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Entrevista ∑ António Figueiredo
Edição ∑ Emília Amaral
Fotografia ∑ Nuno Ferreira
Jornal do Centro
05 | Fevereiro | 2010
à conversa
Nasceu em Viseu a
30 de Setembro de
1937. Professor catedrático da Universidade de Coimbra,
considerado o
“pai” do Código
Penal Português,
foi homenageado
no sábado, dia 30
de Janeiro pela
Câmara Viseu com
a entrega da Medalha Municipal de
Mérito e pela delegação da Ordem
dos Advogados.
Durante o fim-desemana participou
no XI Encontro de
Inverno dos Advogados do Distrito
Judicial de Coimbra.
Cedeu a sua casa
de memórias, na
Rua Direita para
ver transformada
num espaço onde
se conte a história
da passagem dos
judeus por Viseu.
Em Portugal legisla-se “demais”
Está satisfeito por Viseu não
o ter esquecido?
Naturalmente, embora
deva dizer-lhe que nunca
pensei que estava esquecido. Essa questão nunca
se me pôs. O que tem havido desde sempre, e espero que continue até ao
fim dos meus dias, é uma
comunhão enorme entre mim e a própria cidade. Orgulho-me de ser
um viseense, não tenho
grandes manifestações de
bairrismo, mas a verdade
é que amo a minha cidade e nada me é mais grato
que um novo encontro entre mim e Viseu.
Como olha hoje para Viseu?
Saí daqui para ir para
a universidade, tinha 16
anos, ia fazer 17. A partir daí tornei-me, inevitavelmente, um cidadão de
Coimbra, mas a verdade
é esta: quer eu, quer a minha mulher, que também é
de Viseu, nunca deixámos
quase religiosamente de
vir aqui sistematicamente todos os 15 dias de férias
das Natal, todos os 15 dias
das férias da Páscoa, um
mês no Verão e inúmeros
fins-de-semana. Não chego a Viseu com a sensação
de encontrar algo de estranho.
Acompanhou sempre o desenvolvimento de Viseu.
Nunca cheguei aqui e
olhei para qualquer das
suas realizações urbanísticas como uma coisa nova.
Viseu como cidade tem
crescido extraordinariamente bem.
É o desenvolvimento que o
orgulha como viseense?
É. Estou a falar do desenvolvimento urbano. Com
todas as dificuldades que
as novas condições sociais
impõem, é uma cidade que
tem crescido extraordinariamente bem. Há uma
parte central que conti-
nua mais preservada, agora até mais preservada que
no meu tempo de menino e
moço. À roda dela, em camadas sucessivas, têm nascido muito bem os bairros
novos.
Vai continuar a vir a Viseu
com regularidade?
Agora já menos, porque
não tenho uma casa para
ficar, mas há sítios onde
posso e gosto de ficar e,
tenho a certeza, continuarei a vir.
Foi fácil chegar a acordo com
a Câmara Municipal de Viseu
para ceder a casa da Rua Direita, onde se vai instalar um
museu municipal para recordar a passagem dos judeus
por Viseu?
Eu di ria que foi u m
acordo feito num gesto,
conversando acidentalmente com o senhor presidente da Câmara [Fernando Ruas]. Disse que
gostava de reabilitar a
casa mas, se calhar, estava para além das minhas
forças. Foi quando se começou a falar que seria a
sinagoga, porque no meu
tempo o problema não se
punha. A ideia mais vulgarizada era que aquilo
seria uma casa do século
XVI, agora há documentos que a colocam alguns
séculos antes e estará
comprovado que é sinagoga.
As expectativas são fortíssimas. Eu queria que não
esquecessem que a casa foi
vendida numa expectativa.
Tinha vendido por mais
[dinheiro] se quisesse que
fosse para lá uma loja de
comércio. Não tenho razões para não confiar que
será o tal museu, uma casa,
ou uma biblioteca, ligada a
temas judaicos.
Surpreendeu-o o pormenor?
Reporto-me à tabacaria.
Era uma tabacaria que faz
lembrar hoje os espaços de
livrarias de ponta. Havia
espaço para as pessoas se
sentarem, conversarem,
por ventura comprarem o
seu charuto ao meu avô. Eu
miúdo, sabia que havia uns
dias em que tinha que ter
particular cuidado porque
eram os dias em que iam
lá Aquilino Ribeiro e o dr.
Azeredo Perdigão. Essa é a
primeira grande memória,
mas há pequenas memó-
Não me surpreendeu
completamente, apesar de
não ser um conhecedor,
havia alguma coisa que
era óbvia. A casa tinha sinais judaicos, mesmo na
própria pedra. Admiti que
fosse de duas épocas diferentes, mas nunca tinha
pensado verdadeiramente
nas coisas.
Quais são as expectativas
sobre o espaço que ali vai
nascer?
Que memórias guarda daquela casa?
rias interessantíssimas.
Conte-nos.
Eram tempos de guerra e havia extrema dificuldade na distribuição
de cigarros. No dia em
que chegavam os cigarros, à terça-feira suponho,
formava-se uma fila que ia
da tabacaria até à Rua Formosa. E eu, miúdo, adorava vir para baixo e ver vender o “Três 20’s”, o “Definitivos”, o “Provisórios”,
até que ainda havia fila...
mas não havia mais cigarros. O meu pai tinha a chamada agência de viagens
e passaportes, só que não
havia turismo. Então o que
era? Era fundamentalmente para dar viagens aos
emigrantes que iam para
o Brasil, para a Venezuela, etc. O Estado, Salazar
acabou com as agências de
viagens e o meu pai, de um
momento para o outro, ficou sem nada. O pai da minha mãe, já com muita ida-
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Entrevista do Professor Figueiredo Dias ao JORNAL DO CENTRO