A Teologia de Arminius
Embora escritores calvinistas modernos dão a impressão de que
Arminius foi nada menos do que um completo herético, uma olhada
superficial em seus escritos é tudo que leva para ver que isto não é
simplesmente o caso, pois Arminius foi tão ortodoxo sobre as doutrinas
principais da fé cristã quanto qualquer calvinista, antigo ou moderno. E
ainda que os escritos de Arminius sejam conseguíveis, eles são raramente,
se alguma vez, lidos por alguém – especialmente os calvinistas. Mas é para
suas obras que alguém deve ir para ver sua teologia – não para qualquer
pregador, escritor, ou teólogo, sejam eles calvinistas ou arminianos. Um
calvinista até admite que “a teologia de Jacob Arminius tem sido
negligenciada tanto por seus admiradores quanto por seus caluniadores.”[1]
Os sentimentos doutrinários de Arminius referentes ao Calvinismo serão
explorados durante a análise doutrinária dos pontos particulares do
Calvinismo, mas quanto às bases da fé cristã, as crenças doutrinárias de
Arminius são consideradas abaixo.
Sobre a coisa mais importante que alguém crê – a inspiração e
autoridade da Escritura – Arminius foi perfeitamente ortodoxo. Ele afirmou
sobre a Bíblia:
A autoridade da palavra de Deus, que está inclusa nas Escrituras no
Velho e Novo Testamento, repousa tanto na veracidade de toda a
narração, e de todas as declarações, sejam aquelas sobre coisas
passadas, presentes, ou futuras; e no poder dos mandamentos e
proibições, que são contidos na palavra divina. Ambos os tipos de
autoridade podem depender de ninguém senão de Deus, que é o
Autor principal desta palavra; tanto porque ele é a Verdade sem
suspeita de falsidade, quanto porque ele é de Poder invencível. Por
causa disso, o conhecimento somente que esta palavra é divina, é
compulsório sobre nossa crença e obediência; e tão fortemente é
obrigatório, que esta obrigação pode ser aumentada por nenhuma
autoridade externa.[2]
Arminius considerava a Bíblia infalível,[3] e aceitava como
canônicos todos os sessenta e seis livros.[4] Ele sempre carregava seu
Novo Testamento consigo,[5] e afirmava que da leitura atenta das Sagradas
Escrituras: “Eu sinceramente ensinei mais do que qualquer outra pessoa,
como toda a universidade e as consciências de meus colegas
testificarão.”[6] Ele considerava como “insensata e blasfema” a alegação
católica de que as Escrituras “não são autênticas senão pela autoridade da
Igreja.”[7] E ele da mesma forma se considerava “de modo algum obrigado
a adotar todas as interpretações particulares dos reformados.”[8] Por essa
razão, não é surpreendente que os escritos de Arminius estão repletos de
referências à Escritura.
Como Calvino e os outros reformadores, Arminius foi vigorosamente
anti-católico, classificando-se do lado daqueles que disse que o papa era “o
adúltero e o alcoviteiro da Igreja, o falso profeta, o destruidor e subversor
da Igreja, o inimigo de Deus e o anticristo.”[9] Ele foi chamado de “um
hábil e mais bem sucedido crítico dos papistas.”[10] Arminius nunca
hesitou em descrever em termos precisos sua opinião a respeito do papa e
daqueles que o seguem. Ele escreveu em sua tese On Idolatry que “o
Pontífice Romano é ele mesmo um ídolo: E que aqueles que o estimam
como a pessoa que ele e seus seguidores ostentosamente descrevem-no ser,
e que apresentam a ele a honra que ele exige, por esses mesmos atos
mostram-se idólatras.”[11] Ele também declarou que “uma reforma não
deve ser esperada de qualquer um que é elevado ao Pontificado Romano,” e
que “o papa será destruído no glorioso retorno de Cristo.”[12] Depois que
alguns de seus inimigos acusaram-no da “apostasia de muitas pessoas ao
papismo,”[13] Arminius escreveu sua mais forte denúncia do papado:
Eu abertamente declaro, que eu não reconheço que o Pontífice
Romano seja membro do corpo de Cristo; mas eu o considero um
inimigo, um traidor, um homem sacrílego e blasfemo, um tirano, e
um violento usurpador do mais injusto domínio sobre a Igreja, o
homem do pecado, o filho da perdição, esse mais notório
criminoso.[14]
Sobre a missa católica, Arminius afirmou que “é ímpia, para
qualquer sacrifício expiatório agora a ser oferecido pelos homens para os
vivos e os mortos.”[15] Ele considerava a missa como oposta à “natureza,
verdade e excelência do sacrifício de Cristo.”[16] E finalmente, ele
defendia medidas severas contra o papismo: “Enquanto todos os devotos
professores devem entusiasticamente desejar a destruição do papismo,
como desejariam a respeito do reino do anticristo, eles devem com o maior
zelo engajar-se na tentativa, e, no que estiver ao seu alcance, fazer os mais
eficientes preparativos para a sua destruição.”[17] A acusação de que
Arminius tinha afinidades católicas é obviamente infundada.
Sobre a natureza e atributos dos membros da Divindade, Arminius é
novamente completamente ortodoxo. Ele acreditava na “Santíssima
Trindade,”[18] ensinava que Deus criou “todas as coisas do nada,”[19] e
mantinha que “Deus é capaz de tudo que seja possível.”[20] Arminius
expôs sobre a infinidade, imensidade, impassibilidade, imutabilidade,
onipresença, unidade, essência, e eternidade de Deus – assim como
qualquer teólogo calvinista.[21] As opiniões de Arminius sobre o Senhor
Jesus Cristo são da mesma forma consoantes com a Bíblia e as autoridades
calvinistas. Ele acreditava que Cristo era eterno,[22] e o descrevia como “o
Filho de Deus e Filho do homem; consistindo de duas naturezas, divina e
humana, inseparavelmente unidas sem mistura ou desordem.”[23] Ele o
identificava como o Jeová do Velho Testamento,[24] que se tornou
homem,[25] e foi crucificado por nós.[26] Arminius acreditava na morte,
sepultamento, ressurreição e ascenção de Cristo literais.[27] Considerava a
Expiação de Cristo como “única, expiatória, perfeita, e de valor
infinito.”[28] Sobre o Espírito Santo, Arminius mantinha que o Espírito era
“da mesma natureza que Deus Pai e Deus Filho.”[29] É certamente
aparente que Arminius foi um trinitariano ortodoxo.
Sobre a queda e depravação do homem, Arminius foi tão ortodoxo
quanto o mais radical calvinista. Ele acreditava na completa ruína do
homem por causa do pecado de Adão. Por causa desta transgressão: “O
homem caiu sob o desprazer e ira de Deus, tornando-se sujeito a uma dupla
morte, e merecendo ser privado da justiça e santidade primeva em que
grande parte da imagem de Deus consistia.”[30] Esta condenação é
“comum a toda a raça e a toda sua posteridade,” pois “qualquer punição
que foi trazida sobre nossos primeiros pais, tem da mesma forma penetrado
e ainda continua em toda sua posteridade: De modo que todos os homens
„são por natureza filhos da ira,‟ (Ef 2.3) odiosos, merecendo a condenação,
a morte temporal e a morte eterna.”[31] Sem ser liberto por Jesus Cristo,
Arminius insistia que o homem “permaneceria oprimido para sempre.”[32]
Além disso ele caracterizou o homem como desesperadamente perdido:
Em seu estado caído e pecaminoso, o homem não é capaz, de e por si
mesmo, pensar, desejar, ou fazer aquilo que é realmente bom; mas é
necessário que ele seja regenerado e renovado em seu intelecto,
afeições ou vontade, e em todos os seus poderes, por Deus em Cristo
através do Espírito Santo, para que ele possa ser capacitado
corretamente a entender, avaliar, considerar, desejar, e executar tudo
quanto seja verdadeiramente bom.[33]
Dessa forma Arminius descreveu a presente condição do homem
numa linguagem com que qualquer calvinista poderia concordar.
Pela razão de ter concluído que o homem estava em uma condição
perdida, pecaminosa, Arminius atribuía a salvação inteiramente a Deus por
meio de Cristo: “Acredito que os pecadores são contados justos unicamente
pela obediência de Cristo; e que a justiça de Cristo é a única causa
meritória por conta da qual Deus perdoa os pecados dos crentes e os
considera tão justos quanto se eles tivessem perfeitamente cumprido a
lei.”[34] Ele descreveu a doutrina da justifação pela fé da Reforma com o
vocabulário próprio de Martinho Lutero:
É uma Justificação pela qual um homem, que é pecador, embora
crente, sendo colocado diante do trono da graça que é erigido em
Cristo Jesus a Propiciação, é contado e pronunciado por Deus, o
justo e misericordioso Juiz, reto e digno da recompensa da justiça,
não em si mesmo mas em Cristo, da graça, de acordo com o
evangelho, para o louvor da justiça e graça de Deus, e para a
salvação da própria pessoa justificada.[35]
Arminius até assentiu com as declarações de Calvino sobre a
justificação como encontrada em suas Institutas:
Minha opinião não é tão diferente da dele que me impede de
empregar a assinatura de minha própria mão para consentir com as
coisas que ele pronunciou sobre este assunto, no Terceiro Livro de
suas Institutas; isto eu estou preparado para fazer a qualquer hora, e
dar a elas a minha completa aprovação.[36]
Ele da mesma forma caracterizou a doutrina da santificação:
É um ato gracioso de Deus, pelo qual Ele purifica o homem que é
pecador, embora crente, da escuridão da ignorância, de habitar o
pecado e de suas concupiscências e desejos, e o imbui do Espírito do
conhecimento, justiça e santidade; que, sendo separado da vida do
mundo e feito conforme a Deus, o homem pode viver a vida de Deus,
para o louvor da justiça e da gloriosa graça de Deus, e para sua
salvação conquistada.[37]
E sobre a segurança do crente, os sentimentos de Arminius eram
exatamente como os dos calvinistas de seu dia. Ele até argumentava que
“em nenhuma época eu afirmei „que crentes finalmente se afastam ou caem
da fé ou da salvação.‟”[38] Arminius também acreditava que alguém
poderia ter segurança da salvação: “Em relação à certeza de salvação,
minha opinião é, que é possível ao que crê em Jesus Cristo estar seguro e
persuadido e, se seu coração não condená-lo, ele está agora na realidade
certo, que é um filho de Deus, e se encontra na graça de Jesus Cristo.”[39]
Os sentimentos doutrinários de Arminius referentes à salvação de um
pecador são consoantes com os de qualquer calvinista.
Sobre algumas outras questões, Arminius foi como seus
companheiros crentes reformados. Ele defendia o batismo de crianças por
aspersão – assim como Calvino e as igrejas reformadas hoje em dia.[40]
Ele foi também oposto aos anabatistas, e disputou com alguns deles em
suas casas.[41] Em 1600 Arminius foi até solicitado para escrever “uma
breve refutação de todos os erros dos anabatistas.”[42] Entretanto, até 1605
a refutação ainda não estava acessível, visto que Arminius estava ocupado
demais.[43] Mas ainda que ele defendia a organização reformada da Igreja
com o Estado, e contendia com aqueles fora da Igreja Reformada, Arminius
foi conhecido por sua tolerância, e não há nenhum registro de qualquer
perseguição praticada contra “heréticos.”
Embora Arminius acreditava que tinha liberdade para expor a
palavra de Deus de acordo com os ditames de sua consciência, ele sempre
foi cuidadoso no que ensinava e procurava evitar controvérsia e cisma.
Durante um debate com Petrus Plancius (1552-1622), Arminius declarou
que “ele sempre emprega extrema cautela nas doutrinas que ensinava, com
receio de que algum deles pudesse ser corrompido a erradicar as fundações
da fé cristã.”[44] Ele claramente afirmou o objetivo de sua vida cristã:
Com relação à Ambição, eu não a possuo, exceto aquela espécie
honrosa que me impele a este serviço, - a indagar com toda a
dedicação nas Sagradas Escrituras pela Verdade Divina, e
brandamente e sem contradição declará-la quando encontrada, sem
prescrevê-la a ninguém, ou trabalhar para forçar consentimento,
muito menos através de um desejo de “ter domínio sobre a fé dos
outros,” mas antes pelo propósito de vencer algumas almas para
Cristo, para que eu possa ser um doce aroma a Ele, e possa obter uma
reputação aprovada na igreja dos Santos.[45]
Mesmo em seu testamento Arminius mantinha esta posição e
exaltava a Escritura, como este extrato de seu testamento mostra:
Acima de tudo, confio minha alma, em sua partida do corpo, às mãos
de Deus, que é seu Criador e fiel Salvador; ante o qual eu também
testifico, que caminhei com simplicidade e sinceridade, e “com toda
a boa consciência,” em meu ofício e vocação; e que tenho guardado
com a maior solicitude e prudência, de expor ou ensinar qualquer
coisa, que, após uma diligente busca nas Escrituras, não tenha
concordado com os registros sagrados; e que todas as doutrinas por
mim expostas, foram na intenção de levar à propagação e
crescimento da verdade da Religião Cristã, da verdadeira adoração a
Deus, da devoção de todos, e de uma sagrada relação entre os
homens, - e também para contribuir, de acordo com a palavra de
Deus, a um estado de tranqüilidade e paz característico do nome
cristão; e que destes favores eu excluí o Papado, com o qual
nenhuma unidade de fé, nenhum laço de piedade ou da paz cristã
pode ser conservado.[46]
Arminius merece ser classificado como um teólogo holandês
reformado ortodoxo.[47] Ele foi natural, nascido em Oudewater, e treinado
para o ministério em Leiden. Pastoreou em Amsterdã e depois treinou
ministros em Leiden. Não conheceu nenhuma outra igreja senão a Igreja
Reformada Holandesa, consentindo com seus credos, e defendendo-a
contra todas as outras. Mesmo depois deste breve estudo da teologia de
Arminius, as palavras de Bertius, proferidas no término da oração fúnebre
quando da morte de Arminius, soam claras: “Viveu na Holanda um homem
que aqueles que não conheciam não podiam suficientemente estimar, que
aqueles que não estimavam nunca tinham suficientemente conhecido.”[48]
Sua teologia foi ortodoxa, mas diferente de Calvino, ele exerceu tolerância
com aqueles com quem discordava. Nas palavras do notável advogado
Hugo Grotius (1583-1645): “Condenado pelos outros, ele não condenou
ninguém.”[49]
[1] Richard A. Muller, God, Creation, and Providence in the Thought of
Jacob Arminius (Grand Rapids: Baker Book House, 1991), p. 269.
[2] Works of Arminius, vol. 2, p. 324.
[3] Ibid., p. 323.
[4] Ibid., pp. 323-324.
[5] Ibid., vol. 1, p. 247.
[6] Ibid., p. 295.
[7] Ibid., vol. 2, p. 81.
[8] Ibid., vol. 1, p. 103.
[9] Ibid., vol. 2, pp. 264-265.
[10] Ibid., vol. 1, p. 49.
[11] Ibid., vol. 2, p. 306.
[12] Ibid., vol. 1, p. 299.
[13] Ibid., p. 298.
[14] Ibid.
[15] Ibid., vol. 2, p. 444.
[16] Ibid., p. 243.
[17] Ibid., vol. 1, p. 644.
[18] Ibid., vol. 2, p. 138.
[19] Ibid., p. 355.
[20] Ibid., p. 353.
[21] Ibid., pp. 115-118.
[22] Ibid., p. 143.
[23] Ibid., p. 379.
[24] Ibid., p. 141.
[25] Ibid., p. 379.
[26] Ibid., p. 387.
[27] Ibid., pp. 387-388.
[28] Ibid., p. 443.
[29] Ibid., p. 145.
[30] Ibid., p. 151.
[31] Ibid., pp. 156-157.
[32] Ibid., p. 157.
[33] Ibid., vol. 1, pp. 659-660.
[34] Ibid., p. 700.
[35] Ibid., vol. 2, p. 256.
[36] Ibid., vol. 1, p. 700.
[37] Ibid., vol. 2, p. 408.
[38] Ibid., vol. 1, p. 741.
[39] Ibid., p. 667.
[40] Ibid., vol. 2, pp. 440-441.
[41] Bangs, Arminius: A Study, p. 167.
[42] Ibid.
[43] Ibid., p. 168.
[44] Works of Arminius, vol. 1, p. 103.
[45] Ibid., vol. 2, p. 703.
[46] Ibid., vol. 1, p. 45.
[47] Bangs, Arminius as a Theologian, pp. 214-221.
[48] Peter Bertius, citado em Bangs, Arminius: A Study, p. 331.
[49] Hugo Grotius, citado em Curtiss, p. 50.
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