ATUALIDADE DA REFLEXÃO E DA PRÁTICA TEOLÓGICA
Pe. Mário Fernando Glaab
Na era da informática, ou da facilidade proporcionada pela internet,
dispensadora do esforço intelectual, a impressão que se tem, é que cada vez
mais, a reflexão cede lugar para as soluções imediatas que satisfazem desejos
igualmente imediatos. Pouca prática duradoura permanece após consultas tão
acessíveis que exigem tão pouco esforço. Os jovens - e não somente eles – são
cada vez mais levados por esse mundo virtual imediato a se desligar dos desafios
reais que a sociedade enfrenta e que a faz sofrer. Longe dos problemas, ficam
também longe de uma reflexão séria que poderia se transformar em prática
engajada no processo de transformação.
Essa questão afeta as pessoas em todos os campos, também em suas
práticas religiosas. A fé das pessoas parte de espaços e de tempos concretos e
leva novamente aos mesmos espaços e tempos. A maneira de se viver
cristãmente não escapa dessa lei. Constata-se que nos últimos tempos a vivência
cristã em nosso meio está num processo contínuo de distanciamento entre fé e
vida. A fé, se é que pode ainda ser chamada assim, está cada vez mais no nível
do belo aéreo. Celebram-se ritos esplendorosos nas igrejas ou em praça pública,
que ao invés de expressar vida em luta contra os males que afligem multidões de
excluídos, mostram uma fé alienante e abstrata. As vestes litúrgicas e os
utensílios sagrados acentuam o esplendor. Uma forte crise se abateu sobre a
teologia católica e também sobre a Teologia da Libertação como um todo. Não
que ela tenha desaparecido, nem que faltem teólogos sérios e comprometidos;
mas seus apelos, gritos e lamentos encontram poucos ouvidos atentos. Prefere-se
escutar o barulho dos instrumentos musicais e dos cantos que faz o público
pular, mas que não sabe fazê-lo caminhar! Dizem que os “pulos” são obras do
Espírito, mas esquecem que o Espírito que agia em Cristo deu ordens para que
os discípulos andassem pelo mundo afora: “Ide...” Essa porta larga é tentadora
também para o clero. Não são poucos padres e até bispos que não têm escrúpulo
em esquecer a dureza da vida dos pobres e excluídos de suas comunidades e se
entreterem com os que fazem shows de fé. Entre os seminaristas, futuros
sacerdotes, cresceu assustadoramente tal tendência. Basta observar como grande
parte deles se apresenta nas celebrações onde há concentração de pessoas, e, por
outro lado, a sua quase ausência total nos bairros pobres, nas lutas pela
sobrevivência dos excluídos, excluídos de tudo, até dos bens espirituais.
Diante desse quadro, que não deixa de ser preocupante, talvez seja útil
perguntar o que a teologia pode fazer para recuperar a sua presença na reflexão e
na ação de nossas comunidades. Sabe-se que no Brasil, na América Latina, como
também pelo mundo afora, existem bons teólogos; existe muito material por eles
produzido, não apenas para vender livros, mas que chama a atenção às questões
atuais, propondo respostas compromissadas. Mas, será que o problema principal
não está justamente nos que deveriam traduzir a teologia para uma linguagem
acessível ao povo simples? Não está na ausência desses intermediários nos
lugares onde deveriam levar as propostas para se tornarem interpretações ativas?
A quem cabe essa tarefa? Quando o material produzido pelos teólogos
permanece somente entre eles, numa pequena parcela do clero ou de algum
indivíduo que se interessa pelo assunto, a teologia, como diz J. B. Libânio,
torna-se incestuosa.1 Isso é grave: seus filhos podem nascer defeituosos. O que
pode significar isso para a Igreja em nossas comunidades onde já estão tantos
“deficientes”?
Está mais do que na hora de voltar para o chão em que habitamos. Deus
está no céu, mas nós o cremos na terra. Aliás, é o que respondemos em nossas
liturgias: “Ele está no meio de nós”, mesmo que não estamos muito convencidos
disso. Não tem sentido querer uma teologia lá das alturas se o que de fato
interessa é o que está ao nosso redor e, é bom lembrar que a teologia é sempre
fruto de seres históricos, isso é, que são limitados, e por isso, não se faz a
teologia que se quer, mas aquela que se pode. Pode-se fazer teologia daquilo que
é nosso, do nosso mundo que conta com a presença de Deus em Jesus Cristo.
Mas esse Jesus Cristo, que nós gostamos de chamar Jesus de Nazaré, pois,
denominando-o assim, expressamos melhor a sua presença na história humana,
está lá onde estão os últimos dos seres humanos. A partir dos últimos, das
vítimas, ele – Jesus de Nazaré – se apresenta como o Deus para todos. Se não se
parte de lá é possível encontrar um deus que faz distinção entre as pessoas – não
será um “Deus para todos”. E, por fim, bom é lembrar que a teologia ensina, a
partir de sua experiência na práxis cristã, que o pobre e excluído não é melhor,
nem moral ou religiosamente, que os demais, mas que sempre há de ser o
preferido, tanto de Deus como da Igreja, por causa de sua situação desumana em
que se encontra.2 Ao se voltar para o Crucificado, o cristão, a partir do
sofrimento dos muitos crucificados desta terra compreende que Deus, em Jesus
de Nazaré, se coloca entre eles. Mesmo que sejam ímpios e injustos, também
para eles é oferecida a esperança da salvação,3 assim como é oferecida para todo
ser humano. O acesso para essa esperança passa necessariamente pelos últimos.
Portanto, reflexão teológica a partir da práxis e práxis a partir da reflexão
teológica são mais que atuais. Cabe aos teólogos fazer a sua parte, cabe, no
entanto, mais ainda aos pastores – aqueles que estão sempre diante das
multidões: presbíteros, ministros da Palavra, catequistas, líderes comunitários –
traduzirem em linguagem e prática acessíveis aos simples, legado teológico.
1
LIBANIO, J.B., O ser humano como ser histórico, p. 32.
2
Cf. FERRARO, A teologia como produto social e produtora da sociedade, pp. 46-53.
3
Cf. MOLTMANN, J. El Dios Crucificado, p. 3.
Ajudar os pobres e os excluídos a compreender melhor a sua fé e a transformá-la
em vida, na busca da terra sem males, como Jesus de Nazaré a sonhou.
Referências bibliográficas
FERRARO, Benedito. A teologia como produto social e produtora da
sociedade: a relevância da teologia, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ,
W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo:
Paulinas, 2011.
LIBANIO. J. B. O ser humano como ser histórico, in: BAPTISTA, P. A. N. e
SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos,
São Paulo: Paulinas, 2011.
MOLTMANN, Jürgen. El Dios Crucificado: La cruz de Cristo como base y
critica de toda teología cristiana. Salamanca: Segueme, 1977.
Download

atualidade da teologia