse sentido, apresentamos um pequeno resgate histórico sobre o surgimento do Serviço
Social dentro do Poder Judiciário, e que este está atrelado ao aumento da demanda, devido aos contundentes reflexos
da questão social, tão presentes na atualidade, estas que são consequências das desigualdades produzidas pelo sistema
capitalista. Por fim, identificamos neste trabalho, algumas armadilhas e desafios enfrentados por estes profissionais,
bem como, salientamos a necessidade da articulação com a rede de atendimento, com a finalidade de, numa
perspectiva crítica, objetivar um trabalho pautado, não na criminalização dos sujeitos, mas no acesso aos direitos
sonegados pelas classes dominantes.
Palavras chaves: Poder Judiciário, questão social, desafios e rede.
INTRODUÇÃO:
Este artigo visa demonstrar o relevante papel do assistente Social no Poder Judiciário, mais
especificamente na Vara da Infância e Juventude, bem como, a extrema importância das
implicações de seus pareceres sociais, nos quais promotores e magistrados se pautam para
proferirem decisões judiciais, e que implicam na mudança de vida de crianças e adolescentes que
são as demandas desses profissionais que atuam nesse espaço ocupacional.
Assim, analisaremos o Poder Judiciário, enquanto instância de poder, criada na antiguidade
para dirimir conflitos entre as pessoas e assegurar o amparo, a proteção ou a tutela dos direitos
estabelecidos por lei, e para tanto nos reportaremos a Fávero, Melão e Jorge (2011).
Discorreremos, ainda, que o agravamento da questão social fez com que acrescesse as
demandas do Judiciário, perfazendo uma judicialização da pobreza, e desenvolvendo um aspecto
importante na atualidade que é o controle judicial das políticas públicas, conforme evidenciado
por Borgianni in Cortez (2013), e, ainda, nos reportaremos a esta autora para refletirmos sobre os
desafios e armadilhas que podem ser encontrados nesse espaço ocupacional, necessitando da
atenção e comprometimento dos(as) profissionais que lá atuam.
* Discentes do 8º semestre de Serviço Social no Ceunsp – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio.
**Professora orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso.
2
Discorreremos sobre o surgimento do Serviço Social nesse campo ocupacional até a
atualidade, com pontuações de Fávero, Melão e Jorge (2011), bem como, refletiremos sobre a
atuação desses profissionais, com fundamentos em Fávero (2009), e como os fundamentos da área
de Serviço Social servirão de suporte à decisão judicial, visando perpassar a realidade dos
conhecimentos das relações sociais, sejam elas econômicas, políticas culturais, familiares, que se
construíram historicamente na trajetória dos avanços e retrocessos das relações sociais e humanas.
Por fim, abordaremos o trabalho em rede, discorrendo sobre o que são e quais tipos de rede
que podem ser utilizados para o enfrentamento de diversos conflitos existentes e encaminhados ao
Poder Judiciário e a importância na articulação para proporcionar a aquisição material e social aos
sujeitos e suas famílias, bem como, a relevância do trabalho em rede que busca o empoderamento
do usuário, enquanto partícipe do seu próprio processo de avaliação, rompendo com a passividade
e se tornando ator da sua vida, exercendo assim, a tão desejada cidadania.
1. O PODER JUDICIÁRIO E O DESAFIO DO SERVIÇO SOCIAL
O Poder Judiciário é uma instituição pública, “que tem a função de garantir e defender os
direitos individuais, ou seja, promover a justiça, resolvendo todos os conflitos que possam surgir
na vida em sociedade” (http://www.tjrs.jus.br). Esse poder é estruturado a partir da maior lei do
país, a Constituição Federal 1988, sendo que todo o povo pode e deve recorrer a ele como garantia
de um direito que esteja sendo violado, bem como para punir quem descumpre a lei, ou, como
explicitado por Fávero, Melão e Jorge (Org.), (2011):
Entende-se INSTITUIÇÃO, neste caso, como o locus de intermediação entre o Estado e a
população que a ela procura, espaço esse transversalizado por forças e interesses criados
no âmbito dos projetos da sociedade ocidental, para “...determinar e assegurar a aplicação
das leis que garantem a inviolabilidade dos direitos individuais” (Ferraz Jr., 1994, p.13).
Entendendo que, desde sua constituição nos tempos antigos, a instituição judiciária chega
aos tempos modernos como básica ao Estado (p. 32, grifos conforme o original).
Sob essa perspectiva, o Judiciário e todo o universo jurídico teriam sido criados com a
finalidade de pacificar as relações de conflitos entre os homens, como uma garantia de paz social e
de universalidade de direitos, porém, o agravamento da questão social, faz com que haja uma
corrida aos tribunais de justiça para ver alcançado os direitos sonegados pelas classes dominantes,
conforme acentuado por Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011):
Em alguns espaços do Poder Judiciário, essas funções sociais se expressam mais
nitidamente, como aqueles nos quais tramitam as ações relativas à infância, juventude,
família e criminais. Nessa realidade, expressões da ausência, insuficiência ou ineficiência
do Poder Executivo na implementação de políticas sociais redistributivas e
universalizantes se escancaram, na medida em que, além dos litígios e demandas que
requerem a intervenção judicial, como regulamentação de guarda de filhos, violência
doméstica, adoção etc., cada vez mais se acentua uma “demanda fora de lugar” ou uma
3
judicialização da pobreza, que busca no Judiciário solução para situações que embora se
expressem particularmente, decorrem das extremas condições de desigualdades sociais (p.
33/34, grifos conforme o original).”
Com isso notamos que o agravamento da questão social, sobretudo depois da implantação
do neoliberalismo no Brasil, acresceu as demandas apresentadas no cotidiano dos profissionais
que atuam no Judiciário brasileiro. Essa Judicialização da pobreza decorrente da questão social,
desenvolve outro aspecto importante na atualidade que é o controle judicial das políticas públicas,
que são as iniciativas da sociedade civil organizada em cobrar judicialmente o cumprimento do
Poder Executivo quanto ao dever de implantar ações sociais previstas nas legislações
orçamentárias, essenciais para a manutenção da vida de milhões de pessoas que vivem abaixo da
linha da pobreza (BORGIANNI IN CORTEZ, 2013).
Nesse contexto, há uma grande abertura à contratação do trabalho do assistente social no
campo jurídico, mais precisamente no Poder Judiciário, visto que esta especialidade pode oferecer
suporte às decisões de magistrados e promotores, assim, conforme Borgianni in Cortez (2013),
verificamos que:
Em outros termos, o âmbito daquilo que Piovesan 2 e Vieira3 denominam de
justiciabilidade dos direitos sociais pode ser considerado um espaço privilegiado para a
atuação do assistente social hoje. Basta observar, por exemplo, o manancial de
contradições que surgem no cenário jurídico a partir do momento em que o movimento
social fez insculpir no texto da Constituição Federal o famoso artigo 6º,4 que trata dos
direitos sociais. De fato, esse é um dos artigos mais importantes da Constituição para os
assistentes sociais em seu trabalho cotidiano, uma vez que é o que permite a exigibilidade
daquilo que deve ser considerado prioritário nas políticas públicas e que até oferece os
argumentos concretos sobre a necessidade de construção de uma nova organização
societária (p. 429).
Assim, segundo autora, essa corrida aos tribunais tornou o espaço ocupacional do Serviço
Social muito mais amplo, abriu um enorme número de vagas aos assistentes sociais, visto que o
aumento dos reflexos da questão social está cada vez mais abrangente, enquanto que os direitos
sociais necessitam ser conquistados a duras penas, em contendas processuais, através de liminares
2
Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School
(1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), procuradora do Estado
de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro da SUR – Human
Rights University Network. Um especial agradecimento é feito à Akemi Kamimura, pelo auxílio na realização de
pesquisa para este artigo.
3
Advogado militante em São Paulo. Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Professor Assistente-Voluntário de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Professor-Convidado da Escola Superior da Advocacia de São Paulo.
4
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
4
e determinações judiciais e o que torna essa conquista possível é o que determina o artigo 6º da
Constituição Federal de 1988, conforme evidencia Borgiani in Cortez (2013):
É como se o artigo 6º tivesse o potencial de deslocar os cidadãos que hoje se encontram
na fila dos reús (como devedores, ladrões de baixa periculosidade e pequenos traficantes
etc.) para a fila dos requerentes de direitos perante o Estado (p. 429, grifos conforme o
original).
Em resumo, o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 é um marco das lutas dos
movimentos sociais, pois legaliza os direitos sociais, e é essa legalidade que dá suporte e
fundamento aos argumentos dos assistentes sociais na luta pelo acesso ao direito dos sujeitos,
sobretudo aos profissionais que atuam no Poder Judiciário, ante a possibilidade de argumentar e
dar subsídios concretos aos magistrados e promotores de Justiça, e que auxiliarão em decisões e
sentenças processuais, isto porque essa especialidade profissional, em contato com o cotidiano da
população de cada município, pode demonstrar com dados, a realidade em que (sobre)vivem
milhares de pessoas, principalmente as mais carentes.
Porém, para que isso ocorra é necessário que o assistente social seja comprometido e
consciente de seu papel. Assim, observamos a necessidade, conforme Borgianni in Cortez (2013,
p. 430) de “Profissionais que sejam bem formados do ponto de vista crítico analítico e que se
disponham a perguntar insistentemente por que o universo jurídico tende a ser mais eficaz e célere
quando se trata de defender o direito constitucional à propriedade [...]” não tendo a mesma
disposição quanto ao que diz respeito ao direito à dignidade e à proteção humana de milhares de
pobres que buscam no Judiciário que a justiça seja feita.
Ser um assistente social comprometido requer atuar sob a perspectiva do Projeto Ético
Político do Profissional, com resistência à exploração capitalista, qualificando suas ações
cotidianas na busca do acesso ao direito dos sujeitos, bem como na construção de uma nova ordem
societária, pois, conforme Borgianni in Cortez (2013):
Esse projeto contém um conjunto de referências técnicas, teóricas, éticas e políticas para o
exercício profissional, e está lastreado na perspectiva crítica e ontológica de análise da
realidade social, tendo como pressuposto que a sociedade burguesa gera limites
intransponíveis para se alcançar a real emancipação do ser social (p. 430).
Neste contexto este projeto potencializa a resistência profissional do assistente social à
crescente barbárie imposta pelo sistema capitalista, no entanto, é necessário o entendimento que a
questão social não está atrelada apenas à pauperização que assola o país, mas também à luta dos
trabalhadores pelo seu reconhecimento enquanto classe social, conforme já vimos, mas ela é
também “[...] a expressão da intermediação do Estado nessas relações conflituosas que se
estabelecem entre trabalhadores e empresariado”, segundo Borgianni in Cortez (2013, p. 432), e é
5
por fazer parte dessas relações tão antagônicas, que o Serviço Social adquire um caráter
contraditório, conforme Iamamoto e Carvalho (2011):
Como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela
mútua mediação entre elas, a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada
pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição
dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que
convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode
fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto. Participa tanto dos mecanismos
de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta
às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo
nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da
história (p. 81).
Com essa compreensão podemos deduzir que o caráter contraditório da profissão está na
possibilidade do profissional se posicionar e favorecer tanto o capital quanto a classe trabalhadora,
e é neste contexto que o profissional se depara com os desafios e/ou armadilhas que estão
colocadas em sua prática cotidiana, sobretudo na área judiciária, onde, em contato com os reflexos
da questão social, lidarão diretamente com os destinos das vidas das pessoas, pois são as
interpretações desses profissionais que servirão de base para resolução de processos que aguardam
por uma decisão judicial, com aplicação de leis punitivas e/ou coercitivas.
Assim, ao atuar nessa área o profissional corre sério risco de cair em armadilhas ou se
deparar com desafios em seu cotidiano, que requererão atenção. A primeira delas, conforme
Borgianni in Cortez (2013):
Superar a aparência dos fenômenos com os quais vai trabalhar; tal aparência é a de
problemas jurídicos, pois, como vimos, na realidade também carregam conteúdos de
cunho eminentemente político e social, e nessas outras esferas é que também deveriam
ganhar sua resolutividade (p. 435).
Ou seja, a complexidade das situações que se apresentam no cotidiano profissional são
individualizadas em litígios e conflitos entre partes, instaurados em processos e que requerem
respostas imediatas, sem levar em conta a historicidade e totalidade situacional dos envolvidos,
sendo assim, o Poder Judiciário resolve conflitos de ordem jurídicos, porém, o objeto da demanda
nem sempre é o que está posto, a raiz do objeto demandado, muitas vezes, são sociais e políticos,
eles precisam ser compreendidos nas mais variadas dimensões, inclusive na subjetividade que se
encontram nas diversas formas de relações sociais.
Tendo isso consciente, o assistente social comprometido terá a postura profissional ética de
resistência à reiteração da ordem que está posta. E, assim, podemos apontar mais um dos desafios
que estão postos para os assistentes sociais que atuam nessa área, conforme Borgianni in Cortez
(2013):
A tendência de incorporarem, como sendo atribuição de sua profissão, ou de seu fazer
profissional, os instrumentos de “aferição de verdades jurídicas”, como o são o exame
criminológico ou a inquirição de vítimas ou testemunhas, sob a eufemística ideia de
“redução de danos” (p. 436, grifos conforme o original).
6
Neste contexto, o assistente social deve ter a compreensão que nesses espaços em que há o
fenômeno da judicialização das expressões da questão social, e que tem por meta a criminalização
e punição da classe subalternizada da população, sua atuação deve ser coesa com as atribuições
que lhe são conferidas pela lei que regulamenta a profissão, devendo agir com cautela para que
esse agir não venha a auxiliar na culpabilização dos sujeitos que se apresentam nos contextos
processuais. Para tais casos a intervenção que deve ser realizada é a do estudo social, instrumento
próprio do assistente social, que muitas vezes atua em situações complexas, que demandam tempo
para análise, a fim de evitar respostas imediatistas.
Outra armadilha da qual o assistente social vem se tornando refém é do possibilismo mais
ordinário, conforme Borgianni in Cortez (2013, p. 437) “se só é possível fazer isso, então vamos
fazer [...]”, desta forma, o(a) assistente social passa a considerar que aquilo é uma forma de
“redução de danos”, justificando a prática profissional em discordância com as recomendações
legais atribuídas à profissão, sem tomar o devido cuidado para que a atuação seja realizada com
qualidade e apreço, desenvolvendo, ainda, práticas que não são de sua competência profissional,
acreditando que estão contribuindo para acelerar o andamento dos processos e para que a justiça
seja feita.
Esse raciocínio vem justificar a atuação do profissional junto a crianças e adolescentes
vítimas de violência sexual, pois, a fim de evitar maiores danos e não precisar repetir várias vezes
a violência sofrida, admite que ela seja ouvida de forma a violar seus direitos e trazer danos
psicológicos, e ainda, contribui para reforçar a criminalização e encarceramento dos supostos
agressores, sem levar-se em conta a necessidade de recuperação também dessas pessoas
(BORGIANNI IN CORTEZ, 2013, p. 437). E assim, entramos em mais uma das armadilhas,
conforme Borgianni in Cortez (2013):
[...] nessa área há o risco enorme de o assistente social deixar-se envolver pela “força da
autoridade” que emana do poder de resolver as questões jurídicas pela impositividade,
que é o que marca o campo sociojurídico, e “encurtar” o panorama para onde deveria
voltar-se sua visão de realidade, deixando repousar essa mirada na chamada lide, ou no
conflito judicializado propriamente dito; passando a agir como se fora o próprio juiz, ou
como um “terceiro imparcial”, mas cuja determinação irá afetar profundamente a vida de
cada pessoa envolvida na lide. Por exemplo, em um processo em que alguém está sendo
acusado de negligência para com uma criança, seja o pai ou a mãe: a decisão judicial
buscará “recompor o direito da criança que foi violado”, podendo, no limite, alijar ou esse
pai ou essa mãe, ou ambos, do poder familiar sobre essa criança. O assistente social,
diferentemente de um juiz ou de um promotor, diante de um caso assim, terá que olhar
para a totalidade da problemática e suas consequências, e não só para a proteção dos
direitos da criança que, sem dúvida, será o foco da atenção do juiz (p. 438, grifos
conforme o original).
Notamos, assim, que o foco de um Juiz ou de um Promotor de Justiça é de reparação e
criminalização, a ele importa reconstruir a verdade e punir o réu, porém o olhar do assistente
7
social deverá ser bem mais amplo e profundo, visando à proteção dos direitos de todos os
envolvidos. E isso chama a atenção para outro desafio ao cotidiano do profissional que é, segundo
Borgianni in Cortez (2013):
[...] ao assumir para si as demandas e as práticas institucionais sem questioná-las, apenas
reproduzindo respostas fiscalizadoras dos comportamentos, e criminalizadoras dos
sujeitos que são alvo da ação judicial, passam a não se ver, eles mesmos, como
trabalhadores, e não participam dos movimentos próprios da classe trabalhadora, de seus
sindicatos, de suas entidades representativas, de seus fóruns de debates (p. 438).
Isso ocorre porque muitos profissionais que atuam no judiciário se consideram uma classe
de elite, não se reconhece enquanto classe trabalhadora sujeitas aos mesmos constrangimentos, são
assim, presas fáceis da alienação, e portanto, não participam dos movimentos de classes.
Importante é frisar que a atuação dos assistentes sociais no Poder Judiciário não pode ser o de
reprodução da classe dominante, que busca a culpabilização dos sujeitos ou que está a serviço da
vigilância dos comportamentos e dos julgamentos morais, tampouco atuar de forma burocrática
fazendo apenas os processos andarem.
Neste contexto, o papel do assistente social deve ser impositivo e de resistência às práticas
capitalistas, deve ser questionador e atualizado com a realidade, a fim de levar para dentro dos
processos, componentes que visam perpassar a realidade dos acontecimentos das relações sociais,
sejam elas econômicas, políticas, culturais, familiares, que se construíram historicamente na
trajetória dos avanços emancipatórios (ou não) da humanidade, pois, o seu papel não é o de
decidir, mas sim o de dar subsídios para que a justiça seja feita.
2. BREVE HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO
JUDICIÁRIO PAULISTA E SUAS ATRIBUIÇÕES ATÉ A ATUALIDADE.
A atuação dos assistentes sociais no Judiciário Paulista teve início no chamado Juízo
Privativo de Menores5, como comissários de vigilância6, que tinham a incumbência de levar ao
conhecimento do juiz os casos relacionados com crianças e adolescentes abandonados e infratores
(FÁVERO MELÃO e JORGE, Org., 2011), mas, formalmente o Serviço Social iniciou sua
atuação junto ao Juizado de Menores7 no final dos anos 1940, quando aconteceu a I Semana de
5
Decreto n. 16.272 de 20 de dezembro de 1923. Aprova o regulamento da assistência e proteção aos menores
abandonados e delinquentes. Foi a primeira instituição estatal voltada para a assistência a crianças abandonadas física
e moralmente.
6
O Comissariado era constituído de membros da sociedade que se dispunham voluntariamente a auxiliar o Juiz, e era
pelas impressões deles que os casos chegavam ao conhecimento do juiz. Porém, era realizado por pessoas de boa
vontade, mas sem conhecimentos adequados para lidar com as complexas situações que se apresentavam no dia a dia.
7
Há indícios de que a primeira inserção profissional do Serviço Social no Brasil se tenha concretizado no campo
sociojuridico, particularmente no então chamado Juizado de Menores e, mais especificamente ainda, na comarca da
8
Estudos do Problema de Menores8, com a criação do Serviço de Colocação Familiar no Estado de
São Paulo, pela Lei nº 560, de 27/12/1949, e ainda, segundo as mesmas autoras:
O desenvolvimento desse trabalho foi atribuído aos assistentes sociais, no Juizado,
abrindo um vasto campo para a consolidação de suas atividades nesse contexto. A lei
pertinente à regulamentação do Serviço de Colocação Familiar previa, em seu § 5º, do
artigo 6º, “... que na comarca de São Paulo o chefe do Serviço, de preferência assistente
social diplomado por Escola de Serviço Social, seria designado pelo Juiz de Menores”. O
primeiro Diretor do Serviço de Colocação Familiar foi o assistente social José Pinheiro
Cortez, que permaneceu na função de 1950 a 1979, sendo sucedido por outros assistentes
sociais, até a transferência desse serviço para o Poder Executivo, em 1985 (p. 48, grifos
conforme o original).
Notamos, com isso, que o Serviço Social iniciou-se no contexto da Justiça infanto-juvenil,
a partir do apoio do Poder Judiciário, e esse campo de atuação tem aumentado cada vez mais, em
decorrência do aumento da questão social, bem como, da necessidade e utilidade da especialização
dessa profissão, que detém um saber específico sobre as relações sociais e familiares, com o qual
passou a subsidiar as decisões judiciais.
O primeiro concurso público para assistentes sociais integrarem o quadro de pessoal do
Tribunal de Justiça em São Paulo ocorreu em 1967, e em 1979 aconteceu o segundo concurso
público, consolidando a atuação do Serviço Social no Judiciário Paulista (FÁVERO, MELÃO e
JORGE, Org, 2011).
Em 1985 este quadro aumentou e em 1990, com promulgação do ECA9, houve a realização
de processo seletivo para a contratação de assistentes sociais em todas as comarcas do interior do
Estado de São Paulo e no ano seguinte foi normatizada a atuação dos Assistentes Sociais,
mediante o Provimento CXVI do Conselho Superior da Magistratura10, nas Varas e Foros onde já
existia o Serviço, conforme Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011).
Nos anos recentes os cargos e funções vagos não estão sendo repostos, em razão de
alegada contenção de despesas por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo, acumulando
demandas aos profissionais que estão ativos, e sua intervenção no Judiciário Paulista não se fixa
cidade de São Paulo. Sabemos que a primeira Escola de Serviço Social do país surgiu na capital paulista em 1936,
com participação decisiva da Igreja Católica e, à época, destinada a mulheres abastadas dispostas a realizar
“atividades de caráter assistencial”. Naquele momento histórico, já fazia cerca de dez anos de vigência do primeiro
Código de Menores (1927), assim como da atuação, em São Paulo, do Juízo Privativo de Menores, criado em 1924.
Gustavo Meneghetti – Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.
8
Eventos promovidos pelo tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do Juizado de Menores, pela
Procuradoria Geral do Estado e pela Escola de Serviço Social. Ao todo foram realizadas 13 semanas de Estudo do
Problema de Menores, sendo a primeira em 1948 e a última em 1983. Gustavo Meneghetti – Mestre em Serviço
Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.
9
Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13/07/1990.
Manual de Procedimentos Técnicos para atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
10
9
apenas na demanda encaminhada pelos juízes, enquanto partes em litígios e contendas
processuais, mas também, conforme Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011):
O Serviço Social, ao longo de sua trajetória na organização judiciária, ficou reconhecido
pela necessidade de intervenção não só no contexto da Justiça infanto-juvenil e família,
mas em diversas áreas. De acordo com a proposta elaborada e encaminhada pela
AASPTJ-SP11 ao TJSP, hoje o Serviço Social atua em várias frentes e suas atribuições
não se resumem apenas a situações relacionadas às medidas judiciais. Atuando em
conformidade com os princípios éticos norteadores da profissão, tem contribuído para a
implementação de projetos e programas na área de saúde mental e vocacional, reavaliação
funcional, capacitação e treinamento etc., funções estas que envolvem o conhecimento
das vivências socioeconômicas e culturais dos sujeitos e de como reagem às diferentes
manifestações da questão social na sua vida cotidiana (p. 51-52).
Com isso, percebemos que os saberes acumulados por esta classe de profissionais
permitem que contribuam, não só com pareceres técnicos construídos dentro de um processo
judicial, mas também com o aprimoramento de vários profissionais que atuam no Judiciário, e que
por vezes também são acometidos pelos reflexos da questão social.
Mas o que torna essa classe de profissionais tão necessárias? Qual a sua real utilidade
nesse campo permeado por disputas econômicas, sociais, políticas, e onde a face do poder é tão
presente. E aqui também podemos fazer as mesmas indagações de Fávero in CFESS (2009):
Qual é o conhecimento pertinente a essa área de trabalho e os fundamentos éticos que o
direcionam? Como esse conhecimento e essa postura ética têm-se colocado na
intervenção cotidiana no âmbito das ações judiciais? Qual é a dinâmica de uma ação
processual e com que base de conhecimentos o magistrado toma uma decisão e profere
uma sentença na Justiça da Infância e da Juventude, Justiça da Família, Justiça Criminal –
enquanto áreas nas quais mais comumente a atuação do assistente social é solicitada? Em
síntese, quais são as instruções da área do Serviço Social que fundamentam a ação e a
decisão processuais? (p. 610).
Para que possamos obter respostas a estes questionamentos é necessário que entendamos
como se processa uma ação judicial. O processo comumente se apresenta como um conjunto de
peças, iniciando-se com uma petição ou pedido inicial, feito por um advogado ou Promotor de
Justiça, instruído por documentos que são apresentados como prova. Essas provas são
apresentadas pelos sujeitos envolvidos, por testemunhas judiciais ou por peritos, que são pessoas
detentoras de conhecimentos especializados, a fim de instruir os autos com informações
específicas e fundamentadas, de forma a subsidiar o Juiz na tomada de decisões ou promulgação
de sentenças.
O Juiz se baseia em provas para julgar e uma das provas mais usadas nas esferas judiciais
da Infância e Juventude, família e criminal são os conhecimentos acumulados pelo Serviço Social,
isto porque a complexidade das relações sociais contidas nesses processos só é possível de ser
desvendada por essa especialidade, a do assistente social.
11
Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
10
Para um trabalho de qualidade, e mais, para que seja possível o acesso à justiça é
necessário que o profissional tenha pleno conhecimento teórico e ético da profissão. É importante,
ainda, considerar cada perícia técnica solicitada como situações onde estão elencados os mais
variados fatores, como explicitado por Fávero in CFESS (2009):
É imprescindível considerar que “o caso” em estudo não é “um caso”, ou seja, ele tem sua
condição singular, todavia a sua construção é social, histórica, cultural. As influências
familiares, os condicionantes culturais, as determinações sociais relacionadas ao mundo
do trabalho, às políticas sociais, ao território onde vive, particularizam-se em sua história
e explicam sua condição presente (p. 612, grifos conforme o original).
Assim, é necessário o desvelamento da realidade social em que vivem os sujeitos sociais,
famílias, grupos ou organizações, pois os fatos que estão sendo analisados no processo judicial
estão condicionados nas relações sociais, econômicas, políticas, familiares e culturais,
historicamente construídas, sendo que estas estão intimamente ligadas ao sistema que está posto,
são, pois, reflexos da questão social.
Enfim, muitas situações requererão do assistente social que ele perpasse a imediaticidade e
tenha a capacidade de em uma perspectiva crítica, identificar a complexidade e a totalidade da
realidade do(s) sujeito(s), em todas as suas dimensões, a fim de analisá-las e interpretá-las como
constitutivas dos reflexos da questão social, estabelecidas por uma sociedade onde as classes são
extremamente desiguais.
O Serviço Social auxilia o magistrado através de estudos sociais materializados em
relatórios sociais, subsidiados por meio de entrevistas e/ou visitas domiciliares, que possibilitam a
realização desses referidos estudos e nos quais são alocados seus pareceres sociais, com vista a
sugerir ou ampliar o acesso à justiça e/ou aos direitos sociais, mas, para que ele seja realizado é
necessário conhecer e interpretar a realidade na qual está inserida a demanda, porém, ao falarmos
da realidade social é necessário o conhecimento das determinantes socioeconômicos-culturais que
compõem a sociedade em que vivemos, como o trabalho que proporciona rendimentos e que dá a
garantia do acesso a direitos e a possibilidade de manter uma família com dignidade. Esses
conhecimentos sobre o mundo do trabalho são especialmente importantes para a realização de um
relatório ou laudo social de qualidade, segundo Fávero in CFESS (2009):
Portanto, falar de trabalho, de emprego, de desemprego, de renda, em um relatório ou em
um laudo, implica reunir conhecimentos das referidas transformações e de como elas
afetam a vida de indivíduos e/ou famílias envolvidas nas ações judiciais. Como o
desemprego, por exemplo, afeta as relações familiares; de que forma reage o homem,
historicamente provedor da casa e da família, a se ver desempregado e sem perspectivas
de dar conta desse papel. Ainda que mudanças nas relações de gênero venham
possibilitando novas feições a essa tradicional divisão de responsabilidades pelo público
(homem) e pelo privado (mulher), a incorporação cultural de uma nova realidade
demanda tempo. Nesse contexto, no dia a dia do trabalho, comumente os profissionais se
deparam com histórias familiares que revelam que o sentimento de fracasso e vergonha
por parte do homem/trabalhador que se vê sem condições, pela “incapacidade” – situada
por ele no plano individual - de dar conta desse papel, afeta o cotidiano de muitos
11
trabalhadores desempregados e subempregados, resultando, por vezes, em violência e/ou
em rompimento de vínculos (p. 615-616, grifos conforme o original).
Assim, como vimos anteriormente, interpretar a realidade do mundo do trabalho não é tão
simples, pois ela vem passando por transformações tecnológicas e legalistas, atualmente tem sido
terceirizado e precarizado, e estas transformações tem afetado também as relações sociais, pois em
um país onde o desemprego e o subemprego vigoram é necessário ver além, implica, por exemplo,
reconhecer de que forma o homem, historicamente provedor, reage a se ver refém de fatores
externos, aos quais não tem controle, e que lhe acarreta sentimentos de fracasso e vergonha por se
ver sem condições de desempenhar o seu papel, conforme Sarti (2011):
O valor moral do trabalho, com o benefício que dele decorre, não se inscreve, então,
apenas dentro da lógica do cálculo econômico do mercado. Através do trabalho, os pobres
constroem uma ideia de autonomia moral, atualizando valores masculinos como a
disposição e a força (não só física, mas moral), que fazem do homem homem (p. 95,
grifos conforme o original).
E mais, frente a isso, delega-se à mulher a incumbência de criar, educar e sustentar a casa e
os filhos, sem, contudo, dar-lhe o suporte necessário para manter esses cuidados, uma vez que o
Estado tem se tornado cada vez mais ausente, e, assim, os reflexos da questão social, em última
instância, serão encaminhados para possíveis soluções pelo sistema judiciário, como forma de
manter a ordem e responsabilizar os sujeitos, no caso genitoras e genitores, por negligência ante a
necessidade de proteção com a prole, porém, ao profissional comprometido e responsável é
necessário observar além do que está posto, e, assim, conforme Fávero in CFESS (2009):
Dados dessa natureza o assistente social necessita conhecer para realizar a instrução
processual. Por exemplo, por que não existe vaga suficiente em creche para dar conta da
demanda? Qual é o orçamento previsto para projetos com essa finalidade? O que a
legislação diz a respeito? Quais as informações e explicações sobre essa realidade que o
assistente social pode oferecer em uma instrução processual de maneira a possibilitar que
o Ministério Público, por exemplo, provoque o Poder Executivo para que cumpra a
legislação, criando programas que garantam a convivência familiar e comunitária? (p.
616).
Essas indagações são pertinentes e necessárias para garantir um atendimento seguro e livre
de valores pessoais e culpabilização, refletindo que os sujeitos demandados são seres humanos que
vivem em situações que demandam compreensão objetivas, e que, enquanto profissionais
comprometidos com o Projeto Ético Político e em conformidade com o Código de Ética
Profissional, os assistentes sociais podem e devem ir além, refletindo sobre o fato que o estudo
social realizado pode sugerir em seu parecer social, provocações que configurarão em mudanças
positivas na vida dos envolvidos.
3. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA VARA DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE E A SUA ARTICULAÇÃO COM A REDE.
12
A partir do E.C.A. nota-se uma expansão do Serviço Social no Judiciário, em especial nas
Varas da Infância e Juventude, pois a atuação do assistente social se configura essencial quando
falamos de infância e juventude, espaço em que é necessário o conhecimento amplo e crítico das
expressões da questão social, e os aspectos socioeconômico e culturais dos sujeitos e famílias que
são apresentados enquanto demandas processuais, e que, embora em um primeiro momento se
apresente individualmente, elas são coletivas, pois são reproduções de uma sociedade
extremamente desigual e de décadas de exploração, inegavelmente ligadas às transformações
trabalhistas, transformações essas que sempre privilegiaram o capital, segundo Fávero in CFESS
(2009):
Para dizer da situação de trabalho do(s) sujeito(s), não basta dizer se alguém está ou não
trabalhando. Necessárias são a contextualização e a interpretação de sua realidade, bem
como do significado do trabalho – para aquele sujeito particular, no território onde se
insere, no Estado e no país onde vive – e suas conexões com a política e a economia
mundiais (p. 614-615, grifos conforme o original).
Essas transformações rebatem diretamente na família, e assim, inegavelmente, elaborar
estudos sociais sobre a realidade das famílias exige do profissional conhecimento e interpretação
da realidade social e mudanças estruturais pelo qual passam as famílias, afinal é necessária uma
análise crítica sobre os valores que a norteiam, sendo necessário, ainda, que o profissional
mantenha um distanciamento entre os valores e concepções pessoais e essa outra família, que
pode, segundo Fávero in CFESS (2009, p. 620) “[...] ter uma constituição e uma concepção – por
opção ou por contingência – opostas à concepção do profissional”.
Nesse sentido, é necessária a reflexão ética no exercício profissional, para que a atuação
seja isenta de conceitos preconcebidos, pois a reflexão ética, conforme Fávero in CFESS (2009, p.
621) “[...] projeta uma direção social comprometida com a liberdade, a democracia, a efetivação
de direitos humanos e sociais, a emancipação humana”.
Assim, estabelecer um diálogo com a família contemporânea, requer uma reflexão sobre
quais são os parâmetros que norteiam as análises que servirão de fundamentos para a realização de
estudos sociais e laudos, que subsidiarão requerimentos e decisões de promotores e magistrados.
Embora o Serviço Social ofereça conhecimentos para suporte a decisões judiciais, cada
instância do Poder Judiciário tem características, normas, rotinas e demandas diferenciadas
(FÁVERO in CFESS, 2009), assim, na Vara da Infância e da Juventude a atuação se baseia a
partir de normativas contidas no E.C.A. e as ações são baseadas na ampla proteção à criança e ao
adolescente, o que implica, muitas vezes, em acompanhamento do caso, sendo necessárias várias
avaliações, registradas em diversos estudos sociais, até a conclusão. Isto porque, ocorre a
necessidade de orientações e encaminhamentos à rede pública de apoio, para que, após um prazo
determinado, seja avaliada a resposta do sujeito e/ou família à intervenção realizada.
13
Esse acompanhamento é realizado através de um conjunto de instrumentos e técnicas, tais
como a entrevista, a visita domiciliar, a observação, a coleta de dados e informações, estudo dos
documentos e o acompanhamento social.
Para a realização de um estudo social de qualidade é necessário que o profissional leve em
consideração alguns fundamentos essenciais para a constituição da vida social das pessoas, como
o trabalho, políticas sociais existentes, o território em que vive a família e sua constituição
socioeconômica e cultural.
Assim, na justiça da infância e juventude o assistente social vai se deparar com as mais
complexas situações, como exemplificado por Fávero in CFESS (2009):
Ele vai saber, por exemplo, que aconteceu um ato de violência (física, sexual, psicológica
etc.) de um adulto (pai, mãe ou outros) contra uma criança ou um adolescente ou um ato
expresso de violência de gênero; vai saber que uma mãe e/ou um pai abandonou uma
criança ou, então, vai se deparar com a entrega de uma criança para abrigamento ou para
adoção, mediante alegação de impossibilidade material para cuidar dela ou também em
razão da ausência de afetividade e de desejo de cuidar dela; vai encontrar um indivíduo ou
um casal que pretende inscrever-se para adoção ou que já está cuidando de uma criança
ou adolescente e pretende efetivar a adoção; vai se deparar com um adolescente que
praticou um furto, um roubo, um homicídio; vai se defrontar com uma mãe cumprindo
pena de privação de liberdade e que necessita entregar o filho recém-nascido para outra
pessoa cuidar, haja vista a criança não poder permanecer em sua companhia no presídio
(geralmente, além de quatro meses) (p. 613, grifos conforme o original).
Todas essas situações se apresentam como demandas imediatas, que requerem tomadas de
decisões imediatas por parte de um promotor ou juiz, mas o conhecimento e particularidade dessa
profissão têm condições de recolher dados, fundados nas determinantes socioculturais, no
território onde os sujeitos vivem e interagem e é capaz de realizar uma construção histórica e em
uma perspectiva crítica, objetivar um trabalho pautado, não na criminalização, mas no acesso aos
direitos desses sujeitos, enquanto constitutivos da questão social, advindos, como já vimos, de
uma sociedade extremamente desigual.
Independente dos objetivos do estudo que o assistente social realiza ele se depara com
situações que exigirão articulações com a rede pública e/ou privada socioassistencial e
intersetorial, o que significa que o(a) profissional tem a prerrogativa de intervir na situação para
além do estudo social, assim, sempre que necessário ele poderá se articular e fazer
encaminhamentos necessários e que poderão intervir na vida familiar e dos sujeitos analisados,
propiciando, inclusive, mudança no padrão de vida e mesmo na ação judicial, pois, ao apontar
num relatório algum recurso, o Ministério Público e/ou o magistrado poderá, por meio da
aplicação da lei, facilitar a garantia a seu acesso (FÁVERO IN CFESS, 2009).
Essas redes proporcionam a aquisição materiais e sociais aos sujeitos e suas famílias, como
saúde, educação, assistência social, entre outros serviços, buscando suprir suas necessidades,
porém, um trabalho de qualidade exige um levantamento dessa rede, com a qual o profissional
14
poderá contar, desde as redes informais ou primárias até as mais estruturadas e formais, bem como
sua mobilização, frisando, ainda que, para que as ações não sejam isoladas elas precisam ser
atreladas. Observemos os tópicos abaixo para melhor elucidação dos tipos de redes existentes e
com as quais o profissional e o usuário poderão contar, segundo Bourguignon12 (2001):
REDE SOCIAL ESPONTÂNEA: constituída pelo núcleo familiar, pela vizinhança, pela
comunidade e pela igreja. São consideradas as redes primárias, sustentadas em princípio
como cooperação, afetividade e solidariedade.
REDES SÓCIO-COMUNITÁRIAS: constituídas por agentes filantrópicos, organizações
comunitárias, associações de bairros, entre outros que objetivam oferecer serviços
assistenciais, organizar comunidades e grupos sociais.
REDE SOCIAL MOVIMENTALISTA: constituída por movimentos sociais de luta pela
garantia dos direitos sociais (creche, saúde, educação, habitação, terra...). Caracteriza-se
por defender a democracia e a participação popular.
REDES SETORIAIS PÚBLICAS: são aquelas que prestam serviços e programas sociais
consagrados pelas políticas públicas como educação, saúde, assistência social,
previdência social, habitação, cultura, lazer, etc.
REDES DE SERVIÇOS PRIVADOS: constituída por serviços especializados na área de
educação, saúde, habitação, previdência, e outros que se destinam a atender aos que
podem pagar por eles.
REDES REGIONAIS: constituídas pela articulação entre serviços em diversas áreas de
política pública e entre municípios de uma mesma região.
REDES INTERSETORIAIS: são aquelas que articulam o conjunto das organizações
governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços,
programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento
integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente.
Todos esses tipos de rede são muito importantes e devem ser considerados pelo
profissional como constituições que muito poderão auxiliar, enquanto recursos a serem utilizados
como estratégias articuladas, para as possíveis soluções de diversos conflitos e situações para as
quais o assistente social é solicitado no Poder Judiciário.
Realizar uma intervenção sobre a realidade social do sujeito requer um estudo aprimorado
de todas as possibilidades, de todo o contexto que o circula, e de todas as possibilidades, mas, para
que esse trabalho seja eficaz é necessário que os profissionais invistam nele, conforme apontado
por Bidarra in Cortez (2009):
Um investimento que consiste na aproximação e na participação ativa dos sujeitos, isto é,
num modo de “estar presente” e de “ser parte” que chancelados pela identidade e pelo
pertencimento, representa uma conquista política da cidadania (p. 490-491, grifos
conforme o original).
Segundo a autora, essa participação tem caráter de cidadania, e pode proporcionar um novo
significado aos valores da liberdade, da igualdade e da justiça social, pois busca o empoderamento
do usuário, a sua participação no processo de avaliação, podendo, ainda, ele próprio propor ações
que lhe serão eficazes e que poderão proporcionar o rompimento com a passividade, ele poderá ser
ator da sua vida, ter a autonomia de escolha, e assim, exercer a cidadania.
12
Prof. Do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Mestre em Serviço Social da
PUC/SP.
15
A ação isolada de uma instituição pública ou privada pode não ser suficiente, por isso a
atuação intersetorial requer um diálogo articulado entre diferentes espaços ocupacionais, mas
também com diferentes profissionais, de diversos campos de atuação, requer o compartilhamento
e o respeito pelos diversos outros conhecimentos, sobretudo quando se desenvolve um trabalho
interdisciplinar, a exemplo do que é realizado junto ao Poder Judiciário, onde há psicólogos(as)
atuando em pares com os(as) assistentes sociais, partilhando os conhecimentos desses saberes,
contribuindo um com o outro, levando à ampliação do acesso aos direitos dos sujeitos, mas,
observando-se, ainda, que seus pareceres são pautados nos projetos profissionais próprios de suas
formações, (BIDARRA, 2009).
Esses entendimentos levam-nos à compreensão que o profissional comprometido poderá ir
além de suas atribuições dentro do Judiciário, ele poderá buscar o acesso a direitos e serviços
oferecidos, articulando-se com toda uma rede de profissionais voltados para um mesmo objetivo,
bem como, articulando-se com magistrados e promotores de justiça que a justiça se efetive através
do acesso aos direitos dos sujeitos vítimas da pobreza que assola o país, buscando que por força de
lei, a proteção social se efetive para milhares de protagonistas que se apresentam nas ações
judiciais da Vara da Infância e Juventude de Itu/SP.
CONCLUSÃO:
Ante o exposto, concluímos que o Serviço Social, ao longo da história, vem se tornando
imprescindível para subsidiar promotores e magistrados na prolação de decisões e sentenças, que
influenciarão na mudança de vida dos sujeitos que se apresentam no cotidiano do profissional do
assistente social lotado no Setor Técnico do Judiciário. Todavia é importante que reconheçamos
que as situações que se apresentam são reflexos do acirramento da questão social, e que estas
rebatem diretamente nessa demanda e tornam-se determinantes em suas vidas, demarcando um
processo de judicialização da pobreza por todo o país, mas que, acima de tudo o profissional
necessita estar comprometido com o Projeto Ético Político da profissão, qual seja, o da construção
de uma nova sociabilidade mais justa e igualitária para todos, e desta forma se posicionar contra
esse sistema explorador e dominador que está posto.
Para isso é necessário que o profissional esteja atento às armadilhas e desafios que lhe são
impostos nesse espaço ocupacional, a fim de refletir as ações com base em aporte teórico e nas
diretrizes e legislações vigentes, para que o fazer profissional não seja pautado em empirismo e
acabe por fragilizar ainda mais o usuário; ter, por fim a coragem de atuar em um ambiente pautado
em tensões, num campo ocupacional investido de poder, onde o questionamento sobre a
16
importância da contribuição que o profissional é de suma relevância, pois poderá tanto colaborar
para a afirmação do poder hegemônico do capital, quanto somar esforços junto ao usuário para a
superação das suas dificuldades.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
Senado Federal, 1998.
BIDARRA, Zelimar Soares in Revista Social e Sociedade n. 99. Pactuar a Intersetorialidade e
Tramar as Redes Para Consolidar o Sistema de Garantia de Direitos. São Paulo: Cortez,
2009. P. 483/497.
BORGIANNI, Elisabete in Revista Social e Sociedade n. 115. Para Entender o Serviço Social
na Área Sociojurídica. São Paulo: Cortez, 2013. P. 407-442.
FÁVERO, Eunice Teresinha. Instruções Sociais de Processos, Sentenças e Decisões.
Brasília/DF: CFESS/ABEPSS, 2009. P. 609-636.
FÁVERO, Eunice Teresinha; MELÃO, Magda Jorge Ribeiro; JORGE, Maria Rachel Tolosa.
(ORGs). O Serviço Social e a Psicologia no Judiciário. 4º Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil,
33ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SARTI, Cynthia Andersen. A Família Como Espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 7ª
Ed. São Paulo, Cortez, 2011.
FONTES:
https://www.oas.org/juridico/mla/pt/dom/pt_dom-int-desc-pj.pdf, acessado em 06/07/2014 às
17:40).
http://www.uel.br/revistas/ssrevista/pdf/2009/60%20Ju%EDzo%20de%20Menores_%20Semanas
_de_Estudos_Servi%E7o_Social_final.pdf. MENEGHETTI, Gustavo. Juízo de Menores,
Semanas de Estudos, Serviço Social: algumas notas explicativas. Acessado em 03/08/2014 às
18h30.
http://us.es/araucaria.
Disponível
em
http://www.mprs.mp.br/dirhum/doutrina/id491.htm.
PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Staziola. Justiciabilidade dos Direitos Sociais e Econômicos
no Brasil: Desafios e Perspectivas, Araucaria Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y
17
Humanidades. Año 8, Nº 15: Primer semestre de 2006. ISSN 1575-6823. Acessado em 08 de julho
de 2014 às 19:40.
http://www.uepg.br/nupes/intersetor.htm. BOURGUIGNON, Jussara Ayers. Concepção de Rede
Intersetorial. Setembro/2001. Acessado em 07/09/2014 às 12h30.
Download

A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO PODER JUDICIÁRIO